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RESENHA CRÍTICA - FILME: NARRADORES DE JAVÉ

Publicado em 11 de September de 2009 por Manuela Rocha Paixão

Manuela Rocha Paixão


Professora de Geografia, licenciada pela Faculdade

de Tecnologia e Ciências - FTC/Ead e especialista em Educação Ambiental pela Unidade Baiana de Ensino Pesquisa e Extensão -

UNIBAHIA

Narradores de Javé, um filme brasileiro de 2003, do gênero drama, dirigido por Eliane Caffé, conta a
história dos moradores do vilarejo do Vale de Javé e o temor destes: uma represa que precisa ser
construída e com isso a cidade de Javé será alagada. E para impedir tal fato, a única chance que eles têm
é a de provar que a cidade possui um valor histórico a ser preservado. Para isso, precisam colocar por
escrito os fatos que só são contados de boca a boca, de pai para filho.

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Como a maioria dos moradores são analfabetos, para preparar um documento contando todos os grandes
acontecimentos heróicos de sua história, então, recorrem ao ex-carteiro da cidade. Um homem banido por
todos, que para evitar que o posto de correios do lugar seja fechado começa a escrever cartas para
pessoas de outras cidades e conhecidos seus, contando mentiras e calúnias dos habitantes da cidade,
para poder assim gerar movimento na agência, e evitar o fechamento da mesma (e assim, preservar o seu
emprego). Assim, o malandro Antonio Biá é convocado pelo povoado do Vale de Javé a pôr na escrita as
histórias, contadas há anos pelos moradores, sobre a fundação da cidade, os personagens grandiosos e
cheios de virtude que habitavam suas lembranças. Neste caminho, Biá vai conhecendo a fundo as
fantasias, as memórias e as lembranças do povo de Javé. Mas a escrita destas histórias, tão diferentes
umas das outras, não estava fácil. Biá, por mais talentoso que fosse na "regras da escritura" teve muitas
dificuldades para pôr no papel as histórias de grandeza daquele povo, as quais não obtiveram registro
oficial.
Nesse contexto, o filme aborda diversos temas como, a formação cultural de um povo; heranças históricas;
crenças; valores; oposição entre memória, história, verdade e invenção; importância da oralidade na
construção cientifica; dimensão da escrita e da fala; confronto entre o progresso e as tradições do vilarejo.
Os relatos em tom de fábula dos moradores, que não conseguem se entender entre suas versões, os
casos contados, a verdadeira fundação de Javé, o papel e a forma da morte de Indalécio, seu fundador, e
da participação de Mariadina, tornam-se perceptível no decorrer das cenas do filme que, as lendas e os
contos contribuem para a formação cultural de um povo na medida em que edificam uma maneira de viver
de determinadas pessoas na sua moral ou na sua forma de agir através dos hábitos, costumes e pela
linguagem pitoresca da região.
É comum ouvirmos as célebres frases "Quem conta um conto aumenta um ponto", "Existem três verdades:
a minha, a sua e a que de fato é", "O povo aumenta, mas não inventa". Enfim, são verdades populares que
estão na boca do povo e que é o elemento-chave do filme, levando a um confronto entre verdade –
invenção, memória – história.
Em toda a história da humanidade, o povo sempre viveu na oralidade, as crenças, as histórias, as lendas
eram passadas de pai para filho, resgatando apenas a memória do passado. Assim como no filme os
moradores de Javé buscam escrevinhar um documento cientifico com a história de cidadezinha, é
importante destacar que as escrituras que hoje temos acesso surgiram da oralidade histórica de um povo,
como por exemplo, a Bíblia, os acontecimentos históricos do Brasil e do mundo, entre outros. Deste modo,
a tradição oral vinculada a escrita fortalece as relações entre as pessoas, criando uma rede de
transmissão de conhecimentos e modo de vida. As palavras são transformadas em ação, neste ato de
contar estabelece-se uma relação de cumplicidade, além de serem repassados conhecimentos.
Ao final do filme, o livro com a grande história de Javé não foi escrito. O progresso ostenta o espaço, a
represa é construída, e por fim, a cidade é inundada e seus moradores desterrados. Narradores de Javé,
embora tenha buscado o registro para que suas memórias não ficassem submersas, evidencia uma
sociedade que se desvanece, em sua cultura, história e tradição em detrimento do progresso, do avanço
tecnológico.

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