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Os filhos de Bausch

Dois anos após sua morte, a revolucionária coreógrafa alemã continua uma
referência e uma fonte de inspiração.

Na Alemanha, Sasha Waltz é uma das coreógrafas mais fortemente marcadas por
Pina Bausch. Não podemos chama-la “discípula”, pois a inspiração não é em nada
acadêmica, mas a coreógrafa se beneficia de uma tal liberdade de tom, de um tal desejo de
explorar, que é difícil de imaginar que suas criações teriam sido possíveis se Bausch e sua
companhia, o Tanztheater Wuppertal, não tivessem passado por lá. “Pina Bausch é mãe de
todos nós”, confessou Waltz.
Como a rainha da dança alemã havia feito com Orfeu e Eurídice, Sasha Waltz tomou
e repensou clássicos como Romeu e Julieta ou Dido e Aeneas. Nesta peça retirada da obra-
prima do barroco de Henry Purcell, cada personagem é interpretado por um dançarino e
dois cantores que se movem juntos no palco. Os gêneros são misturados, canto e dança se
dissolvem um no outro.
Ela faz, por outro lado, o seu "Tanztheater" com uma peça como Travelogue I: Vinte
para oito, e continua a sua mistura de gêneros co-dirigindo com o diretor Thomas
Ostermeier o Schaubühne am Lehniner Platz, teatro berlinense que empurra a criação
contemporânea além das disciplinas, atravessando as disciplinas.
Com sua morte, em 2009, Pina Bausch deixou muitos órfãos: dançarinos,
coreógrafos, mas também, encenadores, de cinema ou de teatro. Ela tocou todas as
disciplinas, porque desaprendeu o que todo mundo ensinava; as regras não eram mais uma
oportunidade de se libertar, já que elas nem sequer existiam em Pina Bausch. Órfãos, mas
enriquecidos, sobretudo, da liberdade que caracterizava Pina, da qual ela se alimentava e
que ela inspirava a qualquer um que se aproximasse.
Hoje, não se deixa de celebrar sua genialidade. Em 2012, Londres vai sediar o
primeiro Festival Pina, pouco antes dos Jogos Olímpicos. Dez das suas peças inspiradas em
cidades do mundo, que ela percorreu com sua companhia, Santiago, Palermo ou Istambul
serão apresentadas. Em cinco meses saíram dois filmes documentários sobre Pina Bausch,
Sonhos em Movimento e Pina.
Se é primeiramente a dança alemã, que viu pela primeira vez sua paisagem
transformada pela “Dama de Wuppertal" em toda a Europa, até Nova York, ela deixou
marcas de sua passagem. Na Alemanha, é uma revolução, porque ela é mais do que uma
influência sobre a dança, é uma renovação da cena. Ela inventou, como indica o nome de
sua companhia, a dança-teatro. Uma nova forma, onde os dançarinos podem falar durante
um balé, gritar, ou mesmo simplesmente andar, e não mais integrar os passos de dança uns
após os outros, as posições apreendidas e conhecidas, dançadas e re-dançadas.
Na Inglaterra, ela paira sobre as criações de Akram Kahn, Siobhan Davies e Wayne
McGregor, e na companhia de Lloyd Newson, DV8 Physical theater faz seus dançarinos
falarem no palco, os faz cantarem ou jogar. "Bausch compreendia que a dança e a narração
linear não eram sempre o melhor meio para falar da condição humana”, diz Newson (The
Guardian, 3 de julho de 2009). E como em Bausch, a beleza de seus dançarinos está longe
dos cânones conhecidos, já que ele trabalha especialmente com David Toole, um dançarino
deficiente físico.
Mas talvez seja a dança belga a mais enriquecida por Pina Bausch. A grande
coreógrafa Anne Teresa De Keersmaeker a cita explicitamente como uma influência,
enquanto Sidi Larbi Cherkaoui, Jan Fabre ou Wim Vandekeybus jogam no intuito de
confundir um pouco mais a fronteira que separa dança e teatro.
Além de ter recentemente inspirado dois filmes, Sonhos em movimento e Pina,
Bausch com sua nova abordagem para o movimento e sua forma única de conseguir passar
as emoções, tem fascinado os cineastas. "Enquanto diretor, tem-se a impressão de ter um
certo domínio de seu ofício”, diz Wim Wenders, diretor do filme-homenagem Pina.
"Descobrindo Pina, eu percebi que eu conhecia o movimento cinematográfico, mas que eu
era um perfeito iniciante no movimento da alma."
Bausch tem, logo, contribuido e apreendido muito no cinema. Que o corpo expressa
um sentimento, a cenografia uma emoção. “Eu gostava de dançar, porque eu tinha medo de
falar”. Quando eu movia, eu podia sentir as coisas “(Quando eu estava em movimento, eu
podia sentir)”. Se Wim Wenders foi profundamente marcado pelo olhar que ela dirigia
sobre as pessoas, Federico Fellini a fez assumir o papel de uma princesa cega, que imagina
as cores. Porque, como ela não precisa conhecer um passo para criar uma dança, a visão é
inútil para ver o que é belo.
Ela toca também as almas em Fale com Ela, de Pedro Almodóvar, que abre com a
cena de um homem em lágrimas de frente a uma apresentação de Café Muller, o balé
emblemático de Pina Bausch. A peça que fez chorar, em seu tempo, Wim Wenders em seu
primeiro "encontro" com Pina.
Mais próximo dela que o cinema, há, é claro, o teatro. Mas não aquele dos clássicos, e
sim aquele que reinventa, que torce, que perturba. Aquele que corresponde à sua frase: "Eu
não queria imitar ninguém. Se eu conhecesse um movimento, eu não gostaria de utilizá-lo”.
Ela o encontra em Pippo Delbono, diretor de Savone que ela conhece nos anos 80.
Pippo chorou, também, ao assistir Bandoneon e a simplicidade que faz fronteira com a
verdade. Eles se reconhecem, instantaneamente, e Pina o acolhe. Há Ahnen primeiro, o qual
participa de Morire di musica e Il Muro, com os dançarinos do Tanztheater Wuppertal.
Pippo Delbono encarna uma nova forma de radicalismo. Ele não pressiona mais as
fronteiras entre as duas artes, mas entre o teatro e a vida.
Dois anos depois de sua morte, ainda são numerosos os que respondem ao seu
convite: "Komm Tanz mit mir" (Venha dançar comigo). Um legado raro que não vai ser
desperdiçado...

Anastasia Lévy

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