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PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DA 5ª REGIÃO


Seção Judiciária do Ceará – 3a Vara Federal
Praça Murilo Borges, s/n, Ed. Raul Barbosa, 9º andar, Centro, Fortaleza-CE,
CEP 60035-210

Sentença nº __________________/2017.
Processo nº 0009465-50.2013.4.05.8100.
Classe 1 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
Réu: ARGEMIRO GUIDOLIN FILHO.

SENTENÇA

1. RELATÓRIO

Trata-se de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público


Federal, contra Argemiro Guidolin Filho, proprietário da barraca de praia
Crocobeach, situada na Praia do Futuro, em Fortaleza/CE.

Aduz o autor que de acordo com apuração do procedimento


administrativo de nº 1.15.000.001613/2013-17, instaurado no âmbito da
Procuradoria da República do Estado do Ceará, o promovido estaria
impedindo a livre circulação de pessoas que não sejam seus clientes,
notadamente vendedores ambulantes, inclusive mediante ameaças e
agressões físicas verbais. Em fim, sustenta que a conduta do réu atenta
contra o direito fundamental de ir e vir dos cidadãos, agravada pelo fato
de se tratar de praia, bem de uso comum do povo. Alega ainda que o
aforamento de terreno de marinha não pode limitar o acesso às praias e
ao mar.

Exposto os fatos e fundamentos jurídicos do pedido requereu,


pois, a concessão de medida liminar sem ouvida da parte contrária para
determinar ao demandado que se abstivesse, por si ou por seus
prepostos, de impedir, por qualquer meio, o acesso e o trânsito de
pessoas na área de praia em frente ou circundante ao seu
estabelecimento, bem como de impedir ou dificultar a aquisição, por seus
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clientes, de produtos comercializados por vendedores ambulantes, que
não concorram com os produtos oferecidos pela Crocobeach. Requereu
ainda que o réu, na qualidade de proprietário da barraca, impeça a
aquisição de água ou de qualquer outro produto por vendedores
ambulantes. No mérito, requereu a confirmação da liminar, pugnando
pela procedência do pedido.

Com a inicial, os documentos de fls. 13/29, especialmente


cópia do procedimento administrativo nº 1.15.000.001613/2013-17.

Previamente citado, o promovido apresentou contestação


(fls. 37/58), acompanhada dos documentos (59/70), alegando
preliminarmente a ausência de interesse processual. No mérito,
essencialmente defende que os fatos alegados pelo MPF não são
verdadeiros e que a conduta do promovido e de seus prepostos consiste
apenas em advertir os clientes para não adquirirem produtos de
procedência duvidosa e condições precárias de armazenamento, em
atenção à saúde e à segurança dos próprios clientes. Requer em fim o
indeferimento o pedido de liminar e no mérito a improcedência do feito.

Realizada audiência de instrução e julgamento na qual foi


ouvido o depoimento pessoal do réu.

Deferido o pedido de Tutela de Urgência, da qual foram


interpostos Embargos de Declaração.

O Município de Fortaleza veio aos autos declarar que não tem


interesse na causa (fls. 168/177).

Eis o breve relatório. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O cerne da questão resume-se em saber se o réu, Argemiro


Guidolin Filho, proprietário da barraca de praia Crocobeach, situada na
Praia do Futuro, em Fortaleza (CE), estaria impedindo a livre circulação de
pessoas que não sejam seus clientes, notadamente vendedores
ambulantes, inclusive mediante ameaças e agressões físicas verbais.

O procedimento administrativo levado a efeito no âmbito da


Procuradoria da República no Estado do Ceará apurou elementos que
indicam que o promovido, na qualidade de proprietário da barraca
Crocobeach, da Praia do Futuro, estaria, de fato, impedindo a livre

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circulação dos vendedores ambulantes na faixa de praia, inclusive
mediante violência física e verbal. Constatou-se, mediante declarações
prestadas no curso do procedimento, que a comercialização de produtos
dos ambulantes aos consumidores da barraca estaria sendo vedada, a
pretexto de garantir a segurança dos clientes. Apurou ainda terem sido
construídas três passarelas de concreto partindo do interior da barraca em
direção à faixa de praia, nas quais os vendedores ambulantes estariam
sendo proibidos de transitar.

Em audiência, os elementos apontados pelo MPF no referido


procedimento administrativo foram comprovados judicialmente, em que
ficou claro que existe uma animosidade entre os ambulantes e o
proprietário da barraca. Aliás, em certo sentido, o requerido assume que
impõe dificuldades para a comercialização de produtos por ambulantes,
no interior de seu estabelecimento, sob o pretexto de que tais medidas
seriam adotadas em benefício da segurança dos clientes.

A conduta do requerido viola claramente a Lei 7.661/88, que


regulamenta o uso das praias. Vale conferir o art. 10:
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo,
sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao
mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos
considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos
em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma
de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte
o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as
características e as modalidades de acesso que garantam o uso
público das praias e do mar.
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta
periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente
de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e
pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural,
ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.

Ressalte-se que eventual fiscalização da atividade de


ambulante, mesmo no interior da barraca de praia, não pode ser realizada
manu militari pelo particular. Cabe à municipalidade exercer a fiscalização
da referida atividade e, se for o caso, coibir o comércio ilegal. Ao particular
é tão somente facultado o direito de comunicar eventual atividade ilícita

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ao poder público, mas jamais substituir o poder de polícia que uma
atividade tipicamente estatal.

Dessa forma, em observância aos referidos preceitos legais e


ante os ponderáveis elementos presentes nos autos que indicam a ofensa
ao direito de livre locomoção dos cidadãos em faixa de praia, bem como
indícios de que tal prática vem sendo continuamente reiterada pelo
promovido e seus prepostos, atentando contra direito fundamental
consubstanciado na Constituição da República, há de ser deferida tutela
judicial a fim de assegurar a livre locomoção de quaisquer cidadãos na
faixa de praia e no acesso ao mar, inclusive dos vendedores ambulantes,
sem que sejam molestados no direito de exercer sua atividade profissional
e comercializar seus produtos, quando não concorrentes com aqueles
vendidos pela barraca Crocobeach.

Nesse sentido, a tutela de urgência já concedida (fls.


118/121), há de ser confirmada em todos os seus termos. O valor da
multa aplicada (R$ 5.000,00) é perfeitamente compatível e proporcional
se for levada em conta o faturamento diário da barraca de praia. Além
disso, a decisão é clara quanto à obrigação de fazer, na medida em que
proíbe que o demandado impeça o acesso e o trânsito de pessoas à área
de praia e mar correspondente ao estabelecimento, bem como a
comercialização de produtos oferecidos por vendedores ambulantes.

Obviamente, eventual alegação de descumprimento da


decisão judicial há de ser provada por quem alega e, caso fique
comprovado que o requerido continua impedindo o livre trânsito de
ambulantes no interior do seu estabelecimento, a multa há de ser aplicada
tal como já prevista.

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, mantendo os


efeitos da Tutela de Urgência já deferida, para que o promovido e seus
prepostos da barraca Crocobeach se abstenham de impedir o acesso e o
trânsito de pessoas à área de praia e ao mar, correspondentes ao seu
estabelecimento, bem como se abstenham de impedir a comercialização
de produtos não concorrentes com os da barraca Crocobeach, oferecidos
por vendedores ambulantes, assim como se abstenham de negar aos
vendedores ambulantes a compra de produtos comercializados pela

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barraca. Fica mantida a multa diária aplicada, no montante de R$
5.000,00.

Ficam prejudicados os embargos de declaração propostos


contra a decisão antecipatória, tendo em vista a fundamentação supra,
que esclareceu eventuais dúvidas quanto à ordem judicial.

Sem custas e sem honorários, por incabíveis na espécie.

P.R.I.

Fortaleza/CE, 03 fevereiro de 2017.

George Marmelstein Lima


JUIZ FEDERAL

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