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Cidadescriativas PDF
Cidadescriativas PDF
Cidades
Criativas
Ana
Carla
Fonseca
Reis
Cidades
Criativas
-‐
conexões,
inovações
e
cultura
Ana
Carla
Fonseca
Reis
Conceitos-‐chave
da
disciplina
Cidade
Criativa
-‐
Cidades
que
se
caracterizam
por
processos
contínuos
de
inovação,
das
mais
diversas
ordens.
Estas
se
baseiam
em
conexões
(de
ideias,
pessoas,
regiões,
intra
e
extraurbanas,
com
o
mundo,
entre
público
e
privado,
entre
áreas
de
saber)
e
têm
na
cultura
(identidade,
fluxo
de
produção,
circulação
e
consumo,
infraestrutura,
ambiente)
grande
fonte
de
criatividade
e
diferencial
social,
econômico
e
urbano
(Reis,
2011).
Cluster
criativo
-‐
Um
cluster
criativo
requer
muito
mais
do
que
a
visão
padronizada
de
um
parque
de
empresas
próximo
a
um
campus
tecnológico.
Inclui
instituições
sem
fins
lucrativos,
instituições
culturais,
equipamentos
culturais,
artistas,
parques
científicos
e
centros
de
mídia.
Clusters
criativos
são
locais
de
trabalho
e
residência,
onde
os
produtos
criativos
são
produzidos
e
consumidos,
nutridos
por
diversidade,
em
cidades
multiculturais
que
têm
sua
distinção
e
também
conexão
com
o
mundo.
(Creative
Clusters
Conference,
2003)
Conexão
-‐
pontes
e
relações
que
se
estabelecem
entre
esferas
distintas,
complementares
e
igualmente
fundamentais
para
o
desenvolvimento
de
uma
cidade
criativa,
e.g.
entre
público,
privado
e
sociedade
civil;
entre
áreas
da
cidade;
entre
local
e
global;
entre
história
e
futuro.
Cultura
no
espaço
urbano
-‐
entendida
sob
três
aspectos:
identitária
e
simbólica;
econômica;
e
como
substrato
para
a
formação
de
um
ambiente
propício
à
criatividade.
Desenvolvimento
-‐
ampliação
de
liberdades
de
escolha
(Sen,
2004).
Inovação
-‐
criatividade
posta
em
prática,
convertendo-‐se
em
soluções
para
problemas
e/ou
novas
propostas
práticas
de
valor
para
grupos
específicos.
Singularidade
-‐
característica
distintivas
de
determinado
local.
A
Cidade
-‐
história,
evolução
e
tendências.
Redesenhar
modelos
de
cidade
se
tornou
uma
premência.
Nos
últimos
anos
o
tema
ganhou
atenção
crescente,
movida
em
alguns
casos
pela
necessidade
de
encontrar
soluções
para
contextos
urbanos
com
fissuras
mais
ou
menos
evidentes;
em
outros,
motivada
pela
vontade
de
transformar
o
contexto
em
que
vivemos
em
um
lugar
que
cada
um
de
nós
teria
orgulho
em
chamar
de
lar.
Sobre
esse
pano
de
fundo
surgem
propostas
de
revisões
urbanas
com
as
mais
diversas
adjetivações
-‐
cidades
criativas
(tema
desta
disciplina),
cidades
inteligentes
(muito
ancoradas
em
infraestrutura
de
ponta
e
sistemas
inteligentes
de
transporte,
comunicação,
coleta
de
resíduos,
iluminação
e
afins);
cidades
digitais
(com
ênfase
no
uso
das
tecnologias
de
informação
e
comunicação
e
no
recurso
a
sistemas
digitais
para
a
gestão
urbana)1;
cidades
inovadoras
(tendo
na
inovação
a
tônica
da
cidade);
cidades
emocionais
(que
estabelecem
eixos
transversais
de
análise
e
envolvimento
com
a
cidade)2.
Tal
profusão
de
nomenclaturas
e
olhares
revela
em
si
o
afã
de
propor,
discutir
e
analisar
uma
revisão
das
cidades
em
que
vivemos.
Mas,
afinal,
o
que
é
e
configura
uma
cidade?
Embora
a
datação
do
surgimento
das
primeiras
cidades
seja
um
ponto
controverso
entre
os
estudiosos,
costuma-‐se
situá-‐lo
em
3.500
AC,
na
Mesopotâmia,
mais
especificamente
entre
os
valores
dos
rios
Tigre
e
Eufrates
(atual
Iraque).
Os
historiadores
urbanos,
capitaneados
por
Lewis
Mumford
(1961),
tendem
a
atribuir
a
esses
primeiros
assentamentos
urbanos
três
funções
primordiais.
As
duas
primeiras
-‐
religiosa
e
política
-‐
ainda
são
reconhecíveis
em
qualquer
cidade
contemporânea,
independentemente
de
seu
porte,
localização
ou
idade.
Basta
para
isso
pensar
que
tipicamente
o
marco
zero
urbano
se
situa
na
praça
central,
tendo
em
um
lado
a
igreja
matriz
e
em
outro
a
sede
do
governo
municipal.
Durante
vários
períodos
históricos
e
ainda
hoje,
em
determinadas
regiões
do
mundo,
esses
dois
poderes
mostram-‐se
profundamente
vinculados
-‐
o
rei
ou
detentor
de
título
equivalente
é
o
soberano
representante
do
divino
e
também
o
governante
supremo.
Tome-‐se
como
exemplo
o
Estado
absolutista
do
rei
francês
Luís
XIV,
ao
qual
se
atribui
a
célebre
frase
"O
Estado
sou
eu".
No
Brasil,
o
Estado
laico
ou
secular
é
garantido
por
lei
desde
1890,
quando
a
República
separou
os
poderes
do
Estado
e
da
Igreja3.
Essa
questão
tem
impactos
profundos
na
forma
como
a
cidade
é
gerida
-‐
desde
os
modelos
de
governança
estabelecidos
entre
governo,
setor
privado
e
sociedade
civil,
até
a
agilidade
com
a
qual
decisões
e
planos
são
implementados.
O
terceiro
eixo
de
propulsão
e
da
formação
e
da
constituição
de
uma
cidade
é
o
econômico.
As
primeiras
vilas,
erigidas
entre
9.000
e
4.000
AC,
eram
via
de
regra
caracterizadas
por
um
conjunto
de
famílias
que
compartilhavam
espaços,
suprimento
de
água,
professavam
crenças
religiosas
comuns,
detinham
um
conselho
ou
outra
instituição
moral
e
política,
uma
língua
e
código
de
valores,
comercializavam
um
excedente
agrícola,
articulavam
1
http://www.ibm.com/smarterplanet/us/en/smarter_cities/overview/
2
http://blog.ciudadesemocionales.org/?p=627
3
http://jus.com.br/artigos/8519/brasil-‐estado-‐laico-‐e-‐a-‐inconstitucionalidade-‐da-‐existencia-‐de-‐simbolos-‐
religiosos-‐em-‐predios-‐publicos
conjuntamente
formas
de
defesa
e
segurança.
A
passagem
de
vila
para
cidade
não
é
dada
simplesmente
por
um
aumento
populacional.
Um
traço
marcante
dessa
transição,
do
ponto
de
vista
econômico,
é
a
especialização
de
profissões
e
tarefas,
permitindo
à
cidade
alcançar
maior
produtividade
(inclusive
agrícola)
e
ampliar
sua
área
de
influência
e
de
comunicação.
Desde
então,
o
apogeu
e
o
declínio
das
cidades
referenciais
na
história
urbana
são
marcados
também
por
seu
protagonismo
ou
decréscimo
na
esfera
econômica.
Cairo,
Atenas,
Roma,
Florença
são
exemplos
gritantes
dessa
inter-‐relação.
As
cidades,
ao
longo
dos
tempos,
foram
sendo
assim
profundamente
marcadas
por
aspectos
culturais,
sociais,
políticos,
religiosos
e
também
econômicos.
Já
a
partir
de
meados
do
século
XVIII
podemos
referenciar
as
cidades
industriais
de
Manchester,
Birmingham
e
mesmo
Londres,
palcos
e
centros
da
Revolução
Industrial,
tão
exemplarmente
caracterizadas
nas
obras
de
Dickens,
Weber
e
em
relatos
das
crônicas
policiais,
como
a
do
notório
Jack,
o
Estripador.
O
que
essas
imagens
das
cidades
modernas
revelam
é
que,
assim
como
na
economia
industrial
o
trabalhador
não
contava
pelo
que
pensava,
criava
ou
sentia
e
sim
pelo
que
sua
mão
produzia
(daí
o
termo
"mão
de
obra"),
a
pessoa
tampouco
tinha
muito
valor,
já
que
era
facilmente
substituível.
As
cidades
industriais
passaram
a
acomodar
uma
população
crescente
de
seres
anônimos,
exércitos
industriais
de
reserva,
convertidos
em
ativos
commoditizados,
padronizados,
recursos
intercambiáveis.
Na
Inglaterra,
berço
e
epicentro
da
Revolução
Industrial,
centenas
de
milhares
de
pessoas
migravam
em
levas
das
áreas
rurais
para
as
cidades,
como
decorrência
do
cercamento
dos
campos,
processo
iniciado
no
século
XVII
e
intensificado
no
século
XVIII
e
que
converteu
as
terras
comunais
em
propriedade4.
A
eles
se
somaram
outras
centenas
de
milhares
de
imigrantes,
em
especial
irlandeses,
egressos
da
depressão
agrícola
e
das
Guerras
Napoleônicas5.
Em
1801
Londres
estava
às
margens
de
atingir
um
milhão
de
habitantes;
esse
contingente
dobrou
em
1841
(1.958
mil
pessoas),
foi
catapultado
a
4,2
milhões
em
1891
e
a
6,5
milhões
de
seres
humanos
em
tão
somente
oito
anos,
no
apagar
das
luzes
do
século
XIX6.
Pode-‐se
imaginar
os
impactos
sociais
de
tão
vultoso
contingente
em
uma
cidade
assentada
sobre
uma
infraestrutura
sanitária
construída
em
tempos
romanos.
Nas
décadas
de
1830
e
1840
a
cidade
sofreu
três
grandes
ondas
de
epidemias
avassaladoras,
de
gripe,
cólera
e
tifo7.
É
também
esse
o
quadro
evolutivo
que
se
deve
ter
em
mente
quando
se
enaltece
a
Londres
contemporânea
e
criativa:
o
processo
que
atravessou
ao
longo
dos
últimos
séculos,
o
pedágio
que
a
sociedade
pagou
em
vários
momentos
críticos
de
banalização
humana
e
os
aprendizados
tirados
desses
períodos,
a
ponto
de
possibilitar
renascimentos
e
novos
desenhos
de
cidade.
Já
na
chamada
economia
de
serviços,
tão
associada
a
cidades
sem
parques
manufatureiros,
caracterizadas
por
tecnologias
de
informação
e
comunicações
de
última
linha,
o
aporte
do
trabalhador
deixa
de
ser
a
produção
física,
de
bens
materiais.
Entre
uma
fase
econômica
e
4
http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/cercamentos/index.html
5
http://www.oldbaileyonline.org/static/Irish.jsp
6
http://www.londononline.co.uk/factfile/historical
http://www.victorianweb.org/science/health/health10.html
7
outra,
a
cidade
e
o
trabalhador
se
transformam.
Entram
em
cena
cidades
sem
chaminés
e
repletas
de
escritórios,
imagens
associadas
ao
mercado
financeiro
e
à
figura
do
trabalhador
de
terno
e
gravata
e,
mais
recentemente,
do
yuppie8.
Alteram-‐se
também
os
fluxos
-‐
de
mercadorias,
tangíveis
para
serviços,
intangíveis;
de
ativos
para
ideias;
de
deslocamento
físico
para
transações
virtuais.
Nem
sempre,
porém,
demanda-‐se
ao
trabalhador
que
pense
e
sim
que
aja
como
autômato,
responda
a
cartilha
do
0800,
transponha
para
o
universo
de
serviços
o
que
antes
se
exigia
fosse
a
prática
no
mundo
dos
bens.
Tomam
a
cena
cidades
como
Nova
York
e
Tóquio,
onde
mesmo
a
produção
era
compassada
pelo
ritmo
just
in
time,
sem
estoques
e
com
produção
automatizada.
Agregam-‐se
a
elas
cidades
que
passaram
por
profundos
processos
de
desindustrialização
e
migração
de
seu
parque
fabril,
convertendo-‐se
em
polos
de
serviços
e
guardando
em
seu
tecido
urbano
patrimônios
industriais
de
incalculável
valor
e
frágil
capacidade
de
preservação.
Tabela
1
-‐
Composição
do
Produto
Interno
Bruto
(PIB
em
valor
agregado)
do
Brasil,
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro
e
do
município
do
Rio
de
Janeiro.
Fonte:
IBGE,
2010
Em
R$
Município
RJ
Estado
RJ
Brasil
Serviços 125 204 629 144 387 422 1 197 774 001
Total 147 725 431 208 426 656 1 842 252 999
%
Em
Município
RJ
Estado
RJ
Brasil
Essa
também
é
a
realidade
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro,
como
se
pode
depreender
da
Tabela
1.
Conforme
dados
do
IBGE
de
2010,
muito
embora
o
setor
industrial
responda
por
cerca
de
30%
do
PIB
brasileiro
e
fluminense,
o
setor
de
serviços
representa
69,27%
do
Produto
Interno
Bruto
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro,
ante
65,02%
no
caso
brasileiro.
Já
o
município
do
8
O
termo
yuppie
deriva
da
sigla
YUP,
em
inglês,
“young
urban
professional”
–
em
português
jovem
profissional
urbano.
Está
associado
ao
profissional
entre
20
e
40
anos
de
idade
que,
segundo
o
estereótipo,
é
ambicioso
e
segue
as
tendências
da
moda
e
do
consumo
em
geral.
Rio
de
Janeiro,
que
por
razões
históricas
(ex-‐capital
do
país
e
cidade-‐sede
de
empresas
públicas
de
envergadura)
traz
uma
marca
de
serviços
proporcionalmente
mais
pronunciada
do
que
no
restante
do
Brasil,
nota-‐se
que
o
setor
de
serviços
responde
por
84,75%
do
PIB.
Essa
situação
se
vê
confrontada
e
tributária
de
outros
fatores,
como
lembrado
por
Reis
(2011):
-‐ a
globalização
galopante
e
a
reação
natural
de
valorização
do
que
é
diferencial,
a
exemplo
das
identidades
e
culturas
locais;
-‐ a
dispersão
acelerada
das
tecnologias
de
informação
e
comunicações,
trazendo
à
baila
o
questionamento
acerca
da
importância
ou
não
da
localização
dos
talentos,
em
meio
a
organizações
em
rede
(Castells,
2000)
e
a
fluxos
financeiros
e
tecnológicos
globais
(Sassen,
2006);
-‐ a
divulgação
de
estatísticas
dando
conta
de
que
mais
da
metade
da
humanidade
já
vive
em
cidades,
ao
mesmo
tempo
em
que
nos
deparamos
com
provas
desanimadoras
da
insustentabilidade
das
grandes
cidades
contemporâneas,
em
termos
ambientais,
sociais
e
culturais;
-‐ a
valorização
econômica
dos
ativos
culturais
das
cidades,
sejam
elas
metrópoles
nas
quais
a
diversidade
viceja
ou
pequenas
cidades,
nas
quais
as
identidades
culturais
são
mais
marcadas.
Aqui,
não
se
trata
apenas
de
atribuir
significado
à
experiência
estética
da
produção
(Rifkin,
20009),
mas
também
ao
ato
do
consumo,
influenciando
positivamente
o
comportamento
humano
(KEA,
2009;
Lash
e
Urry,
1994;
Landry
e
Wood,
2003)
ou,
pelo
contrário,
sendo
paradoxalmente
absorvido
pelo
mercado
(Zukin,
1991;
Yúdice,
2009);
-‐ a
expansão
das
tecnologias
de
informação
e
comunicações
e
da
fragmentação
global
das
cadeias
produtivas.
À
visão
de
que
o
mundo
se
mostra
cada
vez
mais
plano
em
termos
de
oportunidades
de
inserção
(Friedman,
2006;
2008),
ao
menos
para
os
que
têm
acesso
e
desenvoltura
com
as
novas
tecnologias
(Castells,
2003),
contrapõe-‐se
a
defesa
de
que
justamente
a
desigualdade
de
oportunidades
de
acesso
torna
o
mundo
cada
vez
mais
dividido
entre
picos
e
vales
(Florida,
2008)
e
de
que
a
globalização
dos
espaços
diminui
a
experiência
dos
lugares
(Zukin,
1991).
No
que
tange
às
tendências,
é
fundamental
destacar
dois
eixos
principais
de
consideração.
O
primeiro
diz
respeito
à
evolução
populacional.
Afinal,
criativa,
inteligente
ou
inovadora
não
é
a
cidade
em
si
e
sim
seus
habitantes.
Quão
mais
criativos,
inteligentes
ou
inovadores
forem
os
cidadãos,
mais
as
cidades
onde
moram
adquirirá
essas
características.
Essa
aparente
obviedade
nem
sempre
é
levada
em
consideração,
mas
é
fundamental
para
que
se
reverta
a
tendência
a
promover
bolsões
de
pujança
econômica,
acesso
a
serviços
e
qualidade
de
vida,
em
detrimento
e
uma
cidade
mais
igualitária.
Conforme
se
nota
na
Figura
2
e
na
Tabela
2,
a
população
brasileira
cresceu
praticamente
30%,
a
fluminense
24,85%
e
a
carioca
15,32%.
Um
dos
maiores
desafios
de
nossas
cidades
é
justamente
criar
condições
para
que
esse
contingente
populacional
possa
se
desenvolver
e
contribuir
para
o
desenvolvimento
dos
municípios.
9
“A
economia
está
sendo
transformada,
de
uma
planta
gigante
a
um
grande
teatro.”
(p.163,
nota
2).
Tabela
2
-‐
Evolução
populacional
do
Brasil,
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro
e
do
município
do
Rio
de
Janeiro.
Fonte:
IBGE,
2010
Ano
Município
RJ
Estado
RJ
Brasil
Taxa
de
crescimento
15,32%
24,85%
29,92%
1991-‐2010
Outro
dado
relevante
no
que
tange
à
distribuição
populacional
de
nossas
cidades
se
refere
à
escala
dos
municípios.
Segundo
dados
do
Censo
Demográfico
de
2010,
dos
5.565
municípios
brasileiros,
3.914
(ou
70%)
possuem
até
20
mil
habitantes.
Quando
se
considera
a
faixa
de
até
50
mil
habitantes,
temos
4.957
(ou
89%)
dos
municípios.
No
caso
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro,
a
participação
de
municípios
de
pequeno
porte
é
proporcionalmente
menos
representativa.
Mesmo
assim,
são
eles
que
compõem
a
realidade
do
Estado.
Dos
92
municípios
fluminenses,
27
(ou
29%)
têm
até
20
mil
habitantes
e
55
(ou
60%)
possuem
população
inferior
a
50
mil
habitantes.
É
portanto
à
luz
desse
marco,
com
cidades
dos
mais
diversos
portes,
que
deve
ser
considerada
a
proposta
de
transformação
das
cidades,
não
restringindo-‐se
portanto
à
capital
ou
à
região
metropolitana.
A
questão
de
fundo
que
se
apresenta
é
entender
o
que
faz
com
que
habitantes
de
cidades
de
menor
porte
continuem
migrando
-‐
agora
não
mais
para
as
metrópoles
e
sim
para
as
cidades
de
médio
porte
(de
150
ou
200
mil
residentes).
O
que
os
faz
deixar
seus
locais
de
origem
é
o
desejo
de
morar
em
outros
municípios
ou
é
a
sensação
de
falta
de
escolha
onde
estão?
Embora
não
haja
estatísticas
que
respondam
a
essa
pergunta,
são
usuais
os
depoimentos
de
migrantes
que
partem
em
busca
de
emprego
e
renda
aparentemente
inexistentes
em
suas
cidades
originárias,
muitas
vezes
movidos
por
ilusão
e
desprovidos
de
capacitações
consideradas
úteis
em
seus
destinos.
Ora,
desenvolvimento
é,
antes
de
tudo,
ampliação
de
liberdades
de
escolha
(o
que
demanda
a
capacidade
de
decidir
e
também
acesso
a
informações),
na
definição
cunhada
pelo
economista
Amartya
Sen
(2004),
vencedor
com
essa
tese
do
equivalente
ao
Prêmio
Nobel
em
Economia.
Sendo
assim
e
considerando-‐
se
que
o
principal
ativo
de
uma
cidade
são
seus
cidadãos,
cabe
promover
uma
mudança
de
olhar:
o
que
haveria
de
singular,
único,
diferencial,
que
pudesse
se
converter
em
oportunidade
de
geração
de
emprego
e
renda?
A
busca
dessas
singularidades
requer
um
"olhar
estrangeiro",
o
olhar
do
estranhamento,
da
percepção
do
diferencial.
É
o
olhar
que
lançamos
sobre
uma
cidade
(um
distrito,
uma
rua)
desconhecida
e
que
nos
causa
encantamento,
maravilha
ou,
em
caso
negativo,
eventualmente
resistência
e
repulsa.
É
a
partir
do
diapasão
pessoal
que
percebemos
notas
locais
distintas
das
que
conhecemos.
Todos
já
passamos
por
situações
nas
quais
algo
nos
soa
ou
parece
"diferente"
-‐
acolhedora
e
saborosamente
diferente.
Essas
singularidades
se
desdobram
em
várias
dimensões:
da
surpresa
com
uma
rua
acarpetada
com
flores
de
distintas
cores,
conforme
a
época
do
ano,
a
uma
receita
local
jamais
degustada;
de
um
artesanato
típico
a
um
ritmo
musical
local;
de
um
talento
especial
para
o
desenvolvimento
de
joias
em
filigrana
à
capacidade
de
desenvolvimento
de
games
pelos
jovens
da
região.
Em
um
mundo
no
qual
as
propostas,
os
produtos
e
os
serviços
se
mostram
crescentemente
padronizados,
a
busca
pelo
singular
vem
movendo
negócios
os
mais
variados,
dentre
os
quais
se
destacam,
neste
tópico,
os
fluxos
turísticos.
Conforme
dados
da
Organização
Mundial
de
Turismo
das
Nações
Unidas,
calculam-‐se
em
528
milhões
o
número
de
turistas
internacionais
(não
computando
portanto
os
domésticos
ou
nacionais),
no
ano
de
2005.
Em
2010,
estima-‐se
que
essa
cifra
tenha
praticamente
dobrado,
chegando
a
940
milhões.
A
estimativa
para
2010
é
de
que
atinja
1,6
bilhão
de
turistas
internacionais,
em
um
só
ano.
A
convergência
da
magnitude
desses
números
ao
reconhecimento
da
busca
de
singularidades
franqueia
um
sem-‐fim
de
oportunidades
de
desenvolvimento
para
nossas
cidades
-‐
dos
mais
diversos
portes,
situações
e
localizações.
Isso
exige,
porém,
o
reconhecimento
do
que
há
de
especial
em
nossos
municípios.
Quais
são
as
singularidades
dos
distritos
menos
conhecidos
da
cidade
do
Rio
de
Janeiro?
Que
traços
especiais
caracterizam
a
pequenina
Carapebus,
com
seus
poucos
mais
de
13
mil
habitantes?
Que
novos
eixos
de
desenvolvimento
podem
somar-‐se
ao
trilhado
pelo
do
petróleo
e
gás,
em
Magé?
Sobre
quais
novas
bases
a
economia
de
Teresópolis
ou
Nova
Friburgo
podem
se
assentar,
em
um
desenvolvimento
de
dentro
para
fora?
Como
o
turista
pode
trazer
esse
olhar
de
estranhamento
sobre
o
contexto
local,
de
modo
a
impulsionar
e
se
beneficiar
de
produtos,
serviços
e
experiências
pautados
pelas
singularidades
locais?
Afinal,
o
primeiro
beneficiário
de
uma
cidade
dever
ser
o
cidadão
-‐
e
não
o
turista.
Como
na
poesia
de
Mario
Quintana,
"O
Jardim
das
Borboletas"10,
trata-‐se
não
de
maquiar
a
cidade
para
ludibriar
as
borboletas
(ou
turistas)
de
plantão,
mas
sim
de
cuidar
do
jardim,
para
que
as
borboletas
se
sintam
naturalmente
atraídas
por
ele.
São
essas
algumas
das
temáticas
basilares
que
sustentam
o
conceito
de
cidade
criativa,
conforme
veremos
no
próximo
tópico.
10
http://www.criaticidades.com.br/noticias/artigo-‐%CB%9Dcidades-‐criativas-‐o-‐jardim-‐das-‐mariposas%CB%9D
Cidade
criativa
-‐
desenho
de
um
conceito
e
de
suas
características
essenciais
A
cidade
é
uma
construção
coletiva,
conformada
e
revista
diariamente
por
quem
a
constitui:
os
cidadãos.
Uma
cidade
criativa
é
aquela
que
oferece
um
ambiente
propício
à
criatividade
e
à
transformação
dessa
criatividade
em
soluções
e
novas
propostas
de
valor
para
seus
habitantes,
trabalhadores
e
turistas.
Quando
se
menciona
"cidade
criativa",
via
de
regra
as
menções
mais
usuais
são
a
Barcelona,
Londres,
Nova
York,
Berlim.
Embora
sejam
cidades
de
distintos
perfis
identitários,
contextos
culturais,
evoluções
históricas
e
situações
socioeconômicas,
há
alguns
traços
de
união
entre
elas:
a
sensação
de
que
haverá
uma
surpresa
prazerosa
a
cada
momento,
que
a
diversidade
pulula
a
cada
esquina,
que
a
experiência
vivida
será
de
encantamento,
realização
e
inovação.
É
evidente
que
cada
uma
dessas
cidades
apresenta
inúmeros
problemas
-‐
Barcelona
está
em
crise,
assim
como
toda
a
Espanha;
Nova
York
não
é
imune
à
violência
e
segurança,
apesar
da
política
de
Tolerância
Zero
que
fez
a
fama
do
ex-‐Prefeito
Giuliani11;
Berlim
já
enfrenta
um
grau
de
elevação
de
custo
de
vida,
em
virtude
do
grande
ímã
em
que
se
converteu
nos
últimos
20
anos,
fragilizando
sua
capacidade
de
expandir
sua
diversidade;
Londres
apresenta
grandes
desigualdades
entre
suas
dezenas
de
distritos.
Esse
é
um
aspecto
crucial,
já
que
abre
as
portas
para
uma
questão
não
raro
negligenciada
pelos
autores
estudados:
ao
se
trabalhar
a
cidade
criativa,
é
fundamental
considerá-‐la
como
um
sistema,
inter-‐relacionado
e
uno,
que
a
cidade
de
fato
é;
e
não
se
restringir
a
eventuais
bolsões
de
criatividade,
desvinculados
de
um
contexto
maior,
que
caracterizariam
simplesmente
"espaços
criativos".
Podemos
dizer
que
o
Rio
de
Janeiro
é
criativo,
pois
a
Lapa
e
Santa
Teresa
o
são?
Quão
criativos
são
os
ambientes
formados
em
distritos
menos
visíveis
e
efervescentes
da
cidade?
Em
uma
cidade
criativa
passam
assim
a
conviver
tensões
e
pressões
cruzadas,
que
trabalhados
de
forma
positiva
alimentam
o
potencial
criativo:
entre
raízes
locais
e
influências
globais;
entre
patrimônio
e
contemporaneidade;
entre
projetos
icônicos
capazes
de
atrair
a
atenção
internacional
e
projetos
menores,
voltados
à
base
criativa
de
raiz;
entre
a
cultura
institucionalizada
e
a
cultura
que
permeia
as
rua;
entre
artistas
voluntários
e
clusters
de
indústrias
criativas
(Reis,
2011).
Cabe
aqui
esclarecer
que
o
conceito
de
cluster,
desenvolvido
em
1990
por
Michael
Porter,
foi
retomado
no
início
dos
anos
2000
para
conformar
o
termo
“cluster
criativo”,
sugerindo
uma
abordagem
mais
abrangente
e
integrada
à
dinâmica
dos
fluxos
urbanos:
Um
cluster
criativo
requer
muito
mais
do
que
a
visão
padronizada
de
um
parque
de
empresas
próximo
a
um
campus
tecnológico.
Inclui
instituições
sem
fins
lucrativos,
instituições
culturais,
equipamentos
culturais,
artistas,
parques
científicos
e
centros
de
mídia.
Clusters
criativos
são
locais
de
trabalho
e
residência,
onde
os
produtos
criativos
são
produzidos
e
consumidos,
nutridos
por
diversidade,
em
cidades
multiculturais
que
têm
sua
distinção
e
também
conexão
com
o
mundo.
(Creative
Clusters
Conference,
2003)
11
http://cad.sagepub.com/content/45/2/171.abstract
Em
termos
de
evolução
conceitual
de
uma
proposta
ainda
tão
embrionária
como
a
de
cidades
criativas,
cabe
mencionar
um
autor
lapidar
e
pioneiro
na
relação
entre
criatividade
e
espaço
urbano,
o
arquiteto
inglês
Charles
Landry.
Para
ele,
a
cidade
criativa
seria
“um
lugar
que
estimula
e
incorpora
uma
cultura
de
criatividade
no
modo
como
os
stakeholders12
urbanos
atuam.”
(2009).
Dito
porém
de
forma
mais
elucidativa:
A
cidade
criativa
é
um
toque
de
trombetas
para
estimular
abertura
mental,
imaginação
e
participação
pública.
Isso
tem
um
impacto
dramático
na
cultura
organizacional.
A
filosofia
é
que
há
sempre
mais
potencial
em
qualquer
lugar
do
que
pensaríamos
à
primeira
vista
(…).
Parte-‐se
do
pressuposto
que
devem
ser
criadas
condições
para
que
as
pessoas
pensem,
planejem
e
ajam
com
imaginação
para
aproveitar
oportunidades
ou
resolver
problemas
urbanos
aparentemente
intratáveis.
Estes
podem
variar
de
respostas
à
questão
dos
desabrigados,
à
geração
de
riqueza
ou
à
melhoria
do
ambiente
visual.
Isso
significa
que
cidades
grandes
e
pequenas
podem
ser
criativas.
Cidade
criativa
é
portanto
um
conceito
positivo.
O
pressuposto
é
que
pessoas
comuns
podem
fazer
coisas
extraordinárias
acontecerem,
se
tiverem
uma
oportunidade.
(Landry
in
Reis;
Kageyama,
2009,
Prefácio)
Fazendo
um
contraponto,
o
geógrafo
Scott
elenca
duas
características
fundamentais
para
o
desabrochar
e
a
consolidação
de
uma
cidade
criativa.
Por
um
lado,
redes
verticalmente
não
integradas
de
unidades
de
produção
especializadas
e
complementares,
permitindo
maior
flexibilidade
na
configuração
de
produtos;
por
outro,
um
mercado
de
trabalho
composto
por
mão
de
obra
desqualificada
e
qualificada,
sendo
que
esta
tende
a
trabalhar
por
projetos,
em
times,
ao
invés
de
em
empregos
fixos.
Essa
é
uma
conclusão
ratificada
pelos
poucos
estudos
desenvolvidos
acerca
de
economia
criativa
no
Brasil,
em
especial
pela
FIRJAN
e
pela
Prefeitura
de
São
Paulo,
conforme
discutido
na
disciplina
correspondente.
Esse
conjunto
de
fatores
daria
maior
fluidez
à
economia
das
cidades
criativas
-‐
“unidades
geográficas
diferenciadas
na
paisagem
global
contemporânea”
-‐,
que
se
beneficiariam
dos
encontros
e
intercâmbios
mais
frequentes
entre
empresas
e
trabalhadores
criativos,
tornando-‐se
assim
mais
propensas
à
geração
de
ideias
e
inovações
-‐,
em
produtos,
processos
e
práticas.
Buscando
oferecer
uma
primeira
sistematização
mundial
do
conceito
de
cidades
criativas,
em
2009
Reis
e
Kageyama
organizaram
e
editaram
uma
antologia
mundial
acerca
de
cidades
criativas.
O
livro
digital
Cidades
Criativas
-‐
Perspectivas,
reuniu
voluntariamente
18
autores
de
13
países,
incluindo
os
editores.
A
cada
autor
foi
solicitado
que
aportasse
sua
perspectiva
acerca
dos
traços
mais
característicos
de
uma
cidade
criativa,
que
dissertasse
acerca
da
tessitura
dos
processos
desenrolados
em
seu
interior,
que
sugerisse
o
modelo
de
governança
mais
adequado
à
sua
gestão
e
que
comentasse
as
medidas
que
poderiam
ser
tomadas
para
tentar
evitar
que,
ao
se
tornar
mais
visível
e
atrativa
para
turistas,
investidores
e
trabalhadores,
a
cidade
tivesse
suas
fragmentações
acirradas
(ou,
ao
contrário,
que
aproveitasse
a
situação
para
minimizar
suas
cisões).
12
O
termo
stakeholder
é
amplamente
utilizado
na
área
de
gestão
e
designa
todos
os
envolvidos
em
um
processo
(temporário
como
um
projeto
ou
permanente
como
uma
organização),
tais
como:
donos,
acionistas,
investidores,
empregados,
sindicatos,
fornecedores,
concorrentes,
governos,
clientes
etc.
Dos
vários
capítulos
que
integram
a
obra,
cobrindo
de
Taiwan
à
colombiana
Medellín,
da
África
do
Sul
à
norueguesa
Bergen,
foi
possível
elencar
alguns
traços
cruciais:
a) O
reconhecimento
da
criatividade
e
da
inovação
em
caráter
transversal
ao
contexto
urbano
(ao
invés
de
restrito
à
cultura
ou
às
tecnologias).
b) A
necessidade
do
desenvolvimento
harmônico
e
integrado
das
políticas
econômica,
social,
cultural
e
ambiental
(ao
contrário
de
focado
em
objetivos
econômicos).
c) A
coexistência
de
tensões,
vistas
de
maneira
complementar
(e
não
mais
excludente),
como
as
já
citadas.
d) A
consideração
da
cidade
como
um
todo
integrado
(desconstruindo
a
proposta
de
criar
polos
isolados
de
criatividade)
e
incorporando
não
só
áreas,
como
classes
marginalizadas
(em
oposto
ao
favorecimento
da
gentrificação13
e
ao
acirramento
das
desigualdades).
e) A
busca
do
equilíbrio
entre
produção,
distribuição
e
consumo
(e
não
do
foco
recorrente
sobre
a
produção).
f)
A
valorização
da
cultura
por
aspectos
múltiplos,
em
especial
pela
criação
de
um
ambiente
motivador
de
criatividade
e
diferenciação
(em
vez
de
mimetismo).
g) A
permanência
de
um
processo
de
transformação
(e
não
de
intervenções
pontuais
e
descontextualizadas).
h) A
existência
de
conexões
e
mobilidades
de
toda
sorte:
entre
ideias,
pessoas,
diversidades,
áreas,
local
e
global,
perfis,
estruturas
culturais
hard
e
soft,
de
maneira
física
ou
digital.
Em
virtude
do
acima,
é
possível
concluir
que
uma
cidade
que
se
pretende
criativa
-‐
independentemente
de
sua
escala,
situação
socioeconômica
ou
história
-‐
assenta-‐se
em
ao
menos
três
eixos
principais:
inovações,
conexões
e
cultura
(Reis,
2009).
Inovações,
aqui,
devem
ser
entendidas
de
forma
ampla;
não
compreendem
apenas
as
de
cunho
tecnológico,
geradas
nos
laboratórios
de
inovação
de
renomados
polos
de
tecnologia
e
em
centros
acadêmicos
de
excelência,
mas
também
as
inovações
do
dia
a
dia,
tão
bem
expressas
em
soluções
para
problemas
cotidianos,
em
novos
olhares
lançados
sobre
o
que
lá
estava
mas
não
se
dava
a
ver.
Inovações,
neste
contexto,
podem
ser
vistas
como
criatividade
posta
em
prática,
gerando
produtos,
processos,
propostas
de
valor
para
determinados
grupos
urbanos.
Podem
ainda
constituir
soluções
que
não
demandam
fluxos
monetários,
ou
seja,
não
têm
impacto
sobre
o
PIB
municipal:
garrafas
PET
que
se
transformam
em
materiais
de
construção,
pneus
descartados
que
passam
a
ser
utilizados
para
a
pavimentação
de
estradas,
tecnologias
sociais
implementadas
a
mutirões
comunitários.
O
olhar
da
inovação
é
o
olhar
da
reinvenção;
uma
cidade
criativa
é
uma
cidade
que
se
reinventa
continuamente.
13
Do
termo
em
inglês
“gentrification”,
gentrificação
designa
os
processos
de
transformação
do
espaço
urbano
que
resultam
na
valorização
de
áreas
e
consequente
expulsão
das
populações
que
as
ocupavam
(em
geral,
populações
de
baixa
renda),
dando
espaço
à
especulação
imobiliária
e
à
instalação
de
estabelecimentos
comerciais
ou
residenciais
de
alto
padrão.
Da
mesma
forma,
as
conexões
também
precisam
ser
entendidas
em
sentido
vasto.
Estas
abrangem
as
pontes
entre
local
e
global,
em
uma
cidade
que
se
finca
em
raízes
locais
mas
tem
seus
radares
voltados
ao
mundo;
entre
público,
privado
e
a
sociedade
civil,
dado
que
governança
compartilhada
e
apropriação
de
seu
contexto
por
parte
da
comunidade
são
essenciais
em
uma
cidade
criativa;
entre
passado
e
futuro,
uma
vez
que
ao
desconhecer
sua
história
a
cidade
perde
uma
base
de
entendimento
fundamental
para
se
reinventar;
e
ainda
entre
áreas
da
cidade.
Em
especial
em
cidades
de
médio
e
grande
portes,
o
mapa
administrativo
do
município
tende
a
ter
dimensões
muito
maiores
do
que
as
que
cada
um
de
seus
habitantes
poderia
esboçar.
O
mapa
mental
das
pessoas
que
residem
em
uma
cidade
-‐
sua
capacidade
de
reconhecer
e
identificar
as
diferentes
regiões
urbanas
e
colocá-‐las
em
conexão.
Costumamos
formar
mapas
mentais
que
sobrevalorizam
os
espaços
nos
quais
transitamos
-‐
onde
moramos,
estudamos,
trabalhamos,
somados
às
regiões
nas
quais
se
situam
nossas
famílias,
amigos
e
demais
referências.
Ainda
mais
diminutos
costuma
ser
o
mapa
afetivo
que
cada
um
de
nós
delineia
-‐
as
regiões
com
as
quais
geramos
identificação
emocional
e
solidariedade
de
sentimentos.
Em
outras
palavras,
posso
me
lembrar
de
um
determinado
bairro
e
ser
até
mesmo
capaz
de
identificá-‐lo
no
mapa;
mas
até
que
ponto
o
que
lá
ocorre
me
afeta?
Nossas
cidades
costumam
ser
vistas
por
seus
habitantes
não
como
sistemas
e
sim
como
arquipélagos
de
bairros,
como
microcidades
nas
quais
transitamos
e
com
as
quais
nos
relacionamos.
Restabelecer
conexões
entre
as
várias
regiões
de
uma
cidade
é
fundamental
para
que
as
diversidades
que
ela
encerra
se
encontrem
e
se
mesclem.
Criatividade
depende
de
diversidade
de
ideias,
de
pontos
de
vista,
de
comportamentos,
de
gostos.
Por
fim,
juntamente
com
inovações
e
conexões,
a
terceira
característica
de
uma
cidade
que
se
pretende
criativa
é
a
cultura,
aqui
entendida
por
três
facetas.
Em
primeiro
lugar,
cultura
como
códigos
e
valores
compartilhados,
como
identidade
e
como
o
que
há
de
mais
anímico
em
um
contexto.
Quando
pensamos
em
Angra
dos
Reis
e
em
Campos,
duas
imagens
distintas
nos
chegam
à
mente,
não
apenas
pela
configuração
física
da
cidade,
mas
também
pelos
hábitos
e
modos
de
viver
e
de
se
comportar
dos
habitantes
dessas
cidades.
Em
segundo
lugar,
a
cultura
também
impacta
e
se
relaciona
com
a
cidade
por
meio
de
seu
impacto
econômico
(a
chamada
"economia
da
cultura",
parte
integrante
e
fundamental
da
"economia
criativa").
Basta
imaginar
o
impacto
econômico
do
carnaval
no
Rio
de
Janeiro,
da
música
em
Conservatória,
do
turismo
gastronômico
nas
cidades
serranas,
do
turismo
patrimonial
nas
cidades
que
integram
a
região
do
café.
Por
fim,
cultura
também
por
formar
um
ecossistema
propício
à
criatividade,
um
ambiente
no
qual
as
pessoas
se
sentem
à
vontade
para
travar
contato
com
diferentes
manifestações
e
pensamentos,
para
interagir
com
quem
integra
outras
tribos
urbanas,
para
compartilhar
o
que
pensa,
faz,
sente
e
é.
Com
base
nessas
três
características
-‐
conexões,
inovações
e
cultura
-‐,
é
possível
propor
a
seguinte
definição
de
cidades
criativas
(Reis,
2011):
Cidades
que
se
caracterizam
por
processos
contínuos
de
inovação,
das
mais
diversas
ordens.
Estas
se
baseiam
em
conexões
(de
ideias,
pessoas,
regiões,
intra
e
extraurbanas,
com
o
mundo,
entre
público
e
privado,
entre
áreas
de
saber)
e
têm
na
cultura
(identidade,
fluxo
de
produção,
circulação
e
consumo,
infraestrutura,
ambiente)
grande
fonte
de
criatividade
e
diferencial
social,
econômico
e
urbano”.
À
guisa
de
conclusão,
cabe
mencionar
três
momentos
nos
quais
podemos
localizar
uma
cidade
que
se
predisponha
a
seguir
uma
trilha
de
transformação
com
base
na
abordagem
de
cidade
criativa
aqui
apresentada.
Como
se
observa
na
Tabela
3,
é
possível
considerar
uma
fase
de
latência,
quando
a
criatividade
se
apresenta
esparsa
na
cidade,
a
liderança
é
inexistente,
os
mapas
(mensal
e
afetivo)
são
desconhecidos,
as
conexões
não
ocorrem
(pois
a
criatividade
está
presente
apenas
nas
pontas)
e
o
espaço
público
é
entendido
como
espaço
de
ninguém.
Tabela
3
-‐
Fases
de
transformação
para
uma
cidade
criativa
Espaço
público
Espaço
de
Híbrido:
espaço
de
Espaço
de
todos
ninguém
ninguém
e
de
todos
Fonte:
Reis
(2011)
Na
fase
de
catálise
a
criatividade
se
aglutina
em
polos
(de
onde
tiramos
a
imagem
de
bairros
ou
áreas
que
se
destacam
na
cidade),
a
liderança
é
capaz
de
desencadear
mobilizações
e
sinergias,
os
mapas
(mental
e
afetivo)
são
ampliados,
as
conexões
se
estabelecem
entre
nodos
e
o
espaço
público
é
heterogêneo,
tendo
áreas
reconhecidas
como
de
todos
e
outras
negligenciadas
como
espaços
de
ninguém.
Por
fim,
na
consolidação
da
cidade
como
criativa
a
criatividade
encontra-‐se
difusa
pelo
espaço
urbano,
a
liderança
é
compartilhada
(entre
governo,
empresas
privadas
e
sociedade
civil),
os
mapas
mental
e
afetivo
se
sobrepõem,
as
conexões
se
dão
em
rede
e
o
espaço
público
é
reconhecido,
respeitado
e
defendido
como
espaço
de
todos.
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