Você está na página 1de 6

Coro performático de adolescentes do Colégio Salesiano do Salvador: a

construção de um musical como recurso para a educação musical

Resumo: Pretende-se aqui relatar, sucintamente, a experiência do coro performático de


adolescentes do Colégio Salesiano do Salvador, o Grupo AMME – Arte, Música, Movimento,
Emoção, que existe desde 2007. Neste trabalho, que tem como produto anual a apresentação de um
musical inédito, montado de forma participativa com os coristas, objetiva-se o desenvolvimento
integral de cada componente, nos aspectos social, psicológico, cognitivo, musical e artístico.

Palavras-chave: coro performático; interdisciplinaridade artística; musical.

1. INTRODUÇÃO

Por suas características inerentes, o canto coral contribui para a socialização, a


cooperação, a afetividade, o respeito às diferenças, representando uma forte alternativa aos
desafios da educação contemporânea: potencializar aquilo que é individual em cada ser humano,
e harmonizar cada individualidade desenvolvida com a unidade do grupo em que se insere.
Os coros performáticos têm se tornado cada vez mais comuns. Adicionam movimentos
corporais, teatro e dança ao canto coral, introduzindo uma postura de palco diferente daquelas
vistas nos coros eruditos ou tradicionais. O trabalho do coro performático pode ser expandido,
até a formatação de um musical, que é uma prática interdisciplinar muito rica entre a música, o
teatro e a dança. Os PCNEM estabelecem a interdisciplinaridade como um princípio pedagógico
estruturador do ensino médio, ao lado da contextualização (estabelecimento de vínculo com a
vida do educando); afirma-se que tanto a interdisciplinaridade quanto a contextualização podem
contribuir para uma aprendizagem significativa.
A construção de um musical revela-se como um interessante recurso no ensino da Arte,
na medida em que traz diversas possibilidades de expressão, englobando ao mesmo tempo o
canto, a dança e a interpretação musical. A música trabalha o físico (audição, coordenação
motora), o intelecto (memória, criatividade, prontidão, concentração) e os sentimentos. A dança
lida com a consciência do corpo e do espaço ao redor, e o teatro estimula a auto-confiança e
diminui a timidez. Outra característica deste tipo de trabalho é a promoção da socialização,
mediante o canto coral, que exige que os coristas aprendam a confiar uns nos outros, e dividam
os medos, as inseguranças, as conquistas e os aprendizados.
Os benefícios da prática artística são potencializados quando realizada de maneira
integrada, como acontece no musical. Assim, entre as contribuições trazidas aos coristas com a
execução do musical, podem-se citar:
os aspectos sociais por onde os alunos apresentam uma sensível melhora da
convivência em grupo, da confiança mútua e da solidariedade; os aspectos
psicológicos por onde, na grande maioria das pessoas, ocorre a superação dos
bloqueios e da timidez, o desenvolvimento da autoconfiança e a construção da
auto-estima; os aspectos cognitivos, onde são desenvolvidos, além de
conhecimentos gerais, as habilidades de memorização, imaginação e de criação;
os aspectos do desenvolvimento musical, onde se percebe um evidente
crescimento da sensibilidade rítmica, melódica e harmônica, através da
execução vocal, instrumental e da vivência corporal; e por fim os aspectos do
desenvolvimento artístico, revelando que os alunos desenvolvem a
expressividade de um modo geral com o exercício de corpo, de execução vocal,
de interpretação teatral e enfim da experiência artística e estética. (DIAS;
SANTA ROSA, 2007, p. 6)

2. CARACTERIZAÇÃO DA TURMA

O Colégio Salesiano fica no bairro de Nazaré, e é uma das instituições de ensino mais
tradicionais de Salvador. Fundado em 1900, hoje oferece a educação infantil, o ensino
fundamental e o médio a aproximadamente 1.600 educandos, sendo 600 destes no ensino médio.
O Grupo AMME é uma atividade extra-curricular oferecida a estudantes do ensino
médio, ou seja, jovens entre 14 e 18 anos de idade, com todos os questionamentos e inquietações
inerentes à adolescência. Todos os interessados são aceitos no grupo: não há teste de seleção, e
sim de classificação vocal. Todas as decisões concernentes a temas abordados, repertório, aulas
extras, horários, responsabilidades, apresentações, são tomadas pelos coristas, incentivando a
relação dialógica no processo de ensino-aprendizagem, bem como a identificação com o grupo e
com o trabalho produzido.
Em 2007, o grupo possuía 28 integrantes, sendo 21 meninas e sete meninos. Em 2008,
eram 20 coristas, sendo 12 meninas e oito meninos.

3. METODOLOGIA

3.1. ESTRUTURA DAS AULAS

As aulas do Grupo AMME têm periodicidade semanal, com duração de três horas, e
possuem geralmente quatro partes, mas sempre com a preocupação de obter uma execução
contínua, sem quebras entre os diversos momentos. Apresentam-se, a seguir, as quatro etapas
referidas.
A) SENSIBILIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO
Nesta parte, são realizadas dinâmicas de apresentação e integração, exercícios de
respiração, relaxamento, alongamento e aquecimento corporal, e exercícios de concentração,
atenção e prontidão. São desenvolvidas, também nesta parte da aula, atividades que objetivam
fortalecer o grupo e tornar participativo o processo de montagem do musical.

B) PREPARAÇÃO VOCAL
Neste momento, realiza-se o aquecimento vocal, enfocando a emissão de voz, a
afinação, a articulação, a dinâmica. São utilizados vocalizes, em graus conjuntos com o âmbito
máximo de uma sexta maior, e canções com movimentação e deslocamento, ambos com
transposição ascendente e descendente em semitons.
O aquecimento é fundamental para o desenvolvimento físico, mental e emocional dos
coristas. “No momento do aquecimento, o professor percebe melhor cada membro do grupo
identificando as suas limitações e possibilidades e, a partir daí, trabalha com cada um deles
buscando ajudá-los a superar as dificuldades e desenvolver as suas potencialidades” (LEILA
DIAS, 2004, apud SANTA ROSA, 2006, p. 50). Este momento é, geralmente, realizado em pé, e
em roda, por ser um recurso importante para valorizar todos os componentes do grupo. O
“círculo é o formato democrático perfeito, pois, nele, cada pessoa é tão importante quanto a
pessoa vizinha” (WHITE, 1999, apud DIAS; SANTA ROSA, 2007, p.3). Além disso, “é
benévolo manter-se distante de qualquer tipo de hierarquia (quanto a diretor e ator, solista e
coro). Manter-se em roda evita esse tipo de problema” (WHITE, 1999, apud DIAS; SANTA
ROSA, 2007 p.3).

C) MUSICALIZAÇÃO
Nesta etapa, são realizados exercícios rítmicos, com batimentos, movimentação e
deslocamento, percepção e reprodução de células percussivas, trabalhando a coordenação
motora, a percepção e a execução rítmica percussiva.

D) REPERTÓRIO
Neste instante, acontece a formação de repertório do coro, definido em função da
montagem do musical.
Desde as aulas iniciais do ano letivo, estimula-se nos coristas a montagem de um
espetáculo próprio, a partir de músicas populares brasileiras que tratem do tema escolhido pelo
grupo para ser desenvolvido no espetáculo. A esse respeito, os PCN’s afirmam que:
canções brasileiras constituem um manancial de possibilidades para o ensino da
música com música e podem fazer parte das produções musicais em sala de
aula, permitindo que o aluno possa elaborar hipóteses a respeito do grau de
precisão necessário para a afinação, ritmo, percepção de elementos da
linguagem, simultaneidades, etc. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2000, p.76-
77)

Sabe-se da importância em cada corista trazer sua bagagem musical para as aulas. Um
ensino de arte comprometido com a humanização dos jovens e do mundo contemporâneo, com a
democratização do acesso à arte deve objetivar ampliar “o alcance e a experiência artística dos
alunos, partindo daquela que eles trazem se seu meio sociocultural” (PENNA, 2003, p. 39).
Solicita-se aos coristas, então, que apresentem sugestões de músicas a serem trabalhadas no
curso e que possam integrar o musical, com a consciência de que “a alegria, o prazer, a
identificação, a aprendizagem, o envolvimento, a produção do fazer músico-vocal no grupo
perpassam o repertório” (TORRES et al, 2003, p.71). A intenção é possibilitar a exposição de
idéias, a troca de experiências, a construção da crítica, o exercício da liderança e a
experimentação do ato de ceder, vivenciando a construção de uma prática que reflita a verdade e
a história do grupo. Entretanto, o educador não se isenta de sua responsabilidade de apresentar
canções ao coro, de modo a ampliar seu horizonte musical, e para apreciação e deliberação
acerca da sua utilização no musical.
A partir da aprovação da canção pelo grupo, trabalha-se a sua execução, que pode ser
em uníssono, a duas, três ou quatro vozes. Todos os arranjos são criados ou adaptados pelo
educador, sempre tendo em mente a adequação à formação do coro. Recorre-se, sempre que
possível, a contracantos com melodias em graus conjuntos, pouco saltos, notas repetidas, e
pequeno âmbito. Tal atitude vem da preocupação em propiciar uma rápida assimilação, a
memorização, e a sincronia com a dança, por parte dos coristas.

3.2. OUTRAS ATIVIDADES

Outras atividades eventualmente planejadas para as aulas são:


o audição e comentários de canções selecionadas;
o criação coletiva de coreografias, ou ensino de coreografias previamente
elaboradas, coordenando o cantar com a movimentação proposta;
o criação coletiva de cenas teatrais.
3.3. RELAÇÃO EDUCADOR x EDUCANDOS

O contato entre educador e educandos é pautado na relação dialógica, construída com


respeito, estima, manifestação dos sentimentos e da maneira de ser, valorização do outro. Uma
relação de amizade com respeito entre educador e educando facilita a sua interação, e quebra
barreiras, potencializando a troca de saberes.
Se, por um lado, a inquietação e os questionamentos próprios da adolescência, faixa
etária dos educandos, tornam o clima propício para o debate e a participação na construção do
musical, por outro lado fazem com que os coristas permaneçam agitados durante boa parte das
aulas, o que atrapalha um pouco o andamento dos trabalhos. Em vez de adotar uma postura
ameaçadora e punitiva do comportamento inadequado, o educador prefere conscientizar a turma
acerca da importância da concentração e dedicação ao trabalho proposto, e acerca dos limites da
vida grupal. Adota-se a postura de orientador e catalisador, onde o educador mistura-se ao grupo
para desenvolver uma reflexão conjunta. Esse processo leva mais tempo para propiciar uma
tranqüilidade favorável à realização das intervenções pedagógicas, mas, por outro lado, mantém-
se a proximidade entre educador e educandos, e não se criam barreiras à participação dos coristas
na construção do musical, aproveitando ao máximo a sua energia criativa.
Busca-se, com a condução das atividades, que a figura do regente seja dispensável nas
apresentações. Os coristas devem desenvolver autonomia, assimilando os arranjos vocais e as
coreografias. Apoiado pelo acompanhamento instrumental, o grupo fará a sua performance no
musical sem a orientação do regente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em 2007, foi montado o musical “Um jeito de ser criança”, acerca do tema “infância”.
Em 2008, foi a vez de “Ame – É impossível ser feliz sozinho”, acerca do tema “amor”. A
realização dos espetáculos revelou-se extremamente gratificante para os educandos, coroando o
processo educativo. Os musicais também tiveram ótima repercussão entre o público presente.
A interdisciplinaridade presente na construção do musical oferece um leque de
possibilidades de desenvolvimento pessoal. No Grupo AMME, o educador sempre está mais
atento às questões pertinentes à educação musical, contemplando as outras abordagens de acordo
com as suas experiências pessoais e o seu bom senso. É evidente que o envolvimento de outros
profissionais devidamente qualificados aprofundaria o processo de ensino-aprendizagem, e
potencializaria o desenvolvimento dos educandos.
5. REFERÊNCIAS

AQUINO, Julio Groppa. Confrontos na sala de aula: uma leitura institucional da relação
professor-aluno. São Paulo: Summus Editorial, 1996.

DIAS, Leila Miralva Martins; SANTA ROSA, Amélia Martins Dias. Companhia Artística Viver
Bahia: identificando os elementos educacionais na prática de musicais. ANPPOM: Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música. Congresso da ANPPOM, XVII, 2007, São
Paulo. Disponível em <http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2007/
educacao_musical/edmus_LMMDias_AMDSRosa.pdf> Acesso em 26 de maio de 2009.

MATHIAS, Nelson. Coral, um canto apaixonante. Brasília: Musimed, 1986.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


curriculares nacionais. Volume 6 – Arte. 2ª edição. Rio de Janeiro: DP&AB, 2000.

PENNA, Maura. A proposta para Arte dos PCNEM: uma análise crítica. In: PENNA, Maura
(coordenadora). O dito e o feito. Política educacional e arte no ensino médio. João Pessoa:
Manufatura, 2003, p. 37-55.

SANTA ROSA, Amélia Martins Dias. A construção do musical como prática artística
interdisciplinar na educação musical. 184 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de
Pós-Graduação em Música / Educação Musical, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006.

TORRES, Cecília; SCHMELING, Agnes; TEIXEIRA, Lúcia; SOUZA, Jusamara. Escolha e


organização de repertório musical para grupos corais e instrumentais. In: HENTSCHKE, Liane;
DEL BEN, Luciana (Org.). Ensino de música: propostas para pensar e agir em sala de aula. São
Paulo: Moderna, 2003, p. 62-76.

Você também pode gostar