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José Matias-Pereira

Crise Econômica e Coesão Social


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José Matias-Pereira
Jornal do Brasil – 28 de novembro de 2011
Crise econômica e coesão social

José Matias-Pereira1

Os espaços de manobras das políticas econômicas dos países desenvolvidos estão ficando
cada vez menores diante do agravamento da crise econômica mundial, em especial nos países
da zona do euro e nos Estados Unidos. Num ambiente onde os cidadãos-eleitores, preocupa-
dos com a crise e o desemprego, estão substituindo de forma gradativa os seus governantes,
fica evidente que as questões ideológicas ou políticas são secundárias nas motivações dessas
mudanças. Os efeitos da crise também estão chegando com intensidades diferentes nas econo-
mias emergentes, que incluem Brasil, sinalizando uma redução do crescimento econômico e o
risco de aumento da inflação.

Diante desse cenário de mudanças, pode-se prever que no bojo das políticas econômicas
restritivas que estão sendo adotadas por esses países, haverá cortes significativos nos recursos
orçamentários destinados aos programas sociais, notadamente para o sistema de saúde pú-
blica, desemprego e educação, o que irá enfraquecer os pilares do modelo de Estado de bem-
-estar social, representando assim uma ameaça potencial à coesão social.

O Estado de bem-estar (welfare state), Estado social, ou Estado providência, em sentido


estrito, pode ser definido como um  modelo de Estado que tem por objetivo garantir condições
mínimas de alimentação, saúde, habitação, educação, que devem ser assegurados a todos os
cidadãos não como benesse estatal, mas como direito político inerente ao ser-cidadão (Bob-
bio, 2004). A origem do Estado do bem-estar social está afeto a três elementos essenciais: a
existência de excedentes econômicos passíveis de serem realocados pelo Estado para atender
às necessidades sociais; o pensamento keynesiano, que estruturou a sua base teórica; e, a
experiência de centralização governamental durante a 2ª Guerra Mundial, que fomentou o
crescimento da capacidade administrativa do Estado (Matias-Pereira, 2010).

Registre-se que as políticas sociais do Estado de bem-estar visam garantir um bom fun-
cionamento do mercado e a defesa dos direitos dos indivíduos em suas necessidades básicas
dentro do campo da saúde, educação, trabalho e alimentação. Busca-se, assim, a criação de
igualdade de oportunidades; a partir da concepção de que cabe ao Estado intervir na economia
para corrigir os prejuízos que possa haver dentro das desigualdades na estrutura sociopolítica.

Deve-se ressaltar que os processos, ideias e reformas do modelo do Estado de bem-estar


também chegaram aos países latino-americanos, ainda que de forma tardia, exceto no Chile.
Como nesses países os processos de reforma dos sistemas de proteção social ainda estão em
construção, os efeitos dos cortes orçamentários serão profundos. Nesse sentido, entendemos
que os governos dos países da região latino-americana não devem minimizar os riscos daí
decorrentes, visto que o impacto dessas medidas restritivas sobre sistemas frágeis e sobre so-

1  José Matias-Pereira é economista e advogado. Doutor em ciência política (UCM-Espanha) e pós-doutor em Administração
(FEA/USP). Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade
da Universidade de Brasília. Autor, entre outros, de “Finanças Públicas”, 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010; “Manual de Gestão
Pública Contemporânea”, 4. ed. São Paulo: Atlas, 2011; e, “Curso de Planejamento Governamental”, São Paulo: Atlas, 2011.
E-mail: matias@unb.br

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ciedades bastante desiguais poderá gerar inquietações e protestos populares, colocando em
risco a governança e a própria governabilidade dos países mais afetados pela crise econômica
mundial.

Observa-se que os governos e as administrações públicas no mundo contemporâneo são


vistos com descrença e desconfiança pela sociedade, em função dos seus baixos desempenhos.
Por seu turno, a literatura revela que a gestão pública possui enormes dificuldades de se ajus-
tar aos ambientes instáveis com a velocidade necessária para reduzir os efeitos das mudanças.
Essa postura pouco flexível explica, em grande parcela, a baixa capacidade de resposta da
administração pública às demandas da população em contextos de crise econômica.

A dificuldade dos governos de preservar o modelo atual de Estado de bem-estar, diante


da intensidade da crise, está evidenciada. Assim, nesse cenário de incertezas, no qual não exis-
tem respostas plausíveis para a maioria das perguntas, a boa governança pública assume uma
importância cada vez maior, no que se refere à busca de soluções para as demandas complexas
da sociedade que estão sob a responsabilidade do Estado, notadamente da implementação de
políticas públicas essenciais para a manutenção da coesão social.

Disponível em:<http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2011/11/28/crise-
-economica-e-coesao-social/>.

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