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RIO DE JANEIRO
13/05/2018
I
UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO
ESCOLA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE MEDICINA
RIO DE JANEIRO
13/05/2018
II
UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO
ESCOLA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE MEDICINA
RIO DE JANEIRO
2018
III
RESUMO
Sepse e choque séptico possuem alta prevalência nas unidades de terapia intensiva assim
como elevadas taxas de mortalidade. Estima-se que 20% a 50% dos pacientes que se
apresentam com choque séptico, possam ter concomitantemente disfunção miocárdica,
embora sua correlação com a mortalidade seja controversa na literatura. Este estudo objetivou
avaliar a prevalência e incidência da disfunção miocárdica assim como sua correlação com a
mortalidade. Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal, através de revisão de
prontuários e dados ecocardiográficos e sua correlação com a literatura medica atual. Para
isso, foram admitidos pacientes com choque séptico e que possuíam avaliação
ecocardiográfica em até 48 horas da internação, para a avaliação da incidência, além do
supracitado, o paciente deveria possuir um ecocardiograma nos últimos 6 meses. Foram
analisados 478 indivíduos com idade média de 74 anos, a prevalência global de disfunção
miocárdica foi de 25,52%. A incidência de disfunção miocárdica induzida pela sepse foi de
28,57% e a mortalidade 83,33% (RR 5.28 IC 95% 1.28-20.58, p=0.018). Os dados referentes
a prevalência obtidos estão em acordo com a epidemiologia global da afecção. O estudo pôde
constatar que quando utilizamos dados de incidência para avaliação da mortalidade é possível
relacionar a disfunção miocárdica à um pior prognóstico, portanto, seu reconhecimento
precoce é de fundamental importância.
IV
ABSTRACT
Sepsis and septic shock have high prevalence in intensive care units as well as high mortality
rates. It is estimated that 20% to 50% of patients presenting with septic shock may have
concomitant myocardial dysfunction, although its correlation with mortality is controversial
in the literature. The primary goals are therefore to establish the prevalence of myocardial
dysfunction in patients with septic shock. The secondary is to correlate the incidence of new
cases or injuries with the mortality rate.It is an observational cross-sectional study, through a
review of medical records and echocardiographic data and its correlation with the current
medical literature. For this, were admitted patients with septic shock that were hospitalized
and had echocardiographic evaluation within 48 hours of hospitalization, in order to evaluate
the incidence, in addition to the aforementioned, the patient should have an echocardiogram in
the last 6 months. A total of 478 individuals with a mean age of 74 years were analyzed. The
overall prevalence of myocardial dysfunction was 25.52%, the incidence of myocardial
dysfunction induced by sepsis was 28.57% and mortality 83.33% (RR 5.28 95% CI 1.28-
20.58, p = 0.018). Data on prevalence obtained, 25.52% are in agreement with the global
epidemiology of the condition. The study found that when we use incidence data to assess
mortality, it is possible to relate myocardial dysfunction to a worse prognosis, therefore, its
early recognition is of fundamental importance.
V
AGRADECIMENTOS
As famílias que, sempre estiveram ao nosso lado durante todos os desafios vencidos e
principalmente ao longo desses seis anos de formação, sem o suporte e amor concedidos, nada
seria possível.
A professora Marcelle da Costa Frickmann Fernandes que, mesmo diante do desafio
da maternidade sempre se mostrou presente e disposta a ajudar para que a conclusão desse
trabalho ocorresse. Gostaríamos de agradecer de todo coração pela vocação em lecionar e
dividir parte de sua sabedoria teórica e prática, fundamentais durante a elaboração dessa
monografia.
A amizade que sempre esteve presente entre os autores desse trabalho desde o início
da faculdade, e aos amigos que, de alguma forma, nos auxiliaram e acumularam em nossa
memória uma infinidade de bons momentos e companheirismo.
A Daniel Teixeira, Bernardo Loureiro e Vinicius D'Elia, pessoas que dispuseram parte
de seu tempo para auxilio da confecção desse trabalho, apenas no interesse verdadeiro de
ajudar-nos e movidos por um verdadeiro espírito de solidariedade.
A Deus, por tudo concedido desde o dom da vida, por sempre se fazer presente através
do seu amor, manifestado principalmente pelo sacrifício de seu filho, Jesus Cristo, exemplo
máximo de santidade e caridade. A Nossa Senhora, retrato de humildade, que esteve ao nosso
lado durante toda essa caminhada com o objetivo único de levar-nos a Deus.
VI
LISTA DE ABREVIATURAS E\OU SIGLAS
VII
LISTA DE QUADROS
VIII
LISTA DE TABELAS
IX
LISTA DE GRÁFICOS
X
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................................................1
3.1 – DESENHO............................................................................................................10
4 – RESULTADOS ..................................................................................................................12
5 - DISCUSSÃO .......................................................................................................................14
6 - CONCLUSÕES ...................................................................................................................19
XI
1 – INTRODUÇÃO
Sepse é uma disfunção orgânica potencialmente fatal causada por uma resposta
desregulada do hospedeiro a infecção(1). Choque séptico é uma complicação da sepse, cuja
mortalidade ultrapassa 40%, e é definido pela necessidade de vasopressor para manter PAM
≥65 mmHg e lactato sérico >2 mmol/L apesar da ressuscitação volêmica adequada.(2). A
disfunção miocárdica no choque séptico se caracteriza por uma depressão na função sistólica
e diastólica de ambos os ventrículos, decorrente do estado inflamatório desregulado inerente
ao processo infeccioso(3).
Dois estudos conduzidos pelo Instituto Latino Americano de Sepse apontaram a alta
prevalência de sepse e choque séptico nas unidades de terapia intensiva associadas a elevadas
taxas de morbidade e mortalidade, assim como altos custos. Cerca de 25% dos leitos de
terapia intensiva no Brasil são ocupados por estes pacientes, gerando um gasto per capta
médio de 934 dólares por dia. Esse valor aumenta em pacientes não sobreviventes(4)(5).
Atualmente é a maior causa de mortalidade em UTI’s brasileiras, atingindo uma taxa
de 49,1% em hospitais públicos e 36,7% em privados. O tempo decorrido do início da
disfunção orgânica até seu diagnóstico foi o dobro quando comparamos o segmento público
com o suplementar contribuindo com achados de maior gravidade no momento da avaliação e
com o atraso na instituição do tratamento adequado(4).
A carência de informações e sua heterogeneidade, fazem da sepse e do choque séptico
um desafio para qualquer profissional de saúde, sendo necessária uma equipe multidisciplinar
para melhor otimização do tratamento(6). Semelhante ao politrauma, infarto agudo do
miocárdio ou acidente vascular cerebral, a rápida identificação e manejo apropriado precoce
melhora a taxa de sobrevida destes doentes(1).
O sistema cardiovascular desempenha um importante papel na patogênese da sepse(7).
Nos últimos 50 anos, estudos demonstram que disfunção miocárdica é um achado comum em
pacientes sépticos, estando presente em cerca de 20-50% dos casos(3).
O rápido reconhecimento da disfunção miocárdica é imperativo(8), uma vez que os
mediadores inflamatórios relacionados a sua patogênese relacionam-se também a disfunção
de múltiplos órgãos(9). O uso rotineiro do ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional
com Doppler colorido e a dosagem de marcadores de necrose miocárdica tem se mostrado de
excelente valor na avaliação e identificação do quadro supracitado, visando contribuir para
que medidas apropriadas sejam tomadas de forma mais precoce(3).
1
A disfunção miocárdica associada a sepse é um tema controverso na terapia intensiva.
Parker et. Al, em 1984, publicou um estudo onde a disfunção de VE mostrou-se ser um bom
prognóstico nos pacientes com choque séptico. Porém, estudos mais recentes não
conseguiram reproduzir estes achados(10)(11).
O objetivo do estudo é determinar a prevalência da disfunção miocárdica nos
pacientes com choque séptico que internaram num hospital privado no estado do rio de
janeiro no período entre 2011 e 2016.
O objetivo secundário é avaliar a incidência da disfunção miocárdica e sua correlação
com a mortalidade. Incluiu-se nessa análise os pacientes que comprovadamente apresentavam
nova ou piora da disfunção cardíaca.
2 - FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 – Sepse
2.1.1- Introdução
O termo é originário do grego sepsis, que remete a putrefação. É uma patologia
conhecida há cerca de 2400 anos, descrita pela primeira vez por hipócrates como 'perigoso,
odorífero comprometimento biológico que poderia ocorrer no organismo'(12). Atualmente,
Sepse é definida como uma disfunção orgânica potencialmente fatal causada por uma resposta
desregulada do hospedeiro a infecção(1). É umas das patologias mais prevalentes nas
unidades de terapia intensiva no mundo, apresentando uma mortalidade de 25% nos países
desenvolvidos(2) e 37% no território brasileiro(13). Sepse não é caracterizada como uma
doença de notificação compulsória e é representada pelo CID-10 A4(14).
Devido a grande prevalência no mundo e uma elevada mortalidade, em 2004 foi
publicado o primeiro ‘Surviving Sepsis’, atualizado em 2006, 2012 e mais recentemente em
2016(1). Atualmente, este é considerado o guideline referência para o manejo da sepse. Desde
então, o entendimento sobre a fisiopatologia, diagnóstico e tratamento dessa patologia mudou
consideravelmente(2).
No Brasil a sepse ainda é considerada como uma doença negligenciada, com estudos
apontando cerca de 600 mil novos casos por ano, representando um dos principais desafios a
saúde pública(13). Apesar da redução na sua mortalidade observada nos países desenvolvidos,
essa variável não sofreu modificação em território brasileiro nos últimos anos(15).
2
2.1.2 - Fisiopatologia
Todos os mecanismos que levam a sepse tem como início comum a infecção por um
microrganismo potencialmente patogênico(1). Nos últimos anos, houve uma mudança no
entendimento da fisiopatologia da sepse, compreendendo-se que ela é decorrente não apenas
de uma resposta inflamatória sistêmica, mas sim de uma disfunção orgânica, tal descoberta foi
a base para a mudança nos critérios diagnósticos apresentados no sepsis 3(2).
A imunidade celular desempenha um importante papel na fisiopatologia da sepse(16).
No início do processo, Células T CD4 quando ativadas secretam citocinas com caráter
inflamatório mediante resposta Th1 (TNF-Alfa, interferon-gama, interleucina-2) e também
citocinas anti inflamatórias mediante resposta Th2 (Interleucina-4, interleucina-10)(16), a
regulação dessa resposta é desconhecida, mas postula-se que a diferenciação no tipo de
resposta T CD4 seja associada ao tipo de patógeno responsável e a localização da
infecção(17). Além da produção dos mediadores mencionados, o organismo também produz
óxido nítrico, responsável pela vasodilatação arterial e radicais livres que participam da lesão
orgânica na septicemia(17). Tanto a via inflamatória quanto antiinflamatória, quando
desbalanceadas levam a disfunção orgânica(16). Ainda, na fase aguda do processo, há
alterações importantes na microcirculação, com vasodilatação, aumento da permeabilidade
capilar, trombose, redução da densidade capilar, contribuindo para hipovolemia relativa e
hipotensão, o que gera um processo sistêmico de hipoperfusão, predominância do
metabolismo anaeróbio, hiperlactatemia e depressão miocárdica(18).
Após o processo agudo, o organismo entra em anergia, ou seja, não consegue mais
responder de forma adequada aos agentes infecciosos(16). Dessa forma, há uma diminuição
importante da resposta Th1 sem aumento de resposta Th2 e estimulo a apoptose celular(19).
Além disso, o processo contínuo de hipoperfusão tecidual, perda da arquitetura vascular da
microcirculação e hiperlactatemia levam a disfunção de múltiplos órgãos levando o paciente
ao óbito(20).
2.1.3 - Diagnóstico
Recentemente os critérios diagnósticos para sepse foram atualizados.Antes, utilizava-
se como base a presença de um sítio de infecção confirmado associado a dois critérios da
síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), presente no seguinte quadro(21):
3
Síndrome da resposta inflamatória sistêmica
Febre (Tº axilar maior que 38º) ou hipotermia (Tºaxilar menor que 36º)
Frequência cardíaca maior que 90
Frequência respiratória maior que 20
Leucocitose (Maior que 12.000/mm³) ou leucopenia (Menor que 4000/mm³) ou mais
que 10% de bastões
Quadro 1 - Síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS)
4
Sofa Score 0 1 2 3 4
Respiração
Pa02 / Fi02 > 400 < 400 < 300 <200 <100
Coagulação
Plaquetas
>150 < 150 < 100 <50 <20
10³mm ³
Dopamina 5.1- Dopamina > 15
Dopamina <5
15 ou epinefrina ou epinefrina >
ou qualquer
Cardiovascular PAM >70 PAM < 70 < 0.1 ou 0.1 ou
dose de
norepinefrina norepinefrina
dobutamina
<0.1 >0.1
Fígado
bilirrubina
< 1.2 1.2-.19 2.0-5.9 6.0-11.9 >12.0
mg/dl
Sistema nervoso
central
escala de
15 13-14 10-12 6-9 <6
glasgow
Renal
Creatinina
<1.2 1.2-1.9 2.0-3.4 3.5-4.9 >5
mg/dl
Débito urinário
- - - <500 <200
ml/d
Quadro 2 - SOFA (Sequential Organ-failure Assessment Score)
5
Quick SOFA
Confusão mental
Pressão arterial sistólica menor ou igual a 100 mmHg
Frequência respiratória maior ou igual a 22 irpm
Quadro 3 - Quick SOFA score
Dessa forma, essa ferramenta não é considerada como método diagnóstico para sepse,
apenas sugere pacientes com maior gravidade, de modo que um qSOFA negativo não exclui o
seu diagnóstico(2).
Atualmente, encontra-se em debate a validade dos 'scores' apresentados devido a sua
reduzida sensibilidade para o diagnóstico de sepse, principalmente em ambientes com
recursos limitados, selecionando apenas uma determinada população com doença mais
grave(23). Dessa forma, no território brasileiro onde a doença já possui elevada mortalidade, a
aplicação dessas ferramentas diagnósticas mais específicas e menos sensíveis pode retardar
ainda mais o reconhecimento e a intervenção precoce nos pacientes com sepse, contribuindo
ainda mais para aumentar sua mortalidade e morbidade(24).
6
Apesar de numerosos estudos demonstrarem evidências de prejuízo cardiovascular em
pacientes com sepse e choque séptico, ainda não há uma definição universalmente aceita para
a disfunção miocárdica induzida pela sepse. Sendo, hoje, a mais aceita como sendo uma
disfunção miocárdica intrínseca, tanto sistólica como diastólica de ambos os ventrículos,
induzida pela sepse(2,25).
2.3.3 - Fisiopatologia
A fisiopatologia da disfunção miocárdica induzida pela sepse ainda é controversa. A
primeira hipótese aceita era de que uma isquemia miocárdica global, proveniente de um fluxo
sanguíneo reduzido, frente a um choque distributivo, seria a responsável. Entretanto, estudos
demonstraram que o fluxo coronariano durante um quadro séptico estava normal ou por vezes
aumentado, contestando a hipótese acima(3).
Posteriormente, sugeriu-se que há uma má distribuição coronária que contribuiria para
dano endotelial, depósito intravascular de fibrina e infiltração neutrofílica o que poderia
provocar isquemias focais e decréscimo da função cardíaca e que juntamente com um
aumento na permeabilidade dos cardiomiócitos seria responsável pelo aumento da troponina
plasmática. As evidências atuais apontam para um processo que seria resultado da interação
de muitos fatores, incluindo inflamação, metabolismo e neuroimunomodulação(3,26)(7).
Os fatores circulantes depressores do miocárdio são fundamentais apesar de
desempenharem papel apenas inicial na disfunção. O principal deles seria a atenuação da
resposta adrenérgica à nível dos cardiomiócitos devido a uma ‘down-regulation’ de receptores
beta-adrenérgicos e depressão das vias de sinalização intracelular, esse mecanismo parece ser
desempenhado sobretudo por citocinas como TNF-alfa, IL-1beta e óxido nítrico, outra vias de
depressão na sepse é a injúria ou morte cardiomiocitária que pode ser induzida por toxinas e
complemento(7).
A disfunção metabólica desempenha um papel crítico. A oxigenação do miocárdio não
parecer estar alterada na sepse, entretanto, há um acúmulo de evidências que indicam que a
produção energética encontra-se prejudicada. Sob condições normais, aproximadamente 70%
do ATP nos cardiomiócitos é produzido via oxidação de gordura e o restante é produzido a
partir de glicose. Durante a sepse, a IL-1beta pode reduzir a expressão do receptor para LDL
nos cardiomiócitos reduzindo assim, a captação de lipídios e a produção energética(27).
Desregulação autonômica possui, também, caráter de destaque. Dados sugerem que a
sepse induz: apoptose neuronal e glial nos centros autonômicos do coração, níveis plasmáticos
7
elevados de catecolaminas, variabilidade da frequência reduzida e redução da resposta a
catecolaminas intrínsecas(26).
Estudos recentes sugeriram que a disfunção cardíaca está associada a um aumento na
mortalidade de pacientes sépticos(3,28)(29). Portanto, entender completamente a patogênese
da disfunção miocárdica induzida pela sepse e buscar terapias específicas, representarão
benefícios no prognóstico de pacientes sépticos(3).
2.3.2 - Diagnóstico
Alterações hemodinâmicas na sepse e choque séptico vêm sendo investigadas por 60
anos. Durante esse período, o ecocardiograma foi o método mais utilizado para a avaliação
cardíaca por ser de fácil acesso, não invasivo e realizável à beira do leito, visando avaliar a
função, diversos parâmetros foram desenvolvidos como por exemplo índice cardíaco e fração
de ejeção(29,30). Entretanto, estudos recentes demonstraram que métodos ecocardiográficos
mais modernos como 'speckle tracking' e 'tissue Doppler' são mais sensíveis nesta abordagem,
sendo capazes de detectar alterações ventriculares segmentares de forma mais precoce(29–
31).
2.4 - Análise da função ventricular pelo ecocardiograma transtorácico
2.4.1 - Introdução
O ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional com Doppler colorido é o método
mais utilizado atualmente nas unidades de terapia intensiva para avaliação da função
ventricular(32). Apesar de métodos mais complexos como o 'strain', 'strain rate' ou 'tissue
tracking' identificarem de forma mais precoce a presença de disfunção miocárdica, sua pouca
disponibilidade e alta complexidade dificultam a implementação desses métodos nos serviços
hospitalares, dessa forma o ecocardiograma permanece como o método não invasivo de
escolha para análise(33).
8
A fração de ejeção é calculada mediante a diferença entre o volume diastólico final e o
volume sistólico final, divididos pelo volume diastólico final. O parâmetro volumétrico é
obtido através da realização de um corte apical 4 câmaras com a valva mitral aberta e fechada
com posterior mensuração do tamanho do ventrículo esquerdo nas duas situações
apresentadas, repetindo a técnica com um corte apical 2 câmaras(35).
Volume diastólico final é definido como o cálculo realizado sobre a imagem obtida
após o fechamento da valva mitral ou a imagem obtida no momento em que o tamanho do
ventrículo esquerdo é o maior durante o ciclo cardíaco(35).
Volume sistólico final é definido como o cálculo realizado sobre a imagem obtida
após o fechamento da válvula aórtica ou a imagem obtida no momento em que o tamanho do
ventrículo esquerdo é o menor durante um ciclo cardíaco. Após obtenção desses parâmetros é
possível classificar a função ventricular esquerda em normal, disfunção leve, moderada ou
grave de acordo com os resultados apresentados no quadro a seguir(35).
9
isovolumétrico divididos pelo tempo de ejeção ou pela diferença entre o tempo de abertura e
fechamento da valva tricúspide e o tempo de ejeção divididos pelo tempo de ejeção(35).
Esse método possui como vantagens a correlação com prognóstico de doentes com
hipertensão pulmonar e é a medida menos alterada pela freqüência cardíaca, porém para sua
mensuração é necessário que o paciente apresente um ritmo cardíaco regular, além disso ele é
carga depende e não confiável quando a pressão do átrio direito está aumentada. É
recomendado que ele não seja utilizado como método isolado para avaliação da função
ventricular e não deve ser usado em pacientes com ritmo cardíaco irregular(36).
Ainda, outros métodos volumétricos e não volumétricos podem ser utilizados em conjunto
para se obter mais dados sobre a função ventricular direita, tais como: grau de aumento da
pressão dos ventrículos, excursão sistólica do plano do anel tricúspide (TAPSE), variação
fracional da área (FAC), etc(35).
3 – MATERIAL E MÉTODO
3.1 – DESENHO
Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal através da revisão de
prontuários utilizando o sistema LAUDHOS e LAUDHOS.HISTORICA. Foram selecionados
478 pacientes internados em um hospital da rede privada da cidade do Rio de Janeiro entre
julho de 2011 e julho de 2016 com diagnóstico de choque séptico e que realizaram
ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional com Doppler colorido nas primeiras
quarenta e oito horas da internação a fim de estabelecer o diagnóstico de disfunção
miocárdica. A partir desse grupo, foi realizado o estudo de prevalência de disfunção
miocárdica e correlacionado com a idade, sexo e etiologia do processo infeccioso.
Como objetivo secundário, foram selecionados através de uma análise longitudinal
retrospectiva, 63 pacientes que além dos critérios já citados para análise da prevalência,
também realizaram ecocardiograma transtorácico nos seis meses anteriores à internação
hospitalar. A partir desse grupo, foram avaliados dados referentes a incidência e mortalidade.
10
como 'New England Journal of medicine', 'Jornal of the american medical association' e
'Critical Care' e utilização dos principais guidlines internacionais sobre os temas abordados,
tais como: 'Surviving Sepsis Campaign', Sepsis-3 e o último consenso de ecocardiografia da
'American Society of Echocardiograpy'. Para estudo da sepse em território brasileiro foram
utilizados artigos publicas pela ILAS e AMIB. Dessa forma foram selecionados 44 artigos
publicados entre os anos de 2000 e 2018 escritos em língua inglesa ou portuguesa.
11
realizaram ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional com Doppler colorido nas
primeiras 48 horas de internação. Para análise de incidência e mortalidade foram excluídos
pacientes que além dos critérios acima citados, não realizaram ecocardiograma transtorácico
uni e bidimensional com Doppler colorido nos seis meses anteriores à internação atual.
4 – RESULTADOS
4.1 - Prevalência
Foram avaliados 478 pacientes, dos quais 232 eram homens e 246 mulheres,
correspondendo respectivamente a 48.5% e 51.5% da amostra. A média geral de idade foi 74
anos (98 máximo e 17 mínimo) sendo a média de idade nos homens 74 (98 máximo e 24
mínimo) e nas mulheres 74 (98 máximo e 17 mínimo). Esses doentes foram organizados de
forma a correlacionar a prevalência geral de disfunção miocárdica, disfunção de ventrículo
esquerdo, direito e biventricular de acordo com sexo. Os dados estão expostos na tabela 1.
12
Além disso, foi avaliado o padrão do acometimento ventricular em relação ao foco etiológico
da sepse, presenta na tabela 3.
13
Incidência de Disfunção Miocárdica
Induzida por Sepse
Disfunção Induzida por Sepse Ausência de Disfunção
29%
71%
5 - DISCUSSÃO
5.1 - Prevalência
5.1.1 - Achados gerais
A população estudada é composta de 478 indivíduos, sendo 232 homens e 246
mulheres, o que corresponde respectivamente a 48.5% e 51.5% da amostra. A idade média
apresentada foi de 74 anos (Máxima 98 e mínima de 17). Apesar da predominância do sexo
masculino ser uma constante em todos os estudos em terapia intensiva(13), neste o percentual
referente ao sexo feminino foi maior.
Tal achado pode ser explicado pelo estudo ter sido conduzido não somente em
ambiente de terapia intensiva, mas também em unidade semi-intensiva. Além disso, o estudo
14
admitiu somente pacientes com diagnóstico de infecção, excluindo-se causas de internação
que são mais comuns no sexo masculino, como doença cerebrovascular e causas externas(37).
Foi observado que 121 pacientes apresentavam disfunção miocárdica, o que
corresponde a 25.52% da população estudada. Esses dados concordam com a literatura
médica atual, que define que essa complicação está presente em cerca de 20% dos pacientes
com choque séptico em unidades de terapia intensiva(3). Dentre os homens 28.40%
apresentaram disfunção, enquanto que no grupo representado pelas mulheres, esse achado foi
observado em 22.35%, correspondendo a um valor absoluto de 66 homens e 55 mulheres
(tabela 2).
Apesar da relativa semelhança entre os grupos, a diferença encontrada pode ser
explicada por mulheres apresentarem mais frequentemente sepse de foco urinário(38), a qual
possui evolução mais favorável quando comparado a outros focos infecciosos(39). Justifica-se
assim a menor disfunção orgânica e consequentemente miocárdica. Nessa amostra, 39
mulheres foram diagnosticadas com sepse urinária 'versus’' 29 homens. Além disso, é
possível que haja maior prevalência de disfunção miocárdica prévia na população masculina,
devido a maior prevalência de doenças cardiovasculares nesse grupo(40).
Dentre os pacientes com disfunção miocárdica, 76.03% apresentaram disfunção de
ventrículo esquerdo, 7.43% disfunção de ventrículo direito e 16.54% de ambos os ventrículos
(tabela 2). A epidemiologia da distribuição do acometimento ventricular no choque séptico
não é amplamente definida pela literatura atual. A disfunção de ventrículo esquerdo é mais
prevalente na população geral, o que influencia diretamente nos dados encontrados(40).
Dentre os 66 homens com disfunção cardíaca, 83.33% apresentaram disfunção de
ventrículo esquerdo, 3.03% de ventrículo direito e 13.63% biventricular. Dentre as 55
mulheres, o acometimento de ventrículo esquerdo foi de 67.27%, 12.73% de ventrículo direito
e 20% biventricular como explicitado na tabela 2. No subgrupo feminino, o ventrículo direito
foi mais acometido. A disfunção do ventrículo direito é mais prevalente na população idosa e
quando presente na sepse tem pior prognóstico(41).
O tratamento dos pacientes com choque séptico e disfunção miocárdica apresenta
particularidades em relação aos pacientes sem disfunção. Devido a alta prevalência dessa
complicação demonstrada nesse estudo, a realização de um ecocardiograma transtorácico
precoce no paciente com choque séptico é importante, pois a presença de alterações na função
cardíaca é comum e necessita de terapêutica específica. Em geral, utiliza-se mais inotrópicos
como a dobutamina e a hidratação volêmica costuma ser mais restritiva, devido a maior
chance de congestão pulmonar(1).
15
5.1.2 - Prevalência por etiologia
O foco do processo infeccioso é fator prognóstico na evolução da disfunção orgânica
provocada pela sepse(39). Devido à sua importância como um fator de risco, o presente
estudo subdividiu os dados relativos à prevalência com base em grandes grupos da terapia
intensiva, como pode ser observado na tabela 3.
Nos pacientes avaliados, o maior número de internações foi atribuído à pneumonia
(246 casos), seguido de sepse por foco indeterminado (113 casos), infecção do trato urinário
(68 casos) e sepse abdominal (34 casos).
16
septicemia por gram negativos e meningite meningocócica, justificando a maior presença de
disfunção orgânica.
Dos grupos apresentados, o que menos se relacionou a disfunção miocárdica foi a
sepse abdominal, presente em 17.64% dos pacientes. A principal etiologia presente nos
pacientes com sepse abdominal foi colecistite, que é uma infecção de bom prognóstico.
Caracteristicamente, infecção do trato urinário gera menos disfunção orgânica(38), porém
nessa população a sepse abdominal foi a menos relevante.
A etiologia com maior causa de disfunção de ventrículo esquerdo, direito e
biventricular foi pneumonia, devido ao maior número absoluto de casos. Todas as etiologias
infecciosas estudadas apresentaram algum grau de comprometimento miocárdico, o que
sugere que essa complicação pode estar presente em qualquer foco infeccioso. Todavia, a
disfunção de ventrículo direito só foi observada em pacientes com pneumonia, infecção do
trato urinário e abdominal. Essa relação é explicada pois são os grupos com maiores números
de casos absolutos, não sendo a disfunção de ventrículo direito uma particularidade de
nenhum processo infeccioso.
Gráfico de Mortalidade
100%
80%
60%
40% 83%
51% 49%
20%
17%
0%
Com Disfunção Sem Disfunção
18
de base prévia e complicações como tromboembolismo pulmonar e arritmias, que seriam
variáveis passíveis de implicar na mortalidade.
Apesar disso, esse estudo propôs uma nova forma de correlacionar a disfunção
miocárdica com a mortalidade, com base na utilização da incidência, tendo como resultado
um achado diferente da literatura, que usa como base a prevalência, eliminando, portanto, um
viés de confusão.
Além disso, o estudo determinou que disfunção miocárdica é muito prevalente em
unidades hospitalares associado ao choque séptico, embasando a recomendação do 'Surviving
Sepsis' de avaliar a função miocárdica após a ressuscitação volêmica(1).
6 - CONCLUSÕES
A disfunção miocárdica é um achado comum em pacientes com choque séptico,
correspondendo a 25.52% da amostra avaliada. Dentre os grupos infecciosos observados, a
pneumonia foi o grupo com maior número absoluto de casos e a sepse de foco indeterminado
o grupo com maior prevalência. Mulheres se associaram menos a disfunção miocárdica do
que homens provavelmente por ser a sepse urinária a maior causa de internação, a qual
costuma ser mais branda. Porém, estiveram mais associadas a disfunção de ventrículo direito.
Após esse estudo é possível sugerir que pacientes que internam em unidade de terapia
intensiva com diagnóstico de choque séptico realizem ecocardiograma transtóracico uni e
bidimensional com Doppler colorido precocemente, de forma a estimar a função cardíaca.
Essa recomendação já se encontrava presente no 'Surviving Sepsis Campaign', porém com
grau de recomendação insuficiente. Caso seja possível, a caracterização da disfunção como
nova deve ser realizado, pois nesse estudo esteve associada à maior mortalidade.
A incidência de disfunção miocárdica também foi elevada, estando presente em
28.57% do subgrupo avaliado. A presença de disfunção miocárdica nova induzida por sepse
se associou a um maior risco de mortalidade (RR 5,28 IC 95% 1.28-20.58 p= 0.018), dessa
forma infere-se que a presença de casos de disfunção miocárdica prévia é fator de
confundimento para a correlação com mortalidade. A partir desse estudo é possível inferir que
a presença dessa complicação se correlaciona a um pior prognóstico do doente com choque
séptico. Recomenda-se, portanto, que estudos posteriores utilizem a incidência de disfunção
miocárdica para correlacionar com mortalidade. Tal qual eliminem outros viéses de confusão,
como a presença de outras disfunções orgânicas e patologias de base prévias.
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7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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