Antonio Lopes Neto - Direito Administrativo PDF

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Sumário

Capítulo I - ATO ADMINISTRATIVO EM GERAL ... 17


1 Do Ato Administrativo ... 19
2 Revogação - Visão jurisprudencial ... 20
3 Poder discricionário - Visão jurisprudencial ... 21
4 Servidor - Vantagem pecuniária ... 24
5 Pareceres ... 32
Capítulo II - CONTRATO ADMINISTRATIVO ... 45
1 Conceito ... 47
2 Cláusulas exorbitantes ... 47
3 Princípio da continuidade do serviço público ... 51
4 Formalização e publicação ... 66
5 Princípios da igualdade e da impessoalidade ... 66
6 Ampla defesa e contraditório ... 67
Capítulo III - CONTRATO DE GESTÃO ... 69
1 Conceito ... 71
2 Licitação ... 71
3 Dispensa ... 72
Capítulo IV -LICITAÇÃO ... 73
1 Procedimento licitatório - Conceito ... 75
2 Tomada de preços - Exibição de documentos ... 76
3 Ampla publicidade - Parecer ... 85
4 Preços ... 87
5 Veículos - Ação de cobrança ... 93
6 Anulação e revogação do Ato Administrativo - Súmula 473 do STF . 104
Capítulo V - CONTRATAÇÃO PELO PODER PÚBLICO DE ADVOGADO POR PERÍODO CONTINUADO,
COM DISPENSA DE LICITAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE ... 109
1 Conveniência e oportunidade ... 111
2 Sanções cíveis e criminais ... 115
3 Ação civil pública - Arts. 6° e 7° da Lei n. 7.347I85 -
Comentários ... 119
4 Decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) - Inexigibilidade de
licitação ... 122
5 Prescrição ... 137
Capítulo VI - ADVOCACIA - NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO ... 139
1 Conceito ... 141
2 Requisitos ... 142
Capítulo VII - PRESTAÇÃO DE CONTAS - PREFEITO MLTNICIPAL ... 147
1 Moralidade pública ... 149
2 Ação declaratória - Acórdãos ... 150
Capítulo VIII - DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE LEI MUNICIPAL VIA ATO
ADMINISTRATIVO - IMPOSSIBILSADE ... 157
Capítulo IX - COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO (CPI) ... 161
1 Abordagem jurídico-social ... 163
2 Funcionamento da CPI - Parecer ... 164
3 Visão jurisprudencial ... 168
Capítulo XX - REPASSE DE DUODÉCIMO AO PODER LEGISLATIVO ... 171
1 Autonomia dos Poderes ... 173
2 Visão jurisprudencial ... 177
Capítulo XI - CRIAÇÃO DE TRIBUTOS - ALTERAÇÃO DE ALÍQUOTAS DOS IMPOSTOS ... 183
Capítulo XII - CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PRINCÍPIO DA
INSDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO ... 187
Capítulo XIII - DIREITO INTERTEMPORAL - SEGURANÇA JURÍDICA ... 191

Capítulo XIV - JURISPRUDÊNCIAS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS


GERAIS ... 195
1 Aumento de vencimentos - Inconstitucionalidade ... 197
2 Nomeação e exoneração ... 200
3 Celebração de convênios - Urgência - Interesse Público ... 202
4 Matéria orçamentária e tributária ... 210
5 Mesa diretora - Mandato - Poder Legislativo ... 216
6 Recomposição de vencimentos ... 219
7 Separação e independência dos poderes - Iniciativa de lei ... 226
8 Subempreitada - Violação de contrato ... 229

Bibliografia ...231

Capítulo I

ATO ADMINISTRATIVO EM GERAL

& 1 DO ATO ADMINISTRATIVO

Estando o Estado Democrático alicerçado em pilas-


tras de sólida estrutura política, jurídica e administrativa,
condições essenciais à sua sobrevivência e permanente
aprimoramento, ele necessita, para alcançar com eficiência
seus fins e executar suas ações administrativas voltadas
para o interesse da sociedade, de Atos que consubstanciem
a dinâmica do aparelho estatal.
Assim, os Atos Administrativos revestem-se de ele-
mentos capazes de alcançar o seu objetivo nos campos
administrativo e jurídico.
São requisitos fundamentais do Ato Administrativo:
I - competência da autoridade;
II - objeto lícito;
III - forma prescrita em lei;
IV - fundamentação.
De sabença trivial que, no sistema jurídico pátrio,
qualquer ato administrativo gerador de despesa pública não
dispensa a devida previsão orçamentária, e a não-observân-
cia dessa condição conduz o administrador à pena de desvio
de verbas públicas. A realização de despesa pública está
atrelada à Lei Orçamentária e à Lei de Diretrizes Orçamen-
tárias (ver art. 165, I,II e III, da CF).

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O administrador só pode realizar despesa com autori-


zação legal, indicando, de plano, a disponibilidade financei-
ra. Em hipótese alguma, as condições aqui expostas po-
dem ser desatendidas, sob risco de penalização para o seu
infrator (ver art. 85, VI, da CF, e a Lei Federal n. 8.429I92).
O juízo de conveniência e oportunidade da medida
admi.stratàva a ser adotada pelo agente político é discricio-
nário; entretanto, está adstrito à lei e ao interesse público,
razão pela qual não é absoluto e/ou inquestionável e sim
relativo (ver art. 49, V, da CF).
Caso o administrador público priorize a edificação de
escolas, após a sua aprovação no orçamento quando da
execução, deverá levar em conta, dentre os outros fatores
objetivos, a demanda existente nas localidades a serem bene-
ficiadas. O exemplo aqui registrado pode ser projetado para
tantas outras ações de governo, sempre materializadas atra-
vés de Atos Administrativos editados pelo administrador.

& 2 REVOGAÇÁO - VISÃO JURISPRUDENCIAL

Deparamos com casos interessantes que envolvem a edi-


ção de procedimentos administrativos pelos órgãos públicos:
"O recurso é próprio e tempestivo. Está regularmente
processado e preparado. Dele conheço.
Cuida-se de recurso de apelação pela apelante, visando à
cassação do ato administrativo do apelado, determinando
a suspensão da edificação de um templo da recorrente,
após tê-la autorizado mediante alvará.
Entende a recorrente que a autorização para a construção
de um templo constitui ato administrativo irrevogável,

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sendo ilegal e arbitrário 0 outro ato, que determinou a


suspensão de sua construção.
Não se trata de anulamento de ato administrativo pela
própria administração. Não se trata de hipótese de nulida-
de do ato anterior. Na realidade, o que ocorreu foi mera
revogação, que é uma discrição da Administração no pro-
cessamento positivo de suas funções. O seu fundamento é
o interesse público. Assim sendo, não cabe ao Poder Judi-
ciário revogá-lo ou cassá-lo. A Administração tem o po-
der-dever de rever os próprios atos, por motivo de mérito,
através da revogação ou por vício de nulidade, através do
anulamento. Se prejuízo adveio à impetrante com o início
das obras e posterior paralisação delas, cumpre-lhe valer-
se das vias ordinárias para se ressarcir dos prejuízos, não
sendo própria a via estreita do writ of mandamus eleita,
tendo em vista a inexistência de ilegalidade manifesta da
autoridade municipal ou de sua conduta abusiva.
A sentença de primeiro grau bem compôs o litígio e não
está a merecer qualquer reparo.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso.
Custas pela apelante.

Des. Antônio Hélio Silva: De acordo.


Des. Lucena Pereira: De acordo.
Sr. Des.-Presidente: Negaram provimento (Ap. Cív. n.
87.456I1 - Comarca de Barão de Cocais - MG - Apelan-
te: Igreja X - Apelado: Prefeito Municipal - Relator: Des.
Orlando Carvalho).

& 3 PODER DISCRICIONÁRIO - VISÃO JURISPRUDENCIAI.


"Conheço do recurso, em reexame necessário, inexistin-
do recurso voluntário.

21

Cuida-se de reexame necessário de sentença concessiva


de mandado de .segurança autorizando a instalação de
posto de gasolina em área residencial de Guaxupé, dene-
gada pelo Executivo Municipal, por considerar, este, a
preponderância do uso residencial sobre o comercial.
O decisório considerou indemonstrado dispositivo legal,
vedando a instalação pretendida.
O ilustrado Procurador de Justiça, Dr. Lopes Neto, opina
caber ao Executivo julgar da conveniência ou não do
funcionamento de postos de combustível em determina-
das áreas urbanas, inexistindo normas legais pertinentes.
Data venia, com razão o criterioso Procurador de Justiça.
Com efeito, a área em que se busca instalar o posto é
residencial, a despeito de existir algum comércio, sem
contudo oferecer os riscos inerentes à instalação pretendi-
da. Além do mais, um erro não justifica o outro.
São inegáveis os altos riscos e transtornos advindos do
armazenamento e distribuição de combustível e no
atendimento aos usuários, com riscos de explosões,
com freqüência incômoda e com a inevitável sujeira da
via pública.
Despiciendo é não vir demonstrado dispositivo legal ex-
presso vedando a instalação requerida, pois as normas
legais são genéricas, abstratas, gerais e conferem ao Exe-
cutivo o poder-dever discricionário na busca do interesse
público.
No magistério do renomado Hely Lopes Meirelles,
`a missão do Prefeito, como Chefe do Executivo, é a do
comando da administração municipal. Em suma, sua mis-
são, como a de todo governante, ê prover as necessidades
coletivas da entidade administrativa.

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O Prefeito age por meio de atos concretos e específicos de


administração (atos administrativos), ao passo que a Câ-
mara desempenha as suas atribuições editando normas
abstratas e gerais de conduta (leis em sentido formal e
material). Nisso se distinguem as atividades dos dois ór-
gãos municipais. O ato administrativo (do Prefeito) é sem-
pre dirigido a um objetivo imediato, concreto e especial; o
ato legislativo (da Câmara) é sempre imediato, abstrato e
geral. O Prefeito provê in concreto, em razão de seu poder
de administrar; a Câmara provê in abstrato, em virtude de
seu poder de regular' (Direito municipal brasileiro. 2.
ed., São Paulo: RT, 1964, v. II, p. 500.)
Aliás, ao contrário do entendido, caberia ao impetrante
demonstrar seu direito fundado em disposição normativa
para a instalação de postos de gasolina em áreas
residenciais. E o próprio requerente reconhece ser omisso
o Código de posturas municipais, quanto à matéria (fls. 4).
Daí, inexistir ofensa a direito líquido e certo lesado, mas
controle sobre interesses particulares, submissos ao geral,
sendo incontroversa ser a zona questionada residencial,
lícito sendo considerá-la preponderante sobre a comercial.
Assim, em reexame, reformo a sentença, denegando a
ordem mandamental, considerando legal a decisão que
indeferiu a permissão requerida.
Custas, pelo apelante.

Des. Orlando Carvalho: De acordo com o Relator.


Des. Antônio Hélio Silva: De acordo com o Relator.
Des. Presidente: Reformaram a sentença no reexame
necessário" (Ap. Cív. n. 88.768I1 - Comarca de Guaxupé -
MG - Apelante: O Juízo, pelo Prefeito Municipal- Apela-
do: Posto X - Relator: Des. Arthur Mafra).
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& 4 SERVIDOR - VANTAGEM PECUNIARIA

Registre-se, ainda, que o Ato Administrativo que nega


a concessão de vantagem pecuniária a servidor e/ou agente
público pode ser atacado judicialmente via mandado de segu-
rança. Como exemplo, transcrevemos a seguinte petição:
Excelentíssimo Senhor
Desembargador-Presidente do egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
Antônio Lopes Neto, brasileiro, casado, Procurador de
Justiça do Estado de Minas Gerais, aposentado, residente e
domiciliado na Rua Guilherme de Almeida, 150/202, Santo
Antônio, Belo Horizonte, MG, inscrito na OAB-MG sob o
n. 29.259, vem, em causa própria, com esteio no art. 5°,
LXIX, da Carta Magna, no art. 129 da LC Mineira n. 34I94
(Estatuto do Ministério Público de Minas Gerais), na Lei n.
1.533/51 e demais disposições normativas aplicáveis ao
writ of mandamus, máxime a jurisprudência dos tribunais
a respeito da espécie, aqui versada, impetrar o presente
mandado de segurança com pedido de medida liminar con-
tra ato ilegal e abusivo, data venia, da lavra do eminente
Procurador-Geral da Justiça do Estado de Minas Gerais, que
lhe denegou o direito líquido e certo de ser ressarcido das
férias normais que adquiriu como servidor publico estadual
e não usufruída em tempo por absoluta e caracterizada
necessidade de serviço, como passa a relatar e demonstrar:
1. Do cabimento do mandado de segurança
1.1. As condições gerais da ação de mandado de
segurança são aquelas previstas para o exercício das ações

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civis, ou seja, a legitimidade das partes, o interesse proces-


sual e a possibilidade do pedido.
1.2. Já as condições especiais desse tipo de ação
estão superiormente fixadas no art. 5°, LXIX, da Consti-
tuição Federal e se resumem, segundo a dicção constitucio-
nal, na presença de direito líquido e certo, vulnerado ou
ameaçado de vulneração por ato praticado nu na
iminência de ser praticado por autoridade pública ou por
agente de pessoa jurídica privada, desde que no desempe-
nho de função pública.
1.3. Pela expressão direito líquido e certo, inserida no
item constitucional em apreço, se entende, na lição sempre
atual do Prof. Hely Lopes Meirelles, como "o que se
apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua
extensão e apto a ser exercido no momento da impetração"
(Mandado de segurança. São Paulo: RT, 1989, p. 13), daí
se impor ao impetrante demonstrar, de logo e em forma
documental, todo o seu conteúdo, indicando a fonte norma-
tiva imediata e provando a ocorrência da lesão jurídica, em
decorrência do ato do agente.
1.4. Por conseguinte, dado o nível constitucional da
garantia do mandado de segurança, nenhuma outra exigên-
cia de ordem processual se haverá de fazer quanto aos
pressupostos da ação, não tendo maior relevo, portanto, a
espécie jurídica versada no pedido, podendo ser de nature-
za cível, administrativa, trabalhista, eleitoral, tributária e
até penal, desde que, neste caso, não diga respeito à liberda-
de de locomoção, que é o campo de incidência do habeas
corpus.
1.5. De outro lado, a ação de segurança se mostra de
extrema valia e prestabilidade, pelo seu rito célere, à prote-
ção de direitos individuais qualificados pela emergenciali-
dade, qual o de natureza alimentar, que sempre exige
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atendimento urgente, sob pena de efetivação de lesões irrepará-
veis, que nem mesmo o atendimento ulterior do pedido sana
por inteiro, por ser de todo impossível o retrocesso do
tempo.
1.6. Em demandas mandamentais contra a Adminis-
tração Pública como esta, não há qualquer mágoa aos inte-
resses públicos se se dá atendimento imediato ao pleito
(atendimento liminar), pois a relação jurídica continuativa
com o seu servidor (ainda que inativo) assegura a cômoda
composição futura de eventual dano, inclusive mediante
descontos em folha de pagamento ou de proventos.
1.7. Na relação jurídica com a Administração Públi-
ca, o seu servidor (ou inativo) é sempre a parte hipossufici-
ente, não lhe sendo mesmo possível causar dano irreparável
ao Erário (dada a sempre presente possibilidade de descon-
tos em folha), o que não é verdadeiro quanto parte
postulante, que não tem ao seu dispor um mecanismo de
autocomposição instantânea.
2. Da conversibilidade do direito em perdas e danos
2.1. O impetrante se aposentou no cargo de Procura-
dor de Justiça do Estado de Minas Gerais (publicado no
Minas Gerais, edição de 6/1 1/98), possuindo, entretanto, na
data da inativação voluntária, três períodos integrais e um
período de vinte dias de férias compensatórias não usufruídas
nas épocas próprias, em razão de necessidade de serviço,
aliás detectada pela própria ilustre autoridade impetrada.
2.2. Concluída a inativação voluntária, o impetrante
postulou, na via admmistrativa, com amplas indicações u-
risprudenciais favoráveis, o ressarcimento em pecúnia des-
ses mesmos períodos de férias compensatórias (cópia anexa
do pedido administrativo em alusão no doc. 1).

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2.3. Cumpridas as fases do trâmite interno na Procu-


radoria-Geral da Justiça do Estado de Minas Gerais, insti-
tuição a que o impetrante, com sadio orgulho, serviu com
devotamento e competência por largos anos, conforme cer-
tidão anexa (doc. 2), foi literalmente surpreendido com o
ato de indeferimento do seu pleito administrativo, emitido
pelo ilustre doutor Procurador-Geral da Justiça de Minas
Gerais, ora impetrado, como se vê no incluso despacho da
sua lavra (doc. 3), repassado à ciência do impetrante por
ofício do Secretário-Geral da PGJMG (doc. 4).
2.4. A ilegalidade e lesividade do ato do eminente
Procurador-Geral da Justiça de Minas Gerais é, data venia,
flagrante e manifesta, resultando, mesmo à primeira vista,
da própria instituição jurídica mais comum, encontrável
até na mente das pessoas que não são iniciadas no
universo do Direito: trata-se da velha e sempre repetida
noção de que ninguém pode obter benefícios em detrimento
dos interesses alheios.
2.5. Os juristas romanos, que viveram em recuadas
épocas e em ambiente de menor apreço aos direitos indivi-
duais, já haviam cunhado a máxima do alterum non
laedere (não causar prejuízo a outrem), conferindo-lhe
mesmo a dignidade de parte do conceito de Justiça, como
ensinava Gaio.
2.6. Essa regra áurea passou ao Direito Medieval
sob a forma de vedação ao acolhimento da conduta
injurídica, dizendo-se que nemo auditur propriam
turpitudinem alegans (não se dará ouvidos a quem alega a
própria esperteza), daí migrando para as velhas Ordena-
ções do Reino de Portugal e, depois, para os Códigos
Civis modernos (dentre os quais o nosso, de 1916), consa-
grando-se o preceito proibitivo do locupletamento (ou do
enriquecimento de causa).

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2.7. Não há negar que a forma ordinária (e mesmo


desejável) de realização dos direitos individuais é segura-
mente a sua execução específica, ou seja, a fruição dos
direitos ao modo pelo qual eles se constituíram, segundo os
correspondentes títulos de aquisição.
2.8. Mas, se a execução específica se torna impossí-
vel, nem por isso ficará a titular do direito frustrado,
cabendo nesse caso a execução alternativa, através das
perdas e danos.
2.9. A conversão em perdas e danos é a maneira
jurídica de não desfalcar os patrimônios dos indivíduos dos
seus direitos, quando a execução específica se impossibili-
ta, por fatos de ordem natural (como a morte) ou de ordem
jurídica (como a perda de capacidade).
3. Do direito líquido e certo do impetrante
3.1. O art. 129 do Estatuto do Ministério Público de
Minas Gerais (LC n. 34/94) enuncia de forma conclusiva:
"Art. 129. As férias-prêmio poderão ser convertidas em
espécie ou ter contadas em dobro, para efeito de aposenta-
doria, os períodos não gozados."
3.2. A norma consagra uma situação evidente, qual
seja a de que o servidor não será prejudicado no seu direito
às férias-prêmio. Contudo, raciocinar que somente as féri-
as-prêmio são conversíveis em pecúnia (convertidas em
espécie) e as férias compensatórias não o são, como o fez a
autoridade impetrada, é o mesmo que admitir a lesividade
administrativa quanto às férias compensatórias, em detri-
mento do servidor, permitindo que a administração se lo-
cuplete à sua custa.

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3.3. O que está dito nesse item legal é na verdade que


até as férias-prêmio são conversíveis em pecúnia, por se
tratar de benesse, pois as férias compensatórias são eviden-
temente conversíveis, por se tratar de direito conspícuo,
instituído com a finalidade de ensejar a recuperação física
do servidor.
3.4. A jurisprudência do colendo Superior Tribunal
de Justiça tem orientação segura quanto a esse direito à
conversão, o qual se funda no critério da justiça e no precei-
to do alterum non laedere:
"Administrativo - Servidor público aposentado - Férias
proporcionais não gozadas - Conversão em pecúnia -
Recurso não conhecido."
"I. É dever da Administração proporcionar o gozo de
férias anuais de seus servidores. Do contrário, será obri-
gada a indenizar o servidor, mesmo aposentado voluntari-
amente.
II. Recurso não conhecido." (REsp. 63.853-DF, Rel. Min.
Adhemar Maciel, DJU 7I8I95, p. 23.107).
"Administrativo - Férias proporcionais não gozadas -
Aposentadoria - Pagamento em pecúnia - Possibilidade -
Verba de caráter indenizatório."
"1. O servidor aposentado, ainda que voluntariamente,
tem direito a receber em pecúnia as férias não gozadas
quando na ativa, acrescidas do terço constitucional, por-
quanto trata-se de verba de caráter indenizatório, não
constituindo espécie de remuneração, mas mera reparação
do dano econômico sofrido pelo funcionário, restabele-
cendo-se a integridade patrimonial desfalcada. Preceden-
tes da Corte.

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2. Recurso especial não conhecido" (REsp. 72.774-DF,


Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU 23/6/97, p. 29.197).
"Administrativo - Servidor aposentado - Férias não goza-
das - Indenização pecuniária - Possibilidade."
"1. O servidor aposentado tem direito ao recebimento de
pecúnia das férias não gozadas por necessidade de servi-
ço.
2. Precedentes.

3. Recurso não conhecido" (REsp. 75.669-DF, Rel. Min.


Cid Flaquer Scartezzini, DJU 3I8I98, p. 276).
"Administrativo - Indenização - Férias não gozadas - Apo-
sentadoria - Correção monetária - Protelação - Multa."
"l. A Administração tem o dever de propiciar o gozo de
férias a seus servidores. Não cumprindo esse dever, por
necessidade do serviço, ë inegável a obrigação de indeni-
zar, respondendo por perdas e danos. O pedido de redução
de honorários não induz ser o recurso protelatório.
2. Provimento parcial, para excluir a multa" (REsp.
24.326-SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 26/10I92, p.
19.017).
3.5. Como se reconhece nessas paradigmáticas deci-
sões do colendo Superior Tribunal de Justiça, a situação
exposta pelo impetrante se reveste, sem dúvida alguma, das
características de direito líquido e certo, amparável na via
heróica do mandado de segurança, para fazer cessar, imedia-
tamente, a produção de efeitos danosos que o ato da autori-
dade impetrada esta a lavrar.

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4. Do pedido de medida liminar


4.1 . O art. 7° da Lei n. 1.533I51 prevê a concessão,
pelo juiz, de provimento judicial de eficácia instantânea,
quando as razões jurídicas expostas pela parte impetrante
(fundamento do pedido) se apresentam relevantes e a medi-
da judicial, se a final deferida, puder ser atingida de inefi-
cácia; essas exigências a doutrina tem denominado de
fumus boni juris e de periculum in mora, respectivamente.
4.2. No caso presente, a privação do impetrante da
fruição imediata do seu direito de ser ressarcido pecuniaria-
mente das férias que não usufruiu por conveniência admi-
nistrativa lhe causa prejuízo de grande monta, dada a natu-
reza alimentar desse direito.
4.3. Como já foi demonstrado, em demandas contra a
Administração Pública não há qualquer mágoa aos interes-
ses públicos atendimento imediato ao pleito, pois a relação
jurídica continuativa com o seu servidor (ainda que inati-
vo), assegura-lhe a cômoda composição futura de eventual
dano, inclusive mediante descontos em folha de pagamento
ou de proventos.
4.4. Na relação jurídica com a Administração Públi-
ca, o seu servidor (ou inativo), sempre a parte hipossuficien-
te, não lhe sendo mesmo possível causar dano irreparável
ao Erário público (dada a sempre presente possibilidade de
descontos em folha), o que não é verdadeiro quanto à parte
postulante, que não tem ao seu dispor, como se sabe, um
mecanismo de autocomposição instantânea.
4.5. Dessa forma, pede-se a concessão de medida
liminar para determinar-se à autoridade impetrada que pa-
gue ao impetrante, mediante folha complementar, o valor
pecuniário integral correspondente aos períodos de férias
não usufruídas, por conveniência da Administração Públi-
ca, no total de três períodos e mais vinte dias.

31

5. Do pedido de segurança
5.1. Pede-se ainda a concessão da ordem impetrada
para tomar definitivos os termos da medida liminar, conce-
dendo-se a final a ordem postulada, após a notificação da
autoridade para prestar informações (dentro de dez dias) e a
ouvida do órgão do Ministério Público.
5.2. Apelando-se para os suprimentos jurídicos dos
eminentes componentes desse egrégio Colegiado Judicante
e dando a esta, exclusivamente para os efeitos fiscais, o
valor de R$ 1.000,00,
Nestes termos,
Pede deferimento.

& 5 PARECERES

A respeito dos Atos em geral praticados pelo admi-


nistrador público, registramos, para encerrar o tópico inici-
almente anunciado (Do Ato Administrativo em Geral), po-
sições jurídicas por nós defendidas quando da análise (pare-
cer) de causas submetidas à apreciação do egrégio Tribunal
de Justiça do nosso Estado. Os pareceres a seguir transcri-
tos dizem respeito à matéria de real interesse para a Admi-
nistração Pública. Vejamos:

NOMEAÇÃO - CARGO INEXISTENTE


O Município de Miraí e outros, inconformados com a
decisão proferida pelo juiz a quo que julgou procedente a
presente ação popular "...para decretar inválido o contrato/
nomeação e posse do senhor A. L.V. como Chefe de Gabi-
nete do Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Miraí ..." e condenar

32

os senhores J.A.B. e A.L.V., antes qualificados,


"...como solidários, no pagamento de perdas e danos resul-
tante de tal contratação, o que poderá ser objeto de futura
especialização...", recorreram.
No mérito, não merece qualquer reforma a equilibra-
da decisão apelada. Vejamos:
Cuida-se de aÇão popular que visa à decretação da
nulidade do ato de contratação/nomeação do chefe de Gabi-
nete do Sr. Prefeito Municipal de Miraí, neste Estado, dada
a sua manifesta ilegalidade.
Comprovado, nos autos, a inexistência do cargo de
Chefe de Gabinete, e pela legislação em vigor, para que
ocorra qualquer nomeação de servidor público é mister a
existência do respectivo cargo, criado regularmente por lei.
Bem enfatizou o cuidadoso Promotor de Justiça que
oficiou neste processo:
" ... Ora, inexistindo o cargo de Chefia de Gabinete da
Prefeitura, não poderia o Executivo, via Portaria, nomear
qualquer pessoa para sua investidura, pois estaria invadin-
do esfera de competência de outro Poder, legislando por
via transversa ..."
Daí, correta a assertiva contida na decisão combatida:
"
... Concluindo, contratou o Exmo. Sr. Prefeito Munici-
pal de Miraí, através de portaria, um Chefe para o seu
respectivo Gabinete. Todavia, tal cargo (chefe de gabine-
te) não existe, pois necessitava de lei (formal) para ser
criado, e esta não consta da legislação local ..." (fls. 94).
Sobre o assunto em pauta, leciona Hely Lopes
Meirelles:

33

" ...Criação, transformação e extinção de cargos, funções


ou empregos públicos - A criação, transformação e
extinção de cargos, funções ou empregos do Poder Execu-
tivo exige lei de iniciativa privativa do Presidente da
República, dos Governadores dos Estados e do Distrito
Federal e dos Prefeitos Municipais, conforme seja fede-
ral, estadual ou municipal a Administração interessada,
abrangendo a Administração Direta, Autárquica e
Fundacional (CF, art. 61, § 1°, II, a).
" ... Provimento de cargos - Provimento é o ato pelo qual
se efetua o preenchimento do cargo público, com a desig-
nação de seu titular. O provimento pode ser originário, ou
inicial, e derivado. Provimento inicial ë o que se faz
através de nomeação, que pressupõe a inexistência de
vinculação entre a situação de serviço anterior do nomea-
do e o preenchimento do cargo..." (Direito administrativo
brasileiro. 16. ed., p. 358 e 360).
Data venia, essa esclarecedora doutrina se ajusta, per-
feitamente, às posições encampadas pelo doutor Promotor
de Justiça e pelo MM. Juiz de Direito.
A nossa constante preocupação de encontrar solução
justa para as demandas em que atuamos nos levou a um
profundo exame das teses apresentadas e, após um mergu-
lho profundo na doutrina e jurisprudência pertinentes, con-
cluímos, com convicção inarredável, que nenhuma razão
assiste aos apelantes.

No caso sub judice, segundo texto da legislação mu-


nicipal em vigor, não foram observados, quando da edição
do ato impugnado, os preceitos legais. Com efeito, além de
ilegal a contratação/nomeação impugnada, esta fere,
concessa venia, de modo flagrante, o princípio da morali-
dade que deve reger a Administração Pública, conforme
previsão contida no art. 37 da atual Carta Magna.
Os elementos de prova constantes no processo são
mais que suficientes, bastantes para sustentar a procedência
da peça vestibular da presente ação popular.
A decisão atacada é bem fundamentada e relatou com
precisão a matéria em discussão. O parecer do doutor Pro-
motor de Justiça, acolhido pelo ilustre juiz sentenciante,
robustece, pelo seu indiscutível conteúdo jurídico, a posi-
ção moralizadora adotada, em boa hora, pelo Poder Judiciá-
rio da Comarca de Miraí.
Essas colocações nos parecem suficientes para,
concessa venia, confirmar a decisão hostilizada, julgando-
se, assim, improcedente o recurso apresentado pelo Municí-
pio de Miraí e outros.

DOAÇÃO DE IMÓVEL
"O controle jurisdicional se restringe ao exame da legali-
dade do ato administrativo; mas por legalidade ou legiti-
midade se entende não só a conformação do ato com a lei,
como também com a moral administrativa e com o inte-
resse coletivo" (Decisão do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, TJSP - RDA 89/134 - Des. Cardoso
Ralim).
E como disse o conceituado professor Hely Lopes
Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro,
"com esse julgado pioneiro, a moralidade administrativa
ficou consagrada pela justiça, como também necessária a
validade da conduta do administrador público"(p. 81).
Trata-se de ação popular proposta contra o Prefeito
Municipal de Congonhal e outros, antes qualificados. Alega

35

o autor, Sr. P.J.S., que os seus conterrâneos M.P.S., J.O.M.


e M.S.M., todos qualificados na peça vestibular, praticaram
ato danoso aos cofres públicos, haja vista que a doação
efetuada pela Municipalidade à indústria F.P.Q.I., foi ile-
gal, porque a área em questão foi desapropriada com base
na Lei Federal n. 4.132/62 (desapropriação por interesse
social), que veda esse tipo de transação e que o valor pago
pela desapropriação do terreno em questão é superior ao
preço real, de mercado.
O processo teve regular tramitação.
A respeitável sentença de fls. e fls. do doutor V.J.V.,
operoso e culto Juiz de Direito da Comarca de Pouso Ale-
gre, no Sul das Minas Gerais, julgou a ação improcedente.
Por força dos recursos de ofício e voluntário, os autos
foram enviados ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais, para os devidos fins. Vê-se do acórdão de fls.
e fls. que referida Corte de Justiça, à unanimidade, confir-
mou a decisão de Primeira Instância.
O senhor P.J.S., qualificado na peça inicial, insatisfei-
to com a decisão de Segunda Instância, interpôs o presente
recurso especial. Contra-razões apresentadas às fls. e fls. É
o relatório.
Ora, é fato incontroverso que a implantação e o funcio-
namento de um parque industrial na pequena, porém aco-
lhedora, cidade de Congonhal, localizada no sul de Minas,
é de vital interesse social.
Portanto, não se afigura escorreita a assertiva do
combativo recorrente; não houve a propalada violação de
lei federal, visto que inúmeras decisões dos Tribunais Esta-
duais têm entendido que a desapropriação de imóvel por
parte da Municipalidade para, a seguir, doá-lo a indústria
que se compromete a ali instalar-se é lógica, é moral. Esse
tipo de procedimento não contraria, em momento algum, as
36

disposições contidas na Lei de Desapropriação por Interes-


se Social (Lei Federal n. 4.132/62).
Registre-se, ainda, que o ato impugnado na peça
recursal reveste-se dos princípios da legalidade, moralida-
de e impessoalidade, conforme disposto no art. 37 da Carta
Política de 5 de outubro de 1988.
O emitente Desembargador-Relator, em seu voto, as-
sim argumenta:
"...0 ato praticado por autoridade, que tinha poderes para
praticá-lo, porque previamente autorizado pelo Poder Le-
gislativo. O fato de estar a beneficiária da doação já
anteriormente na posse do bem doado não descaracteriza
o ato administrativo, porque foi este tão-somente
complementação do anterior concessivo de posse, com o
compromisso de transferência de domínio, firmado
pela municipalidade com a nova indústria do Distrito In-
dustrial, que estava a se implantar ..." (fls. 186).
Reporto-me, ainda, aos fundamentos do douto voto
da lavra do ilustre Desembargador Orlando Carvalho:
"...Nenhuma ilegalidade, outrossim, ocorreu, porque a de-
sapropriação foi feita com a finalidade social, qual seja, a
implantação do Distrito Industrial de Congonhal, com
geração de empregos e visando ao crescimento do Muni-
cípio. A doação não violentou a Lei n. 4.132, de 10 de
setembro de 1962, porque de há muito a jurisprudência se
firmou pela legalidade da doação de área para a instalação
de estabelecimentos industriais..."
E conclui sua Excelência:

...Quanto à alegação de que o preço não foi o real e justo


conforme determina a lei, se incumbiu a sentença de

37

demonstrar que o preço pago foi correspondente a outro do


mesmo lado da rodovia também depositado, contra o qual
não se insurgiu o apelante por ser beneficiária sua corre-
ligionária política..." (fls. 187).
O Município de Congonhal tem competência para
desapropriar, por interesse social, qualquer área do seu
território e para tal está escudado na Lei Federal n. 4.132/62,
e promover a justa distribuição da área, mediante plano
racional, visando ao desenvolvimento econômico, à
implementação de uma maior produtividade no setor indus-
trial e à geração de novos e necessários empregos, desses
tão carentes na região de Congonhal.
A decisão terminativa ora questionada, correta, não
comporta modificação, motivo pelo qual requer esta Procu-
radoria de Justiça a sua integral manutenção.
Nessa linha de raciocínio e de sustentação jurídica
antes desenvolvida, a manifestação do Ministério Público
de Minas Gerais, através desse pronunciamento, é pelo
conhecimento e improvimento do presente recurso especial
ajuizado pelo senhor Paulo José dos Santos, qualificado
nos autos.

PODER DE POLÍCIA
Cuida-se de agravo de instrumento extraído de ação
de manutenção de posse proposta contra o Departamento de
Estradas de Rodagem do nosso Estado.
Na Comarca de Araguari, neste Estado, a referida
Autarquia Estadual, com sede nesta Capitai, inconformada
com a decisão de primeiro grau que determinou a expedição
de mandado, nele constando expressamente a ordem, ao
DER, de imediatos reparos no trecho próximo ao comércio

38

do agravado, sob pena de submeter-se à indenização por


perdas e danos demonstrados pelo requerente..., agravou.
Às fls. 100, a Promotoria de Justiça da Comarca de
Araguari opina pela manutenção da decisão agravada.
Alega o DER/MG, Autarquia do nosso Estado, que o
agravado desrespeita a "faixa non edificandi"; que cons-
truiu o seu estabelecimento comercial, parte, dentro da fai-
xa de domínio público; que, para evitar o uso do acesso
"clandestino e irregular" que conduz ao referido comércio
do agravado, em nome da segurança do trânsito no local,
adotou medidas, no exercício do seu legítimo exercício do
poder de polícia, em favor dos interesses da coletividade.
Por sua vez, alega o agravado que as placas de trânsito
colocadas no local da demanda, as quais proíbem o estacio-
namento de veículos na área e que, no dizer do DER/MG
visam evitar acidentes, são de todo desnecessárias, haja
vista que ali jamais se constatou qualquer tipo de sinistro.
Por derradeiro, afirma o apelado que "as valas e pla-
cas foram feitas" sem nenhuma necessidade, tanto é prova
que a situação anterior já perdurava há mais de vinte anos
sem qualquer tipo de acidente.
Data maxima venia, a decisão hostilizada traduz, a
princípio, flagrante interferência do Poder Judiciário no
Executivo, de modo indevido. Senão vejamos:
Conforme amplamente demonstrado no processo, in-
discutível a legalidade dos meios empregados pelo DER/
MG no caso em tela, sendo estes compatíveis com a legisla-
ção pertinente.
Concessa venia, não se afigura, pois, escorreita a
assertiva do recorrido de que são desnecessárias as provi-
dências adotadas pelo Poder Público. Isso porque, no dizer
do saudoso mestre Themístocles Cavalcanti, a expressão
poder de polícia envolve,
39
"...em sentido amplo, o exercício do poder sobre as pesso-
as e as coisas, para atender o interesse público. Incluir
todas as restrições impostas pelo Poder Público aos indi-
víduos, em benefício do interesse coletivo, saúde, ordem
pública, segurança, e ainda mais os interesses econômicos
e sociais. Ensina Bielsa que o poder de polícia do Estado
estende-se à proteção integral da vida e do bem-estar
geral. Resolve-se em um conjunto de limitações impostas
ao indivíduo e à propriedade para assegurar os fins gerais
da sociedade, como a segurança, a saúde o conforto e a
propriedade. Otto Mayer o define como a manifestação do
Poder Público tendente a fazer cumprir o dever geral do
indivíduo. O poder de polícia visa, portanto, à proteção
dos bens, dos direitos, da liberdade, do bem-estar econô-
mico. Constitui uma limitação à liberdade individual, mas
tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos
essenciais ao homem...". (Curso de direito administrati-
vo, p. 133).
Na legislação brasileira, o poder de polícia está con-
ceituado no nosso Código Tributário:
"Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade adminis-
trativa pública que, limitando ou disciplinando direito,
interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou absten-
ção de fato, em razão de interesse público concernente à
segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina
da produção e do mercado, ao exercício de atividades
econômicas dependentes de concessão ou autorização
do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou coletivos:'
Como podemos perceber, o poder de polícia por parte
do DERIMG, no caso em pauta, foi exercido nos exatos

40

limites de sua atividade discricionária, inexistindo, pois,


qualquer tipo de abuso ou desvio de poder.
Indiscutível que a ação preventiva do DER/MG en-
contra lastro na doutrina do conceituado e saudoso jurista
Hely Lopes Meirelles:
"...Atuando a polícia administrativa de maneira preferen-
cialmente preventiva, ela age através de ordens e proibi-
ções, mas, e sobretudo, por meio de normas limitadoras e
sancionadoras da conduta daqueles que utilizam bens ou
exercem atividades que possam afetar a coletividade, es-
tabelecendo as denominadas limitações administrati-
vas..." (Direito administrativo brasileiro. 18. ed., p. 122).
A lição do mestre enquadra-se perfeitamente às posi-
ções administrativas adotadas pela referida Autarquia do
Estado de Minas Gerais, daí a imperiosa necessidade de
esta egrégia Corte de Justiça reformar a decisão agravada,
data máxima venia.
Diante de tais considerações, o provimento do pre-
sente agravo interposto pelo DER-MG se impõe, por ser
medida de direito e de justiça.

SUBSÍDIO-PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
No que tange ao subsídio (verba pecuniária paga a
determinadas categorias), com a promulgação da Emenda
Constitucional n. 19/98 indiscutível que o "princípio da
anterioridade" desapareceu do ordenamento jurídico, data
maxima venia. A interpretação sistemática da Constituição
da República nos oferece a tranqüilidade necessária para
defendermos essa posição jurídica. Sem desconhecer a de-
cisão do Supremo Tribunal Federal, que decretou a

41

invalidade do contido na Emenda Constitucional n. 3/1993,


que excluía do princípio da anterioridade tributária (art.
150, III, b, da CF) o denominado IPMF, entendemos que a
temática "subsídio" não se enquadra nesse contexto. Ali,
sim, o Poder Reformador deixou de observar direitos e
garantias fundamentais (direitos adquiridos); aqui, no sub-
sídio, não vislumbramos qualquer violação aos direitos in-
dividuais (direitos adquiridos - atos juridicos perfeitos -
coisa julgada); não houve, pois, violação de cláusula pétrea,
prevalecendo, assim, neste particular, a nova ordem consti-
tucional (Emenda Constitucional n. 19/98); a matéria em
discussão não é vedada ao Poder Reformador do Congresso
Nacional (Poder Constituinte Derivado).
Por constituir o tema subsídio num dos mais palpitan-
tes assuntos na esfera da Administração Pública, trazemos
duas posições defendidas por brilhantes e cultos Conselhei-
ros do egrégio Tribunal de Contas do nosso Estado.
Eis o trecho da posição contrária à nossa, defendida
com galhardia pelo preclaro Conselheiro Moura e Castro:
"...Sr. Presidente, acho que o importante desta consulta é
que eu levantei a inconstitucionalidade da eliminação do
princípio da anterioridade. Entendo que é inconstituci-
onal. Acho que o legislador foi infeliz ao formular a
redação da Emenda Constitucional em exame, uma vez
que esse princípio da anterioridade vem desde o Império,
e acho que, pela má redação, ele continua na Constituição,
no caput do art. 37. Mesmo porque eu tenho para mim que
as cláusulas pétreas da Constituição, ou são aquelas explí-
citas no art. 60, § 4°, ou elas são implícitas na própria
Constituição. Elas existem, são várias cláusulas, e existem
em todo o bojo da Constituição. O princípio da anteriori-
dade faz-se assente nos princípios da impessoalidade e da

42

moralidade, e esses dois princípios são cláusulas pétreas.


Se retirássemos da Constituição o princípio da moralidade
e o princípio da impessoalidade, teríamos que estar
laborando uma Constituição originária, quando na reali-
dade a Emenda Constitucional é uma Constituição deriva-
da. Por isso entendo que poder, todo ano, fazer um novo
salário, etc. etc. implicaria derrubar essas cláusulas
pétreas, o que faria ruir o grande edifício constitucional;
porque todos sabem que as cláusulas pétreas são aquelas
cláusulas de imutabilidade, cláusulas de eternidade. Essas
não podem nunca deixar de existir, a menos que se mude o
sistema, o regime, a estrutura e a conjuntura do País.
Esse é meu entendimento ..."
De acordo com o posicionamento jurídico defendido
inicialmente, trazemos a manifestação do erudito Conse-
lheiro Simão Pedro Toledo:
" ... Ouvi atentamente a explanação do Conselheiro Mou-
ra e Castro, mas, tendo-me pronunciado a respeito em
sessões anteriores, volto a reiterar o mesmo ponto de vista
de que - embora a eliminação do princípio da anteriorida-
de seja um retrocesso, que pode trazer prejuízo aos muni-
cípios -, diante do dispositivo constitucional que elimi-
nou o princípio, que determinava a fixação do subsídio na
legislatura anterior para viger na futura, o assunto
está liquidado em nível constitucional. De sorte que,
como diz o Professor Carlos Mota, o legislador ,substituiu
o princípio da anterioridade pelo princípio da remunera-
ção real. Também, data venia, entendo que o princípio
não é uma cláusula pétrea. Cláusula pétrea é a federação,
é a separação dos Poderes, são os direitos individuais, etc.
Não seria, propriamente, data venia, uma cláusula pétrea.

43

Então, entendo que, efetivamente, o princípio da anterio-


ridade está afastado pela Emenda Constitucional" (Minas
Gerais 6/10/98).
Como demonstrado, não houve violação do núcleo
imodificável da Constituição Federal. Data venia, também
não ocorreu a inobservância do princípio da continuidade
da ordem jurídica.
Importante enfatizar que a aplicação do "subsídio"
depende de mensagem conjunta do Chefes dos Poderes
(Executivo - Legislativo - Judiciário) ao Congresso Nacio-
nal para a fixação do seu teto.
Somente depois de aprovado o teto da verba nos
moldes aqui preconizados é que os desdobramentos admi-
nistrativos em conseqüência desta fixação poderão ocorrer;
até que tal aconteça, prudente que a questão salarial de
servidores e agentes públicos permaneça inalterada, por
haver entendido o Supremo Tribunal Federal que a disposi-
ção contida na Emenda n. 19/98 (Subsídio), ora abordada,
não é auto-aplicável.
O princípio da anterioridade tributária, antes referi-
do, encontra-se previsto no art. 150, III, b, da Carta Repu-
blicana. As exceções estão contidas nos art. 150, § 1°; 148,
I; 195, § 6°; e 154, II, todos do mencionado diploma legal.
44

Capítulo II

CONTRATO ADMINISTRATIVO

& 1 CONCEITO

O Contrato Administrativo não deixa de ser uma das


muitas modalidades do Ato Administrativo.
Aqui o princípio da continuidade do serviço público
merece relevo, até porque tal condição deve integrar o bojo
do edital gerador do Contrato Administrativo, sob pena de
violação dos princípios da eficiência e da moralidade.
Enfatize-se, mais uma vez, que o desprezo ao princí-
pio constitucional antes registrado acarreta, sem dúvida,
prejuízo para o Erário e, em conseqüência, para a popula-
ção, única responsável pelo pagamento de tributos e desti-
natária final dos serviços de relevância pública.

& 2 CLAUSULAS EXORBITANTES

O eminente Desembargador Arthur Mafra, do egrégio


Tribunal de Justiça mineiro, com a sabedoria e o equilíbrio
que lhe são peculiares, sobre o Contrato Administrativo
leciona:
"Contrato administrativo - Direito regulador - O comum,
excetuadas as cláusulas exorbitantes - Empreitada de
obras públicas - Não-pagamento das medições -

47

Infringência contratual - Paralisação das obras - Infringência


ao edital. Regula-se, o contrato administrativo, pelo direi-
to comum, excluídas as cláusulas exorbitantes, v.g., da
exceptio non adimpleti contractus. Caracteriza infringên-
cia contratual o não-pagamento oportuno das medições
das obras executadas em empreitadas, por preço unitário,
no regime de medição. A paralisação das obras públicas
essenciais, embora ocasionada pelo não-pagamento de
medições e, sobretudo, em final de construção, constitui
infringência ao Edital, contendo cláusula penal."
"Conheço do recurso em reexame, embora não determina-
do por força do art. 475 do Código de Processo Civil, e do
recurso voluntário, interposto a tempo e modo.
Cuida-se de inconformismo do Município de Timóteo
contra sentença que julgou procedente ação ordinária de
cobrança de duas medições de obras executadas na cons-
trução de duas unidades de saúde, empreitadas por preço
unitário, no sistema de medição, e condenou o Município-
réu à multa, prevista em contrato, por infringência à cláu-
sula penal de multa por atraso e recusa ao pagamento das
medições; e a Autora, Construtora H., pela inadimplência
de cláusula editalícia, ante a paralisação das obras, em
virtude do não-pagamento de duas medições processadas.
Aduz o Município apelante serem indevidos os pagamen-
tos impostos contra si, pois as medições correspondem a
obras não realizadas. Sustenta infringência contratual
unicamente por parte da empreiteira, única sujeita às
multas da inadimplência, consoante as normas de direito
público, regentes únicas dos contratos licitatórios.
Data venia, sem razão o inconformismo, consoante os
lúcidos e fundamentados pareceres ministeriais.

48

Com efeito, é induvidoso regular-se o contrato adminis-


trativo pelo direito comum, excluídas as denominadas
cláusulas exorbitantes, v.g., descabendo o uso exceptio
non adimpleti contractus, mas impondo, também, ao Po-
der Público as conseqüências da inadimplência:
`A responsabilidade civil decorrente de contrato adminis-
trativo se rege pelas normas pertinentes ao direito priva-
do, isto é `abrange não só as efetivas perdas e danos (lucro
cessante e dano insurgente), como as multas moratórias
ou compensatórias prefixadas em cláusula penal do con-
trato. Nela podem incidir tanto o particular contratado
como a própria Administração' (MEIRELLES, Hely
Lopes. Direito administrativo brasileiro. 15. ed., p. 219).
O Município apelante foi inadimplente, pois deixou de
pagar 70% da 9a medição, aprovada por funcionário seu; e
`a l0ª parcela (medição), não oficializada pela Prefeitura,
confere com os serviços executados até o abandono das
obras, lembrando que faltam alguns acabamentos, reto-
ques e atendimento às exigências contratuais de
especificações e que, devido ao impasse, não puderam ser
atendidas pela Construtora' (Perito, fls. 23 dos autos da
medida cautelar de produção antecipada de provas, apen-
sados).
A obra estava nos arremates finais e o impasse surgiu por
dificuldades de caixa, tornando-se inadimplente o Muni-
cípio, como informa a testemunha R.V.P., às fls. 35 dos
autos da medida cautelar, sujeitando-se, portanto, à multa
prevista na cláusula 14 do contrato (fls. 34I37 dos autos
da ação de cobrança).
A obra não foi abandonada, mas paralisada em 10/8/92,
`faltando arremates finais cujo material já estava pratica-
mente todo na obra juntamente com máquinas e ferra-

49
mentas, guardados e vigiados, tendo sido utilizados pela
nova empreiteira para o acabamento, ocorrido em vinte
dias, após o Município ter denunciado o contrato' (fls.
108 dos autos da cautelar), `ter trocado as fechaduras das
portas e invadido os canteiros das obras' (fls. 34 e segs.
dos autos da cautelar).
Além do atraso no pagamento, tendo o Município sido
constituído em mora, via judicial, fazia-se necessário um
aditamento ao contrato, pedido pela Empreiteira (fls. 40,
idem) sem êxito, nos moldes do Decreto-Lei de Licitações
n. 2.300/86, em seu art. 47, § 2°, então vigente, tendo sido
a empreitada ajustada no sistema de preço unitário e por
medição, com o valor fixado para o contrato, `já superado
quando da realização da l0ª medição' (Perito, fls. 34v.).
Quanto à multa aplicada à Construtora, também escorreita
está a decisão monocrática (fls. 76), pela paralisação das
obras, incabível em razão do princípio da continuidade do
serviço público, construção de dois postos de saúde, quan-
do se torna inaplicável a exceptio non adimpleti
contractus, denominada cláusula exorbitante, assim esta-
belecido na cláusula 13.4 do Edital de preços n. 003/91,
parte integrante do contrato de empreitada de fls. 34/35,
cláusula 15.
No caso, dado o impasse, deveria, efetivamente, a
Empreiteira ter requerido ao Juízo fosse desobrigada do
cumprimento da obrigação, eis que, consoante Celso An-
tônio Bandeira de Mello, colacionado no Memorial,
`...se a Administração atrasa por período longo os paga-
mentos devidos, não pode pretender que o contratado
persista cumprindo com absoluta regularidade as presta-
ções a que se obrigou. Acresce que se tivesse de fazê-lo
sob pena de expor-se a sanções procedentes haveria

50

`transformação do objeto contratual', que se converteria em


`contrato de financiamento de obra pública', ainda que,
como habitualmente ocorre, não o fosse' (Curso de direito
administrativo. 4. ed., São Paulo: Malheiros, p. 292).
Assim, em reexame necessário, confirmo a r. sentença,
por seus próprios e jurídicos fundamentos, prejudicado 0
recurso voluntário.
Custas do recurso pelo Município de Timóteo" (Ap. Cív.
n. 43.795I4 - Comarca de Coronel Fabriciano - MG -
Apelante: Município de Timóteo - Apelada: Construtora
H. - Relator: Des. Arthur Mafra).

& 3 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO

Com respeito ao princípio da continuidade do serviço


público, colacionamos trabalho de nosso Escritório de Ad-
vocacia o qual visa à autorização do Ministério dos Trans-
portes para que a nossa cliente (Empresa de transporte
coletivo interestadual) continue a transitar por percurso al-
ternativo, cujo pedido foi formulado no ano de 1992. Eis o
teor do requerimento dirigido ao Ministro dos Transportes:

1. Há vários anos a requerente desenvolve atividade


ligada a transporte coletivo interestadual e intermunicipal
de passageiros, por delegação do Poder Público, apresen-
tando uma estrutura operacional compatível com uma pres-
tação de serviço capaz de proporcionar aos usuários, con-
forto, segurança e rapidez.

51

3. Com o desenvolvimento da região onde mantém


suas linhas, fato este que passou a interferir diretamente na
vida dos cidadãos moradores, a requerente, com o objetivo
precípuo de atender aos reclamos da sociedade local, agiu
para fazer alteração do itinerário existente, para servir um
maior número de pessoas até então não servidas por nenhu-
ma outra empresa através de linha regular.
4. Assim, após elaborar pesquisa de mercado, a re-
querente protocolizou em 3/2/92, junto ao órgão competen-
te da época (DNER), pedido de alteração de itinerário,
visando ao interesse público para atender, com eficiência e
regularidade, à demanda reprimida existente nos núcleos
populacionais não servidos, e, através do processo adminis-
trativo n. 20. 106.001070/92-3, requereu a implantação dos
seccionamentos:
6. O mencionado processo administrativo foi tornado
público em 7/2I92, através do Aviso n. 008/92, levantando-
se todos os aspectos que seriam relevantes para uma futura
decisão, acolhendo o referido órgão parecer técnico conclu-
sivo, no que foi favorável à pretensão da ora requerente,
isso em 4/8/92, quando se aguardou decisão homologatória.
7. Na época, a legislação de regência permitia a alte-
ração de itinerário ex officio através do DNER, bastando
que houvesse entrega ao tráfego de nova estrada ou trecho
melhorado entre os pontos inicial e terminal do percurso.
8. Assim dispunha o Decreto n. 92.353/86:
"Art. 43. A alteração definitiva do itinerário decorrente da
entrega ao tráfego de nova estrada ou trecho me5horado
entre seus terminais, que proporcione atendimento mais
econômico e confortável a seus usuários, será determina-
da de ofício pelo DNER, ou atendendo requerimento da

52

empresa, ficando a transportadora obrigada, quando refe-


rida linha for secionada, a continuar atendendo pelo anti-
go itinerário, mediante viagens residuais, aos mercados
remanescentes, nela existentes."
9. Cuidou ainda o texto do antigo Regulamento de
garantir viagens residuais pelo itinerário anterior, consoante
o parágrafo único do mesmo artigo:
"Parágrafo único. O atendimento pelo itinerário anterior,
dos mercados remanescentes será considerado serviço
complementar de viagens residuais, inadmitindo-se que
ele seja objeto de qualquer alteração ou complementação,
exceto em relação a horário e à implantação de seções."
10. Como se vê, o pleito da requerente tinha amparo
legal, e, mesmo tendo a seu favor parecer técnico conclusi-
vo, o Poder Público na época representado pelo DNER, não
deu o necessário desfecho ao processo administrativo, pre-
judicando sobremaneira a súplica de outrora, não regulari-
zando o itinerário alternativo para atender à demanda cres-
cente com o desenvolvimento dos já referidos núcleos
populacionais.
11. Adveio novo regramento sobre a outorga de per-
missão e autorização para a exploração de serviços de trans-
portes rodoviários interestaduais e internacionais de passa-
geiros, consubstanciando-se no Decreto n. 952, de 7/10/93.
12. Já no seu art. 4° parágrafo único, o citado diplo-
ma tratou de conceituar serviço adequado, considerando-o
como um princípio de pleno atendimento aos usuários:
"Parágrafo único. Serviço adequado é o que satisfaz, as
condições de regularidade, continuidade, segurança, efi-

53

ciência, generalidade, cortesia na sua prestação e


modicidade das tarifas, conforme estabelecido neste Decre-
to nas normas complementares e no respectivo contrato."
13. Ressalvou o Decreto n. 952/93 o direito dos
permissionários regidos pela legislação anterior à sua edi-
ção, quando assim especificava:
"Art. 5° Na aplicação deste Decreto e na exploração dos
correspondentes serviços observar-se-ão especialmente:
I - O estatuto jurídico das licitações, no que for aplicável."
14. Nessa esteira, e como não poderia ser de outra
forma, quis o legislador preservar as situações já definidas
pelo revogado Decreto n. 92.323/86, como no caso a da
requerente, sem nenhum prejuízo para outra empresa, já
que não havia concorrência, prestando um serviço de alta
qualidade e esquadrinhando-se, inexoravelmente, no prin-
cípio do serviço adequado já mencionado.
15. A situação permaneceu da mesma forma, sem que
a requerente pudesse reverter a precariedade de sua
atuação, como prestadora de serviço público de transporte
de passageiros, por exclusiva inércia do então Poder
Concedente.
16. Foi mais longe o novel legislador quando
insculpiu no art. 94 das Disposições Finais Transitórias
(Decreto n. 952I93) o seguinte:
"Art. 94. Ficam mantidas, sem caráter de exclusividade,
pelo prazo de quinze anos, prorrogável por igual período,
as atuais permissões e autorizações, decorrentes de dispo-
sições legais e regulamentares anteriores."

54

17. Considerando-se que o ato administrativo de per-


missão visa sobretudo ao bem comum dos usuários do
serviço prestado, não há cabimento impedir a fixação de
itinerários que facilitam e atendam aos passageiros, isso
sem causar prejuízo a nenhuma outra empresa, por inexistir
linha regular no trajeto alternativo executado.
l8. Além disso, aflora o direito da requerente de
trafegar com seus coletivos no itinerário alternativo, em
razão das perfeitas condições de tráfego, visto ter frota
eficiente e confortável, acarretando economia e comodida-
de para o consumidor/passageiro.
19. Para atingir uma solução justa e legal do pleito em
pauta, mister se faz refletir sobre os princípios que norteiam
a legislação respeitante às permissões. Para o consagrado
administrativista José dos Santos Carvalho Filho, a permis-
são é:
"o ato administrativo discricionário e precário pelo qual a
administração consente que o particular execute o serviço
de utilidade pública ou utiliza privativamente bem públi-
co" (Manual de direito administrativo. 3. ed., revista e
atualizada, São Paulo: Lumen Juris, 1999, p. 96).
20. No Estado-Legislador, reflexo mais expressivo da
soberania, os regimes políticos ditos democráticos sobrevi-
vem sob a égide do princípio da segurança jurídica. A
efetiva proteção dos interesses tuteláveis do empreendedor
particular, quando em sintonia com a convivência dos inte-
resses coletivos/difusos é uma conquista da sociedade mo-
dernas. Soma-se a isso a obrigação exe5usiva do Poder
Público de não contribuir de nenhum modo para gerar in-
certeza no seio social aqui eventualmente concretizada
ante a insegurança da interrupção do pronto atendimento

55

para os seus deslocamentos na área rodoviária, coberta pelo


trajeto rotulado de alternativo.
A manutenção desse serviço sobrepõe-se, por ques-
tões de interesse público, a qualquer entrave de ordem
burocrática ou a qualquer outra medida que confronte com
a proteção do serviço coletivo, em condições amplamente
vantajosas para a população e, por que não dizer, para o
próprio Estado, hoje reconhecidamente buscando enqua-
drar-se no princípio da eficiência da Administração Púhli-
ca, tão discutido nos quatro cantos do mundo.
21. No caso em tela, o preço das passagens de ônibus
são comprovadamente acessíveis, e a requerente desempe-
nha eficientemente seu papel na exploração do transporte
de passageiros.
22. Os investimentos feitos pela requerente para o
pronto atendimento e manutenção do itinerário alternativo
foram e são vultosos, ante as concretas perspectivas de
manter-se permissionária em situação estável, sem qual-
quer óbice com qualquer tipo de fiscalização.
23. A chamada rota alternativa configura-se verda-
deira permissão de fato, consolidada e aprovada pelo decor-
rer dos anos, e sua injustificada interrupção redundaria, sem
dúvida, em mácula dos preceitos basilares contidos na le-
gislação de regência da época, recepcionada pela legislação
posterior, e, ainda, outra em vigência com o advento do
Decreto n. 2.521, de 20 de março de 1998, que fez menção
às situações anteriormente regradas, bem como com a defe-
rência da Lei n. 8.987/95.
24. A Lei n. 8.987 de 13I2I95, que trata do regime de
concessão e permissão da prestação de serviços püblicos,
previsto no art. 175 do Digesto Supremo, assim dispõe:

56

"Art. 42 ....................................
§ 2° As concessões em caráter precário, as que estiverem
com prazo vencido e as que estiverem em vigor por prazo
indeterminado, inclusive por força de legislação anterior,
permanecerão válidas pelo prazo necessário à realização
dos levantamentos e avaliações indispensáveis à organiza-
ção das licitações que precederão a outorga das conces-
sões que as substituirão, prazo que não será inferior a 24
(vinte e quatro) meses."
25. O Decreto n. 2.521I98, em vigor, garantiu as
situações anteriores conduzidas pela regra da época, isso
em verdadeira homenagem ao princípio do tempus regit
actum.
"Art. 98. Em atendimento ao disposto no art. 42 da Lei n.
8.987, de 1995, ficam mantidas, sem caráter de exclusivida-
de, pelo prazo improrrogável de quinze anos contado pela
data da publicação do Decreto n. 952, de 7 de outubro de
1993, as atuais permissões e autorizações decorrentes de
disposições legais e regulamentares anteriores."
26. Não é demais lembrar que a linha e/ou rota alter-
nartiva não se trata de permissão vencida ou permissão
interrompida por culpa da requerente, porque está em plena
vigência a permissão originária Lavras/MG - São Paulo/SP
e vice-versa, que conserva, sem prejuízo da outra, os mes-
mos pontos de saída e de chegada.
27. Assim, posta a questão na esfera do Direito Admi-
nistrativo e do Direito Constitucional, não se imagina como
não reconhecer, de pronto, o direito da requerente, em operar,
como vem operando, os serviços da rota alternativa, no prazo
e nos moldes da permissão concedida pelo Poder Público.

57

28. Ad argumentandum tantum, não vingando essa


lógica jurídica, iniludivelmente estará em risco, dentre ou-
tros, o princípio da continuidade do serviço público, no
caso delegado ao particular.
29. A situação fática aqui retratada, escudada na do-
cumentação idônea acostada ao presente requerimento, de-
verá receber a solução jurídica mais razoável, posto que a
prevalência do princípio da moralidade administrativa, um
dos pilares que seguram e asseguram a sobrevivência de
situações fáticas, compatíveis e articuladas com a legisla-
ção, sempre mereceu o respeito do administrador e dos
administrados.
30. Na mesma vertente residem os princípios da razoa-
bilidade e da soberania do interesse público. Na lição do
ilustre administrativista José dos Santos Carvalho Filho, o
princípio da soberania do interesse público fundamenta-se
nas "Atividades administrativas desenvolvidas pelo Estado
para benefício da coletividade...
Não é o indivíduo em si o destinatário da atividade adminis-
trativa, mas sim o grupo social num todo" (op. cit., p. l6).
31. Destarte, não tendo havido deferimento do pedido
anterior, roga-se por ele, à luz desses argumentos de fato e
de direito, para que se instaure a regularidade do itinerário
alternativo, a segurança da requerente e de seus clientes-
usuários, e que abstenha-se o Poder Público de aplicar
sanções à requerente, estas reconhecidamente
desmerecidas, em razão de seu direïto aqui explicitado.
Como visto, a continuidade do serviço público consti-
tui, indubitavelmente, uma das principais vertentes assegu-

58

radas do princípio da supremacia do interesse do Estado.


Esse palpitante enfoque tem despertado estudiosos para dese-
nhar o perfil de um Estado apto para enfrentar o Terceiro
Milênio com eficiência administrativa, traduzida em ações
concretas que busquem resgatar, de vez, a cidadania plena.
Para arrematar o assunto em estudo - continuidade do
serviço público -, lançamos mão dos lúcidos e judiciosos
ensinamentos do brilhante Juiz Federal Napoleão Nunes
Maia Filho, lançados no Processo n. 93.4394-3, Ação Decla-
ratória - 8a Vara - Seção Judiciária do Ceará - 5a Região:
"Administrativo - Prestação de transporte de passageiros
em percurso rodoviário interestadual - Necessidade de
licitação - Arts. 21, XII, e, e 175 da CF - Continuidade da
prestação do serviço por prestador factual até que o Poder
Público se disponha a prestá-lo diretamente ou realize
prélio seletivo para sua atribuição a permissionário - Pro-
teção aos interesses dos usuários do transporte."
"1 . Não se pode reconhecer em favor do prestador apenas
factual do serviço de transporte de passageiros, em per-
curso interestadual, o direito ao exercício regular dessa
atividade, eis que a stta atribuição ao particular depende
de permissão do Poder Público (arts. 21, XII, e, da CF, e
8°, I, a, do Decreto n. 952/93), outorgada mediante prévio
processo seletivo (arts. 175 da CF e 5°, I, do Decreto n.
952/93).
2. Mostra-se lesiva aos interesses dos usuários de linha
interestadual fática a sua interdição imediata, sem que a
Autoridade Administrativa diligencie no sentido de pres-
tar diretamente o serviço de transporte ou promover a
seleção de permissionário que o possa explorar em regi-
me de normalidade administrativa.

59

3. Sem o reconhecimento de qualquer direito, prerrogati-


va jurídica, privilégio ou preferência em ulterior procedi-
mento licitatório, concede-se a proteção de tutela jurisdi-
cional ao prestador factual de serviço de inegável inte-
resse público, qual o transporte rodoviário interestadual
de passageiros, quando a Administração não o presta
diretamente, não promove a sua licitação e tolera que
empresa não credenciada o realize por prolongados lap-
sos de tempo, assim criando demandas sociais, individu-
ais e coletivas, que não podem deixar de ser atendidas
com presteza.
4. Ação julgada procedente.
l. Relatório
1.1. L. Transportes e Turismo Ltda, qualificada nos autos
promoveu esta ação declaratória contra a União Federal,
com o fito de obter ordem judicial que lhe assegure a
continuidade da prestação de serviço de transporte
rodoviário de passageiros, no percurso Fortaleza -
Aracaju - Fortaleza, que vem operando há mais de dois
anos, tendo obtido tutela jurisdicional antecipada, em fei-
to cautelar preparatório deste.

1.2. Alega que a súbita proibição dessa sua atividade impacta


o seu direito de continuar a exercê-la, tal como vinha fazen-
do, até que a linha seja submetida a licitação pública, como é
exigência constitucional, passando então a ser operada pela
empresa que se sagrar vencedora do certame.
1.3. Além disso, argumenta a postulante, vultosos são os
investimentos que realizou para operar essa linha e a
supressão dos serviços privará um vasto contingente
de usuários do meio de transporte eficiente, rápido, segu-
ro e de módico preço a que já estão afeiçoados.

60

1.4. A União Federal alegou, na contestação apresentada


pelo seu erudito Procurador, Professor Zainito Holanda
Braga, a inexistência dos pressupostos de viabilidade da
pretensão da promovente, isso porque, como diz, é impos-
sível que alguém se invista no exercício de função pública
se não foi observado o devido processo do seu recruta-
mento.
1.5. Afirma o Advogado da União Federal essa inviabili-
dade, mostrando que `a exploração do serviço de trans-
porte interestadual de passageiros somente se pode reali-
zar mediante autorização, concessão ou permissão do Po-
der Público, na forma do art. 21, XII, e da Carta Magna.'
1.6. Argumenta, ainda, que a exigência de licitação para a
outorga de autorização, concessão ou permissão é
indeclinável e, sem o procedimento seletivo, não emerge
nenhuma dessas figuras; assinala, finalmente, que o si-
lêncio da Administração só produz efeitos jurídicos quan-
do há previsão legal de tal resultado.
1.7. Não se tendo argüido, na resposta, qualquer das
matérias do art. 301 do Código de Processo Civil, dispen-
sa-se a réplica (art. 327 do CPC).
1.8. Não há necessidade da produção de provas porque a
matéria versada é puramente de direito e comporta deci-
são antecipada (art. 330, I, do CPC).
1 .9. É o que havia de relevante para relatar.
2. Fundamentos
2.1. Realmente, a prestação do serviço de transporte inte-
restadual de passageiros constitui atividade configurante
de serviço público, listada entre as atribuições executi-
vas ou administrativas da União Federal, que a poderá
desempenhar diretamente ou mediante autorização,
concessão ou permissão (art. 21, XII, e, da CF).

61

2.2. Embora o esforço para delimitar o conceito de servi-


ço público possa ser tido como um trabalho sisífico,
conforme se depreende da pertinente observação do sem-
pre encomiado Mestre Hely Lopes Meireles (Direito
administrativo brasileiro. 18. ed., São Paulo: Malheiros,
p. 294), há, contudo, no tocante à sua compreensão, um
elemento cuja presença é indispensável à atividade que se
queira inserta nessa categoria, e esse elemento é a sua
prestação pela Administração ou por seus delegados.
2.3. O mesmo Mestre Hely Lopes Meireles nos dá esta
lapidar conceituação:
`Serviço público é todo aquele prestado pela Administra-
ção ou por seus delegados, sob normas e controles esta-
tais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundári-
as da coletividade ou simples conveniências do Estado.'
(op. cit., loc. cit.).
2.4. O Professor Roberto Martins Rodrigues acolhe a con-
ceituação de Fraga, que assim se expressa:
`Serviço público é toda atividade encaminhada à satisfa-
ção de uma necessidade geral, em forma contínua e obri-
gatória, segundo o comando das normas de Direito Públi-
co, quer a prestação esteja a cargo do Estado,
diretamente, ou de concessionários, ou de administrado-
res delegados ou a cargo de simples pessoas privadas'
(Curso básico de direito administrativo, p. 56).

2.5. Merecem destaque as notas de coretinuidade e obri-


gatoriedade que se acham insertas nessa compreensão,
sendo elas, na verdade, as que terminam por caracterizar o
conceito e dar-lhe operatividade e consistência.

62

2.6. De fato, somente se pode entender a Administração


Pública na perspectiva da sua utilidade finalística, e não
há como se fugir à conclusão de que é através do atendi-
mento contínuo de necessidades gerais que ela se justifi-
ca, nem havendo outro critério para tanto.
2.7. Se assim realmente é, resulta forçoso concluir que, no
caso vertente, seria inadmissível que a Administração Pú-
blica se esquivasse de prestar o serviço público direta-
mente, como lhe é constitucionalmente possível (art. 21,
XII, da CF), e ainda impedisse que alguém o prestasse,
por depender de uma prévia investidura que também é
igualmente omitida pela mesma Administração.
2.8. Admitir que tal situação pudesse ter o abono do
Direito Público seria o mesmo que permitir a paralisação
do serviço público, com graves e imediatas repercussões
sobre o quadro dos interesses gerais, a que o Estado deve,
em último caso, servir, e é precisamente para isso que
existe e foi criado.
2.9. Se não se deve tolerar que alguém se invista motu
próprio em funções públicas diretas ou delegadas - e isso
certamente é uma grande e inescondível verdade -, tam-
bém não se deve aceitar que o Estado, transformando em
serviço público uma determinada atividade, deixe de
exercê-la por longos períodos de tempo e, mais ainda,
impeça, com a recusa de sua sagração, que alguém por ele
a possa desempenhar, e assim atender de forma imediata e
direta o inequívoco interesse geral lamentavelmente ne-
gligenciado.
2.10. Vê-se, neste caso, que a parte acionante exercia
efetivamente, há mais de dois anos, mas sem autorização,
concessão ou permissão estatal, o transporte interesta-
dual de passageiros no percurso Fortaleza - Aracaju -
Fortaleza, assim substituindo e com eficiência a Adminis-

63

tração, no exercício de uma atividade que é originalmen-


te pública, porque serviço público.
2.11 . Essa situação factual se mostra abertamente indese-
jável, porque a exploração de linhas rodoviárias interesta-
duais de passageiros está submetida a regime de serviço
público (art. 21, XII, e, da CF), mas não se pode desco-
nhecer que a tolerância da autoridade quanto â prestação
desses serviços, por empresa não credenciada, quando
se distende por mais de um biênio, gera uma situação
concreta que merece resguardo, até que se solucione, na
via administrativa própria, a execução regular desses mes-
mos serviços, pelo Estado ou alguém quem por ele, no
interesse maior dos usuários interessados.
2.12. Ao que percebo, o Poder Público está mostrando
fastio pelo exercício direto da atividade em causa e, por
igual, está retardando a realização de licitação para atri-
buí-lo regularmente a alguém, enquanto a demanda pelo
serviço de transporte cresce na mesma proporção em
que aumentam os interesses das pessoas em se desloca-
rem de um ponto para outro, no atendimento de suas
conveniências.
2.13. Assim, mesmo não se podendo reconhecer em fa-
vor do prestador apenas factual do serviço de transporte de
passageiros, em percurso interestadual, o direito ao exercício
regular dessa atividade, eis que a sua atribuição ao particular
depende de permissão do Poder Público (arts. 21, XII, e, da
CF, e 8°, I, a, do Decreto n. 952/93), outorgada mediante
previo processo seletivo (arts. 175 da CF e 5°, I, do Decreto n.
952/93), afirmo que se mostra lesiva aos interesses dos usuári-
os a interdição imediata da atividade, sem que a Autoridade
Administrativa diligencie no sentido de prestar diretamen-
te o serviço ou promova a seleção de permissionário que o
possa explorar em regime de normalidade administrativa.

64

2.14. Dessa forma, sem o reconhecimento de qualquer


direito, prerrogativa jurídica, privilégio ou preferência em
ulterior procedimento licitatório, concedo a proteção de
tutela jurisdicional â promovente, para lhe resguardar a
prestação factual de serviço de inegável interesse público,
qual o transporte rodoviário interestadual de passageiros,
até que a Administração se disponha a prestá-lo direta-
mente ou promova a sua licitação, para atribuí-lo a al-
guém delegado seu.
2.15. Creio cabível, na espécie, recordar aquela parêmia
romanística atribuída ao gênio de Marco Túlio Cícero,
consoante a qual salus populi suprema lex esto - o inte-
resse do povo seja a lei suprema.
3. Decisão
3.1 . Em face dos fundamentos expendidos, julgo a presen-
te ação declaratória procedente, para declarar à L.
Transportes e Turismo Ltda. o direito de continuar a
atividade de transporte de passageiros no eixo rodoviário
Fortaleza -Aracaju - Fortaleza, até que o dito percurso
passe a ser operado diretamente pelo Poder Público
ou seja submetido à devida licitação pública (arts. 21,
XII, e, e 175 da CF) e atribuído à empresa que vencer o
procedimento seletivo.
3.2. Transposto o prazo para o exercício do apelo voluntá-
rio, remetam-se estes autos à superior apreciação do
colendo TRF da 5a Região, que melhor dirá em reexame
necessária.
3.3. Honorários de l0% do valor da causa e reembolso das
custas processuais a cargo da União Federal.
3.4. Intimações e comunicações de estilo.
PRI."

65

& 4 FORMALIZAÇÃO E PUBLICAÇÃO

O contrato administrativo é o pacto (Ato), via de


regra, escrito, firmado entre a Administração Pública e o
particular; a primeira visando, de modo prioritário, a inte-
resse público em geral; o outro, buscando auferir vantagem
ou lucro, sempre presente a prevalência do interesse do povo,
sob pena de sua invalidade e sempre sujeito à apreciação do
Poder Judiciário.
A publicação do contrato administrativo, após a sua
formalização é obrigatória. A não-observância desse impor-
tantíssimo requisito, ou seja, a sua divulgação, no prazo
legal, no órgão próprio, suspende a sua eficácia. Tal irregu-
laridade poderá acarretar a aplicação de sanções à autorida-
de encarregada de adotar tal providência. Esclarecemos que
o simples atraso na efetivação dessa medida administrativa
já retira a eficácia do contrato administrativo, com as impli-
cações já anunciadas ao agente negligente e/ou omisso.
Registre-se que no contrato administrativo o contratan-
te e o contratado podem ser órgão da Administração Pública
ou até mesmo ente político primário. Como exemplo citamos
o contrato/acordo da renegociação da dívida pública envol-
vendo como partes os Estados e o Governo Federal (União).

& 5 PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA IMPESSOALIDADE

Registre-se, ainda, que o objeto da prestação contido


no contrato administrativo é inalterado; este, necessaria-
mente, há de ser regido pela boa-fé, devendo guiar-se, sem-
pre, pelos princípios da igualdade e da impessoalidade.

Lembramos que o tema contrato administrativo está


previsto na Constituição da República nos seguintes disposi-
tivos legais: art. 22, XXVII; 37, XXI; e 71, §§ 1° e 2°.
A legislação infraconstitucional que aborda o contra-
to administrativo é a seguinte: Leis Federais n. 8.666/93,
8.987/95 e 9.074/95.
Consignamos, por oportuno, que as sanções adminis-
trativas aplicadas às partes contratadas pela Administração
Pública, quando do descumprimento do contrato adminis-
trativo, estão previstas nos arts. 86 e 87 da Lei de Licitações
(Lei Federal n. 8.666/93).
Quanto às sanções penais contidas na Lei de Licita-
ções (n. 8.666I93), os arts. 89 e seguintes estabelecem puni-
ções para contratantes e contratados que deixarem de cum-
prir a legislação em vigor.

& 6 AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO

Oportuno, neste breve comentário, destacar que em


todos os procedimentos administrativos a ampla defesa e o
contraditório têm plena aplicação (art. 5°, LV, da CF).
Acerca dos prazos dos contratos administrativos,
nunca é demais lembrar que a Lei Federal n. 8.666I93, art.
57, disciplina a matéria. Observe-se que a Lei Maior, atra-
vés do disposto no art. 167, imprime diretriz enfocando 0
assunto em discussão.

1 CONCEITO
Em linhas gerais, podemos conceituar o contrato de
gestão, de caráter oneroso, como um acordo (ato) firmado
entre a Administração Pública e o particular (pessoajurídi-
ca de direito privado) e/ou com o Poder Público, para eficaz
desempenho de atividade eminentemente social, sem obje-
tivo de lucro, com a missão de suprir parcialmente o Estado
na busca do bem-estar e do desenvolvimento ordenado do
corpo social. O contrato de gestão guarda expressiva simili-
tude com os convênios administrativos, considerando-se que
num e noutro os interesses são convergentes e harmônicos.
2 LICITAÇÃO
A Administração Pública, para celebrar contrato de
gestão com as "organizações sociais", precisa, obrigatoria-
mente, valer-se do procedimento licitatório, sob pena de
flagrante violação dos princípios constitucionais atinentes à
matéria. Já as contratações das "organizações sociais", nos
expressos termos da I.ei n. 8.666f93, art. 24, XXI, estão
dispensadas da adoção do procedimento de licitação, embo-
ra estejam sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas e do
Ministério Público, conforme se depreende do contido no
art. 70, parágrafo único, da Carta Magna.
71
3 DISPENSA
Considerando-se, ainda, o contido no  8° do art. 37
da Lei Fundamental, não paira dúvida de que o contrato
de gestão aqui tratado está previsto e elevado a patamar
constitucional.
As Leis Federais n. 9.637I98 e 9.648/98 tratam, res-
pectivamente, das organizaçôes sociais e da dispensa de
licitação. Somos veementes críticos a essa modalidade de
contrato administrativo, celebrado com o particular, por
entendermos que este pode constituir uma vereda aberta,
sem fronteiras, para o trânsito livre de gastos desordenados
do dinheiro público, contratação de serviços e servidores
desprovidos de critérios objetivos, sem a observância das
cautelas e dos princípios esculpidos na Carta Magna. Tal
situação não ocorre, data venia, quando a Administração
celebra contrato de gestão com o Poder Público, visto en-
contrar-se este vinculado às normas e princípios inerentes
ao procedimento licitatório, aplicável à Administração Pú-
blica em geral.

Capítulo IV - LICITAÇÃO

& 1 PROCEDIMENTO LICITATÓRIO - CONCEITO


O procedimento licitatório vincula-se, obrigatoria-
mente, aos expressos termos contidos no edital baixado
pela Administração, e assim sendo todos os licitantes ficam
adistritos ao conteúdo dele. O Edital, lei interna da Licita-
ção (situação jurídica objetiva), como instrumento
convocatório de Licitação, deve primar pela igualdade de
condições para todos os interessados. O Ato Administrativo
que homologa a proposta vencedora e/ou rejeita outra deve
ser fundamentado, observando-se as exigências da lei. Im-
portante registrar-se que, em hipótese alguma, a Adminis-
tração Pública pode violar as normas e condições do Edital,
estando estritamente vinculada a este, sendo inaceitável o
discricionarismo na classificação e/ou desclassificação de
quaisquer propostas.
A jurisprudência é no seguinte sentido:
"Mandado de segurança - Licitação. Decreta-se a nulida-
de do ato adminisirativo, através da segurança, quando,
no julgamento da licitação, a Administração Pública prati-
ca arbítrio manifesto que não pode ser confundido com
simples critério de julgamento" (Jurisprudência Brasilei-
ra 9/36, Juruá).
75

& 2 TOMADA DE PREÇOS - EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS

A empresa M. Engenharia S/A, localizada nesta Capi-


tal, propôs a presente ação cautelar de preceito cominató-
rio, c./c. exibição de documentos e/ou, sucessivamente, de
busca e apreensão de documentos, com pedido liminar,
contra a Prefeitura Municipal de Várzea da Palma, neste
Estado.
Enfatiza a firma suplicante
"...que é participante de um certame licitatório (Tomada
de Preços n. 02/94), cujo objeto é a contratação de empre-
sa prestadora de serviço de locação de equipamentos para
serviços de regularização, encascalhamento e terraplena-
gem em diversas ruas do município de Várzea da Palma.
Em sua exordial, alega que o procedimento licitatório
encontra-se eivado de irregularidades e que teria sido a
vencedora do certame, mas que, após cumpridas todas as
etapas de cadastramento, habilitação e abertura de propos-
tas, a Comissão Permanente de Licitação, imotiva e serodi-
amente, e agredindo os princípios da Lei de Licitação em
vigor (Lei n. 8.666/93) desclassiocou e afastou a autora da
licitação, elegendo vencedora uma segunda proposta.
Com o intuito de defender seus interesses judicialmente, a
autora requereu certidão de todo o procedimento de licita-
ção, o que foi fornecido, sendo sonegadas as informações
de que necessita, e debaldes outras tentativas nesse senti-
do se socorre a autora da presente cautelar que, alegando
fumus boni iuris e periculum in mora, requer liminar para
que a ré: a) preste as informações ou exiba os documentos
pertinentes aos fatos noticiados na inicial e constantes do
procedimento licitatório, fornecendo cópias; b) não con-

76

trate com a Segunda colocada, enquanto durar o litígio;


c) sucessivamente, seja determinada busca e apreensão
dos anunciados documentos, aplicando-se multa
pecuniária, sendo esta comunicada ao Tribunal de Contas
do Estado de Minas Gerais..."
O Poder Público manifestou-se às fls. 60 e seguintes,
requerendo a extinção do feito sem julgamento do mérito e/ou
a decretação do improvimento da cautelar em estudo.
O Ministério Público de primeiro grau opinou pela
procedência da ação.

O MM. Juiz de Direito julgou procedente o pedido cautelar

"...para confirmar a liminar já deferida em todos os seus


termos, determinando que a Prefeitura-ré forneça à autora
certidão de todo o procedimento referente à Tomada de
Preços n. 02/94 e que não contrate o objeto da citada
Tomada de Preços com outra empresa dela participante,
por entender que esta Tomada de preços ainda não se
encontra definitivamente encerrada, como já
explicitado...".

Não houve recurso voluntário.

Por força do reexame necessário, os autos foram en-


viados à Segunda Instância para os fins de direito.
Consta da decisão em análise:

"...0 direito de obter certidões dos órgãos públicos é


extremamente salutar, resgata a publicidade e a transpa-
rência dos atos administrativos, assegurando a imparciali-
dade e idoneidade no julgamento dos interesses da Admi-
nistração Pública, pelo que deve ser devidamente obser-
vado pelos administradores da coisa pública.

77

Estabelece a Constituição Federal promulgada em 1988,


ainda não revisada, que
'.....'
Esta é uma das garantias individuais outorgadas constitu-
cionalmente aos cidadãos, no sentido de assegurar a im-
parcialidade dos julgamentos administrativos públicos; a
transparência e a moralidade dos atos administrativos
princípios que devem capitanear a Administração Pública
tanto federal, quanto estadual e municipal, na conformi-
dade com o caput do art. 38 da Constituição Federal
ainda vigorante, conforme alhures já delineado.
A autora alega e produz suficiente prova de que é (ou foi)
concorrente no certame licitatório, e demonstrado restou
o seu inteiro e lídimo interesse em conhecer os motivos
que determinaram a sua desclassificação, eis que a Admi-
nistração Pública tem o dever de fundamentar as suas
decisões e fornecer certidão daquilo que consta em seus
registros, quando requerido por qualquer pessoa que de-
monstre interesse pelos atos administrativos pertinentes.
Além do mais, o procedimento licitatório, na verdade, foi
manchado de irregularidades, trazendo prejuízos às partes
e ao próprio Erário público, com publicações desnecessá-
rias, despesas, viagens e ocupação de mão-de-obra de
servidores públicos.
A própria ré reconhece que a validade do certame licitató-
rio foi irremediavelmente comprometida, a ponto de a
Comissão de Licitação decidir pela anulação da Tomada
de Preço n. 02/94.
A lei vigente e que regula o procedimento das licitações
(Lei n. 8.666/93, art. 21 e parágrafos) estabelece que os
avisos, editais e qualquer modificação no edital devem ser
publicados no órgão oficial do Estado com antecedência

78

durante três dias consecutivos, obrigatória e contempora-


neamente.
A decisão em anular o procedimento licitatório (fls. 300)
somente foi publicada no Minas Gerais, no dia 13 de abril
de 1994, uma única vez (o que, ainda, contraria o citado
Codex), quando a presente ação já havia sido distribuída.
A expressão `durante três dias consecutivos', utilizada
pela Lei das Licitações, indubitavelmente, indica que so-
mente após as três publicações consecutivas os atos e
decisões a elas referentes tomam forma definitiva e efi-
caz, se não invalidados por outros motivos.
No presente caso, não ocorreu, ainda, a eficácia do ato
anulatório multicitado, vez que não há notícia ou qualquer
vestígio de que tenha ele sido publicado conforme a exi-
gência da Lei, sendo que foi juntado apenas um exemplar
do Minas Gerais, do dia 13I4I94 e, assim entendido, o ato
administrativo não atendeu ao que prescrito em lei (teoria
da validade do ato) ..."
Concessa venia, as argumentações expedidas pelo
ilustre julgador a quo estão absolutamente corretas e refle-
tem a apurada análise de todo o material probatório
carreado para o bojo dos autos, em perfeita sintonia com a
doutrina e jurisprudência triunfante.
Sobre tema assemelhado, tivemos oportunidade de
assim nos posicionar em outros processos:
Determina o art. 37, XXI, da Carta Magna:
"Ressalvados os casos específicos na legislação, as obras,
serviços, compras e alienações serão contratados median-
te processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que

79

estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condi-


ções efetivas proposta, nos termos da lei, o qual somente
permitirá as exigências de qualificação técnica e econô-
mica indispensáveis à garantia do cumprimento das obri-
gações."
A Lei n. 7.291, de 4/7/78, do Estado de Minas Gerais,
estabeleceu:
"Art. 33. Para efeitos desta após consulta aos interessa-
dos, em cada caso concreto, o poder público escolhe a
proposta mais vantajosa para contratação..."
São modalidades de licitação: a) concorrência; b) to-
mada de preços; c) convite; d) leilão; e) concurso.
Verifica-se que o espírito do legislador é usar da
licitação para limitar e controlar o poder discricionário dos
responsáveis pela Administração, com o intuito de resguar-
dar o patrimônio coletivo de eventuais danos, decorrentes
de licitações em desacordo com o interesse social.
O Edital constitui o primeiro ato do processo licitató-
rio da concorrência pública, o meio mais usado de licitação,
não podendo ser viciado nem estabelecer privilégios ou
discriminações em favor de quem quer que seja, sendo
reprovável e inaceitável a cláusula que vise limitar o núme-
ro de concorrentes.
Ultimamente, os meios de comunicação mais presti-
giados do nosso país têm denunciado superfaturamento nos
serviços, obras e bens adquiridos pela modalidade da licita-
ção em análise. Nesse quadro, é oportuna a lição do Profes-
sor Carlos Coelho Mota, ao afirmar:

80

"A lei não pode evitar a corrupção. Mas a sociedade, esta


sim, pode eliminá-la através da participação e da vigilân-
cia. Diante da falibilidade humana e da certeza de que o
poder absoluto é fonte de corrupção, o estabelecimento de
limites à ação do Poder. A recuperação do acatamento da
lei vai encontrar guarida em governos legítimos. O regime
autoritário levou a administração, em nosso país (e com
ela o instituto da licitação) à descrença. A prevalência da
lei e não do estéril legalismo, deve inverter o processo"
(Prática de direito administrativo. Belo Horizonte: Del
Rey, 1986, p. 165).
Com absoluto acerto o ilustre administrativista do
nosso Estado. O importante é que se evitem danos ao patri-
mônio público, haja vista que, muitas vezes, deslizes come-
tidos na formalização da licitação, que geralmente envol-
vem pequenas quantias sem nenhuma conseqüência de
danos para o Poder Público, não devem ser considerados,
visto que, conforme presenciamos no dia-a-dia, as grandes
fraudes licitatórias envolvendo cifras milionárias estão em-
butidas em concorrências formalmente inatacáveis, entre-
tanto, impregnadas do "conluio" (ajuste doloso entre pesso-
as físicas ou jurídicas visando fraudar os cofres públicos),
cujas comprovações, pelos atuais mecanismos legais, são
praticamente impossíveis. Portanto, não podemos mais ad-
mitir a ausência de meios adequados para coibir as concor-
rências fraudulentas com roupagem de legalidade, para en-
cobrir acertos de grupos e agentes públicos com o intuito de
lesar o patrimônio público e o conseqüente enriquecimento
ilícito deles.
Comprovado o superfaturamento e/ou outra modali-
dade criminosa assemelhada que atinja o patrimônio públi-
co, cabe ao Ministério Público, na esfera cível, defendê-lo,

81

recompô-lo, independentemente de quem seja responsável


pela conduta antijurídica.
Assim sendo, temos que aqueles que estejam no exer-
cício de mandato eletivo, emprego ou função da Adminis-
tração direta, indireta e fundacional podem ser processados
civilmente, desde que enquadrados nos atos de improbïda-
de administrativa.
A decisão em tela está amparada na Constituição
Federal, de modo especial pelo contido no seu art. 5°,
XXXIV. Tanto é verdade que a Municipalidade não se
insurgiu contra essa decisão, e o seu silêncio, ante a ausên-
cia do recurso voluntário, só pode ser admitido como a
concordância com todos os termos nela inseridos, data
maxima venia.
Sendo a licitação uma operação que, segundo a Lei
Maior, é essencialmente pública, como impedir que qual-
quer do Povo tenha acesso à documentação que lhe dá
lastro?
É direito de todo e qualquer cidadão fiscalizar a corre-
ta aplicação de numerário por parte do Poder Público, con-
siderando-se o contido na Carta Política de 5/10/88, data
venia.
Ante o exposto, não vendo esta Procuradoria de Justi-
ça o que reparar na sentença da lavra do MM. Juiz de
Direito da Comarca de Várzea da Palma - MG, requere-
mos, no reexame necessário, a sua integral confirmação,
por ser medida de direito e de justiça.
Conforme já exposto, a moralidade administrativa,
associada à igualdade de oportunidades, constitui um escu-
do ante qualquer tentação a acenos ilegítimos que possam
vir a envolver a Administração.
Por outro lado, a competitividade que atinge os inte-
ressados no procedimento licitatório indica um ganho signi-

82

ficativo para a Administração, como também assegura, em


definitivo, a aplicação do princípio da Impessoalidade.
Apreciando o parecer antes transcrito, assim se
posiciona a Quarta Câmara Cível do TJMG:
"Sujeita a sentença, obrigatoriamente, a reexame superior
(art. 475, II), sob pena de não produzir qualquer efeito
jurídico legal, ascenderam os autos a este egrégio Tribunal.
Conhecendo, portanto, da remessa ex officio, mantenho
integralmente a r. sentença no duplo grau de jurisdição,
eis que administra a justiça dentro dos ditames da lei.
Com efeito. A autora, ora apelada, propôs a presente ação
cautelar visando à exibição de documentos pertinentes à
Tomada de Preços n. 02/94, do Município de Várzea da
Palma, eis que fora desclassificada, após ter sido julgada
devidamente habilitada, quando da divulgação do
resultado final da licitação. Argüiu que seu preço era 10%
menor que o da empresa declarada vencedora. Informou,
ainda, que pretendia interpor ação para anular ojulgamen-
to da Comissão Permanente de Licitação, que a desclassi-
ficou, ferindo o art. 43, § 5°, da Lei n. 8.666/93.
O Município contestou o mérito da ação e apresentou os
documentos reclamados pela autora/apelada. Argüiu falta
de interesse e legitimidade na propositura da ação porque
a licitação havia sido anulada.
Restou comprovado nos autos que a empresa apelada
participou da disputa licitatória e também que foi desclas-
sificada após o julgamento de habilitação, quando da di-
vulgação do resultado final da Tomada de Preços. Por
outro lado, não obstante reiterados requerimentos, não
obteve acesso aos documentos referentes ao processo de
licitação e teve indeferidos ou não conhecidos todos os
recursos manejados na esfera administrativa.

83

A noticiada anulação do processo licitatório foi publicada


posteriormente ao recebimento da cautelar e, pelo que se
extrai dos autos, não é perfeita e nem acabada, a teor do
art. 21 e parágrafos da Lei n. 8.666/93.
A Constituição Federal/88 estabelece, no art. 5°, XXXIII
e XXXIV:
`XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo
seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do
pagamento de taxas:
a) omissis;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para
defesa de direitos e esclarecimento de situações de inte-
resse pessoal'.
Conclusão inafastável é que a requerida investiu dura-
mente contra os preceitos constitucionais aplicáveis à es-
pécie e, ainda, às disposições da Lei n. 8.666/93, tendo
sido a ação devida e propriamente julgada procedente.
Na oportunidade, ratifico, in totum, o bem elaborado pare-
cer da lavra do I. Representante do Ministério Público de
Segunda Instância, Dr. Antônio Lopes Neto, porquanto
traduz de forma exemplar meu entendimento sobre a ma-
téria travada nos autos.
Des. Vaz de Mello:
VOTO
`Reportando-me ao bem elaborado parecer da douta Pro-
curadoria de Justiça, da lavra do ilustrado Procurador

84

Antônio Lopes Neto, ao qual parecer nada tenho a acres-


centar, confirmo a r. sentença no duplo grau de jurisdição.
Aliás, a Prefeitura concordou com a solução dada pelo
ilustre sentenciante, deixando de recorrer.
Custas, ex lege"' (Ap. Civ. n. 53.564/1, Comarca de Vár-
zea da Palma - MG - Apelante: Juiz de Direito da Comar-
ca de Várzea da Palma, pelo município Várzea da Palma;
Apelada: M. Engenharia S/A - Rel. Alves de Melo).

& 3 AMPLA PUBLICIDADE - PARECER

O Prefeito Municipal de Viçosa, inconformado com a


r. decisão (fls. 25I26), apelou.
A decisão combatida determinou que o Poder Público
Municipal fornecesse ao impetrante, senhor P.M.C., antes
qualificado, certidões relativas aos processos licitatórios e
gastos do referido Município, os quais estão relacionados
na peça vestibular.
A decisão combatida está amparada na Constituição
Federal, de modo especial pelo contido no seu art. 5°,
XXXIV. Tanto é verdade que, conforme esclarece, às fls.
70, o colega Promotor de Justiça,
"
... cópia dos documentos cujo exame foi pedido na inici-
al foram entregues ao autor e, encaminhados à Curadoria
de Defesa do Patrimônio Público, lastrearam a instaura-
ção de inquérito civil que apura irregularidades nos pro-
cessos licitatórios com prejuízos ao Erário público..:'

Sendo a licitação uma operação que, segundo a Lei


Maior, é essencialmente pública, como impedir que qualquer
do Povo tenha acesso à documentação que lhe dá lastro?

85

Nessa ótica de publicidade dos atos da Administração


Pública, assim vem se manifestando a doutrina:
"... Nos concursos e nas licitações, que preferimos deno-
minar de concursos públicos e licitações públicas, impõe-
se a regra da publicidade dos atos, a partir do Edital.
Pelo princípio da publicidade, a manifestação da vontade
do Poder Público deve ser `anunciada aos quatro cantos',
de tal modo que todo eventual licitante possa ficar ciente
das condições que cercam o procedimento licitatório. Li-
citação a portas fechadas é licitação nula (cf. nosso Curso
de direito administrativo. 13. ed., Rio de Janeiro: Foren-
se, 1994, p. 390). A publicação pode ser considerada
como elemento integrante da própria validade, ou melhor,
da eficácia do ato editado pelo Estado: por meio dela, a
parte toma conhecimento do ato administrativo, dele po-
dendo interpor os recursos cabíveis. Da publicação depen-
de, geralmente, a contagem da prescrição, da interrupção
de seu curso. Salvo nos casos em que a publicação é
expressamente dispensada, por motivo de interesse públi-
co ou de segurança nacional, em todos os demais deve ter-
se esta formalidade como essencial, indispensável para
que o ato ou contrato administrativo possa ser executado
(cf. BRANDÃO CAVALCANTI. Tratado de direito ad-
ministrativo. 3. ed., 1995, v. I, p. 228).
Com efeito, a licitação deve ser conhecida por todos. A
mais ampla publicidade é pressuposto indispensável a
um instituto que se destina a colocar diante do público as
condições preliminares para a concretização de contratos
de que participa a Administração. Elimina-se, desse
modo, os traços de clandestinidade, de parcialidade, de
favoritismo..." (CRETELLA JÚNIOR, José. Das licita-
ções públicas. 80. ed., p. 138).

86

Sendo direito de todos e qualquer cidadão fiscalizar a


correta aplicação de numerário por parte do Poder Público,
e considerando-se o contido no art. 37, caput, da Carta
Política de 5/10/88, esta Procuradoria de Justiça, no reexa-
me necessário, requer a confirmação da decisão hostilizada,
julgando-se, assim, prejudicado o recurso voluntário inter-
posto pelo Prefeito Municipal de Viçosa - MG.

& 4 PREÇOS

Na Comarca de Dores de Indaiá, neste Estado, E.I. e


outros, qualificados na peça exordial, ajuizaram a presente
ação popular contra o Exmo. Sr. Prefeito Municipal da
referida cidade, Sr. G.M.S., r. qualificado, e ainda contra a
Municipalidade e os senhores J.A.R.P., G.R.P., W.R.P. e
V.R.P. e "respectivas esposas dos que casados forem".
Argumentam os suplicantes
.. que o Chefe do Executivo local, para beneficiar ami-
gos, alienou, a preço vil, o prédio da estação ferroviária
que é considerado por eles de grande valor histórico. E
não concordando com tal transação, vêm pedir a anulação
do instrumento da transação; a anulação do Decreto Mu-
nicipal n. 201/93; o prosseguimento da antiga ação de
desapropriação; e ainda declaração de inoperância de uma
lei municipal que autoriza o Sr. Prefeito municipal a doar
o imóvel do Campo do Indaiá ao Estado...".

NO MÉRITO

A irresignação recursal é, data venia, desprovida de


lastro legal e a prova dos autos não revela qualquer dos

87
requisitos legitimadores do acolhimento da inicial, pela via
escolhida: ação popular.
Inicialmente, registre-se que o uso indiscriminado do
mandado de segurança e da ação popular têm causado o
acúmulo de feitos no Poder Judiciário, contribuindo, sobre-
maneira, para a efetivação de uma justiça mais lenta, nos
dias atuais.
Data venia, o uso indevido desses instrumentos é
uma constante na atualidade e precisa ser estancado.
Entendemos que os atos aqui impugnados não são
imorais, ilegais e muito menos lesivos ao patrimônio públi-
co. Não demonstraram os autores recorrentes qualquer dano
causado à coletividade. Não vislumbramos qualquer indício
de que as autoridades municipais tenham agido com o intui-
to de beneficiar quem quer que seja e/ou agido em detri-
mento do interesse público e/ou social.
Por esses fundamentos, acolhemos in totum os funda-
mentos da decisão monocrática:
"... Dos pedidos formulados pelos autores deduz-se que
pretendem ver anulados: o instrumento de transação no
qual o Sr. Prefeito transferiu a terceiros (também requeri-
dos) o velho e histórico prédio de estação ferroviária; o
Decreto Municipal n. 201I93, que revogou o Decreto An-
terior de n. 189l92, que declarava de utilidade pública
para fins de desapropriação o mesmo prédio da antiga
estação ferroviária, com o conseqüente prosseguimento
da Ação Desapropriatória n. 456/92; uma Lei Municipal
que dá autorização ao Prefeito Municipal para doar o
imóveis do `Campo do Indaiá' para o Estado de Minas
Gerais.
A ação popular é o meio legal colocado à disposição de
qualquer cidadão para obter a invalidade de atos ou con-

88

tratos administrativos ilegais e lesivos do patrimônio pú-


blico. [...] A atual Constituição Federal alargou a abran-
gência da ação popular para ser objeto também de apreci-
ação do ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural (art. 5°, LXXIII).
O próprio objetivo e a manipulação dessa ação exigem do
Judiciário, como já tenho dito em outros processos, certa
prudência com seu julgamento, para que não se transfor-
me em instrumento de discórdia nem sirva de meio de
perseguição político-partidária.
Como já disse também, notei existir nesta Comarca oposi-
ções políticas entre uma administração e outra, que usam
o Judiciário como meio disvirtuado para a obtenção de
seus intentos pessoais, ora com ações populares, ora com
ações de desapropriações.
É bom ressaltar que na gestão anterior os causídicos esta-
vam em posição contrária à que estão atualmente. O que
atacava anteriormente hoje defende. E o que defendia
hoje ataca. São eternos oponentes políticos.
Vê-se que os atos atacados não são maculados de ilegali-
dade nem de lesividade ao patrimônio público, pois, pela
análise dos documentos acostados, resguardam os ditames
legais para sua validade no mundo jurídico. O objetivo da
ação popular é invalidar atos praticados com ilegalidade
de que resultou lesão ao patrimônio público. Não se vis-
lumbra tal coisa nos autos.
Sempre que o Poder Público deseja preservar certo bem,
público ou particular, em razão de seu valor histórico,
artístico, paisagístico, cultural, científico ou arqueolôgi-
co, vale-se do tombamento, que é uma restrição incidente
sobre a propriedade, limitando, em relação ao seu proprie-
tário, os poderes de usar e gozar da coisa. Não havendo 0
tombamento, não há que se falar em patrimônio histórico.

89

O Sr. Ronaldo de Alcântara (um dos autores) podia ter


tombado o prédio da velha estação ferroviária, quando à
frente do Executivo Municipal na gestão anterior, mas
não o fez.
De observar-se, en passant, que a ação popular visa, de
forma intrínseca, fiscalizar a boa gestão do dinheiro públi-
co, onde o agente deve atentar-se para o aspecto da
economicidade. Já no que pertine ao patrimônio histórico
e cultural, constitui um dever conjunto do Poder Público e
da comunidade, onde, necessariamente, este patrimônio já
deve estar sob os cuidados do Poder Público e não em
mãos de particulares.
As pretensões dos autores em verem anulados os atos por
eles indicados nada mais são do que discórdia política
com a atual administração e matéria não abrangida pela
proteção da ação popular.
Por estas considerações, julgo improcedente a presente
ação e, por conseqüência, revogo a liminar concedida.
Deixo de condenar os autores em honorários advocatícios,
entretanto, pagarão as despesas e custas processuais..."

Como demonstrado, o ponto de partida da discussão


proposta nasceu morto. Não existe imóvel tombado e/ou
pré-inventário do acervo cultural-histórico da referida cida-
de. Ademais, é sabido por todos que prédio antigo não é
necessariamente histórico; no caso, não se provou, nos au-
tos, que o prédio em tela é histórico para a cidade de Dores
do Indaiá.
Vejamos a posição da jurisprudência sobre o tema:
"A valorização histórica e artística depende de juízos
subjetivos e conceitos estéticos individuais. Em conseqü-
ência, é sempre possível contestá-los, para se aferir o

90

interesse público de ato que se insere no poder regulatório


do Estado, dentro dos objetivos colimados pela legislação
pertinente"(Ac. un. da 7ª Câm. Cív. de 27110I87 - TJ - SP).

E da doutrina:

"O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional


abrange todos os bens, móveis e imóveis, existentes no
país, cuja conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da história pátria, ou por
seu excepcional valor artístico, etnográfico, bibliográfico
ou ambiental.
Tais bens tanto podem ser realizações humanas, como
obras da natureza; tanto podem ser preciosidades do pas-
sado, como criações contemporâneas.
A proteção de todos esse bens é realizada por meio do
tombamento..." (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito ad-
ministrativo brasileiro. 16. ed., p. 478-479).

Demonstram os autos que o imóvel não foi tombado


pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Artístico de Minas Gerais (IEPHAIMG) e nem pela Prefei-
tura Municipal.
Ensina-nos o jurista Hely Lopes Meirelles:
"Tombamento é a declaração pelo Poder Público do valor
histórico, artístico, paisagístico, turístico ou científico de
coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preserva-
dos, de acordo com a inscrição em livro próprio. Atual-
mente, a sua efetivação, como forma de proteção ao
patrimônio público, está expressamente prevista na
Constituição, em seu art. 126, cujo § 1° dispõe: `O Poder

91

Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e


protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de in-
ventários, registros, tombamento, desapropriação e de ou-
tras formas de acautelamento de preservação"'(op. cit.).
Data máxima venia, a prova cristalina da falta de
coerência dos autores/recorrentes repousa na ausência de se
buscar o "tombamento" do prédio em questão pela via
adequada, ou seja, ação civil pública, prevista na Lei Fede-
ral n. 7.347, de 24/7/85. Poderia ter sido acionado o Minis-
tério Público e/ou as associações legítimas nos termos do
citado diploma legal.
Não dispomos de elementos nos autos que esclare-
çam a razão da ausência de tentativa do ajuizamento da
ação civil pública para alcançar o tombamento ora perse-
guido.

Hely Lopes Meirelles afirma:

"Quanto aos bens a serem protegidos e ao próprio meio


ambiente, não há necessidade de que estejam tombados,
bastando que haja interesse público na sua preservação,
mesmo porque o tombamento não é condição da ação."
(Mandato de segurança, ação popular, ação civil públi-
ca, mandado de injunção e `habeas data'. 14 ed., atuali-
zada, 2a tiragem, São Paulo: Malheiros, 1991, p. 118).
Os tribunais admitem que o Poder Judiciário examine
se determinado bem constitui ou não patrimônio público;
tudo é uma questão de provas.
Fazendo coro com a posição ora encampada, mister
trazermos à colação a lúcida manifestação do eminente
Desembargador Antônio Hélio Silva:

92

"... Não há que se falar em impropriedade da presente


ação ao argumento de que o imóvel não foi tombado pela
Administração, porquanto o só fato de estar incluído em
pré-inventário do acervo cultural da cidade de Juiz de
Fora dá direito à propositura de ação civil pública, que
visa apurar a responsabilidade por danos causados a bens
e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico (art. 1°, III, da Lei n. 7.347/85), pelo que é de
se rejeitar a preliminar ..." (Agravo n. 39.704/2 - em
conexão com o de n. 39.706-7 - Comarca de Juiz de Fora
- Agravante: Construtora G. - Agravado: Ministério Pú-
blico Estado de Minas Gerais, PJ Vara Fazenda, Comarca
de Juiz de Fora).
A decisão em estudo não merece qualquer crítica,
data maxima venia. Aqui, se o intuito foi depreciar, menos-
prezar a autoridade pública, o que não acreditamos, o
objetivo não foi alcançado, visto que não vislumbramos na
leitura dos autos qualquer ato administrativo que macula o
seu decoro.
O que se pode aceitar e aplaudir, pelas vias adequa-
das, é a crítica saudável, necessária, mesmo que revestida
de veemência e até mesmo de tom enérgico. Assim,
compulsando os autos, temos por acertado o judicioso pro-
nunciamento recursal da d. Promotoria de Justiça, bem
como a sentença supratranscrita, que adotamos como ra-
zões deste pronunciamento.

& 5 VEÍCULOS - AÇAO DE COBRANÇA


Trata-se de remessa obrigatória, por força do duplo
grau de jurisdição, dos autos de ação popular ajuizada

93

contra o então chefe do Poder Executivo do Município de


Águas Vermelhas, cujo decisum julgou a ação improceden-
te, e procedentes os "embargos de terceiros", para mantê-
los definitivamente na posse dos veículos adquiridos, man-
dando que o município de Águas Vermelhas proceda à
restituição daqueles que estiverem em seu poder ou seus
respectivos valores, caso já não mais existam.
No que tange ao mérito, não conseguiram os autores
comprovar que as transações realizadas pelo então Prefeito
de Águas Vermelhas, as quais foram neste feito questiona-
das, causaram prejuízo ao patrimônio público. O fato terem
sido consumadas em desobediência à legislação pertinente,
por si só, não configura ilícito civil ou penal. Não tendo 0
patrimônio público sido lesado, tais transações devem ser
confirmadas principalmente porque inexistem provas de
que não obedeceram ao preços praticados à época, descarta-
da, pois, a possibilidade da prática de preços vis, quando
das alienações dos bens do Município de Águas Verme-
lhas. A ausência de licitação e/ou avaliação dos bens do
Município, quando das vendas impugnadas, não tem o
condão de anular tais alienações, visto que não causaram
prejuízos ao patrimônio público municipal. Essas irregula-
ridades, adicionadas à alegada ausência da autorização
legislativa, data venia, se não foram, serão ainda, objeto de
análise por parte do Tribunal de Contas e da Câmara de
Vereadores, quando da apreciação das contas da gestão do
referido administrador, a quem compete, no caso, aplicar ou
não as sanções administrativas que entenderem pertinentes.
Como bem colocou a ilustre Promotora de Justiça,

" ... estivessem realmente interessados em proteger o pa-


trimônio municipal e não apenas utilizar-se da presente
ação como meio de oposição política, teriam, pelo menos,
providenciado a avaliação dos veículos alienados".

94

Ensina o consagrado mestre Darcy Bessone que a ação


popular objetivamente "terá de ater-se à anulação ou declara-
ção de nulidade do ato lesivo ao patrimônio público".
Concessa venia, as intenções dos autores dessa ação,
pelo desinteresse de provarem o alegado prejuízo ao patri-
mônio público do Município de Águas Vermelhas, não
foram de inspirações cívicas. Se o intuito é desconceituar
a Administração Pública municipal pelas irregularidades
apontadas, a via adequada não é a eleita.
Por outro lado, acertada também a decisão do juiz a
quo, que determinou a devolução dos bens aos legítimos
adquirentes.
A sentença em estudo merece subsistir por sua própria
fundamentação. Data venia, não há o que modificar nela.
Por tudo que foi exposto e considerada as provas
existentes nos autos, esta Procuradoria de Justiça espera
que seja negado provimento ao recurso de ofício e, em
conseqüência seja confirmada integralmente a decisão pro-
ferida pelo Magistrado de Primeiro grau.
Concluindo o estudo do presente tópico sobre ação de
cobrança trazemos parecer de nossa autoria emitido na Ape-
lação Cível n. 65.764-3, da Comarca de Congonhas - MG:
Na Comarca de Congonhas, neste Estado, o Sr.
J.F.M., antes qualificado, ajuizou a presente ação contra a
Fazenda Municipal da referida cidade, buscando o recebi-
mento da quantia de Cr$ 21.191.400,00 por serviços pres-
tados ao Poder Público local, através de "táxi" que lhe
pertence, no período de outubro a dezembro de 1992,

"... para transportar pessoas doentes a hospitais de Belo


Horizonte, Barbacena, Conselheiro Lafayete e Ouro
Branco, por solicitação do serviço de assistência social do

95

Município - o Servac - sem, contudo, receber o corres-


pondente pagamento, a despeito de todos os esforços em-
preendidos neste sentido.
Alega que rodava, em média, 70 quilômetros diários e,
além disso, permanecia à disposição dos passageiros cerca
de quatro a cinco horas por dia, gastando, em vão, seu tempo
e dinheiro para prestar esses serviços ao Município ... .
Após regular tramitação do processo, foi proferida
decisão de mérito, cuja conclusão está assim vazada:

"... Pelo exposto, julgo a ação procedente e, em conseqü-


ência, condeno a Fazenda requerida a pagar ao autor a
importância cobrada na inicial, acrescida dos respectivos
juros, de 0,5% ao mês, e correção monetária, a contar da
data da citação até a do efetivo pagamento, bem como das
custas processuais e honorários advocatícios que arbitro
em 20% sobre o montante final da dívida, a se apurar em
execução.
Publique-se, registre-se e intimem-se ambas as partes nas
pessoas de seus respectivos patronos e também a Promo-
toria de Justiça.
Feitas as intimações necessárias e fluído o prazo para
interposição de recurso voluntário, com ou sem este, su-
bam os autos ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado,
para o qual recorro de ofício, em obediência ao art. 475,
II, do Código de Processo Civil ..."

A Municipalidade e o Ministério Público, inconfor-


mados com a decisão monocrática, recorreram.

Consta da peça recursal do Ministério Público:

96

" ... Não compactuamos do entendimento sustentado pelo


emitente julgador monocrático, no sentido de total
irresponsabilidade do autor em relação às irregularidades
administrativas constatadas nos autos, mesmo porque,
conforme disposição legal, ninguém se escusa de cumprir
a lei alegando desconhecimento, mormente em situações
tais envolvendo transações de cunho nitidamente
obrigacional, onde as partes interessadas têm pleno co-
nhecimento dos rituais a serem observados, mas relutam
em adotá-los por motivações escusas.
Embora, sabidamente, atos interna corporis, se mostram
como atos públicos por excelência, ante o interesse públi-
co manifestado na norma, cujo desrespeito atinge toda a
sociedade, como destinatária principal da verba pública
mal gerida ..."

"... Não pode o autor invocar a ignorância da lei, para fins


de eximir-se de responsabilidade e auferir somente vanta-
gens, mesmo porque, consoante o art. 3° da Lei de Introdu-
ção ao Código Civil `ninguém se escusa de cumprir a lei
alegando que não a conhece', muito menos compete ao
magistrado invocar tal postulação para fins de fundamentar
o decisório, em frontal contradição aos termos legais..."
"... Ante o exposto, requer e espera o Ministério Público,
seja reformada, in totum, a r. decisão a quo, dando-se
integral provimento ao apelo manejado, reconhecendo-se
a ilegitimidade da parte figurante no polo passivo da ação
e, no mérito, acaso ultrapassada a preliminar invocada,
seja julgado parcialmente provido o pedido, reconhecen-
do-se, tão-somente, as viagens comprovadas através de
testemunhas, ante a carência probatória carreada aos
autos, bem como, adotando-se as medidas pertinentes

97

postuladas pelo parquet, quanto às irregularidades admi-


nistrativas noticiadas nos autos...".
Sustenta o Município de Congonhas:

"... Se o próprio magistrado afirma na r. sentença que


houve irregularidades, como pode o apelante arcar com
despesas irregulares, e diz ainda que o fato só pode ser
debitado à autoridade administrativa que contratou ou
autorizou sua contratação ao arrepio da lei, mais caracteri-
zado ficou que se o apelado tem algum crédito a receber
deverá o este ser pago por quem o contratou, ou seja,
deverá responder pelo erro a autoridade administrativa
que procedeu em desobediência à lei. Aplicando-se, inclu-
sive, a Súmula 12 do egrégio Tribunal de Contas do Esta-
do de Minas Gerais, que diz:

`As despesas públicas realizadas sem observância do em-


penho prévio são irregulares, de responsabilidade pessoal
do ordenador, salvo se o legislador as considerar de inte-
resse público e autorizar a competente regularização...'

Logo, doutos magistrados, sustentando o apelante todos


os seus argumentos de defesa, de fls. 14 a 17, assim como
fundamento está ele nos novos argumentos acima expos-
tos, pede e espera que seja reformada a r. decisão de
primeiro grau, a fim de que seja a ação julgada improce-
dente, ou carecedor do pedido o Apelado, pelas prelimina-
res como pelas razões de mérito, de defesa como deste
recurso e que seja ele condenado ante o princípio da
sucumbência..."

98

Como percebemos, em tempestivos recursos (fls. 35173


e 71/75), alegam os recorrentes a impossibilidade da sobre-
vivência da decisão a quo, por ser contrária à legislação em
vigor e não encontrar lastro na prova produzida.
Concessa venia, não podemos aceitar a solução apon-
tada pelos recorrentes. Nessa linha de fundamentação, me-
recem transcrição os seguintes trechos do decisório de Pri-
meira Instância:

"... não me parece a resistência oposta pela Fazenda


requerida ao pagamento da dívida que aqui se cobra. Por-
quanto, a meu sentir, não pode ser penalizado o prestador
de serviços pelos erros que comete a Administração Pú-
blica.
No caso aqui sob exame, se irregularidades houve na
contratação dos serviços - e a mim me parece que real-
mente houve -, esse fato só pode ser debitado à autoridade
administrativa que contratou ou autorizou sua contratação
em desobediência à legislação atinente à matéria e não ao
prestador, que, na maioria das vezes, nem tem conheci-
mento da complicada liturgia que envolve os contratos
celebrados com a Administração Pública.
É, deveras, censurável o ato do administrador público que
contrata serviços à míngua de dotação orçamentária, de
autorização legislativa, de empenho prévio ou sem o in-
dispensável procedimento licitatório, mas por esse erro só
deve responder a autoridade que haja procedido em deso-
bediência à lei e não a pessoa, ou a empresa contratada,
que não tem sobre si o dever nem a responsabilidade de
zelar pela lisura dos atos da Administração Pública.
No caso aqui sob exame, comprovou o autor, por docu-
mentos hábeis, que efetivamente prestou os serviços a ele
contratados pelo Município em benefício do Servasc, as-

99

sistindo-Ihe, portanto, o direito de receber o correspon-


dente pagamento, ainda que a Administração anterior
os tenha contratado de forma irregular, já que não foi ele,
o autor, quem deu causa a essa irregularidade..."
A sentença de primeiro grau acolheu, corretamente, o
pedido contido na peça exordial. No nosso sentir, o julgador
aplicou o direito à espécie, dando à demanda solução justa e
que reflete o contido no art. 5° da Lei de Introdução ao
vigente Código Civil: "... Na aplicação da lei, o juiz atende-
rá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum."
O autor que, de boa-fé, prestou serviços ao Poder Públi-
co, não pode e nem deve ser penalizado com o não-recebimen-
to das quantias reclamadas. Se a contratação foi irregular e/ou
ilegal, cabe a interposição de ação popular e/ou civil pública
contra o responsável pelas despesas tidas como indevidas;
não cabe a um simples motorista de praça perquirir quando
de sua contratação, se esta encontra-se nos moldes regula-
mentares; a responsabilidade, nessa circunstância, há de ser
debitada, exclusivamente, ao administrador, por razões ób-
vias.
Defendemos a posição que o Juiz de Direito de
Congonhas, ao julgar a matéria em análise, arrimou-se na
situação concreta apresentada nos autos, com suporte nas
provas demonstradas pelo suplicante, ora recorrido.
Deixar ao "bel-prazer" da Administração Pública a
contratação irregular de serviços, para depois negar-lhe
administrativamente o seu efetivo pagamento, subtraindo
do prestador de serviço o direito ao recebimento, concessa
venia, não seria uma atitude sensata. O correto, o razoável,
no caso em debate, é a quitação da dívida e, a posteriori, o
imediato acionamento em busca do ressarcimento aos co-

100

fres públicos, se for o caso; a responsabilidade pela contra-


tação é fato relevante e não pode ser desprezada; a
penalização do agente e/ou servidor público diretamente
responsável pelo ato administrativo referido deve ser perse-
guida à luz da legislação em vigor.
Com o intuito de ilustrar este modesto pronunciamen-
to, trazemos à colação a sempre lúcida manifestação do
eminente Ministro do STJ, Sálvio de Figueiredo:

"O Estado Democrático de Direito não se contenta mais


com uma ação passiva. O Judiciário não mais é visto
como mero Poder eqüidistante, mas como efetivo parti-
cipante dos destinos da Nação e responsável pelo bem
comum. Os direitos fundamentais sociais, ao contrário
dos direitos fundamentais clássicos, exigem a atuação do
Estado, proibindo-lhe a omissão. Essa nova postura repu-
dia as normas constitucionais como meros preceitos pro-
gramáticos, vendo-as sempre dotadas de eficácia em te-
mas como dignidade humana, redução das desigualdades
sociais, erradicação da miséria e da marginalização, valo-
rização do trabalho e da livre iniciativa, defesa do meio
ambiente e construção de uma sociedade mais livre, justa
e solidária.
Foi-se o tempo do Judiciário dependente, encastelado e
inerte. O povo, espoliado e desencantado, está a nele
confiar e a reclamar sua efetiva atuação através dessa
garantia democrática que é processo, instrumento da juris-
dição" (Correio Braziliense. Caderno de Direito e Justiça,
24 de fevereiro de 1992).
Tal linha de fundamentação harmoniza-se com o ma-
gistério sempre autorizado do eminente Desembargador
Roney Oliveira:

101

"Pelo rito sumaríssimo, moveu a apelada, em desfavor da


Fazenda Pública do Município de Congonhas, ação de
cobrança, referente ao fornecimento de areia, acobertado
por três notas fiscais.
A sentença julgou procedente a súplica, vindo os autos a
este Tribunal por força do reexame necessário e do apelo
voluntário da Fazenda, que pede a reforma da decisão,
porque nulo o ato administrativo, já que constitui burla,
sujeita a enquadramento por crime de responsabilidade,
nos termos do art. 1° do Decreto-Lei n. 201/67, a lei-
empenho a posteriori.
Ao fornecedor de bens e serviços, basta que prove o seu
crédito junto à Fazenda, para fazer jus ao respectivo valor,
cobrado pelas vias ordinárias.
No caso, a venda de areia efetuada pela apelada à Munici-
palidade restou comprovada pela emissão das respectivas
notas fiscais, acobertadas pelo recibo de entrega da mer-
cadoria.
Se a emissão dos documentos fiscais ou do empenho se
deu após o negócio, má-fé não houve, por ser essa uma
praxe muito comum nas pequenas cidades, onde o fornece-
dor age de acordo com o comando da Municipalidade
adquirente, atendendo às suas conveniências contábeis e/ou
burocráticas.
Via de regra, o pequeno e leigo comerciante desconhece
os meandros da contabilidade pública, não sendo razoável
que se lhe exija conhecimento técnico específico que lhe
permita saber, de antemão, se a emissão, a posteriori, de
notas fiscais ou empenhos pode ou não ensejar a respon-
sabilidade criminais dos Prefeitos.
Consoante oportuna abordagem da Procuradora Aída Fer-
nandes Lisbôa (fls. 54), `o Poder Judiciário [...] não pode
anular um ato administrativo, dentro de uma ação de co-

102

brança, sem qualquer provocação anterior dos interessa-


dos', mesmo porque não se pode impor à apelada `a obriga-
ção de fiscalizar o Poder Público', após cumprir o seu papel
na transação, fornecendo as mercadorias correspondentes.
A propósito, leciona Hely Lopes Meirelles (Direito ad-
ministrativo brasileiro. 2. ed., São Paulo: RT, p. 164):

`Os atos administrativos, qualquer que seja a sua catego-


ria ou espécie, são portadores da presunção de legitimida-
de, independentemente de norma legal que a estabeleça.
Essa presunção decorre do princípio da legalidade da
Administração que, nos Estados de Direito, informa toda
a atuação governamental. Além disso, a presunção de
legitimidade dos atos administrativos responde a exigên-
cias de celeridade e segurança da atividade do Poder Pú-
blico, que não poderia ficar na dependência da solução de
impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de
seus atos, para, só após, dar-lhes execução.
A presunção de legitimidade autoriza a imediata execução
ou operatividade dos atos administrativos, mesmo que
argüidos de vícios ou defeitos que os levem à invalidade.
Enquanto, porém, não sobreviver o pronunciamento de
ineficácia, os atos administrativos são tidos por válidos e
operantes, quer para a Administração, quer para os parti-
culares sujeitos ou beneficiários de seus efeitos. Admite-
se, todavia, a sustação dos efeitos dos atos administrativos
através de recursos internos ou de mandado de segurança,
em que se conceda a suspensão liminar, até o pronuncia-
mento final de validade ou invalidade do ato impugnado.
Outra conseqüência da presunção de legitimidade é a
transferência do ônus da prova de invalidade do ato admi-
nistrativo para quem a invoca. Cuide-se de argüição de
nulidade do ato, de vício formal ou ideológico, a prova do
efeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante'.

103

Confirmo, pelo exposto, no reexame necessário, o julgado


de primeiro grau, com o que resta prejudicado a apelo
voluntário, como já dito alhures.
Custas ex lege"' (Ap. Cív. n. 33.91315 - Comarca de
Congonhas - Apelantes: 1°) Juiz de Direito da Comarca
de Congonhas; 2a) Fazenda Pública do Município de
Congonhas - Apelada: H.F. Transporte e Fornecimento
Minerais Ltda. - Relator: Des. Roney Oliveira).
Quanto às provas, temos que o Sr. J.F.M., r. qualifica-
do, se desincumbiu de comprovar os fatos constitutivos do
seu direito, nos termos do art. 333, I, da Lei Adjetiva.
Desenvolvendo, pois, o mesmo raciocínio expendido na
decisão de primeiro grau, esta Procuradoria de Justiça é
pelo improvimento dos recursos apresentados pelo Ministé-
rio Público e pelo Município de Congonhas.

& 6 ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO - SUMULA 473 DO


STF

O Ato Administrativo está sujeito à anulação e à


revogação.
Sobre tais enfoques, o Professor José dos Santos Car-
valho Filho esclarece:
"...A anulação da licitação é decretada quando existe no
procedimento vício de legalidade. Há vício quando
inobservado algum dos princípios ou alguma das normas
pertinentes à licitação; ou quando se escolhe proposta
desclassificável; ou não se concede direito de defesa aos
participantes, etc. Enfim, tudo quanto se configurar como
vício de legalidade provoca a anulação do procedimento.

104

A anulação pode ser decretada pela própria Administra-


ção (art. 49 do Estatuto). Sendo anulado o procedimento,
não há obrigação de indenizar por parte da Administra-
ção, salvo se o contratado já houver executado parte do
objeto até o momento da invalidação. Trata-se, pois, de
impedir enriquecimento sem causa por parte da Adminis-
tração.
É de tal gravidade o procedimento viciado que sua anu-
lação induz a do próprio contrato, o que significa dizer
que, mesmo que já celebrado o contrato, fica este com-
prometido pela invalidação do procedimento licitatório
(art. 49, § 2°).
A invalidação produz efeitos ex tunc e compromete todos
os atos que se sucederam ao que estiver inquinado de
vício, isso quando não compromete todo o procedimento.
Por isso é que entendemos acertada a observação de que a
anulação é ato vinculado, exigindo cabal demonstração
das razões que a provocaram, não só porque assim se
permite o controle da legalidade por parte dos interessa-
dos, como ainda porque o vício nas razões invocadas pode
conduzir à invalidação do próprio ato anulatório...
... Revogação é o desfazimento dos efeitos da licitação já
concluída, em virtude de critérios de ordem administrati-
va, ou por razões de interesse público, como diz a lei. Tais
critérios são avaliados exclusivamente pelo administra-
dor, à luz das circunstâncias especiais que conduzirem à
desistência na contratação. Há, portanto, sob esse ângulo,
certa discricionariedade na atuação administrativa. Não
obstante, é bom que se destaque, sempre será possível
que o Judiciário examine o ato sob os aspectos de legali-
dade. O que não pode o juiz é substituir o critério do
administrador pelo seu próprio, porque a Constituição
veda a invasão de funções estatais.

105
O Estatuto criou algumas condições para a revogação,
fechando um pouco a porta aberta pela legislação anterior.
E o fez exatamente para evitar abusos por parte de maus
administradores.
Uma dessas condições reside na necessidade de ser a
revogação claramente justificada, com a menção dos mo-
tivos que levaram a tal desfecho. Só assim poderão os
interessados conferir tais motivos e invalidar o ato, se
neles houver vício de legalidade. Realmente, se pudesse
ser imotivada a revogação, vulnerado estaria o princípio
da legalidade e o da igualdade de oportunidades aos inte-
ressados. Entendemos que necessário se torna o mesmo
detalhamento de motivos, quando a Administração vier a
realizar nova licitação com o mesmo objeto. É que só
dessa maneira será possível constatar se foram superados
os motivos que anteriormente levaram à revogação.
Além disso, as razões de interesse público geradoras da
revogação devem originar-se de fato superveniente devi-
damente comprovado, fato esse pertinente e suficiente
para conduzir à revogação (art. 49). Daí emana que se o
fato alegado pela Administração tiver ocorrido antes do
início do processo licitatório, não poderá servir como fun-
damento da revogação. E é fácil explicar: se o fato antecede
à própria licitação, não deveria esta ter sido sequer instaura-
da. Portanto, cabe ao interessado verificar se as razões
ensejadoras da revogação vieram realmente de fato ocorri-
do após a instauração do processo licitatório.
A revogação, situando-se no âmbito dos poderes adminis-
trativos, é conduta lícita da Administração. Sendo
assim, o vencedor da licitação tem expectativa na celebra-
ção do contrato, mas não é titular de direito subjetivo,
como chegamos a ver. Por essa razão é que, revogada a
licitação por motivos válidos, aferidos por critérios

106

administrativos efetivos, não é devida qualquer indeniza-


ção aos licitantes, nem particularmente ao vencedor..."
Sendo passível de revogação ou anulação pela própria
Administração, o Ato Administrativo deve ser editado com
os cuidados já recomendados; isso porque a sua revogação
e/ou anulação pela Administração pode gerar desestabiliza-
ção na relação jurídica, podendo inclusive afetar direito
adquirido; tal atitude pode acarretar também a interposição
de ação de perdas e danos, contra o Poder Público, pelo
interessado que se julgar prejudicado.
A revogação ou a anulação do Ato Administrativo
nos moldes antes preconizados é ponto pacífico na jurispru-
dência, haja vista a seguinte decisão do Supremo Tribunal
Federal:
"A Administração pode anular seus próprios atos, quan-
do eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles
não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial" (STF, Súmula 473).
Capítulo V

CONTRATAÇÃO PELO PODER PÚBLICO DE ADVOGADO POR


PERÍODO CONTINUADO, COM DISPENSA DE LICITAÇAO -
IMPOSSIBILIDADE

109

& 1 CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE

O Direito Administrativo, a cada dia, se constituciona-


liza com grande velocidade em todas as partes do universo.
Os princípios norteadores que regulamentam os pro-
cedimentos licitatórios inviabilizam de modo fulminante a
contratação sem licitação, por parte do Poder Público, de
profissionais de Direito, para prestar serviços profissionais
por período prolongado. O que se admite, interpretando
com critério e isenção 0 ordenamento jurídico pátrio, é a
possibilidade da contratação do operador do Direito com
notória especialização na área que se instalou o litígio, de
modo eventual (causas específicas), em caráter excepcio-
nal, ante a evidente relevância jurídica da matéria em deba-
te e/ou a ser debatida perante o Poder Judiciário, de vital
interesse para a Administração Pública.
A urgência para a concreta implementação do posicio-
namento jurídico que busque a defesa do interesse público
ameaçado ou na iminência de sofrer danos morais e/ou
materiais é necessária, determinante para justificar essa
contratação com dispensa do procedimento licitatório. O
risco do eventual desfalque nos cofres públicos, ante tímida
ou ineficaz ação na efetiva defesa desses interesses, requer
o uso do poder discricionário do administrador público,
sem desprezar a observância dos freios e amarras da lei e

111

dos princípios da razoabilidade e da moralidade que


norteiam a Administração Pública. Nessa diretriz e obser-
vada, quando possível, a pré-gualificação nos moldes da
legislação em vigor, em nome do interesse público, pode e
deve a Administração utilizar opção que no seu entender
melhor atenderá à causa pública. Assim sendo, após o exa-
me de todas essas circunstâncias, que podem ser sintetiza-
das nas expressões oportunidade e conveniência, não paira
dúvida sobre a legalidade da contratação em questão, nos
moldes antes argumentados.
A jurista Alice Gonzalez Borges, Professora titular de
Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universi-
dade Católica de Salvador e membro do Conselho Superior
do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, leciona:
"... 1. O tema proposto trata de matéria em que se exacer-
ba a antinomia entre normas e a conflitualidade entre
princípios, de que nos fala Joaquim Canotilho. Na lição
do mestre lusitano, isto reclama do intérprete uma caute-
losa postura de ponderação e de avaliação metódica, a fim
de que, sobre essa antinomia, sobre essa conflitualidade,
sem radicalizações, se estruturem propostas de interpreta-
ção e concretização constitucionalmente adequadas.
Cabem tais reflexões quando se confrontam os nobres
princípios constitucionais e legais sobre a obrigatoriedade
da licitação com os não menos nobres princípios constitu-
cionais e legais aplicáveis à missão da advocacia.
2. A Constituição instituiu como princípio máximo, que
encabeça a declaração de direitos fundamentais do art. 5°,
o da igualdade. Sobre esse princípio, combinado com os
da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade,
norteadores das atividades da Administração Pública,
erigiu, como seu fiel e garante, a regra da obrigatoriedade

112

da licitação - meio antecedente a suas contratações. A


essa regra geral apenas admitiu as exceções consagradas
em lei.
3. A mesma Constituição inseriu a advocacia, no Capítulo
IV, Título IV, entre as Funções Essenciais à Justiça. Na
precisa determinação do seu art. 133. forma, com a ma-
gistratura e com o Ministério Público, uma tripeça neces-
sária à aplicação do direito, indispensável à administra-
ção da justiça.
Reveste-se, portanto, a profissão do advogado de uma
certa posição institucional de `nobreza e nobilização'
(como diz Pinto Ferreira), de `Sacerdócio', como quer
Lafayette Pondé, que a privilegia sobre outras profissões
liberais, bem como sobre outros serviços profissionais
técnico-especializados de que trata a Lei n. 8.666/93. Tal
posição é reforçada pelas normas do Estatuto da OAB e
do Código de Ética do Advogado, claras em determinar a
essencialidade e a função social do seu Ministério Priva-
do.
4. Tais princípios vetores devem ser efetivamente sopesa-
dos e interpretados harmonicamente, quando se trata da
contratação de serviços profissionais de advocacia pela
Administração Pública.
5. Incluem-se os serviços profissionais de advocacia, efe-
tivamente, entre os técnicos especializados elencados no
art. I3 da Lei n. 8.666/93, em suas várias modalidades
possíveis:
· no inciso I - estudos técnicos;
· no inciso 11 - pareceres;
· no inciso III - assessorias técnicas;
· e, sobretudo, no inciso V, que especificamente alude a
patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrati-
vas..."

113

Trazemos agora a clara posição do Mestre Jorge


Ulisses Jacoby Fernandes a respeito dos serviços
advocatícios no contexto em debate:
"... Entre os serviços elencados no art. 13, referido, a um
tem sido devotada, em especial, a atenção do Executivo e
dos doutrinadores. Trata-se da contratação, cujo objeto se
encontra elencado no inciso V, do seguinte teor: patrocí-
nio ou defesas de causas judiciais ou administrativa. Para
tais serviços dever-se-ia promover licitação na modalida-
de de concurso como regra.
O Poder Executivo Federal, na Exposição de Motivos
interministerial n. 11/92, tornou obrigatória a contrata-
ção, por parte do Banco Central do Brasil e entidades
estatais, de empresas prestadoras de serviços técnicos pro-
fissionais de natureza jurídica, especializadas na área
trabalhista, para a defesa de interesses em juízo, quando
reclamadas em ações individuais, plúrimas ou coletivas
na Justiça do Trabalho, sempre que houver a possibilidade
de conflito entre interesse da parte dos quadros jurídicos
próprios. Essa norma, contudo, não afastou a exigência do
processo licitatório, que deve ser realizado mediante a
pré-qualificação, versada no art. 114 da Lei n. 8.666/93.
Em regra, a contratação dos serviços jurídicos exige a
habilitação legal e alguma experiência ou especialização
em determinada área de atuação, sendo, portanto, ampla-
mente encontrados no mercado. Essa idéia básica
perlustra a seguinte manifestação do zeloso órgão instru-
tivo do TCU, em passagem colhida na Decisão n. 137/94,
DOU 13I5/94, ou BLC n. 8I94, p. 376:
`Com relação ao Contrato n. 0281SR-5-DEJUR-5, com o
escritório de Advocacia França e R. SIC, a analista refu-

114

tou as alegações da entidade, que sustentavam a


inexigência de licitação, com base na singularidade dos
serviços (singularidade objetiva), como também na notó-
ria especialização dos sócios e profissionais da firma con-
tratada (singularidade subjetiva). Demonstrou a instrução
tratar-se, na realidade, de serviços rotineiros de advocacia
e, portanto, passíveis de competição no mercado próprio'.
E, circundando essa manifestação, asseriu o Ministro-
Relator que, `como bem salientou a instrução, o cerne da
questão, na espécie, não é a competência ou mesmo a
notoriedade da contratada e de seus profissionais, mas a
possibilidade de competição no mercado para a prestação
dos serviços desejados, que vão desde a defesa de direitos
e interesses da RFFSA, em processos judiciais, nas esfe-
ras civil, trabalhista, criminal e fiscal, até a confecção
de pareceres jurídicos sobre quaisquer assuntos relaciona-
dos à esfera de atuação'.
No mesmo caso, em pedido de reexame o Tribunal de
Contas da União, considerando a continuidade do serviço,
admitiu que fosse mantido o contrato pelo tempo necessá-
rio à realização do certame licitatório, fundamentando a
decisão no princípio da economicidade e do interesse
público..."
Ante essas posições, conclui-se, por óbvio, que a contra-
tação dos serviços de advocacia com notória especialização
não deverá ser rotineira e muito menos duradoura, sob pena de
burla evidente ao princípio constitucional da igualdade.

& 2 SANÇÕES CÍVEIS E CRIMINAIS

A contratação irregular de operadores do Direito tor-


na o Ato Administrativo passivo de nulidade, podendo ge-

115

rar reparação na esfera cível e a configuração do delito


de improbidade administrativa por parte do contratante e do
contratado.
Na obra Improbidade Administrativa, dos valorosos
colegas do Ministério Público Paulista, Mário Pazzaline
Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior,
encontramos os seguintes ensinamentos:
"... Além da sanção de natureza civil, que gera a obrigação
de indenizar o prejuízo causado, o agente público e o
particular partícipe de fraude licitatória estarão sujeitos à
sanção penal (Seção III da Lei Federal n. 8.666/93).
Interessante e atualíssima inovação trouxe-nos o legisla-
dor ao erigir à categoria de crime a desnecessária dispensa
ou inexigência de licitação.
Realmente, consoante o art. 89, o `dispensar ou inexigir
licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de
observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à
inexigibilidade', sujeita o agente à pena de detenção de 3
(três) a 5 (cinco) anos, e multa'.
O parágrafo único do dispositivo citado estende aludida
pena a quem, `tendo comprovadamente concorrido para a
consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou
inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder
Público' .
Bem se vê que o legislador, preocupado com a incidência
cada vez maior de contratações ilegais, buscou criar um
contrapeso capaz de fazer cessar a preocupação menor
que inspira muitos dos administradores públicos, que na
partilha de recursos do povo aquinhoam correligionários,
garantindo a riqueza de alguns e relegando à miséria o
atendimento dos reais interesses públicos.

116

A lei definiu a possibilidade de ocorrência de um crime de


natureza formal, cuja consumação independe da verifica-
ção de qualquer resultado naturalístico, vale dizer, em
nada interferirá, para sua tipificação, a ocorrência ou não
de efetivo prejuízo ao patrimônio público. Desse delito
poderão ser autores tanto o administrador público que
autoriza a contratação ilegal quanto o particular beneficia-
do pela avença.
Já na condição de sujeito passivo principal, por evidência,
tem-se o ente público prejudicado pela conduta delituosa,
e na qualidade de sujeito passivo secundário todo e qual-
quer particular ou empresa que, em tese, poderia ser con-
tratado pela regular realização da licitação.
O delito, que se pode verificar através de duas condutas
típicas distintas, não admite a tentativa, consumando-se
com o simples `dispensar' ou `inexigir' o procedimento
formal da licitação. Não há, pois, necessidade de que a
contratação tenha-se verificado, salvo se se pretender
também a punição do particular (parágrafo único).
Duas são, pois, as condutas descritas pela norma:
· dispensar ou inexigir indevidamente a licitação;
· deixar de observar as formalidades legais (v.g. a necessi-
dade de fundamentação da ato de dispensa).
O elemento subjetivo será sempre o dolo genérico, admi-
tindo-se o dolo eventual. Não remanesce dúvida de que há
imperiosidade de licitar, salvo em situações excepcionais
devidamente estipuladas em lei. O descumprimento dessa
norma, frustrando o comando constitucional e violando a
Lei Federal, dá ensejo à tipificação do delito.
Observe-se, a propósito, que, sendo o dever de licitar
imperativo constitucional e sendo restritas as hipóteses

117
em que se admite sua postergação, na dúvida, cumprirá ao
administrador realizar o certame, pena de, agindo com
dolo eventual (seja como for, dê no que der), ter sua
conduta subsumida ao tipo incriminador.

CONCLUSÃO

No encerramento deste tópico, insta lembrar que nada


desobriga o administrador de atuar com extrema cautela
no julgamento de hipóteses que possam motivar a contra-
tação direta, já que se trata de exceção ao princípio consti-
tucional da licitação (art. 37, inciso XXI).
Diga-se o mesmo quanto aos fiscais e controladores da
atuação administrativa, seja o representante do Ministério
Público, no inquérito civil que investiga procedimento
licitatório, seja o órgão do Poder Judiciário, a quem in-
cumbe declarar ou não sua invalidade. Cumpre-lhes não
descuidar do rigoroso exame de todas as particularidades
dessa contratação. Jamais deverão optar pela interpreta-
ção extensiva do texto legal, que não é compatível com os
superiores princípios informativos da atuação administra-
tiva. É que, precisamente nesta área, são perpetrados os
maiores abusos e fraudes, em absoluto descompas-
so com o balizamento constitucional, que ditam o agir
administrativo e com enorme distanciamento do interes-
se público. A Administração Pública, como é curial,
somente pode atuar de conformidade com a lei.
Vem a calhar uma ponderação. Como já foi dito, o institu-
to da licitação, ao contrário do que se supõe, nem sempre
enseja a melhor contratação e não está imune a fraudes de
desvios. A observância do dever de licitar pode ser a
forma mais proveitosa de se disfarçar a improbidade,
entabular conluios e consumar abusos, pondo a perder a

118

credibilidade do próprio instituto e, mais que isso, consti-


tuindo-se fonte segura de enriquecimento ilícito, tanto de
agentes públicos como de terceiros desonestos.
Assim, se nem se pode tomar por presunção as contrata-
ções diretas como meios de fraude, também não se pode
presumir que a realização da licitação, por si só, induza à
certeza de que a Administração colheu, de fato, a melhor
proposta.
Enfim, todo o trabalho de investigação e persecução em
casos de dispensa ou de inexigibilidade de licitação deve
fugir da cômoda e socialmente simpática, mas irresponsá-
vel, via da suspeição indiscriminada, buscando falhas e
irregularidades sob o fundamento da atuação protetiva. O
exame de um procedimento licitatório e das condições e
circunstâncias de uma contratação pública deve observar
redobrada atenção e toda cautela possível, sempre tendo
como norte o interesse público primário e não o meramen-
te administrativo.
Qualquer medida tendente a inviabilizar um projeto,
obra ou aquisição do Poder Público, sem as cautelas
necessárias e exigíveis, pode gerar, quando incabível, mal
igual ou maior do que o ato que se objetiva nulificar. ..."

& 3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ARTS. 6° E 7° DA LEI N. 7.347/85 - COMENTÁRIOS


O administrador público precisa de cuidados redobra-
dos para autorizar a contratação de operadores do Direito
sem licitação, haja vista que, no caso de qualquer irregulari-
dade e/ou ilegalidade, pode ter seu patrimônio pessoal com-
prometido, ante a interposição de ação civil pública e/ou
popular que vise eventual ressarcimento aos cofres públi-

119

cos. Portanto, interpretar restritivamente a legislação a res-


peito do tema em pauta é medida de prudência e acima de
tudo de resguardo do patrimônio público e da moralidade.
Para arrematar o assunto concernente à reparação na
órbita civil, trazemos à colação posições defendidas na
nossa obra Teoria e Prática da Ação Civil Pública:
"Art. 6° Qualquer pessoa poderá e o servidor público
deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, minis-
trando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto
da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção."

COMENTÁRIOS

A ação civil, nos termos da Lei n. 7.347/85, é ação


pública.
A qualquer cidadão é lícito comunicar à autoridade
infração de ação pública de seu conhecimento, condiciona-
da a instauração de inquérito ou da ação à constatação do
informado.
O art. 6° em tela é bastante claro, não carecendo de
hermenêutica mais funda. Pela simples leitura do texto do
artigo chega-se, facilmente, às seguintes conclusões:
1°) Qualquer pessoa pode, isto é, tem a faculdade de
provocar a iniciativa do Ministério Público, oferecendo-lhe
informações de fatos que possam levar à instauração do
inquérito civil ou da ação civil pública. Apreende-se, pois,
que o cidadão - a pessoa - não é obrigado a provocar a
iniciativa do Ministério Público para a ação civil, mas pode,
livremente, fazê-lo.
2°) Ao contrário, o servidor público é obrigado a
provocar o Ministério Público para a ação civil.

120

É de se salientar que o texto do art. 6° em tela usou o


termo "servidor público" e não "funcionário público". Com
isso, a lei estendeu a obrigação não apenas aos funcionários
públicos, mas a todos os servidores públicos, já que o
termo servidor público é muito mais abrangente que o
termo funcionário público.
A nosso sentir, considera-se servidor público, para os
efeitos dos dispositivos da Lei n. 7.347/85, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, empre-
go ou função pública. Assim, ainda que a pessoa não seja
empregada nem tenha cargo no Estado, ela estará incluída
no conceito civil de servidor público, desde que exerça, de
algum modo, função pública.
"Art. 7° Se, no exercício de suas funções, os juízes e
tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam
ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao
Ministério Público para as providências cabíveis."
COMENTÁRIOS

O dispositivo do artigo em tela é similar ao do art. 40


do Código de Processo Penal. É, porém, mais abrangente
que o mandamento do direito adjetivo penal, já que
usa a expressão "no exercício de suas funções", e não
apenas "em autos ou papéis, de que conhecerem ...
O mandamento do art. 7° é de caráter obrigatório, já
que usa o termo "remeterão", e não poderão remeter. A
forma é imperativa.
Assim, os juízes e os tribunais, estes por de direito,
são obrigados, sob pena de responsabilidade, a remeter ao
Ministério Público peças para as providências cabíveis.

121

O fato de o juiz, ou o tribunal, determinar a remessa


de peças ao Ministério Público não constitui ilegalidade,
uma vez que o órgão do Parquet poderá entender inexistir
ensejo para a propositura da ação civil pública.
O cumprimento do disposto no artigo comentado não
acarreta o impedimento do julgador, que dá a notícia e
sugere a propositura da ação civil pública.
O juiz, quando age nos termos da disposição do artigo
em estudo, não pratica ato jurisdicional, mas sim ato
correcional. E a atividade correcional, prevista no citado
artigo, não previne a jurisdição.

& 4 DECISÕES DO TRIBLTNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU) - INEXIGIBILIDADE


DE LICITAÇÃO

Para robustecer ainda mais as colocações aqui expos-


tas e enriquecer o conteúdo jurídico das discussões ora
travadas, trazemos à baila alguns trechos de respeitadas
decisões do Colendo Tribunal de Contas da União (TCU):
I
· "Ementa: Representação formulada pelo Conselho

Fiscal do IRB - Inobservância de dispositivos da Lei n.


8.666/93 nos contratos de terceirização de serviços jurídi-
cos e de carteira de ações - Inexigibilidade de licitação -
Pagamento sem prestação de serviços - Existência de
processo no Tribunal, sobre o mesmo assunto - Conheci-
mento - Determinação- Juntada ao TC n. 014.703/96-3."

122

· "Dados materiais:
- Decisão 4/97 - Plenário - Ata 2/97.
- Processo TC n. 016.758I96-0.
- Interessado: Conselho Fiscal do Instituto de Resse-
guros do Brasil (IRB).
- Entidade: Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).
- Relator: Ministro Humberto Guimarães Souto.
- Representante do Ministério Público: não atuou.
- Unidade Técnica: 8ª Secex.
- Especificação do quorum: Ministros presentes:
Homero dos Santos (Presidente), Adhemar Paladini Ghisi,
Carlos Átila Álvares da Silva, Paulo Affonso Martins de
Oliveira, Iram Saraiva, Humberto Guimarães Souto (Rela-
tor), Bento José Bugarin e o Ministro-Substituto José Antô-
nio Barreto de Macedo.

· Assunto: Representação.
· Decisão: O Tribunal Pleno, diante das razões ex-
postas pelo Relator, decide:

l. Conhecer da Representação formulada pelo Sr.


C.E.T.A., Presidente do Conselho Fiscal do Instituto de
Resseguros do Brasil, para determinar à 8a Secex que, na
análise do TC n. 14.703/96-3, relativo à representação
acerca da contratação, pelo Instituto de Resseguros do
Brasil (IRB), dos advogados P. S. N. e L.O. L., adote
providências no sentido de:
a) apurar se foi efetuado pagamento ao Escritório
Paulo Seabra de Noronha sem que fosse evidenciada a
prestação dos serviços pactuados; e
b) examinar o processo de licitação para contratação
de administradoras da carteira de ações daquele Instituto,

123

especialmente os aspectos relativos à pré-qualificação,


como relatado na presente representação.
2. Encaminhar ao autor da presente representação
cópia desta Decisão, bem como do Relatório e Voto que a
fundamentaram, informando-o que tramita neste Tribunal
processo relativo à Representação formulada pela 8a Secex
acerca da contratação, pelo Instituto de Resseguros do Bra-
sil, com inexigibilidade de licitação, de serviços profissio-
nais de advocacia consultiva e contenciosa de natureza
geral e que tão logo a matéria seja apreciada ser-lhe-á dado
conhecimento; e
3. Juntar o presente processo ao TC n. 14.703I96-3.

· Relatório:
- Grupo I - Classe VII - Plenário.
- TC O16.758I96-0.
- Natureza: Representação.
- Entidade: Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).
- Interessado: Conselho Fiscal do Instituto de Resse-
guros do Brasil (IRB).
`Ementa: Representação formulada pelo Conselho
Fiscal do Instituto de Resseguros do Brasil. Inobservância
de dispositivos da Lei n. 8.666/93 nos contratos de terceiri-
zação de serviços jurídicos e de carteiras de ações - Conhe-
cimento - Determinações - Inexigibilidade de licitação
para contratação de serviços advocatícios tratada em repre-
sentação formulada pela 8ª Secex, em trâmite neste Tribu-
nal - Juntada deste processo ao TC n. 014.703/96-3, corres-
pondente à matéria - Ciência ao interessado'.
O Sr. C.E.T.A., Presidente do Conselho Fiscal do
Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), formulou ao Tri-

124

bunal representação sobre o não-cumprimento, pelo referi-


do Instituto, da Lei n. 8.666I93 nos contratos de terceiriza-
ção de serviços jurídicos e de carteira de ações, conforme a
seguir:
a) Contratações de serviços jurídicos sem a observân-
cia dos ditames da Lei n. 8.666/93, em face da ocorrência
das seguintes irregularidades:
I - L.A. Associados, nos Estados do Rio de Janeiro e
do Espírito Santo, e Escritório P.S.N., em Brasília:
- ausência de parecer jurídico justificando a contrata-
ção dos advogados com inexigibilidade de licitação; situa-
ções de inexigibilidade de licitação não ratificadas pela
autoridade superior e nem publicadas na imprensa oficial;
- publicação resumida dos contratos efetuadas tardia-
mente, sem dispor acerca do valor dos honorários pactua-
dos; e
- pagamento ao Escritório P.S.N., em 12l3/96, sem
que restasse evidenciada a prestação dos serviços corres-
pondentes.
II - Escritórios de advocacia diversos:
- credenciamento de escritórios de advocacia diversos
pelo órgão jurídico da Superintendência Comercial de São
Paulo, seguindo princípios da regionalidade e especialização,
sem que fosse observada a Lei de Licitações e Contratos;
b) Contratação de administradoras no processo de
terceirização da carteira de ações em desacordo com o art.
1 14 da Lei n. 8.666/93, uma vez que não foi publicado no
DOU o edital de pré-qualificação, especificando as condi-
ções técnicas, econômicas e jurídicas necessárias à execu-
ção do serviço.

125

Ante os fatos listados, o representante, no expediente


remetido, solicita a adoção das providências cabíveis por
parte deste Tribunal.
Analisando a questão, a 8a Secex, em instrução de fls.
13/15, esclareceu, quanto à contratação de serviços jurídi-
cos, que quando da autuação do presente processo
encontrava-se em exame, no âmbito daquela Unidade Téc-
nica, a Representação n. 017/96-8a Secex, de 23/9/96, for-
mulada a partir da verificação de extratos de inexigibilidade
de licitação publicados no DOU em 31/7/96, `noticiando a
contratação, pelo IRB, dos Srs. P.S.N. e L.O.L. para a
prestação de serviços profissionais de advocacia consultiva
e contenciosa de natureza geral, à exceção das matérias
trabalhistas e previdenciárias', estando os corresponden-
tes autos, TC n. 014.703l96-3, em face de análise de
diligência formulada preliminarmente.
A propósito da questão relativa à contratação de ad-
ministradoras no processo de terceirização de ações em
desacordo com o art. I 14 da Lei n. 8.666l93, aduziu que `o
Presidente do Conselho Fiscal não apresentou elementos
que pudessem atestar a existência dos indícios da irregulari-
dade por ele apontados'.
Diante desses fatos, sugeriu
`seja dado conhecimento ao Sr. C,E.T.A., Presidente do
Conselho Fiscal do Instituto de Resseguros do Brasil
(IRB), que se encontra em tramitação nesta Corte de Con-
tas, representação formulada pela 8ª Secex a partir de
extratos de inexigibilidade de licitação (Sessão 3, p.
14.807-14.808), relativos à contratação de serviços profis-
sionais de advocacia consultiva e cantenciosa de natureza

126
geral, à exceção das matérias trabalhistas e
previdenciárias; e, seja juntado o presente processo ao TC
n. 14.703l96-3'.
O Sr. Secretário anuiu à proposta da instrução,
aditando que seja informado ao representante que tão logo
seja apreciada a matéria ser-lhe-á dado conhecimento. É o
relatório.

VOTO

Como demonstrado, a questão relativa à contratação


com inexigibilidade de licitação dos advogados P.S.N e
L.O.L. está sendo tratada em Representação da 8ª Secex
formulada a partir do acompanhamento efetuado em extra-
tos de inexigibilidades e dispensas de licitação publicados
pelo Instituto de Resseguros do Brasil no Diário Oficial da
União. Assim sendo, considero pertinente a apensação des-
te processo aos autos correspondentes ao assunto (TC n.
14.703196-3).
Contudo, naqueles autos deverá ser apurada, também,
pela 8ª Secex, a questão apontada pelo Presidente do Con-
selho Fiscal relativa ao pagamento efetuado ao Escritório
P.S.N., em 1213196, sem que fosse evidenciada a prestação
de serviços, uma vez que as justificativas apresentadas pelo
Presidente da empresa, constantes às fls. 06/08 se mostra-
ram insuficientes.
Igualmente, naqueles autos, deverá ser verificado o
aspecto referente à não-publicação, no Diário Oficial da
União, do edital de pré-qualificação em contratação de
terceiros para administração de carteira de ações, pois não
restou esclarecido nesta oportunidade, se houve a pré-
qualificação e não foi publicado o correspondente edital ou

127

se, efetivamente, na concorrência mencionada, a pré-quali-


ficação não foi feita.
Ante o exposto, voto no sentido de que o Tribunal
adote a Decisão que submeto à deliberação deste Plenário.
- Órgão de deliberação: Plenário.
- Data da sessão: 22/1/97.
- Publicação no DOU em 4l2/97, p. 2.152."

II

· "Ementa: Denúncia formulada por sindicato sobre a


contratação de advogado sem licitação pelo CREA de São
Paulo - Existência de quadro próprio de advogados na
autarquia - Configurada a notória especialização - Conhe-
cimento - Improcedência dos fatos."
· "Dados materiais:
- Decisão sigilosa 438/96 - Plenário - Ata 28/96.
- Processo n. TC 019.522/94-0 (sigiloso).
- Interessado: Sindicato dos Servidores das Autarquias
de Fiscalização do Exercício Profissional no Estado de São
Paulo (Sinsexpro).
- Entidade: Conselho Regional de Engenharia, Ar-
quitetura e Agronomia no Estada de São Paulo (CREA-SP).
- Relator: Ministro José Antônio Barreto de Macedo.
- Representante do Ministério Público: não atuou.
- Unidade técnica: 1ª Secex.
- Especificação do quorum: Ministros presentes:
Marcos Vinícios Rodrigues Vilaça (Presidente), Adhemar
Paladini Ghisi, Carlos Átila Alvares da Silva, Homero dos
Santos, Paulo Affonso Martins de Oliveira, Humberto Gui-
marães Souto, Bento José Bugarin e os Ministros-Substitu-

128

tos José Antônio Barreto de Macedo (Relator) e Lincoln


Magalhães da Rocha.
· Assunto: Denúncia encaminhada ao Tribunal acerca
de possíveis irregularidades na contratação de advogado
pelo CREA/SP.
· Decisão: O Tribunal Pleno, diante das razões expos-
tas pelo Relator, decide:
1. Conhecer da presente denúncia e considerá-la im-
procedente, pois o contrato entre o CREAISP e o Escritório
de Advocacia M.T.B. foi celebrado em conformidade com
o que dispõe a Lei n. 8.666/93, exceto no que se refere a
aspectos ancilares, que não comprometem a regularidade da
avença.
2. Determinar ao CREA/SP que:
2.1. Caso ainda esteja vigente o contrato firmado, em
12/8/94, com o Escritório de Advocacia M.T.B., adote pro-
vidências no sentido de ser lavrado termo aditivo ao aludido
contrato, de modo a garantir que os serviços pactuados
sejam prestados direta e pessoalmente pelo advogado
M.T.B., em cumprimento às disposições constantes do § 3°
do art. 13 da Lei n. 8.666/93, encaminhando ao Tribunal
cópia do referido termo aditivo;
2.2. Quando, em caráter excepcional, torna-se neces-
sária a contratação de serviços advocatícios, caso se verifi-
que a hipótese de inexigibilidade de licitação ante a inviabi-
lidade de competição, seja observado o disposto no art. 25,
II, c./c. o § 3° do art. 13 da Lei n. 8.666/93.
3. Dar conhecimento desta Decisão, bem como do
Relatório e Voto que a fundamentam, ao denunciante e ao
CREAISP.

129

4. Levantar a chancela de sigilo aposta a estes autos.


- Relatório Grupo II - Classe VII - Plenário.
- TC n. 019.522/94-0 (sigiloso)."

III

- "Natureza: Denúncia.
- Entidade: Conselho Regional de Engenharia, Ar-
quitetura e Agronomia no Estado de São Paulo (CREAISP).
- Interessado: Sindicato dos Servidores das Autarqui-
as de Fiscalização do Exercício Profissional no Estado de
São Paulo (Sinsexpro).
· `Ementa: Denúncia-Contratação de advogado com
inexigibilidade de licitação por autarquia que possui quadro
próprio de advogados - Serviços com características singu-
lares e complexas não ligados à finalidade da Entidade -
Notória especialização-Conhecimento e improcedência da
denúncia - Determinações à entidade'.
Trata-se de denúncia formulada pelo Sindicato dos
Servidores das Autarquias de Fiscalização do Exercício
Profissional no Estado de São Paulo (Sinsexpro) contra ato
do Presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arqui-
tetura e Agronomia do Estado de São Paulo (CREA/SP -
fls. 01/02).
2. A questão denunciada constitui-se na contratação
pelo CREA/SP de um renomado jurista pelo valor de R$
54.053,36, para defender causa referente à responsabilidade
da autarquia pela morte do office-boy F.A.T., em 8I7/94, em
conseqüência de acidente provocado pela sobrecarga de
materiais que o menor transportava no elevador do prédio-

130

sede do Conselho. O interessado anexou, em comprovação,


cópia da reportagem publicada no Jornal Diário Popular de
9 de julho de 1994, bem como cópia do contrato de presta-
ção de serviços, objeto da denúncia.
3. Requer o denunciante a verificação da legalidade
do contrato firmado, uma vez que o CREA/SP `dispõe de
Departamento Jurídico que poderia tratar do assunto',
acrescentando, ainda, que aquela autarquia `poderia valer-
se desta condição e solicitar que a defesa fosse feita por um
procurador da União, evitando assim o dispêndio de vultosa
verba'.
4. Em atendimento à diligência determinada por este
Relator (fls. 15), a autarquia encaminhou a este Tribunal os
documentos de fls. 17/42, cujo teor foi assim resumido pela
Analista, na instrução de fls. 43/48:
a) a gravidade dos fatos que envolviam o caso, as
conseqüências jurídicas que poderiam advir e a necessidade
de um acompanhamento criterioso da apuração dos fatos e
de eventual processo criminal levaram o Conselho a contra-
lar, dentro dos limites fixados pela Lei n. 8.666/93, um
jurista com escritório especializado em causas criminais

b) com fundamento no art. 25, II, da Lei n. 8.666/93,


foram contratados os serviços profissionais do advogado
M.T.B., [...] renomado autor de artigos em livros, jornais e
revistas em todo país, envolvendo a análise de matéria
jurídico-penal;
c) a contratação do referido profissional foi aprovada em
reunião da Diretoria do Conselho e referendada pela Comissão
de Compras e Licitações, em 9/8/94, ante a emergência que o
caso requeria, considerando a emissão em 8I7/94 do Boletim
de Ocorrência".

131

5. Ressalta a instrução o entendimento firmado neste


Tribunal no sentido de não se admitir a contratação de
serviços de assistência jurídica por órgão que disponha de
quadro de advogado.
Considerando, entretanto, a gravidade dos fatos que
deram origem à questionada contratação, a analista faz refe-
rência ao voto do Exmo. Sr. Ministro Carlos Átila Álvares
da Silva, proferido na Decisão sigilosa n. 494I94,
Plenário, para reconhecer que `em casos excepcionais como
o que ora se examina, o fato de a Autarquia possuir, no seu
quadro de pessoal, profissionais da área de advocacia não
constitui impedimento para a contratação de serviços como
da espécie - acompanhamento de inquérito policial - por
trata-se de serviço específico e não ligado à finalidade do
Conselho'.
6. Acrescenta também que a solicitação de prestação
de assistência jurídica a outros órgãos, como sugerido pelo
denunciante, por envolver certos procedimentos burocráti-
cos, não seria efetuada com a exigüidade de tempo que o
caso requeria.
7. Apesar de entender que a contratação, na forma
efetivada, justificou-se pelo tipo de especialização e pelo
caráter emergencial da situação, a analista concluiu no sen-
tido de que `certos aspectos do contrato são incoerentes com
as circunstâncias sobre as quais se baseia a contratação direta
[...], tendo em vista que não foi estabelecido no contrato a
obrigatoriedade da prestação dos serviços pelo Dr. M.T.B.,
advogado cuja notoriedade motivou a contratação direta do
Escritório de Advocacia M.T.B. Advogados S/C'.
8. O titular da 1ª Secex manifesta-se de acordo com a
proposta da instrução, a qual foi encaminhada nos seguintes
termos:

132

`I - que se conheça da presente denúncia para


considerá-la improcedente, sem prejuízo de determinar ao

CREA/SP que:
a) adote providências no sentido de ser lavrado termo
aditivo ao contrato firmado em 12/8/94 com o Escritório de
Advocacia M.T.B. Advogados S/C, de modo a garantir
explicitamente pelo advogado M.T.B., em cumprimento às
disposições constantes do § 3° do art. 13 da Lei n. 8.666/93,
encaminhando ao Tribunal cópia do referido termo aditivo;
b) na contratação de serviços advocatícios, quando
for verificada a impossibilidade de competição que justifi-
que hipótese de inexigibilidade de licitação, sejam observa-
dos os preceitos da Lei n. 8.666/93 no que se refere à
singularidade dos serviços e à notoriedade do contratado
expressas no inciso II do art. 25, bem como à obrigação
estipulada no § 3° do art. 13;
II - dê ciência ao autor da denúncia da Decisão que
vier a ser proferida, assim como do Relatório e Voto que a
fundamentarem'. É o relatório.

VOTO

Conforme visto, o processo em exame refere-se à


denúncia sobre a contratação pelo CREA/SP de serviços
advocatícios especializados em causas criminais.
2. Cumpre ressaltar que estão preenchidos os requisi-
tos de admissibilidade previstos no art. 213 do Regimento
Interno.
3. Os dados constantes dos autos demonstram que a
contratação do renomado jurista foi efetivada visando ao
acompanhamento de inquérito policial e possíveis ações

133

penais decorrentes da morte de servidor menor, em conse-


qüência de acidente ocorrido no elevador daquele Conse-
lho, quando o referido servidor executava serviço de trans-
porte de material.
4. Considera `o denunciante irregular a contratação
pelo fato de o CRE:AISP contar com o quadro próprio de
advogados, alegando, ainda, que, por ser Autarquia Federal,
poderia ter solicitado que a defesa fosse feita `por um
procurador da União'.
5. Ocorre que as características e a natureza do caso
em espécie exigiam o exercício de advocacia especializada,
alheia aos objetivos da Administração.
6. A instrução analisou a questão à luz das considera-
ções expendidas pelo eminente Ministro Carlos Átila Álva-
res da Silva, Relator do TC n. 019.893/93-0, relativo a
denúncia contra a RFFSA.
Naquela ocasião, firmou-se o entendimento de que
contratações da espécie não são necessariamente ilegais,
desde que efetivada para serviços específicos, de natureza
não continuada, com características singulares e complexas
que evidenciem a impossibilidade de serem prestados por
profissionais do próprio quadro da Entidade.
7. Ao apreciar o processo acima referido, este Tribu-
nal Pleno, na Sessão Extraordinária de caráter reservado, de
28/7/94 decidiu, in verbis:
`8.1. conhecer da presente denúncia a julgá-la impro-
cedente, pois o contrato entre a RFFSA e o escritório S.B.
Advogados foi celebrado em conformidade com o que dis-
põe a Lei n. 8.666/93, exceto no que se refere a aspectos
ancilares, que não comprometem a regularidade da avença e
podem ser corrigido com a adoção das medidas determina-
das no item seguinte desta decisão;

134

8.2. determinar à Rede Ferroviária Federal S/A que:

8.2.1. adote as providências necessárias para a


lavratura de Termo Aditivo ao Contrato firmado, em 10/12/
93, com a Sociedade Civil de Advogados denominada Sér-
gio Bermudes Advogados, de forma a garantir explicita-
mente que os serviços pactuados serão prestados direta e
pessoalmente pelo Prof. Sérgio Bermudes, de modo a aten-
der ao disposto no art. 13, § 3°, da Lei n. 8.666/93. A adoção
dessa medida deverá ser informada a este Tribunal, com
encaminhamento de cópia do referido termo aditivo;

8.2.2. observe os preceitos da Lei n. 8.666/93 (art.


114), quando na contratação de serviços advocatícios for
verificada a impossibilidade de competição, promovendo a
pré-qualificação dos profissionais aptos à prestação dos
serviços que se deseja contratar, e adote sistemática objeti-
va e imparcial de distribuição das causas entre os interessa-
dos pré-qualificados, de forma a resguardar o respeito aos
princípios de publicidade e da igualdade;

8.3. ..............................

8.4. dar conhecimento desta decisão à denunciante,


Advogada M.H.D.V.A.; e

8.5. levantar a chancela de `sigilo' que recai sobre estes autos'.

9. No presente caso, encontra-se devidamente funda-


mentada a hipótese de inexigibilidade de licitação, entretan-
to verifica-se que o contrato deveria conter cláusula que
estabeleça a obrigação de que os serviços especializados
sejam prestados pessoalmente pelo próprio advogado, cujo
renome e grau de especialização justificaram a invocação
do referido instituto conforme prevê o § 3° do art. 13 da Lei
n. 8.666/93:

135

`Art. 13. .........................


§ 3° A empresa de prestação de serviços técnicos
especializados, que apresente relação de integrantes de seu
corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemen-
to de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licita-
ção, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes
realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do con-
trato' .
Em face do exposto, acompanho o parecer da 1ª
Secex e voto por que seja adotada a decisão que ora subme-
to à apreciação deste E. Plenário.
- Órgão de deliberação: Plenário.
- Data da sessão: 17/7/96.
- Publicação no DOU, em 6/8/96, p. 14.783."
No espírito da legislação que rege a regra da
inexibilidade de licitação para a contratação nos moldes
antes anunciados, mister que a atuação do operador de
direito e/ou do escritório de advocacia seja operacionada
através dos profissionais contratados, sendo inaceitável o
substalecimento, sob pena de vulnerar e descaracterizar
cláusulas contratuais obrigatórias, por força de lei, quando
da celebração de tal ato administrativo. A não-intervenção
direta e pessoal do profissional fulmina o contrato de nuli-
dade e gera responsabilidade principalmente a quem deu
causa direta a prática da ilegalidade.
Concluindo a abordagem desse atraente ponto da Lei
de Licitações, registramos que, ressalvados os casos de
inexigibilidade de licitação (art. 25 da Lei n. 8.666/93), que
não pode desprezar nunca o princípio da razoabilidade, a
terceirização dos serviços de advocacia só pode ser efetiva-
da, em caráter temporário, via processo licitatório, quando a
Administração não dispuser de quadro próprio e/ou ade-
quado para promover a defesa administrativa e judicial dos
seus interesses, isto até que seja sanada tal deficiência,
através do recrutamento de operadores do direito pela via
do concurso público.
Imperioso observar quando da contratação dos servi-
ços advocatícios, pela modalidade de inexigibilidade de lici-
tação (art. 25, II, c./c. o art. 13 da Lei Federal n. 8.666/93), os
trâmites legais, inclusive o disposto no art. 26 da citada lei
que determina, taxativamente, que o Ato que encampa a
inexigibilidade de licitação seja fundamentado e, nos pra-
zos legais, publicado no órgão oficial, para os fins de
direito, condição essencial para a eficácia do Ato Admi-
nistrativo.

& 5 PRESCRIÇÃO

A prescrição é a perda da ação protetora de um direi-


to, em razão da inércia do titular por determinado prazo
legal. Não há "prescrição" no tocante ao ressarcimento
postulado contra agentes públicos, haja vista o contido nos
§§ 4° e 5° do art. 37 da atual Carta Política da República.
O assunto em pauta foi esgotado com maestria na
conceituada obra Improbidade Administrativa, dos autores
Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e
Waldo Fazzio Júnior:
"O texto constitucional, pois, ao excepcionar as ações de
ressarcimento em relação à regra geral da prescrição, tor-
nou imprescritíveis tais ações contra agentes públicos
que, ilicitamente, geraram lesão ao patrimônio público.

137

Já o art. 23 estatui o prazo prescricional de cinco anos


para o exercício do direito de ação nela fundada contra
agentes públicos eleitos, comissionados e ocupantes de
cargos de confiança, a partir do término do exercício do
mandato, do cargo em comissão ou da função de confiança.
Como não pode, pena de inconstitucionalidade, recusar
validade à norma contida no Texto Maior, o único enten-
dimento produtivo que se pode retirar da lei em questão é
que o prazo prescricional que estabelece pertine com as
demais sanções estipuladas em seu contexto e não com o
ressarcimento dos danos. Quanto a este, ainda que se trate
de agente eleito, comissionado ou detentor de cargo de
confiança, o lapso prescricional não incide.
Em relação aos demais agentes públicos, igualmente ob-
servada a ressalva das ações de ressarcimento, o prazo
para a ação direcionada à aplicação das sanções
cominadas na Lei Federal n. 8.429/92 é o previsto na lei
específica (federal, estadual ou municipal, conforme o
caso) para faltas disciplinares puníveis com demissão a
bem do serviço público.
A dicção do art. 23, inciso I, deixa claro que, no caso de
agentes públicos comissionados ou exercentes de funções
de confiança, a ação poderá ser proposta ainda que o
agente público já esteja fora da Administração, posto que
o termo a quo é, precisamente, o término do exercício.
Já no caso do exercício de cargo efetivo ou emprego, o
termo inicial da prescrição obviamente será a data em que
o agente consumou a prática do ato de improbidade admi-
nistrativa. Também aqui será alcançado o agente que dei-
xou de estar em atividade, mesmo aposentado ou em
disponibilidade.
A Lei Federal n. 8.112/90, que disciplina o regime jurídi-
co dos servidores públicos civis da União, no art. 42, fixa
em cinco anos o prazo prescricional relativo às infrações
puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade e destituição."
138

Capítulo VI

ADVOCACIA - NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO

139

& 1 CONCEITO
É princípio de hermenêutica que regras excepcionais
se aplicam restritamente. Aqui, mister uma profunda refle-
xão sobre os princípios que iluminam a lei.
Data venia, de entendimento mediano a conclusão de
que o profissional do direito, para enquadrar-se no contexto
da notória especialização, não pode limitar-se a apresentar-
se tão-somente com o diploma de graduação.
A inexigibilidade de licitação de serviços de advoca-
cia especializada foi tratada de modo restrito pelo legisla-
dor; tanto é verdade que o § 1° do art. 25 da Lei n. 8.666/93
(Lei das Licitações) fixa de modo claro as diretrizes do
conceito da notória especialização:
"§ 1° Considera-se de notória especialização o profissio-
nal ou empresa cujo conceito no campo de sua especiali-
dade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experi-
ência, publicações, organização, aparelhamento, equipe
técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas
atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e
indiscutivelmente o mais adequado plena satisfação do
objeto do contrato."
Como podemos constatar, o espírito do legislador, ao
estabelecer as linhas gerais da notória especialização, é

141

também o de transmitir maior segurança e confiança para


aquele que detém o dever de promover a defesa do interesse
público.
Daí concluirmos, ainda, que para o efetivo e compe-
tente desempenho de tais atribuições, mister que o profissi-
onal, e/ou escritório contratado, disponha de estrutura físi-
ca/operacional adequada, além, obviamente, da indiscutível
capacidade jurídica.

& 2 REQUISITOS

Dentre alguns requisitos capazes de configurar a no-


tória especialização, contidos no texto legal antes referido,
citamos: experiência profissional prolongada (mais de uma
década) no exercício da Advocacia, Ministério Público e
Magistratura e outras carreiras jurídicas, com atuação, in-
clusive, perante os tribunais; publicações de obras jurídicas
por editoras conceituadas; o exercício de cargos públicos
que exijam bagagem jurídica e cultural consolidada; curso
de pós-graduação, e/ou mestrado ou doutorado na área de
Direito Público, ainda que em curso.
Acreditamos que a conjugação desses requisitos com
outros e/ou alguns deles pode revelar a notória especializa-
ção do operador do Direito. Importante ressaltar que a
proximidade do escritório e/ou filial da região onde se situa
0 órgão público contratante há de ser levada em considera-
ção, visto ser indiscutível a maior interação e contato entre
as partes, facilitando, data venia, a defesa do interesse
público.
Diante desses requisitos objetivos, o respaldo por par-
te da Administração para a escolha do profissional do direi-
to exclui, às claras, qualquer possibilidade de arbítrio, con-

142

servando o Ato Administrativo da contratação nos limites


da discricionalidade permitida ao gestor público.
Na mesma trilha, o jurista José dos Santos Carvalho
Filho, em sua conceituada obra Manual de Direito Adminis-
trativo, leciona:
"... Outra situação específica é a necessidade de contratar
serviços técnicos especializados, de natureza singular,
executados por profissionais de notória especialização
(art. 25, II, do Estatuto).
Não são quaisquer serviços que podem ser contratados
diretamente, mas sim os serviços técnicos e especializa-
das. O serviço é técnico quando sua execução depende de
habilitação específica. A lei faz remissão ao art. 13, onde
estão mencionados vários desses serviços, como os de
pareceres, auditorías, fiscalização, supervisão, treinamen-
to de pessoal, estudos técnicos ou projetos, patrocínio de
causas, etc.
Para a contratação direta, devem os profissionais ou as
empresas revestir-se da qualificação de notória especiali-
zação, ou seja, aqueles que desfrutem de prestígio e reco-
nhecimento no campo de sua atividade. A lei considera de
notôria especialização o profissional ou a empresa concei-
tuados em seu campo de atividade. Tal conceito deve
decorrer de vários aspectos, como estudos, experiências,
publicações, desempenho anterior, aparelhamento, orga-
nização, equipe técnica e outros do gênero. Por outro
lado, é preciso que a Administração conclua que o traba-
lho a ser executado por esse profissional seja essencial e o
mais adequado à plena consecução do objeto do contrato.
Além dessas características, impõe a lei que os serviços
tenham natureza singular. Serviços singulares são os exe-
cutados segundo características próprias de executor.
Correta, portanto, a observação de que

143

`singulares são os serviços porque apenas podem ser pres-


tados, de certa maneira e com determinado grau de
confiabilidade, por um determinado profissional ou em-
presa. Por isso mesmo é que a singularidade do serviço
está contida no bojo da notória especialização'.
Revestindo-se o serviço de todas essas características,
pode a Administração contratar diretamente o profissio-
nal, e isso porque, em última analise, seria inviável a
competição ..."
Adverte o professor Jessé Torres Pereira Júnior:
"Escolher diretamente o contrato, sob a razão de notória
especialização, significa a prévia configuração da neces-
sidade de um serviço de determinado teor, inédito e
incomum; como destacou, com feliz intuição, o Ministro
Luiz Otávio Gallotti, em condições de ser executado so-
mente por aquele contratado.
Hipótese em que a Administração se vale, com freqüên-
cia, da contratação direta arrimada no inciso II do art. 25
recebe censura incisiva do Tribunal de Contas da União,
cuja `jurisprudência tem sido pacífica no sentido de que
as contratações de serviços advocatícios devem ser prece-
didas do competente certame licitatório, admitindo-se sua
dispensa somente em ocasiões e condições excepcionalís-
simas, quando o serviço a ser contratado detenha inequí-
vocas características de inédito e incomum, jamais roti-
neiro e duradouro'(Processo TCU n. 012.154/93-8 - Rel.
Mín. Iram Saraiva, DOU de 2/12/94, g.18.444)..:'
Considerando-se os rigores da Lei Federal n. 8.666/93
(Lei das Licitações), nunca é demais lembrar que o advoga-
144

do e/ou escritório de advocacia contratado pela Administra-


ção Pública, afora todas as exigências antes enumeradas,
não pode ignorar, quando da assinatura do contrato de
inexigibilidade de licitação, por notória especialização, o
contido nos arts. 14 e 57, esclarecendo-se, desde logo, ser
impossível a contratação com prazo de vigência indetermi-
nado. Além do mais, os contratados são os únicos responsá-
veis pelo recolhimento, na época oportuna, aos cofres
públicos, dos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais
e comerciais resultantes da execução do contrato.
Resta-nos, agora, tão-somente, lançar um alerta: É
preciso cautela redobrada e análise criteriosa para não se
vulgarizar o conceito de notória especialização, com a
emissão de conceitos que disvirtuem o espírito do legisla-
dor e a letra da Lei.
Capítulo VII
..
PRESTAÇAO DE CONTAS -
PREFEITO MLINICIPAL
1 MORALIDADE PÚBLICA
A consisténcia das normas ou a sua efetividade revela-
se essencial para a sobrevivência do Estado de Direito. E,
sendo o princípio da finalidade o que norteia o Direito Admi-
nistrativo, a impessoabilidade, derivação primeira do princí-
pio anunciado, há de nortear a gestão pública, como tempero
da razoabilidade, em todas as ações administrativas.
Com o advento da Constituição Cidadã, o controle da
Administração Pública ganhou relevância na estrutura do
Estado, competindo ao Tribunal de Contas e ao Ministério
Püblico atribuições relevantes no que concerne à proteção
do patrimônio do povo, que nada mais é que o patrimônio
público. Essas importantes instituições, ao lado dos Poderes
Legislativo e Judiciário, cada um ao seu modo, têm contri-
buído de modo decisivo para o alcance de um nível de
moralidade püblica compatível com os anseios da socieda-
de contemporânea.
Defendemos, pois, uma fiscalização cada vez mais
consistente das contas públicas, a fim de que o princípio da
supremacia da Constituição não se torne letra morta.
O colendo Tribunal de Justiça do nosso Estado tem se
manifestado em inümeras decisões sobre a matéria em
enfoque.
149
2 AÇÃO DECLARATÓRIA - ACÓRDÃOS
Selecionamos dois acórdãos que, sem dúvida, trarão
novas luzes para os estudiosos do assunto em discussão:
I
"Prestação de contas de Prefeito Municipal - Competên-
cia da Câmara Municipal para julgamento das contas -
Incompetência do juízo - Impossibilidade jurídica do pe-
dido."
"Conheço do recurso, porque próprio, tempestivo e regu-
larmente processado.
Versa a espécie sobre ação que o apelante denominou
ordinária de regularidade de prestação de contas públi-
cas, ajuizada pelo ora apelante contra o Município de
Taquaraçu de Minas e a Câmara Municipal de Taquaraçu
de Minas, sob a alegação de que exercia o mandato de
Prefeito Municipal, de 1983 a 1988, havendo prestado
contas na forma legal, mas o Tribunal de Contas opinou
pela respectiva rejeição, e a Câmara Municipal, apesar de
haver recebido o parecer da Corte de Contas em 1991, não
colocara em votação a matéria, até a propositura da ação
(3I7I92). Pediu a procedência da ação, para declaração da
inexistência de qualquer ato de improbidade de sua parte,
relativamente às questionadas contas, e de `qualquer rela-
ção passiva do autor com o Município', com referência às
mesmas contas.
O douto juiz de primeiro grau excluiu da lide o Município
de Taquaraçu de Minas, porque o órgão tomador de con-
tas, de acordo com disposto no art. 1 80 da Constituição
Estadual, é a Câmara Municipal, mediante parecer prévio
150
do Tribunal de Contas. Por isso, o Município é alheio à
relação de prestação de Contas do Prefeito Municipal.
Quanto ao pedido de declaração de que as contas foram
cotretamente prestadas e que o A. não praticara qualquer
ato de improbidade, decidiu o r. decisório apelado, com
inegável correção, que só a Câmara Municipal tem
capacidade para aprovar ou rejeitar as contas do Prefeito.
Só depois de julgadas as contas pela Câmara Municipal
poderá ser levada a questão ao Poder Judiciário, para
exame da legalidade do ato praticado. Por isso, a impossi-
bilidadejurídica do pedido conduziu o MM. Juiz a quo ao
indeferimento da inicial, com fincas no art. 295, parágrafo
único, III, do Código de Processo Civil. Acrescentou que,
se fosse superada essa impossibilidade, ainda assim não
haveria como enfrentar o mérito, de vez que não há nos
autos elementos suficientes e capazes de habilitar o juiz a
um pronunciamento sobre a correção das contas do autor.
O douto decisum não merece qualquer censura. O autor
não poderia mesmo pretender que o Judiciário se investis-
se em atribuições que a Constituição Estadual fixa à Câ-
mara Municipal. Demais disso, há o aspecto técnico do
levantamento contábil, já com parecer desfavorável do
Tribunal de Contas, e que só mediante perícia poderia ser
julgado pelo Poder Judiciário.
Dessa forma, conheço do recurso, mas lhe nego provi-
mento, para confirmar a r. sentença apelada por seus jurí-
dicos fundamentos.
Des. Monteiro de Barros:
VOTO
Trata-se de ação declaratória aviada pelo ex-Prefeito de
Taquaraçu de Minas, buscando a declaração de inexistên-
151
cia de qualquer ato de improbidade relativo às contas
públicas do Município durante sua administração, bem
como de inexistência de qualquer relação passiva do autor
com o Município relativa às referidas contas.
A sentença que decretou a extinção do feito sem julga-
mento do mérito não merece reforma.
O apelante, na verdade, se insurge, na via declaratória,
contra a omissão da Câmara Municipal em julgar a presta-
ção de contas por ele apresentada relativa ao período de
1983/1988, contas estas que merecem parecer desfavorável
à aprovação emitida pelo Tribunal de Contas do Estado.
`A fiscalização contábil, financeira, orçamentária
operacional e patrimonial dos órgãos e entidades da Ad-
ministração Pública direta e indireta é exercida através do
controle interno de cada poder e através do controle exter-
no exercido, no âmbito municipal, pela Câmara Municipal
(art. 70, CP).
O aludido controle externo `tem por objetivo, nos termos
da Constituição, a apreciação das contas do Chefe do
Poder Executivo, o desempenho das funções de auditoria
financeira e orçamentária, a apreciação da legalidade dos
atos de admissões de pessoal, bem como o julgamento
das contas dos administradores e demais responsáveis por
bens e valores públicos' (SILVA, José Afonso da. Curso
de direito constitucional positivo. 7. ed., p. 626).
Conclui o doutrinador que tal controle é de natureza polí-
tíca, mas sujeito à prévia apreciação técnico-administrati-
va do Tribunal de Contas competente, cujas decisões são
de cunho exclusivamente administrativo'.
Na espécie, o Poder Legislativo local não exerceu o aludi-
do controle, função que lhe é ínsita. Pretender que o
Judiciário substitua o Legislativo em sua missão constitui
inobservância do princípio da tripartição dos Poderes.
Diferente é a hipótese em que o Judiciário é chamado para
se pronunciar acerca da legalidade ou não da rejeição ou
aprovação das contas públicas pelo órgão competente
para fazê-lo, mas que não é a hipótese dos autos.
Não se desconhece que a Câmara Municipal, ao deixar de
apreciar a prestação de contas do ex-Prefeito Municipal,
cometeu omissão abusiva, desconhecendo seu dever legal
de praticar o ato.
No magistério de Iara Leal Gasos, é incontroverso o direi-
to do cidadão de acionar o Judiciário para compelir a
Administração a exercer seu poder de polícia, quando
deixa de praticar abusivamente atos de seu cometimento.
Conclui a autora:
`Destarte, vemos que a ação de natureza cominatória é,
também, caminho e meio adequado. Se alguém tem o
dever de agir e se omite, atenta diretamente à moralidade,
podendo ser compelido a fazê-lo, sendo nítida a acusação
de dano efetivo e potencial'(A omissão abusiva do poder
de polícia, 1994, p. 92).
O prejudicado pode socorrer-se do Judiciário utilizando
outros meios que não a via declaratória, que não é meio
próprio para acertamento de situações fáticas.
Hélio Tornaghi elucida que meras questões de direito não
são objeto de declaração judicial, acrescentando que a
ação declaratória não é justificação (arts. 861 a 866 do
CPC), nem se destina a estabelecer a prova de fatos (Co-
mentários ao CPC. São Paulo: RT, 1974, v. 1, p.94).
Desta feita, ação não havia oomo prosgerar, razão Qela
qual mantenho a sentença monocrática por seus próprios
fundamentos e, por conseguinte, nego provimento ao re-
curso" (Ap. Cív. n. 7.349/4, Comarca de Caeté - Apelan-
te: A.E.M. - Apelados: Câmara Municipal de Taquaraçu
152 153
154
de Minas e Município de Taquaraçu de Minas - MG -
Rel. Des. Alves de Melo)
II
"Insurge-se o apelante contra a decisão que julgou impro-
cedente seu pedido de nulidade do ato administrativo,
formulado contra a Câmara Municipal de Montalvânia,
que examinou suas contas, quando Prefeito, relativas ao
período de 1977 a 1982.
Alega, em síntese, que:
a) suas contas não foram submetidas à apreciação da
Comissão de Finanças, Orçamento e Tomada de Contas;
b) as contas não foram discutidas na forma da lei, não se
observando o voto qualificado de 2/3, e, ainda mais, a ora
apelada as rejeitou totalmente, derrubando assim, de for-
ma ilegal, o parecer prévio do TCE;
c) a Comissão de Legislação, Justiça e Redação não che-
gou a apreciar suas contas;
d) os fatos acima mostram que não foram observados os
preceitos legais atinentes à espécie.
Conhece-se do recurso.
Vasta documentação referente aos atos administrativos da
prestação de contas do apelante veio para os autos, por
requisição do MM. Juiz de primeiro grau (fls. 14 a 98,
inclusive).
O recotrente, ao se manifestar sobre ela, coloca dúvida a
respeito da sua autenticidade, porém o faz de forma gené-
rica, ao argumento de que os documentos, seja por foto-
cópia ou certidão, fornecidos pelo presidente da
apelada, são manipulados e se apresentam sempre adulte-
rados, escondendo, por essa razão, a verdade sobre os
fatos.
Suas afirmações, como disse antes, são atiradas de forma
imprecisa, genérica, não identificando onde está a adulte-
ração, a fraude, identificação essa necessária, ao se ter em
consideração que se trata de contas correspondentes ao
longo período de 1977 a 1982.
Como bem o disse o ilustre colega monocrático, caberia
ao apelante, por força da lei, desencumbir-se do ônus da
prova sobre os fatos constitutivos do seu direito.
Assim não tendo agido, deve suportar as conseqüências
daí advindas.
O magistrado se apega à verdade que os autos refletem
através dos elementos que o compõem (a verdade for-
mal). E é com base nelas que não tem outra alternativa
senão confirmar a sentença.
Com efeito, vê-se às fls. 18 e 55 que a Comissão de
Finanças, Orçamento e Tomada de Contas emitiu parecer
sobre as contas relativas aos anos de 1977 e 1980. Tam-
bém se verifica, pela leitura das peças de fls. 53v. e 54v.,
que a Cãmara de Vereadores apreciou e votou suas contas
referentes ao exercício de 1980, dentro do percentual qua-
lificado de 2I3 dos seus membros, rejeitando apenas par-
cialmente o parecer prévio do TCE, e não em sua totalida-
de, como alega.
Nota-se que, em todos esses pontos da demanda, o ora
apelante nunca esclareceu em qual exercício se deu a
fraude, o erro da apelada, bem como em que ponto eles
residem.
Por outro lado, os documentos de fls. 15, 31 e 48 demons-
tram que a Comissão de Legislação, Justiça e Redação
apreciou os comprovantes já referidos, desincumbindo-se,
assim, da sua função.
155
Observo que, na ausência de outras provas, não ficou
demonstrada qualquer ofensa aos arts. 194 a 199 do Regi-
mento Interno da Câmara Municipal de Montalvânia.
Isto posto, nego provimento ao recurso.
Custas, pelo apelante.
Des. Femandes Filho:
VOTO
Conheço da apelação, aos pressupostos de sua admissibi-
lidade, mas lhe nego provimento, custas na forma da lei.
A pretensão do ora apelante - de reconhecimento da nuli-
dade de deliberações e resoluções da Câmara Municipal
que lhe rejeitaram as contas - não se fez acompanhada de
prova das alegadas irregularidades. Não basta alegar
a existência ou ocorrência de fraude, capaz de gerar
suspeição sobre as deliberações.
É indispensável prová-la, de forma objetiva, capaz, assim,
de se contrastar com as deliberações a ele desfavoráveis.
Como reconheceu o juiz sentenciante, as provas, no perti-
nente, foram pobres e incapazes de alterar a convicção de
que, pelo menos em princípio, regulares as deliberações
tomadas.
À míngua de prova do alegado, a pretensão não poderia
mesmo prosperar. Por isso, acompanho o eminente Rela-
tor" (Ap. Cív. n. 32.891 I4 - Comarca de Manga - Apelan-
te: L.B.F. - Apelada: Câmara Municipal de Montalvânia
- MG - Relator: José Brandão de Resende).

Capítulo VIII
DECT.ARAÇAO DE NULIDADE DE
LEI MUNICIPAL VIA ATO
ADMINISTRATIVO -
IMPOSSIBILIDADE
157
A decisão a seguir transcrita reflete, com segura pre-
cisão, a correta abordagem sobre o tema em estudo:
"Conheço da remessa necessária, regularmente processa-
da e formalizada.
A matéria não oferece maiores dificuldades para ser
equacionada e julgada.
A Lei Municipal n. 620/83, votada e editada pela Câmara
dos Vereadores da Comarca, instituiu ajuda de custo em
favor de ex-Vereadores que hajam exercido o mandato
mínimo correspondente a quatro legislaturas, consecutivas
ou intercaladas, e com idade igual ou superior a 50 anos.
O impetrante preenchia essas condições e, ao longo de dez
anos consecutivos, vinha auferindo regularmente essa re-
muneração, quando, através de mera portaria, o atual titu-
lar da Municipalidade fez cessar o pagamento da ajuda
W anceira, sob a enfâtica alegação de que a lei instituidora
era `nula de pleno direito'.
Evidente que não poderia fazê-lo, tanto mais que uma lei,
constitucional ou não, imoral ou não, só perde sua eficácia
com a superveniência de outra lei, de natureza ab-
rogatória, ou por força de declaração judicial em ação
específica.
O que não é admissível é um ato administrativo e unilate-
ral de um Prefeito Municipal erigir-se em instância
159
revogadora de uma lei regularmente editada pelo poder
competente e, pretensiosamente, decretar o fim de sua
vigência.
Maiores comentários são dispensáveis.
Por essas razões, nego provimento à remessa oficial, con-
firmando, por sua fundamentação e conclusão, a sentença
de primeiro grau.
Custas como de lei" (Ap. Cív, n.17.554l7 - Comarca de
Conceição das Alagoas - MG - Apelante: Juiz de Direito
da Comarca de Conceição das Alagoas, pelo Presidente da
Câmara Municipal de Pirajuba - Apelado: A.M.M. - Re-
lator: Des. Cláudio Costa)."
,
E de domínio geral que nenhum Ato Administrativo
tem o condão de ínvalidar qualquer lei. O caminho para
buscar a invalidação de lei é o Poder Judiciário e/ou a sua
revogação, via processo legislativo.
160
Capítulo 
COMISSAO PARLAMENTAR DE
,
INQUERITO (CPI)
161
,
1 ABORDAGEM JURIDICO-SOCIAL
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) não pode
ser instalada, data venia, para apurar fato genérico da Ad-
ministração Pública e nem devassá-la sem antes apontar
fato determinado a ser esclarecido/investigado pela via ex-
cepcional.
Se assim não o fosse, qualquer desentendimento polí-
tico poderia gerar a criação de uma CPI com intuito mera-
mente "politiqueiro", com o único objetivo de expor ao
desgaste público a Administração, gerando, inclusive, ins-
tabilidade e insegurança à sociedade. Não é esse, concessa
venia, o espírito do legislador constituinte.
A nossa discordância a respeitadas manifestações
contrárias a esse entendimento baseia-se, ainda, na posição
de que a fiscalização e o controle dos gastos públicos e da
moralidade administrativa, no dia-a-dia, possuem eficientes
mecanismos próprios e de rotina, sendo certo que a instala-
ção da CPI só poderá ocorrer em situações excepcionais,
ante a isenta constatação de grave irregularidade e/ou ilega-
lidade que justifique a sua criação e o seu funcionamento.
Ela é temporária, com prazo estabelecido para sua duração.
A matéria em pauta encontra-se disciplinada na Cons-
tituição Federal, art. 58, § 3°, bem como na Constituição
Estadual, art. 60, § 3°.
163
2 FUNCIONAMENTO DA CPI - PARECER
Perante esta egrégia Corte de Justiça a Câmara Muni-
cipal de São Gotardo, neste Estado, impetrou o presente
mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato
do MM. Juiz de Direito da Comarca.
Esclarece a impetrante que "... encontra-se em
tramitação perante a Câmara Municipal de São Gotardo -
MG, processo político-administrativo visando à apuração
de possíveis infrações político-administrativas praticadas
pelo Sr. Prefeito Municipal..."
Consta da decisão liminar do eminente Desembarga-
dor-Relator, Garcia Leão, acostada aos autos:
"... A Câmara Municipal se São Gotardo, por seu Presi-
dente, impetra o presente mandamus, visando obter efeito
suspensivo no AI, por ela interposto, contra decisão do
MM. Juiz da Comarca, que, liminarmente, suspendeu a
sessão da Comissão Processante que está investigando
possíveis irregularidades cometidas pelo ilustre Prefeito
Municipal. A decisão determina também que a Comissão
ouça testemunha a serem arroladas pelo referido Prefeito.
Pelo que se pode depreender dos autos, outro mandado de
segurançajá foi impetrado, quando se determinou a reali-
zação de perícia grafotécnica, o que foi feito. Naquele
mandado de segurança, deferido em parte, não se determi-
nou a oitiva de testemunhas.
O prazo para encerramento do processo administrativo
estã a se esgotar, o que justifica a concessão da liminar
pleiteada, para dar-se efeito suspensivo ao AI.
De fato, se assim não se proceder o dano causado à Câma-
ra no seu intento de apurar as irregularidades que teriam
sido praticadas pelo Prefeito Municipal restará inócuo.
164
Por outro lado, o prosseguimento dos trabalhos da Comis-
são em nada prejudicará o Prefeito Municipal, pois se
irregularidades ou cerceamento de defesa foram posteri-
ormente constatados, é óbvio que haverá ainda muitas
oportunidades para que o denunciado se defenda e anule
os atos praticados com irregularidade.
Por agora, o mais prudente é que se permita à Câmara
Municipal prosseguir com seu trabalho, o que, como já
dito, não implicará maiores prejuízos para o denunciado.
Por essas razões, defiro a liminar pedida, para conferir
efeito suspensivo ao AI interposto, poderdo, assim, a
Câmara Municipal prosseguir, através da Comissão Per-
manente, os trabalhos de apuração das possíveis irregula-
ridades praticadas pelo Prefeito Municipal.
Pela maneira mais rápida possível, seja comunicado ao
douto Juiz, apontado como coator, a concessão da liminar.
A ele também se requeria a prestação das informações que
entender devidas, no prazo legal.
Seja citado o litisconsorte para integrar a presente ação,
querendo ..."
Prestadas as informações pela autoridade apontada
como coatora (fls. 236), os autos foram encaminhados à
Procuradoria-Geral de Justiça para fins de direito.
A Constituição Federal de"1.988,..no'.art...58,..§..2°,.I..a
VI, cria a Comissão Parlamentar de Inquérito, a qual inves-
te os seus integrantes em vários poderes. Apesar de não
possuir poderjurisdicional, "pois não julga, não aplica a lei
ao caso concreto" excetuando-se essas hipóteses, o consti-
,
tuinte de 1988 conferiu às CPIs poderes "próprios e seme-
Ihantes e aos atribuídos às autoridades judiciais".
165
Não pode, concessa venia, o Poder Judiciário, em
circunstância alguma, interferir neste procedimento admi-
nistrativo-investigatório, sob pena de invadir, indevida-
mente, a independência do Poder Legislativo, salvo viola-
ção do Regimento Interno da Casa Legislativa, comprovada
de modo incontestável.
"O controle jurisdicional se restringe ao exame da legali-
dade do ato administrativo, mas, por legalidade ou legiti-
midade, se entende não só a conformação do ato com a lei,
como tambérn com a moral administrativa e com o inte-
resse coletivo"(TJSP - RCA 89I134).
A CPI em questão, a nosso aviso, é legal, moral e
resguarda o interesse coletivo, data venia.
Se o Sr. Prefeito se julgar prejudicado pela referida
Comissão, a solução emerge na decisão do Eminente Des.
Relator, Garcia Leão:
"... Por outro lado, o prosseguimento dos trabalhos da
Comissão em nada prejudicará o Prefeito Municipal, pois
se irregularidades ou cerceamento de defesa forem poste-
riormente constatados, é óbvio que haverá ainda muitas
oportunidades para que o denunciado se defenda e anule
os atos praticados com irregularidades..."
Sobre o assunto em pauta, oportuna a lição do sempre
brilhante Hely Lopes Meirelles:
"... Cnmissões de Inquérito - As Comissões Parlamenta-
res de Inquérito (CPIs), como geralmente se denominam
as Comissões Especiais de Investigação Legislativa, po-
dem ser instituídas também pela Câmara Municipal, com
166
Vereadores em exercício, para apurar fato determinado e
em prazo certo, de interesse da Administração local.
Essas investigações tanto podem destinar-se a apurar irre-
gularidades do Legislativo como do Executivo, na Admi-
nistração direta ou indireta do Município, e, conforme a
irregularidade apurada, ou será punida pela própria Câma-
ra (cassação de mandato, através do processo do Decreto-
Lei n. 201/67), ou pela Justiça penal (crimes de responsa-
bilidade ou funcionais), ou ainda pela Justiça civil (inde-
nização à Fazenda Municipal). Em qualquer caso, porém,
as conclusões do inquérito terão valor meramente infor-
mativo para o processo político-administrativo que se ins-
taurar em forma legal, perante o órgão ou autoridade
competente para a responsabilização do infrator ..." (Di-
reito municipal brastleiro. 4. ed., p. 542-543).
Data venia, a autoridade apontada como coatora não
tem competência para apreciar a matéria sub judice,
gerando, assim, determinações impróprias, em visível pre-
juízo do regular funcionamento da Comissão do Poder Le-
gislativo Municipal, e porque não dizer do próprio Poder
Legislativo, data máxima venia.
No julgamento do Mandado de Segurança n. 6.408,
de Almenara, em 1 1 de agosto de 1992, assim se posicionou
o eminente Des. Rubens Xavier Ferreira:
"... A investigação administrativa e a função judicial não são
intercambiáveis, razão pela qual os órgãos encarregados dos
respectivos exercícios não podem prestar entre si qualquer
tipo de colaboração quanto à grática de atos processuais..: '
Por essas razões, esta Procuradoria opina pela con-
cessão, em definitivo, da ordem impetrada pela Cãmara
Municipal de São Gotardo, neste Estado.
167
3 VISÃO JURISPRUDENCIA.L
Sob um outro prisma, enfocando o tema da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI), assim se posicionou a 5a
Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais:
"Trata-se de mandado de seguranpa impetrado por
H.M.G., na qualidade de Presidente da Comissão Especial
de Inquérito, instituída pela Câmara Municipal de São
José do Mantimento, contra ato do Prefeito Municipal que
se recusou a apresentar documentos necossários à fiscali-
zação e controle dos gastos públicos do Executivo.
O MM. Juiz, apreciando o feito, concedeu a segurança, ao
fundamento de que inexiste lesão em norma constitucio-
nal na instituição de Comissões Parlamentares de Inquéri-
to e, outrossim, existe expresso dispositivo legal na Lei
Orgânica do Município que confere a tais comissões a
faculdade de examinar livros e documentos do Executivo,
razão pela qual é ilegal o ato da autoridade que obstou tal
exame não apresentando os documentos mantidos em seu
poder.
Subiram os autos a este egrégio Tribunal apenas por força
da remessa obrigatória, não tendo o impetrado aviado
apelação voluntária.
Com efeito, decidiu com acerto o douto Julgador, não
merecendo sua sentença o mais mínimo reparo, senão
integral confirmação.
Na lição sempre lúcida de José Afonso da Silva, encontra-
se o seguinte excerto, verbis:
`A fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial, mediante controle externo, é
168
coerente com o Estado Democrático de Direito, como se
infere destas palavras de Alfredo Cecílio Lopes: `Somen-
te quando vigem os princípios democráticos em todas
as suas conseqüências - e entre elas das mais importante é
a consagração da divisão dos poderes - e é o orçamento
votado pelo povo através de seus legítimos representan-
tes, é que as finanças, de formais, se tornam substancial-
mente públicas, e a sua fiscalização passa a constituir uma
irrecusável prerrogativa da soberania'. Tem por objetivo,
nos termos da Constituição, a apreciação das contas do
Chefe do Poder Executivo, o desempenho das funções de
auditoria financeira e orçamentária, a apreciação da lega-
lidade dos atos de admissões de pessoal, bem como 0
julgamento das contas dos administradores e demais res-
ponsáveis por bens e valores públicos. Em suma, verificar
a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos
contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e pa-
trimoniais da administração direta e indireta da União. O
controle externo é função do Poder Legislativo. Por isso,
no âmbito federal, ele é da competência do Congresso
Nacional, que o exerce com auxílio do Tribunal de Contas
da União (arts. 70 e 71 )' (Curso de direito constitucional
positivo. 5. ed., São Paulo: RT, 1989, p. 627. Os grifos
não constam do original).
Ora, existindo prévia e expressa autorização constitucio-
nal para a fiscalização das contas do Poder Executivo pelo
Poder Legislativo, a instituição de Comissôes Parlamenta-
res de Inquérito para essa finalidade, inegavelmente, antes
áe contrariar norma constitucional, atende-as plenamente,
fazendo firme a soberania e satisfazendo o sistema de
freios e contrapesos acolhido na Carta da República em
vigor.
169
Nessa ordem de idéias, é ínsito ao poder de jïscalização
dessas comissões o direito de requerer a exibição de todos
os documentos necessários ao desempenho de seus miste-
res, sendo o ato que obsta essa faculdade inegavelmente
abusivo e ilegal, autorizando o exercício válido e regular
do mandado de segurança, como ocorreu na hipótese de
que cuidam este autos.
Em face do exposto, no reexame necessário, confirmo a r.
sentença.
Custas pelo impetrado.
É o meu voto" (Ap. Cív. n. 21.082I3 - Comarca de
Lajinha - Apelante: Juiz de Direito da Comarca de
Lajinha - MG, pelo Prefeito Municipal de São José do
Mantimento - Apelado: H.M.G. - Relator: Des. Bady
Curi).
170
ANTONIO LOPES NETO
Procurador de Justiça aposentado e Advogado

COMENTÁRIOS SOBRE DIREITO ADMINISTRATIVO

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Nenhuma parte desta edição pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios
ou formas, sem a expressa autorização da Editora.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil

A vigorosa força que brota do sertão,


a silenciosa e profunda reflexão
que desperta e encanta,
as indecifráveis montanhas das Gerais
conduziram-me a:
Fátima, companheira, esposa dedicada;
Henrique, Virgínia e Marina, filhos amados.
A vocês, motivação maior do existir, meu agradecimento.
Antônio Lopes Neto.

Apresentação

Há bem pouco tempo atrás, as administrações municipais, agindo de modo não muito
recomendável, procediam, com habitualidade, aos registros das despesas realiza-
das após a sua efetivação, com atraso, mediante o uso de uma "montagem", de
molde a possibilitar a aprovação de suas contas. Essa prática viciosa,
obviamente, abriu uma brecha para que um sem-número de pessoas de caráter
duvidoso, quase sempre empresários inescrupulosos, de forma organizada,
passassem a assediar lideranças municipais desprovidas de qualquer formação
moral.
Seus objetivos eram por demais claros, vale dizer, conquistavam os expoentes
líderes políticos locais através da sedutora proposta de realizar um grande
plano de enriquecimento fácil, em detrimento do patrimônio público, não se
medindo esforços para a entabulação de grandes negociatas de contratação de bens
e serviços, com valores superfaturados. Essa fusão de empresários com políticos
desonestos, em franca evolução outrora, encontrou êxito pleno, sem quaisquer
obstáculos, deixando perplexos os poucos interessados na moralização da vida
pública.
Todavia, havia uma consciência cívica que, embora adormecida, aflorou com grande
força para restaurar a dignidade no exercício da função pública.
Com efeito, vindo à tona o desperdício dos recursos públicos, simultaneamente à
crise econômica que assolava o País, o interesse no combate ao déficit público
se tornou comum, para não dizer imperativo. Todos os olhos se voltaram
instantaneamente para as três esferas da administração, na busca contínua de se
coibir gastos excessivos, inúteis e/ou ilegais.
A partir de então constatou-se que as mazelas federais do governo paralelo das
empreiteiras, das operações com empresas fantasmas, também foram transplantadas
para as áreas estaduais e municipais. Assim, embora sem a mesma intensidade, "a
consciência cívica" estava de uma vez por todas formada, através do exercício
pleno da cidadania, da participação intensa do povo nos debates sobre os
problemas que afligem a comunidade, da vigilância da imprensa em relação ao
desempenho dos ocupantes nos respectivos cargos públicos, da procura da
superação das dificuldades para a fiscalização eficiente da administração
pública, a fim de evitar os constantes desvios de recursos públicos para os
bolsos de desonestos gestores e, por conseqüência, da valorização do Tribunal de
Contas e do Ministério Público, um no apoio ao controle externo, modernizando e
aprimorando os métodos de trabalho, e o outro na linha de frente para a exigir o
ressarcimento dos prejuízos e a punição dos malversadores.
Não é sem propósito, pois, que se constata, com justificado júbilo, a chegada de
um trabalho jurídico dos mais importantes para o aprimoramento da administração
pública Comentários sobre Direito Administrativo de autor culto e estudioso que,
certamente, vai ser de muita utilidade para os administradores bem-intencionados
e honestos, que tenham entre suas principais metas de administração, o
ajustamento da máquina administrativa aos padrões de austeridade que os novos
tempos exigem, e para os operadores de direito, advogados, promotores e juízes,
que terão à mão os elementos para o exercício de seu mister.

Conheci o autor, Dr. Antônio Lopes Neto, como Promotor de Justiça em


sua primeira Comarca, Poço Fundo, substituindo o eficiente e ilustrado Dr. José
Resende Lara, adoentado à época, na acolhedora Comarca de Machado, Comarca para
a qual eu havia sido promovido como Juiz de Direito, no início dos anos 80. Ao
primeiro contato, pude perceber que se tratava de profissional íntegro,
inteligente, competente, estudioso e dedicado e que não encontraria dificuldades
para atingir, rapidamente e com brilho, as culminâncias da carreira. Não errei
no vaticínio, pois logo em seguida fora promovido para Campanha, desistindo,
entretanto, em favor de outro colega, para lograr seu objetivo na vaga então
surgida em Almenara, onde permaneceu por pouco tempo, devido à remoção para
Andrelândia, para alcançar, pouco tempo depois, promoção para Uberaba, daí para
Belo Horizonte e, finalmente, para o elevado cargo de Procurador de Justiça.
Chefiou o Gabinete do Procurador-Geral de Justiça e foi o mentor e primeiro
Diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público e
da Escola Superior do Ministério Público, função na qual permaneceu até a sua
precoce e recente aposentadoria. Homem vinculado a Pouso Alegre, dedicava-se às
letras, paralelamente a seu trabalho no Ministério Público, elaborando trabalhos
jornalísticos e literários, que lhe propiciaram o ingresso na Academia de
Letras, sediada naquela culta comuna. Aposentando-se, instalou-se como advogado,
conquistando merecido prestígio em todo o sul de Minas.
Assim, o autor está mais que credenciado para fazer os seus
Comentários sobre Direito Administrativo. Traz experiência de homem do interior,
conhecedor dos métodos de trabalho das prefeituras municipais, de cultor das
letras, de administrador, de Membro do Ministério Público e de advogado.
Os assuntos tratados na obra estão bem distribuídos, contendo uma exposição
inicial e a parte prática, desenvolvida com a apresentação de pareceres e
jurisprudência pertinentes.
Inicia a obra pelo conceito do Ato Administrativo, da possibilidade de sua
revogação, analisando o atributo da discricionariedade, para trazer à baila
assunto de relevância, que se refere à vantagem pecuniária concedida aos
servidores públicos, quando se tem provimento positivo em ação de mandado de
segurança impetrado pelo próprio servidor em face de ato ilegal e abusivo, que
teria contrariado direito líquido e certo ao ressarcimento de férias normais não
gozadas em tempo, enquanto na ativa, por necessidade de serviço. Completa o tema
colacionando pareceres ilustrativos.
Nos capítulos seguintes, observando o mesmo método, trata de Contrato
Administrativo, Contrato de Gestão, Licitação, Contratação de Advogado,
Advocacia - Notória Especialização, Prestação de Contas - Prefeito Municipal,
Nulidade de Lei Municipal via Ato Administrativo, Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI), Repasse dos Duodécimos ao Poder Legislativo, Criação de
Tributos, Controle da Administração Pública, Direito Intertemporal e finaliza
com jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Todos os assuntos são enfrentados e elucidados de forma segura, clara, acessível
e didática, sendo, depois, apresentado o caso prático, com a jurisprudência
aplicável e/ou o parecer ofertado no procedimento respectivo, com invocação de
lições de doutrinadores de escol.
É obra que deve alcançar o mesmo sucesso das outras lançadas pelo autor, dada a
importância das questões nela tratadas e a facilidade com que a respeito delas
se disserta. A exposição esclarecedora e agradável prendem o leitor. É leitura
que se recomenda e que se toma indispensável aos que lidam na área.

Belo Horizonte, 30 de agosto de 1999

Reynaldo Ximenes Carneiro


Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

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