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Para além da comparação com a vida dos anjos Gregório continua sua construção
de um modelo de conduta Gregório demonstrado, a partir de vários elementos, sua irmã
como exemplo de vida. Observada como um todo a biografia é clara na sua intenção de
mostrar a personagem principal como um modelo exemplar e ideal de vida, contudo em dois
1
Em espanhol “maestro” e “pedagogo”, o mesmo em italiano. Em inglês, por conta da natureza da própria
língua não faz diferenciação de gênero usa “teacher” e “tutor”, o que pode ter acarretado confusão à tradução
para o português que usa “professora” e “tutora”, usado o gênero feminino. Na tradução latina é usado
“magistrum et custodem”, e em grego “diaskalos” (διασκαλος) e “paidagogos” (παιδαγωγός), cujo a terminação
é um indicador de gênero masculino.
2
Conversa que o inspirou a escrever o seu Diálogo com Macrina sobre Alma e Ressurreição.
3
Na versão espanhola fica mais enfático a ideia da angelical figura de Macrina: En efecto, no me parecía cosa
humana que ella, en su último alentar, no estuviese turbada ante la perspectiva de la muerte, ni sintiese miedo
de alejarse de la vida, sino que, con un alto sentir, estuviese meditando hasta el último suspiro en aquel modo
de vivir en la tierra al que se había entregado desde el comienzo de su vida. Era como si un ángel hubiese
tomado providencialmente forma humana y no tuviese ningún parentesco ni connivencia ninguna con la vida en
la carne; un ángel así no sería extraño que mantuviese imperturbable su pensamiento, ya que la carne no tiraba
de él hacia abajo, hacia sus pasiones. (Greg., Vit. Macr., 22.3)
momentos específico Gregório faz isso de maneira mais explícita (5.4; 12.2), não sabemos ao
certo se intencionalmente.
No primeiro momento (5.4), o autor descreve a aproximação de Macrina com sua
mãe Emélia, cuidado dela em todos os aspectos, e como esta a conduz para uma vida
filosófica e mais elevada. “[...], Macrina ofrecía a su madre un maravilloso ejemplo
mostrándole la dirección hacia el mismo ideal - me refiero al de vivir según la filosofía,
atrayéndola poco a poco hacia una vida pura y desprendida de todo.”4 (Greg., Vit. Macr., 5.4.
grifo nosso). Nesse momento Gregório apresenta explicitamente que sua irmã foi um
exemplo para sua mãe, essa passagem poderia facilitar as mulheres leitoras aceitarem
também ela como exemplo de vida para elas. Se Emélia, mulher tão valorosa, como
apresentada anteriormente (2.2), tomou sua filha como exemplo, as leitoras poderiam confiar
em tomá-la como exemplo também.
Mais a frente, enquanto o autor discutia sobre a importância de Macrina para
Pedro (12.2), ele expõe o seguinte:
Pedro despreció el estudio de las ciencias profanas, pero tenía un maestro apropiado
para la enseñanza de todo lo bueno; teniendo los ojos fijos en su hermana y
habiéndosela propuesto como ideal de todo bien5, alcanzó tal grado de santidad que,
en cuanto a virtud, no sería estimado inferior al gran Basilio. (Greg., Vit. Macr.,
12.2)
4
Escolhemos a versão espanhola dessa vez, pois melhor demonstrava a ideia de que macrina era um exemplo
para sua mãe. Na versão portuguesa: “No mesmo momento, graças à proteção de sua mãe, ela estava vivendo
sua própria vida sem culpa, de modo que o olhar de sua mãe direcionou e testemunhou tudo o que ela fez; e
também por sua própria vida instruiu grandemente sua mãe, levando-a para a mesma marca, quero dizer, aquela
da filosofia, e gradualmente conduzindo-a para a vida imaterial e mais perfeita.” (Greg., Vit. Macr., 5.4)
5
Em italiano a expressão é “senza mai distogliere gli occhi dalla sorella per lui modello del bello”.Contudo no
grego e no latim as expressões utilizadas significam “bom”. Apesar do conceito de belo estar muitas vezes
intimamente ligado ao bom.
“Nesse caso, foi uma mulher que nos forneceu o nosso assunto; se, de fato, ela devia ser uma
mulher de estilo, eu não sei se é conveniente designá-la pelo seu sexo, a quem ultrapassou
tanto o seu sexo.”(Greg., Vit. Macr., 1.1)6
No trecho acima, fica destacado a superioridade de Macrina quanto ao sexo
feminino, mas o autor não a compara com o sexo masculino, não nesse momento. Fica
entendido a sua oposição ao feminino, o que está de acordo com a representação comum,
naquele momento, da mulher. Na versão espanhola, o tradutor escolheu a palavra “natureza”
e no lugar da palavra sexo7, no caso da italiana a palavra “natureza” também foi utilizada,
mas não com o sentido de sexo, mas relativo a “natureza humana”8. A natureza, de acordo
com a mentalidade cristã, era algo prejudicial e deveria ser substituída por uma elevação
espiritual que deixaria o indivíduo livre das conexões terrenas.
A grande virtude de Macrina, de acordo com o seu irmão, estava no seu
autocontrole pela razão, não se deixando agir de forma feminina. Falando da morte de seu
irmão Naucrácio e da recepção da notícia pela mãe o autor expõe:
E agora, a virtude da grande Macrina foi exibida. Enfrentando o desastre com
[970A] espírito racional, ela se preservou do colapso, e se tornou o suporte na
fraqueza de sua mãe, elevando-a do abismo da dor, e, por sua própria firmeza e
imperturbabilidade, ensinou à alma de sua mãe a ser corajosa. Em conseqüência, sua
mãe não foi oprimida pela aflição, nem se comportou de maneira ignóbil e de
modo feminino, como gritar à calamidade, ou rasgar seu vestido, ou lamentar sobre
o problema, ou principiar cantos fúnebres com melodias pesarosas. (Greg., Vit.
Macr., 10.1, grifo nosso)
6
Na versão inglesa: “In this case it was a woman who provided us with our subject; if indeed she should be
styled woman, for I do not know whether it is fitting to designate her by her sex, who so surpassed her
sex.”(Greg., Vit. Macr., 1.1, Grifo nosso)
7
“Una mujer era el objeto de nuestro relato, si se le puede llamar mujer, pues no sé si es comveniente designar
con una cualidad perteneciente a la naturaleza en quien llegó a estar sobre la misma naturaleza”. (Greg., Vit.
Macr., 1.1, Grifo nosso)
8
“Ce ne dava l'occasione una donna, se pure può dirsi donna una essere che fu in tutto superiore alla natura
umana.” (Greg., Vit. Macr., 1.1, Grifo nosso)
mulheres pudessem ser educadas pelos homens, para que soubessem se comportar.
(BROWN, 1990). No cristianismo a educação se dava pela constante leitura e reflexão nas
Escrituras e nos ensinamentos dos bispos. Por isso, Gregório faz questão de mostrar, que não
apenas a sua irmã, mas também as mulheres que aprenderam com ela, tinham uma séria
rotina de estudos bíblicos, alcançando assim uma elevação filosófica esperada. O lugar
principal de formação dessas mulheres eram os mosteiros.
Gregório utiliza para designar a comunidade de Anesi. Adelphótes que poderia ser traduzido
para fraternidade, é utilizada em quase todo o texto de VSM. Foi bastante utilizado tanto por
comunidade cristã primitiva. A denominação “irmão” era uma forma de identificação dos
cristão, mas que lentamente cai em desuso para se estabelecer como um quase que título que
os eclesiásticos dão um ao outro como representantes da vida eclesial, junto com as fileiras
emergentes dos monges. Ao longo do tempo o termo adelphós (irmão) se converteu em quase
passagem:
Agora que todas as desordens da vida material haviam sido removidas, Macrina
persuadiu sua mãe a desistir da vida comum e todo o estilo de vida ostentoso e os
serviços domésticos aos quais ela estava acostumada antes, e trouxe a ela o seu
ponto de vista para aquele das massas, e partilhou a vida das servas, tratando todas
as suas escravas e criados como se eles fossem irmãos e pertencessem à mesma
condição social que ela. (Greg., Vit. Macr., 7.1. grifo nosso)
harmônica, sem distinções sociais, onde todos eram irmãos, uma comunidade tal qual a
comunidade cristã primitiva de Jerusalém descrita nos textos que hoje fazem parte do Novo
Testamento Bíblico. O resgate do termo tem essa intenção, associar a comunidade nascente
propõe algo para além de uma junção de monges isolados, pois ele acreditava na formação de
uma verdadeira comunidade harmônica. Essa harmonia dependia também de uma igualdade
entre os irmãos, diminuindo as distinções, salvo o caso da liderança e dos membros do clero.
Pois ele acreditava e defendia a ideia de que o homem era a imagem e semelhança de Deus,
então quem tenta escravizar uma pessoa atenta contra a Imagem do próprio Deus. Desta feita,
ao apresentar o mosteiro ele reitera sua posição contra o escravismo, mostrando a união
igualitária entre os irmãos, apresentando essa comunidade como exemplo. Nota-se a ênfase
que o autor dá a essa temática que ele reafirma mais a frente a ideia de igualdade no mosteiro
de sua irmã:
E, afastando-a de todos os luxos costumeiros, Macrina continuou dirigindo a mãe a
adotar o seu próprio ideal de humildade. Induziu-a a viver em pé de igualdade com o
9
GIRARDI, Mario. L’amore carattere proprio del cristiano»: le origini della spiritualità identitaria di S. Basilio
Classica et Christiana, 1, 2006, 127-144. http://cscc.uaic.ro/wp-
content/uploads/publicatii/cc/Classica_et_Christiana_1_2006.pdf
séquito de servas, também partilhava com elas a mesma comida, o mesmo tipo de
cama em todas as necessidades da vida, sem nenhuma consideração com as
diferenças de posição social (Greg., Vit. Macr., 11.1).
Chega a parecer até uma repetição, contudo a ideia é reforçar algo que para ele se
mostra importante, uma propaganda do que ele apresenta como um estilo de vida melhor. Na
ideia de uma vida sem distinção entre esses grupos não era muito bem vista pelas mulheres
poderosas. Contudo, seria esse um gesto de extrema humildade, de desprezo das distinções
várias virgens biografadas, fica aparente que a distinção ainda existente, mas dessa vez
Porém é difícil de não questionar a contribuição que a condição social dessas mulheres exerce
conhecido pacomiano, por entender que o isolamento por si só não teria tanto efeito na vida
dos monges, era preciso construir uma comunidade harmônica que somente existiria se
tivessem certos elementos essenciais para a coesão da comunidade: o estrito ascetismo vivido
apenas administrativo, mas espiritual, que fosse o guia daquela comunidade. (FREITAS,
1997)
sua família, Pedro de Sebaste (substituindo o irmão Basílio) no comando do grupo masculino
como tantas outras mulheres distintas, como “protetora e guardiã” da viuvez, como também
da virgindade, das mulheres que viviam com ela, exercendo esse papel de liderança para
aquela comunidade. Por tanto, existe uma distinção entre essas mulheres, apesar do autor
afirmar não existir diferença de posição social entre elas, por conta, de acordo com ele, de um
ideal de humildade, que seria mais uma das qualidades da grande virgem.
destaque do retiro de Anesi, o que evidencia essa hierarquia entre essas mulheres: “Então,
quando seu corpo ainda era jovem, ela foi liberada do casamento, e escolheu a grande
Macrina como protetora e guardiã de sua viuvez, e passou seu tempo principalmente com as
século IV, foram decisivas para as mudanças dentro do próprio cristianismo “universal” que
produziu várias reformas na organização eclesiástica. O que antes parecia ser uma
comunidade harmônica, baseada no amor fraternal, mas pouco organizada, com o tempo
política romana imperial. Essa organização eclesiástica, mudou o lugar reservado às mulheres
representações.
na organização de grupos de mulheres, como as viúvas (khêrai), que acabaram por se tornar
símbolo da atuação feminina no cristianismo. Além destas as profetas e mártires deram outra
visão sobre a religiosidade feminina e o seu contato com o divino, diversas dessas mulheres
foram representadas em textos cristão e temas de muitos dos ensinamentos. Dentro de vários
grupos heréticos, na visão dos católicos, as mulheres como estas ganharam maior destaque, o
que de certa forma, levou a muitos bispos a questionarem o papel da mulher e então controlar
espaço limitado de ação. As mais atuante pertenciam, normalmente, a dois grupos: as viúvas
e as diaconisas, no máximo as virgens mais velhas exerciam algum poder nos mosteiros.
Ocidente quanto no Oriente, aos poucos passaram a desenvolver suas atividades espirituais
nos mosteiros. As diaconisas, por sua vez, exerciam as atividades bem parecidas dos
diáconos, e ambos eram escolhidos pelos bispos. Contudo, a atuação delas estava
necessariamente no auxílio dos bispos nas atividades que envolvessem o público feminino da
comunidade. Elas eram muito mais presentes no Oriente e a partir do século IV multiplicou-
consagrar a esse cargo, quase que exclusivamente mulheres pertencentes à comunidade das
pequeno trecho mencionando a atuação dessa mulher, o qual ele chama de “líder do grupo
das irmãs” (Greg., Vit. Macr., 29.1). Com ele ele desenvolve um diálogo sobre as vestes e a
humildade de Macrina.
Interessante notar é que dos poucos diálogos apresentados na biografia, dois deles
são com mulheres. Talvez seja intuito de Gregório é mostrar sua proximidade com as
liderança em suas comunidades, mas elas estavam, quase via de regra, sob orientação de
algum clérigo masculino. E mesmo aqueles que não fossem seus líderes, a estes homens elas
deveriam ter reverência e respeito. Vale ressaltar que “a organização da vida ascética
feminina era informal, possibilitando-lhes escolher como mentores e mestres quem elas
quisessem para lhe proporcionar orientação e proteção espiritual.” (SIQUEIRA, 2004). São
esses conselheiros e biógrafos que vão torná-las conhecidas, como Gregório de Nissa fez com
10
Exerceram cargos ministeriais até por volta do século X.
sua irmã, ao produzir VSM, essas representações, é preciso estar atento, novamente
entender que elas representam dentro do contexto do cristianismo antigo o poder da ação
dessas mulheres quando observamos sua posição dentro de uma igreja que estava em tempos
controle comportamental das mulheres. Mostrando que na sua religiosidade elas deveriam se
que não se caracterizassem por ser completamente enclausurada, fechada para o mundo, mas
que fosse um modelo de integração com a comunidade externa, através de várias atividades
por condensar nos arredores dos mosteiros pessoas que se aproveitavam das ações de
a bondade de Pedro supriu com uma tal abundância de comida que o deserto
parecia uma cidade por causa do número de visitantes. (Greg. Vit. Macr., 12, 3)
Parecido com o comportamento das demais virgens modelos, Macrina e sua mãe
levaram uma vida de estrito ascetismo, dedicando-se à meditação sobre os textos bíblicos e às
orações. A cultura escrita sagrada era ensinada nesse local, e para tanto era necessário a
alfabetização dessas mulheres. De acordo com Peter Brown, as organizações femininas como
de cinquenta a cem, e seu alto contingente era ocasionado também por manterem no
conventio senhoras ricas que dedicavam seus recursos ao convento e também viviam ali
(BROWN, 1990).
Em algumas passagens Gregório apresenta um pouco sobre a vida e os costumes
dessas mulheres, assim como dos homens, já que ele também, em alguns momentos, fala
sobre o grupo de homens que viviam com seus irmãos, primeiramente com Basílio e depois
com Pedro. A descrição do autor sobre a vida no retiro de sua irmã, em VSM, é riquíssima
fonte sobre as práticas e costumes da vida monástica. Sobre esse o modo de vida das
Assim era o modo de suas vidas, tão grande a altura de sua filosofia, e tão
sagrada sua conduta dia e noite faz a descrição verbal inadequada. Pois
somente como almas livres do corpo pela morte são salvas dos cuidados
desta vida, eram suas vidas removidas muito longe de todas as preocupações
terrenas e ordenadas com a visão de imitar a vida angélica. Pois nem raiva
ou inveja, ódio ou orgulho foi observado em seu meio, nem nada desta
natureza, já que elas abandonaram todos os desejos vãos por honra e glória,
todas as vaidades, arrogâncias e similares. A continência era o seu luxo, e a
obscuridade a sua glória.
formada, quando Macrina e sua mãe se junta ao conjunto das suas servas. De acordo com
Mateo-Seco, em nota, Gregório define, no trecho acima, os valores que considera mais
Elas deveriam “separar suas almas dos corpos através da sua morte”, por morte
deve se entender a escolha delas de reclusão, que seria uma morte para toda e qualquer
perspectiva de se casarem, apesar de muitas delas retrocederem em seus votos. Mas nisso está
a ênfase, uma espécie de advertência do autor, de que a escolha delas deveriam ser uma
escolha permanente, pois a morte é permanente, assim como deve ser a continência sexual.
Viver uma vida na fronteira entre natureza humana e a espiritual, é uma tarefa
demasiadamente difícil, mas nisto está a ascese, no seu sentido mais original, a prática de
exercícios e treino de um atleta, é essa a recompensa de todo esforço dessas atletas, o objetivo
de todo aperfeiçoamento espiritual. Contudo, ele afirma que por mais próximas que essas
mulheres estivessem de uma vida angelical, ou seja, celestial e virginal, elas estavam
impedidas por sua condição corporal e humana, mas talvez isso não seria de todo uma
Pois que a natureza esteja livre das fraquezas humanas é mais do que pode
ser esperado da humanidade. Mas estas mulheres não alcançaram a natureza
angélica e imaterial apenas na medida em que (estas) apareciam em forma
corporal, e estavam contidas numa estrutura humana, e eram dependentes
dos órgãos dos sentidos. Talvez alguns pudessem mesmo ousar dizer que a
diferença não lhes estava em desvantagem, já que, ao viver num corpo e
ainda ter semelhanças com seres imateriais, elas não haviam sido
submetidas ao peso do corpo, mas suas vidas eram exaltadas aos céus e
[972B] caminhavam para o alto na companhia dos poderes do céu.
O período coberto por este modo de vida não foi curto, e com um lapso de
tempo seus sucessos aumentaram, como sua filosofia cresceu continuamente
mais purificada com a descoberta de novas bênçãos (Greg., Vit. Macr., 11.3-
4).
mulheres, elas ainda deveriam seguir a risco o comportamento desejado às mulheres. Essas
exigências são bem mais rígidas para aquelas que viviam em mosteiros. As diferenças de
tratamento e a separação rígida entre os sexos são as características principais desses lugares.
característica:
Nesse trecho, fica evidente que as mulheres deveriam esperar com modéstia, não
diurnos e noturnos, seria uma prática exigida para essas virgens, assim como para qualquer
asceta:
Assim ela falou, e desejei que a duração do dia se estendesse além, que ela
nunca cessasse de encantar nossos ouvidos com a sua doçura. Mas a voz do
coro estava nos convocando para o serviço noturno, e me enviando à igreja,
(ficando) a grande dama mais uma vez isolada para rezar a Deus. E assim
ela passou a noite. (Greg., Vit. Macr., 22.1).
cantos de ações de graças, no momento em que se escurece e são acendidas as luzes, pois
celebram a Cristo a “Luz do Mundo”, existem alguns relatos que mencionam essa tradição
dos cantos lucernários entre os séculos IV e V. Em vários outros momentos ele apresenta o
Quando a vigília de toda a noite por ela acompanhada pelo cantar de hinos,
como no caso (da morte) de mártires, e as festividades tinham acabado, a
noite veio, e a multidão de homens e mulheres que havia chegado de todas
as regiões vizinhas interrompiam os salmos com lamentações. (Greg., Vit.
Macr., 33.1).
Ele chega a mencionar um hino entoado durante o cortejo fúnebre de sua irmã.
Esse hino, de acordo com Mateo-Seco é mencionado no texto bíblico do livro de Daniel,
capítulo 3, a partir do verso 51, seria o hino cantado pelos três companheiros de Daniel, que
A maioria dos relatos das práticas musicais que Gregório menciona estão
contidos no processo do ritual fúnebre de sua irmã, e estão sempre associados a tristeza da
multidão
Frontisterion (37.1). O uso de um termo como esse mostra a intenção do autor de promover
aquele lugar e as pessoas que habitavam nele, além de mostrar também seu conhecimento da
cultura literária grega. O termo fora utilizado anteriormente por Aristófanes, na comédia As
de frontisterion. Seria um termo que sua origem vem do verbo φροντιζω (pensar), remeteria a
dramaturgo. Na narrativa ele apresenta que na tentativa de convencer a seu filho a largar a
O termo foi utilizado por Aristófanes com uma conotação cômica, mas acabou
esses são locais de formação filosófica, locais de evolução pela filosofia. A muitos de nós
pode soar estranho a comparação, mas para esses bispos não. Devido a sua formação e
contexto a filosofia e cristianismo pareciam de alguma forma terem propósitos parecidos eles.
No entendimento deles a filosofia e ascese seriam as formas de elevação espiritual. Claro que
o entendimento de filosofia deles era distinto do nosso. A comparação é tão clara para o
não deveria representar uma liderança carrasca o qual impõe autoridade pela força, mas por
suas qualidades e virtudes. Em todo o texto o autor, apresenta essas qualidades e virtudes
dela, mas nos dá uma noção da importância dela para as mulheres que viviam sobre a guarda
dela a partir da forma em que elas reagiram perante a morte dela, dando, de certa forma, voz a
11
A versão portuguesa tem é traduzido por “escola da virtude”.
elas, seria mais um forma de mostrar que os outros valorizavam ela e o elogio não parte
somente dele. O trecho é bastante demonstrativo do valor que as virgens davam a ela:
Por mais que essas palavras tivessem possivelmente sido ditas por essas mulheres
e têm muito a nos dizer sobre a suposta idealização feita sobre essa virgem, são palavras do
minimamente sobre esses elementos apresentados no clamor acima: a luz, é uma expressão
que pode significar, os ensinos bíblicos e a leitura da bíblia, pode intencionar passar a ideia
representada como a protetora e “guardiã”, dessas mulheres, uma representação que mostraria
a segurança que as mulheres teriam ao se associar aos mosteiros liderados por mulheres
virtuosas como a biografada; o selo da imortalidade estaria conectada a noção de que essa
virgem seria a conexão entre esse mundo e o mundo espiritual, entre o céu e a terra, por sua
vida angelical; O “vínculo da prudência”, seria uma forma de delegar a sua mestre a
é feita sobre Basílio, lembrando que para a lógica monacal basiliana o líder do mosteiro era
essencial para a manutenção da unidade e harmonia do espaço; O suporte para os pobres,
logo se associa a prática da caridade, prática quase obrigatória das virgens consagradas; a
cura dos doentes é como o autor relaciona às ações milagrosas de sua irmã, que discutiremos
mais a frente.
Consideramos esse trecho, da oração das virgens, como uma espécie de lista das
qualidades essenciais das mulheres consagradas feita pelo autor. Um modelo que deveria ser
seguido por todas aquelas que quisessem se tornarem consagradas, um exemplo. Seria o alvo
dessas atletas.
as outras, a humildade que por sua vez é, no pensamento dos padres capadócios, alcançado
pelos trabalhos manuais. E a esse tema o autor faz questão de dedicar várias passagens,
sempre mostrando a importância dos trabalhos manuais para a elevação da alma, como uma
forma de ascetismo.
“Ora et labora”, de acordo com Eugênio Marotta, seria a base das normas de vida
da comunidade de Anesi12. A expressão ficou conhecida nas famosas Regras Monásticas de
São Bento, no século VI. Apesar do distanciamento temporal dos escritos de Gregório, a
intenção do tradutor e comentador italiano era apenas destacar a importância do “trabalho” no
pensamento monástico de Basílio e Gregório, mesmo antes da expressão se popularizar. De
acordo com Andrew Dinan (2009), assim como as práticas ascéticas orientais, os
ensinamentos monásticos de Basílio influenciaram decisivamente as regras de Bento, que por
sua vez foram muito difundidas na Europa medieval.
Dentro do pensamento cristão antigo um dos valores mais quistos era o da
humildade, esse deveria ser cultivado em toda a comunidade dos fiéis. Essa virtude estava,
por sua vez, dentro do pensamento cristão, associado aos pobres e as suas atividades. No
mundo romano, os trabalhos reservados às classes dominantes estavam relacionados a
12
O autor dedica um tópico de sua introdução da publicação para o assunto, e intitula com a famosa frase.
administração política e econômica, como também as atividades de cunho cultural e
educacional, atividades que não exigiam muito esforço físico, mas necessitava de grande
habilidade intelectual e uma oratória admirável. Dessa forma, o campo de trabalho dos
indivíduos menos favorecidos estavam conectados às atividades manuais. Aos escravos,
servos, artesãos, agricultores, etc. era reservado os trabalhos de maior esforço físico. O
discurso cristão, passou então a associar o trabalho manual com os ideais de humildade,
associando o pobre como um ideal de comportamento, mas não o pobre a qual entendemos,
mas uma representação construída de um pobre modelo.
No pensamento dos Capadócios a ideia de trabalho manual é um importante
elemento que compõe a vida de um asceta, pois esse seria um elemento revelador da
humildade dos indivíduos. Se tornou quase que sinônimo da vida ascética (DINAN, 2009).
Ao longo de várias obras deles a expressão, ou a ideia, se fizeram presente, inclusive em
VSM, onde Gregório tenta descrever as características da principal asceta, a virgem Macrina.
Em vários momentos o autor apresenta as qualidades dos ascetas de sua família
também, e a todos eles o autor revela a importância do trabalho manual. Fica implícito em
seu discurso que este seria um exercício para o aperfeiçoamento dos indivíduos. No trecho
que diretamente se refere ao irmão mais velho (7,1), o autor apresenta um certo salto
qualitativo do caráter do personagem quando Macrina “o tomou pela mão”13 - veja ai o
símbolo manual - o elevando pela “filosofia”, atraindo o irmão a escolher um estilo de vida
mais simples. De acordo com a versão espanhola:
Ella advirtiendo que él estaba exageradamente engreído con sus conocimientos de
oratoria, que (con soberbia) despreciaba todas las dignidades y que se sentía por
encima de todos los notables en el gobierno de la provincia, le atrajo con tal rapidez
al ideal de la filosofía que él renunció a la gloria mundana, despreció la admiración
que podía recibir por su elocuencia, y se entregó a una vida de trabajo manual,
buscando a través de una pobreza perfecta una vida libre para la virtud.(Greg. Vit.
Macr., 7, 1)
13
De acordo com a versão portuguesa e inglesa.
14
Lembremos que o ideal de pobreza é algo construído dentro dos discursos cristãos com intuito de ensinar os
elementos de humildade a comunidade cristã. Eles se atribuem alguns elementos aos pobres associados a valores
cultivados dentro do cristianismo, mas que nem sempre eram coerentes com o cotidiano das massas de
necessitados. Essa representação dos pobres vai se tornando algo tão rico e sofisticado, que vai se impregnando
Dessa forma, os trabalhos manuais estariam contidos no processo de aperfeiçoamento do
ascetas. Não que Gregório estivesse condenando as habilidades retóricas, pois em vários
outros momentos ele a destaca como um elemento louvável, mas o que ele talvez queira
destacar é a importância da combinação “fala” e “ação”, a união destes dois elementos era
muito louvada entre os cristãos da época. Para ele os ensinamentos deveriam associar a
“palavra” com o “exemplo”, como evidenciamos no capítulo anterior.15
Outro personagem em que o Nisseno aplica a ideia de abandono dos trabalhos
retóricos e oratórios em direção do aperfeiçoamento pelos trabalhos manuais é Naucrácio.
Esse irmão, assim como os demais homens de sua família16, também era habilidoso no falar:
com 22 anos17 ele se apresenta publicamente em um teatro, comovendo a todos (Greg. Vit.
Macr., 8,1). Movido por Deus, e não por Macrina18, ele decidiu abandonar “tudo que tinha
em mãos”, ou seja, o seus trabalhos mundanos, para se retirar a uma vida de solidão e
pobreza. Nesse retiro, de acordo com o Nisseno, além de se afastar das preocupações
cotidianas e viver uma vida reta, ele se dedicou a cuidar “com suas próprias mãos” de alguns
idosos pobres e doentes que viviam próximos da floresta em que se retirava. O texto é claro
em explicitar que este cuidado era feito com as próprias mãos, aliás é um dos momentos em
que Gregório deixa bastante claro a sua concepção da importância dos trabalhos manuais para
a ascese dos indivíduos.
“Dada su habilidad en todo género de caza, se dedicaba a ella (también a la pesca) y
proporcionaba (con los animales cazado) alimento a los ancianos; con este ejercicio,
además, domaba su juventud [...] Con estas dos cosas llevaba una vida recta.
Dominando la juventud con los trabajos y con el cuidado en lo que concierne a su
madre, observando los mandamientos divinos, se encaminaba derechamente hacia
Dios.” (Greg. Vit. Macr., 8, 2, grifo nosso)
no imaginário ocidental, ganhando associações, símbolos e tantos outros artífices que ainda hoje se fazem
presente em nossa sociedade.
15
Lembremos dos constantes momentos em que este apresenta sua irmã como “exemplo” prático, mas também
como este a apresenta esta educando aos outros com suas palavras.
16
É importante percebermos a questão dos gêneros nesse elemento. A mulher que fora designada ao lar não
importa suas habilidades oratórias, seria até melhor que esta não as tivesse. A expressão oral era de direito do
homem. Gregório como indivíduo inserido nesse contexto de relações de gênero deixa bastante claro isso.
Dotando os seus personagens masculinos de grandes habilidades oratórias e às personagens femininas modelo
lhes caracteriza por passivas e silentes, nunca tomando o direito de fala dos homens.
17
As versões portuguesa e inglesa afirmam que ele tinha 21 anos.
18
É interessante notar que no caso de Naucrácio, Macrina não teve envolvimento na sua conversão a vida
ascética. Ele é o único exemplo de renunciador da família que não é apresentado interferência da irmã mais
velha. Ele também é o único dos ascetas da família que não se envolveu com o monacato, se caracterizando
mais com um eremita, como apresentamos no capítulo anterior. A ação da virgem parece conduzir os outros a
vida monacal especificamente, e não apenas ao ascetismo.
nesse caso o autor enfatiza que os trabalhos manuais ajudariam nesse aperfeiçoamento. Com
o domínio de si por meio dos trabalhos e a obediência a sua mãe Naucrácio caminhava
diretamente para Deus, o que demonstra que pelo esforço próprio o asceta alcançava o divino.
Tanto na Representação de Basílio quanto de Naucrácio, Gregório destaca a
intenção pela pobreza. A “pobreza perfecta” de Basílio, pela qual ele conseguiria alcançar a
virtude (Greg. Vit. Macr., 7, 1) e o fato de Naucrácio ter se retirado para uma “vida de
solidão e pobreza” (Greg., Vit. Macr., 8.2), demonstram estar em sintonia com o pensamento
cristão daquele contexto de valorização do ideal de pobreza construído pelos discursos
cristãos. Embora, essas atividades e ações, fossem vistas por muitos, tanto cristão ou não,
como incoerente com a posição social que eles pertenciam(DINAN, 2009), pois mesmo que
se fizessem de pobres, nunca o seriam efetivamente.
No contexto romano da antiguidade tardia, a sociedade romana estava dividida, a
grosso modo, entre os honestiores e os humiliores19, representavam as classes mais abastadas
e os grupos mais pobres, respectivamente. As distinções entre esses grupos não se limitava
apenas a condição econômica, mas a uma série de características culturais e
comportamentais, que eram delimitadas nitidamente pelas classes dominantes, estes faziam
questão de que as diferenças fossem evidenciadas (ZÉTOLA, 2009). Essas distinções
culturais não eram facilmente desvinculada a partir de uma mudança de posição social, de
ascensão ou declínio. Um indivíduo por ter adquirido melhores condições de vida, não
significava a imediata aceitação pela comunidade, ou assimilação de culturas específicas a
cada estrato social, mesmo com intensiva educação, isso valia para o inverso também.
Dentro da sociedade romana tardo-antiga a figura do pobre não tinha tanta
representatividade social quanto ganharia com as influências do cristianismo. Estes eram
indivíduos com certa carência de recursos financeiros20 que na sua maioria dependiam de
outros para sua proteção e sustento. Com o cristianismo foi construído um imaginário novo
para a pobreza, que passou a ser tida como uma virtude devidamente marcada pela
humildade. (ZÉTOLA, 2009, p. 27)
19
Dentre as várias nomenclaturas utilizada para dividir as classes sociais no império romano, essas seriam as
mais comuns entre os textos jurídicos da época. Essa divisão é muito simplista, pois dentro desses grupos
existiam vários outros estratos (ZETOLA, 2009).
20
Não existia um padrão, ou qualquer forma de classificação, para determinar quais os recursos que um
indivíduo deveria ter para ser considerado pobre ou rico, o que torna difícil o traçado de um perfil do que era ser
pobre naquele contexto. Existiam casos onde alguns que tinham até relativa renda, mas que se consideravam
pobres. Os pobres poderiam ser os necessitados em condições miseráveis, mas também poderiam ser os ricos,
menos ricos.
A construção da representação dos pobres, por conta dos bispos cristãos, está
contida em um contexto político específico. O cristianismo vinha galgando espaço junto aos
imperadores, que por sua vez, percebiam que a caridade cristã tinha igual ou maior eficiência
do que a tradicional prática do evergetismo romano21. A construção da representação social
do pobre servia, talvez, de legitimação da prática assistencialista cristã, que constantemente
recebia incentivos monetários imperiais. Além do apoio imperial, os bispos conquistavam a
simpatia dos mais pobres, maioria da população, agregando assim um maior número de fiéis.
Na concepção cristã a humildade espiritual fazia alcançar o divino, baseado no
Sermão da Montanha22, e para muitos cristãos essa humildade estava associada a humildade
material. Por isso, muitos deles se desfaziam de suas riquezas, passando a viver uma vida
simples, desprovida de luxo, para contemplarem a glória divina. (ZETOLA, 2009)
As riquezas rejeitadas por esses cristãos tinham duas destinações principais:
ofertas para a Igreja, financiando obras de novos templos e mosteiros; e as esmolas para os
mais pobres. O contexto da antiguidade tardia foi propício ao desenvolvimento da prática da
caridade, pois as várias vicissitudes devido as constantes guerras e intempéries naturais a
população romana, principalmente a urbana, vinha a tempos empobrecendo e passando por
graves necessidades. Aproveitando desse momento os cristãos praticavam a caridade como
uma forma de demonstrar cuidado e carinho para com os necessitados, com intuito de se
mostrar mais parecidos com Cristo. Como resultado temos o desenvolvimento de uma série
de discursos que ligavam as práticas de caridade com as práticas ascéticas. Sobre a caridade
cristã foi se desenvolvendo um longo imaginário construído a partir dos escritos dos bispos
com intuito de fomentar a prática.
Gregório em vários momentos apresenta o cuidado que sua família tinha sobre os
mais pobres. A começar pelo tratamento de igualdade que Macrina e Emélia tratavam as
escravas, ou depois com o cuidado de Naucrácio aos idosos necessitados. Pedro, o irmão
mais novo, é um dos mais significativos exemplo desse cuidado os mais pobres. Sobre sua
prática da caridade o autor destaca:
Uma vez, quando uma severa fome ocorreu e as multidões de todos os quarteirões
estavam freqüentando o retiro onde elas moravam, dirigidas pela fama de sua
benevolência, a bondade de Pedro supriu com uma tal abundância de comida que o
deserto parecia uma cidade por causa do número de visitantes. (Greg. Vit. Macr.,
12, 3)
21
Como dito no capítulo anterior… [EXPLICAR melhor]
22
Mt. 5; Lc. 6.
Em um outro momento, num formato de diálogo com um militar, Gregório relata
que Pedro teve o cuidado de servir a estes “com a próprias mãos”, mostrando o compromisso
em ajudar era próprio dele e não de ordenar seus subordinados (38.1). No mesmo trecho que
Gregório destaca para elogiar a vida do irmão caçula, anteriormente supracitado, ele fala que
este fora criado por Macrina e que ela foi tudo para ele. De acordo com o Nisseno, ele havia
desprezado os estudos das “ciências profanas” e se dedicou a uma “vida angélica”. Tinha,
também, dotes naturais para executar todo tipo de trabalhos manuais, que conseguia realizar
com perfeição qualquer coisa que normalmente demoraria muito para alguém aprender. Com
essa representação do irmão, o autor quer elogiar a vida prática e simples de Pedro,
apresentando ele como mais um exemplo de conduta, mas também defendendo-o como um
grande bispo, que cuida dos necessitados de sua região23.
Contudo, sem dúvida, o personagem em que o autor mais enfatiza sua
simplicidade, humildade de espírito, caridade e suas habilidades manuais é Macrina, apesar
das riquezas da família herdada. Em toda a sua dissertação sobre a sua irmã ele sempre a
apresenta como alguém verdadeiramente humilde e sem pretensões de orgulho, mesmo sendo
de família abastada.
É importante deixar bem claro que os elogios que o biógrafo faz de sua irmã é
cheio de idealizações e representações do ideal de conduta do feminino, baseado em
influências da literatura filosófica greco-romana. lembrando que este é um texto didático que
objetivava o ensino das virgens consagradas e de convencer novas mulheres a aderirem ao
movimento.
De acordo com o autor, depois que o patrimônio da família fora dividido entre os
filhos (Greg., Vit. Macr., 11.1), Macrina e Emélia se afastam das preocupações mundanas e se
juntam a outras mulheres, formando um retiro nas proximidades de Anesi. Um parte deste
patrimônio foi utilizada para construir dois mosteiros nessa região, um masculino e outro
feminino, e outra parte foi vendida para auxiliar os pobres (ZIERER, 2013). Não será
possível precisar o quanto foi gasto, pois ele não afirma quais partes foram usadas para isso.
Ele só afirma, mais a frente, que Macrina não usufruiu do que herdou da divisão da
propriedade, fazendo nos pensar que a parte desta foi usada para tais fins. Contudo, poderia
23
Pedro fora consagrado bispo de sebaste em 381, ano em que possivelmente Gregório escrevia VSM.
Dentre os principais poderes das mulheres naquele contexto é o das doadoras,
(ALEXANDRE, 1990). Os bens e as riquezas dessas mulheres era assunto de muitas cartas
pobreza. No trecho que Gregório evidencia essa atitude de sua irmã, afirma:
Mas quando chegaram à própria Macrina, ela não conservou nada das coisas que lhe
foram atribuídas na divisão eqüitativa entre irmãos e irmãs, porém toda a sua parte
foi entregue aos homens da Igreja24 de acordo com o mandamento divino. Além
disso, sua vida tornou-se tal pelo auxílio divino que suas mãos nunca cessaram de
trabalhar de acordo com o mandamento (Greg., Vit. Macr., 20.3. grifo nosso)
Na leitura do trecho percebe-se que o destino das riquezas era aos homens da Igreja,
ou seja aos padres e sacerdotes, muitas vezes ligados a educação dessas mulheres. Pode ser,
devido a isso o surgimento de incontáveis cartas de bispos que tratavam de angariar mulheres
com tal ‘prestígio’ para os seus cuidados. Mas não era apenas pelo dinheiro, pois muitas
dessas mulheres eram membros de importantes famílias e por isso seria também uma forma
das cartas (que em algumas vezes eram escritas por outras mulheres), ou que só tinham essa
intenção ao convidar tais mulheres, mas que evidentemente esses eram os bônus de serem os
24
Somente na versão portuguesa é escrito “homens da Igreja”, em italiano, espanhol e inglês é usado
“sacerdote”, ou “padre”, como também sugere a tradução de “priest”.
Na Ásia Menor a participação da família de Macrina é fundamental, pois como já
fora dito, era uma família de muitas posses, e que fomentou a construção de pelo menos dois
Antiguidade tardia, produziu uma elite muito mais rica do que a elite romana dos primeiros
séculos de nossa Era, por exemplo. [tentar continuar a discussão… ver o livro o Fim do
Mundo Clássico]
Com intuito de evidenciar a humildade da sua irmã o autor, assim como nos outros
personagem acima mencionados, ele apresenta suas habilidades manuais. Desde a infância da
personagem é apresentado seus dotes e suas habilidades quanto ao trabalho manual (3,1 e
4,1), normalmente ligados ao trabalho feminino, como o trabalho com a lã. As habilidades do
lar de Macrina são apresentadas de forma indireta: em nenhum momento específico Gregório
expõe que sua irmã é uma boa dona de casa, mas vai ao longo do texto apresentando suas
qualidades de “mulher do lar”, com habilidades específicas das esposas, [tem mais discussão
a ser feita sobre os trabalhos manuais femininos do lar] como quando esta decide nunca se
apartar da mãe e cuidar do corpo dela, mas o que chama atenção é a ênfase que Gregório
atribui ao cuidado que Macrina tem de produzir o alimento, o pão, com as “próprias mãos".
25
O grego para a expressão é tais idiais chersi (DINAN, 2009)
Esse destaque do autor é bastante intrigante, é quando ele mostra que a
personagem principal fazia questão de produzir o pão/alimento para sua mãe, pois julgava ser
uma atitude conveniente a seu estilo de vida (ascético). O pão é um dos elementos simbólicos
mais significativos para o cristianismo. Este não só representa o alimento físico, natural,
como o alimento espiritual, em algumas alegorias cristãs, inclusive nos textos bíblicos. Este
símbolo de alimento é associado à vida, corpórea ou espiritual. Sem ele não se pode viver.
Quando o autor trata de que sua irmã está interessada na produção do pão de sua mãe, ele
intenta dizer que esta quer cuidar da vida de sua mãe. Ser responsável por ela. Não somente a
vida natural, mas a espiritual principalmente.
Mesmo depois de ter consagrado suas mãos para o serviço divino, Macrina, de
acordo com o irmão, busca continuar a fazer os pães para sua mãe. O elemento da
consagração das mãos da personagem mostram uma certa santificação das mãos, depois com
o julgamento desta de que o trabalho manual de produção dos pães era algo coerente com a
sua vida consagrada, demonstra uma associação entre a sacralização de não somente das
mãos dela, mas de toda a sua pessoa, e isso é em parte fruto dos trabalhos manuais e do
trabalho de produção artesanal dos pães. Lembrando a constante associação que o autor faz
dos trabalhos manuais com elevação espiritual do indivíduo.
De acordo com Mateo-Seco, alguns autores e tradutores tratam desse trecho como
se este fosse uma confirmação da participação de Macrina nos trabalhos litúrgicos. Ele afirma
que J. Danielou se apoia nessa passagem para testificar que ela exercia a função de diaconisa,
produzindo o pão da Eucaristia. Mas nesse assunto ele tende a concordar mais, assim como
em vários outros tópicos, com a posição de Pierre Maraval, que acha difícil essa ideia de um
possível diaconato de Macrina. Apesar de muito coerente a posição de Danielou, acredito que
seja uma evidência muito diminuta. A ideia de consagração das mãos poderia significar uma
várias outras atividades, mas que evidentemente é um demonstrativo da distinção dela e uma
atuação decisiva ao serviço divino.
Em outro momento a expressão ressurge, nesse caso, é incontestável a
sacralização das mãos de Macrina, pois são descrições dos dois milagres, realizados por ela,
relatados na biografia. O primeiro é bastante didático, descrito por Gregório em forma de um
diálogo que este tem com Vestiana, a qual apresenta a ele uma marca no peito da santa, sobre
isso ele comenta:
Pois ali cresceu uma vez uma doença cruel, e havia perigo que o tumor exigisse uma
operação ou que a enfermidade se tornasse incurável, se ela se espalhasse para
próximo do coração. Sua mãe implorava-lhe freqüentemente e pedia-lhe que
recebesse a atenção de um médico, uma vez que a arte médica, ela [992B] disse,
havia sido enviada por Deus para salvar os homens. Mas ela julgava pior do que a
dor descobrir qualquer parte de seu corpo aos olhos de um estranho.
Então, quando a noite chegou, depois de cuidar de sua mãe como sempre, ela foi para
o santuário e suplicou por toda a noite a Deus a cura. Uma torrente de lágrimas caiu
de seus olhos no chão, e ela utilizou a lama feita de suas lágrimas como um remédio
para sua doença. Quando sua mãe sentiu-se desanimada e outra vez insistiu que ela
permitisse que o médico viesse, ela disse que seria suficiente para a cura de sua
doença se sua mãe fizesse o sinal sagrado no local com sua própria mão. Mas
quando a mãe colocou sua mão em seu seio para fazer o sinal da cruz, o sinal agiu e o
tumor desapareceu.
“Mas isto”, ela disse, “é um minúsculo traço da marca; apareceu no local da terrível
[992C] chaga e permaneceu até o final o que poderia ser, como imagino, uma
memória da visita divina, uma ocasião e lembrança da perpétua ação da graça de
Deus.”(Greg., Vit. Macr., 31.2)
26
O qual parece, numa leitura nossa, que Gregório tenta tomar os devidos cuidados de não considerar uma
profissão inútil. A posição de Emélia é como se fosse uma forma de mostrar que tais profissionais, não só são
importantes, mas são divinamente conduzidos para salvar os homens, para não desagradar algum desses
homens.
27
Até nesses elementos pode se perceber a questão genérica, pois a saliva vem da boca, e ao homem (Cristo) é o
poder da fala, e a mulher (Macrina) o dever da observação, daí as lágrimas. As lágrimas são um elemento
efetivamente feminino, principalmente para o pensamento exposto em VSM pelo Nisseno. Pois em vários
momentos ele associa às mulheres o choro e o pranto. Por mais que Macrina fosse superior ao seu sexo, esta
ainda estava suscetível às vicissitudes de seu gênero.
também envolve a descrição do ascetismo egípcio, onde os trabalhos manuais eram uma
proeminente parte da vida dos padres do deserto. De fato, a expressão “com as próprias
mãos” parece ter se tornado uma expressão relacionada à vida ascética (DINAN, 2009, p.
141). Dessa forma, se torna evidente que a intenção do autor na representação de Macrina é
torná-la um paradigma da vida monástica.
Os trabalhos manuais e a humildade são elementos essenciais à comunidade
monástica. As intenções de Gregório em toda sua apresentação dessas expressões é a
disciplina das virgens consagradas que se enclausuravam nos mosteiros para que estas
mantivessem viva a prática do trabalhos manuais, como uma forma de elevação espiritual.
Outra forma de educação dessas virgens sobre o comportamento delas está na representação
que o Nisseno faz das mulheres membros da comunidade de Anesi.
28
Agostinho de Hipona explicava que a existência dessas deformidades são consequências de uma corrupção.
Essa corrupção só seria dano se acaso existisse um bem precedente, portanto a criação divina deve ter perdido
parte de seu valor original. Contudo, de acordo com ele, para que isso fosse realmente um castigo era necessário
que esse dano não fosse total, caso contrário deixaria de existir tanto o belo quanto o feio, pois se acaso apenas
existisse o feio, esse deixaria de ser feio, um dano, pois não haveria nada para se comparar, seria um absoluto
nada. (ECO, 2007)
construção do pensamento deste que, assim como ele, trocavam o uso dessas palavras, como
se tivessem o mesmo significado. Plotino é um dos exemplos que em muitos aspectos tem um
pensamento comum com Gregório sobre a noção de belo, e de acordo com Gomes, para ele:
[...], o belo é a vontade da alma de voltar ao Uno sendo guiada pelas ideias contidas
no intelecto. A alma sente-se atraída pelo belo e não pelo feio, visto que a alma
conhece o belo e não o feio. O que não é belo causa estranhamento à alma. O feio é
desordem, erro e falta. O feio é ausência, não ser e, portanto, mal. (GOMES 2014, p.
26)
Fica, portanto, claro no trecho acima citado que a virgindade, e de acordo com grande
parte dos Clérigos do período, inclusive Gregório de Nissa, era considerada como um
sacrifício que restauraria o indivíduo a sua condição original da humanidade e que o
aproximaria com o divino. Seria então onde estar a real beleza das mulheres que decidiam por
esse estilo de vida. Usando as palavras de Gregório: “La venerable figura de la virginidad,
honrada por todos los que estiman que la belleza se encuentra en la pureza, sólo se da en
quienes la gracia de Dios ayuda a conseguir este buen deseo.”( Greg. de Nissa De Virginitate:
1, 1)
Contudo, percebe-se que nas representações escritas de muitas das virgens outro
elemento se repete continuamente é a beleza física. É bastante comum encontrar nas
biografias dessas mulheres elogios a suas belezas. Em História Lausíaca de Paládio
encontramos a representação biográfica de algumas monjas que “Lembradas como piedosas,
generosas, belas, obedientes e laboriosas, as mulheres sem dúvida apresentam um conjunto
de atributos que fazem delas monjas excelentes e, em alguns casos, exemplos de virtude para
os próprios homens” (SILVA, 2007, p. 95). De acordo com uma tabela construída pelo autor
do texto acima citado, Asela, Taor e “a virgem de Atanásio”, ganham destaque
principalmente por sua beleza. A beleza de Marcela também é lembrada em uma carta de
Jerônimo para Principia, de acordo com ele sua beleza era tão distinta que sempre atraía os
homens. (Jerônimo, Epist., 127)
Macrina também é representada tanto por sua beleza corpórea como sua beleza divina,
sua espiritualidade. Depois de descrever sobre o crescimento e educação de Macrina,
Gregório continua apresentando sobre o período em que ela já estava com idade para casar e
destaca sobre a sua beleza física: “Com relação a isso, é digno de nota que a beleza da
menina não podia ser ocultada, apesar dos esforços para escondê-la. Nem em todo o campo,
parece, existia algo tão maravilhoso quanto a sua beleza, em comparação com a das
outras”(Greg. Vit. Macr., 4, 1). Assim como no caso de Jerônimo quando este representa
Marcela em uma outra biografia, Gregório descreve que a beleza de sua irmã atraía a atenção
de muitos homens, pretendentes para pedi-la em casamento:
Tão justa era ela que mesmo as mãos dos pintores não podiam fazer justiça à sua
[964B] graça; a arte, que inventa todas as coisas e tenta as grandes tarefas, mesmo
como modelar uma imitação e figuras dos corpos celestes, não poderia reproduzir
com precisão a beleza de sua forma. Em conseqüência, um grande enxame de
pretendentes, propondo casamento, ajuntavam-se ao redor de seus pais.(Greg. Vit.
Macr., 4, 1)
Fica bastante explícito na passagem acima que a grande beleza de Macrina era divina,
fruto de sua vida, de seus comportamentos. O que é bastante coerente com a ideia de “beleza
divina” proposta por Gregório. Mesmo com a simplicidade de um vestido negro, que
provavelmente não era muito comum de uso fúnebre, mas que em nada atrapalhou que a
beleza da grande mulher resplandecesse. O termo “beleza santa” está intimamente ligado ao
estilo de vida tomado pela virgem, a essa beleza não poderia está associado à indumentárias
luxuosas que visavam dar mais esplendor ao corpo. Isso se assemelha ao discurso comum
entre os bispos cristãos às mulheres, exortando a elas que evitassem os enfeites e adornos de
embelezamento, elas deveriam aprender a se vestir com humildade. É esse mais um dos
ensinamentos intrínsecos na representação da grande virgem.
Ainda é representado outras duas mulheres como belas na narrativa: Emélia (2.2) e
Vestiana (28.1). A primeira, mãe do autor, famosa por sua beleza e órfã de pai e mãe, teve
que contrair casamento, mesmo que sua vontade real era de se manter virgem, por conta do
perigo de se manter solteira. De acordo com o seu filho: “havia muito perigo nisso, se ela não
tivesse um companheiro de boa vontade, ela poderia sofrer algum fato não desejado, vendo
que alguns homens, inflamados pela sua beleza, estavam prontos para seqüestrá-la”. O
sequestro de jovens, aparentemente era muito comum na antiguidade. Lembrando que o
elemento da opção pela vida virginal está presente, a pesar de não ter conseguido, por conta
dos perigos, mas isso não impediu que mais tarde, como viúva, ela se juntaria a sua filha no
retiro em Anesi. Assim como Macrina representa a virgem ideal, Emélia representa que
mesmo que por algum motivo, uma mulher não conseguisse seguir a vida virginal, esta
poderia, ma sua viuvez, guardar-se e alcançar a elevação filosófica. Era uma segunda chance
para as mulheres.
O relato que Gregório dedica a Vestiana é bem singelo comparada a outros
personagens, ela é apenas a mulher que acompanha Gregório em todos os afazeres do ritual
fúnebre. Na sua apresentação o autor faz questão de apresentar a origem desta.
Entre estas, estava uma senhora de nascimento nobre, que tinha sido famosa na
juventude pela riqueza, boa família, beleza física e todas as outras distinções. Ela
havia se casado com um homem de alta posição e vivido com ele um curto
período. Então, quando seu corpo ainda era jovem, ela foi liberada do casamento,
e escolheu a grande Macrina como protetora e guardiã de sua viuvez, e passou seu
tempo principalmente com as virgens, aprendendo delas a vida de virtude. O nome
da senhora era Vestiana, e seu [988D] pai29 era um dos que compunham o
Conselho de Senadores. (Greg. Vit. Macr., 28, 1)
Sua representação está também associada a viuvez. A figura da viúva poderia está
associada tanto a uma pessoa carente de ajuda, o que constantemente aparece nos textos
sagrados, mas no contexto da expansão do cristianismo além da figura da pobre viúva, surge
a figura da rica viúva, normalmente muito rica e donas de grandes propriedades. A essas
mulheres foi produzida inúmeras homenagens algumas em forma de biografias ou elogios
fúnebres. A maior parte dos textos cristãos sobre elas dizia que a viúva deveria ter apenas um
casamento. Dentre as atividades exercidas pelas viúvas, a sua principal estava ligada a oração
nas comunidades, mas as atividades destas estavam submetidas aos bispos e diáconos, elas
deveriam sempre pedir permissão aos líderes locais. (ALEXANDRE, 1990) Sobre a
personagem, o caráter bem frizado é sua origem social abastada, tanto pai como o marido,
tinham altas posições sociais. Com essa personagem Gregório incentiva a outras viúvas ricas
a escolherem a vida casta e a acompanharem as virgens nos mosteiros. Com o exemplo de
Vestiana, Gregório talvez queira mostrar a importância do trabalho das viúvas paras as
comunidades monásticas. Além de apresentar um modelo de mulher invejável, bela, rica, de
boa família, bem sucedida, etc.
A beleza física dessas mulheres não deve ser entendida como mera coincidência, ao
pensarmos nas intencionalidades de seus escritores, baseado em seu contexto sociocultural.
Portanto, a representação dessas mulheres é baseada num discurso masculino idealizado que
visa a criação de modelos para as mulheres. Apesar de um tanto exagerada a afirmativa de
Wolf é bastante significativa em nosso estudo: “O mito da beleza não tem absolutamente
nada a ver com as mulheres. Ele diz respeito às instituições masculinas e ao poder
institucional dos homens.” (WOLF 1992: 16-17) Não que necessariamente a beleza apenas
diga respeito ao poder institucional masculino, as relações entre os gêneros não é algo muito
simples e é cheio de particularidades, mas o que queremos destacar é que o masculino, na
maioria das situações, aplicava relações de dominação sobre o feminino e no caso das
representações biográficas do feminino isso era uma realidade.
Na biografia VSM o autor também destaca a beleza masculina de Naucrácio, seu irmão,
que morrera jovem. De acordo com a versão espanhola: “El segundo de los cuatro hermanos,
el que venía después del gran Basilio -se llamaba Naucracio-, era superior a los demás por la
29
Na versão espanhola e italiana os tradutores apontam que o pai de Vestiana era Araxio, talvez não seja o
mesmo Araxios, sacerdote responsável pela Igreja dos Mártires, onde Macrina, junto com seus pais, fora
enterrada.
buena disposición de su naturaleza, por la belleza de su cuerpo, por su fuerza, por su rapidez
y por su habilidad para todo. ” (Greg. Vit. Macr., 8, 1)
Na representação de Naucrácio é apresentado uma diferença da noção de beleza
feminina. Às outras personagens Gregório sempre apresenta a figura dos maridos e do
casamento de alguma forma associado. Em todas, a beleza é louvada antes da menção do
casamento, ainda em sua condição virginal. A Naucrácio, apesar deste também ter escolhido
pela castidade, o elemento da virgindade ou do casamento não é mencionada, não de forma
explicita30. A beleza da mulher parece estar relacionada a visão masculina sobre ela, e a
beleza masculina está associada a “força, rapidez e habilidade para aprimorar sua mão para
qualquer coisa” (versão portuguesa). Estes elementos tidos por tipicamente masculinos estão
associados a uma figura que representa a masculinidade. Naucrácio, não apenas por sua
beleza, representa a beleza aventureira masculina: força, rapidez, habilidoso nas atividades
manuais, hábil em caça e pesca, hábil na arte retórica (discurso que apresentou ainda com 22
anos), humilde, ajudador dos mais frágeis (um grupo de idosos que viviam próximo a floresta
em que vivia), generoso, eremita, etc. Além de um “belo” homem era um “bom” cristão.
O belo (Kalos), por estar associado muitas vezes ao bom (Agathos), potencializa o valor
da imagem construída pelos padres em biografias e difundidas nas comunidades cristãs. Se
eles tinham a intenção de construir modelos normativos para a conduta das mulheres (ou
homens), eles deveriam ser os mais próximos da perfeição, que fizesse os leitores desejar ser
igual. De acordo com Eco (2010) aquilo que consideramos bom não apenas gostamos, mas é
algo que também queremos ter, possuir, ser. Algo bom é aquilo que nos produz desejo de ter.
No caso dos modelos femininos ascéticos é essa a intencionalidade dos escritores, a imagem
das virgens representadas nas biografias deve ser algo almejado, desejável para se tornar um
modelo. E nada mais interessante para isso do que algo que seja bom e belo. Lembrando que
a noção de beleza principal para os cristãos estava nas atitudes e no exemplo de vida e um
dos elementos mais importantes e presente na representação do ideal de comportamento
feminino estava na humildade e no valor dos trabalhos manuais.
30
Se acredita que este tenha seguido a vida casta por conta das afirmações que Gregório faz sobre a vida que
ele tomava nesta floresta, “llevando el género de vida de los filósofos y haciendo feliz a su madre con este
género de conducta”(Greg. Vit. Macr., 9,1). Lembrando a comum associação entre o viver filosófico e a vida
virginal. Em outros momentos é afirmado que ele vivia dominando a sua juventude (espanhol), o calor da
juventude (italiano), o que dá a entender de sua condição casta. Na versão portuguesa é explicitado a sua
conduta casta: “tanto pelo modo no qual adornou sua própria vida pela continência”. (ibidem, 9,1, grifo nosso)
3.5. A LEGITIMAÇÃO DE PODER POR MEIO DE MACRINA [conclusão]
BIBLIOGRAFIA
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