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2/01/2009

Concessões de energia e segurança jurídica


Opinião por Fábio Amorim
No ano de 2015, dezenas de concessões de geração, distribuição e transmissão
de energia vencerão e, diante da repercussão e do impacto no setor elétrico, esse
tema encontra-se no centro das discussões políticas e setoriais. Um dos pontos
nevrálgicos recai sobre a possibilidade de prorrogar ou não os prazos dessas
concessões, já que o artigo 27 da Lei nº 9.427, de 1996, em vigor à época da
assinatura dos contratos, foi posteriormente revogado pelo artigo 32 da Lei nº
10.848, de 2004.

Sabe-se que a Lei de Introdução ao Código Civil dispõe que a legislação em vigor
tem efeito imediato geral, atingindo, contudo, somente os fatos futuros, e não os
pretéritos. Ou seja, a lei nova – nesse caso, a Lei nº 10.848 - não pode alcançar os
contratos celebrados sob a vigência da lei distinta, ou seja, a Lei nº 9.427. Do
contrário, os direitos subjetivos seriam atingidos, impactando interesses legítimos
dos titulares dessas concessões, que têm em seus contratos a garantia da
prorrogação, em razão da previsão contida no referido artigo 27. A alteração da
legislação não poderia, portanto, surtir efeitos nos contratos de concessão
celebrados à época em que o artigo 27 vigorava, sob pena de infringência de
princípios jurídicos fundamentais.

Dentre esses princípios, destacam-se o ato jurídico perfeito e o direito adquirido,


devendo ser respeitados diante da aplicação do princípio da segurança jurídica,
pois, caso contrário, as concessionárias não teriam a segurança de ver seus
direitos assegurados no tempo. Regras vigentes à época da celebração de um
contrato devem ser cumpridas, conferindo estabilidade à ordem jurídica
constitucional, haja vista que a segurança jurídica torna possível a visualização
pretérita e futura dos efeitos jurídicos da regulação. Uma eventual não prorrogação
das concessões que expirarão em 2015 acarretará uma grande insegurança por
demonstrar que o conteúdo dos contratos assinados em nosso país poderá ser
modificado a qualquer instante, sem que haja qualquer respeito e proteção à
confiança. Caso esses contratos pudessem ser modificados única e
exclusivamente de acordo com a vontade unilateral de uma das partes, a
segurança jurídica, uma das maiores conquistas do Estado de direito, seria
abalada, e a inobservância do ato jurídico perfeito e do direito adquirido
comprometeria significativamente a finalidade o contrato e o próprio Estado.

O respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e ao princípio da segurança


jurídica sobre os contratos deve contemplar o direito contido no artigo 27 da Lei nº
9.427, que, por sua vez, contemplava a possibilidade de prorrogação dos
contratos, nos moldes previstos nas próprias cláusulas contratuais, uma vez que
essa lei vigorava à época. Entender que o artigo 27 foi revogado, tornando
impossível a prorrogação da concessão, geraria uma desordem em nosso
ordenamento jurídico e a modificação de todos os contratos previamente
celebrados a cada alteração legislativa, ensejando um caos jurídico-regulatório, já
que o acordo firmado entre as partes não seria devidamente respeitado e
cumprido.

Portanto, a descontinuidade das concessões por meio da não prorrogação dos


contratos ecoará negativamente no setor, trazendo à tona a instabilidade das
normas e o desrespeito aos contratos e infringido não apenas o princípio da
segurança jurídica, mas principalmente o interesse público. Essa insegurança
levará a um esvaziamento nos investimentos neste setor, acarretando reflexos
negativos na própria economia pública. Isso sem falar na ausência de
investimentos para manter a continuidade e a qualidade dos serviços prestados, o
que não mais será possível.

Uma eventual nova licitação, além de incabível, haja vista a previsão legal e
contratual de que essa só seria necessária em caso de irregularidade, bem como
de inexistência de cláusula contratual de prorrogação, implicaria em retirar capital
novo destinado à expansão do setor, para a aquisição de ativos existentes. Além
disso, não se pode descartar o risco de os serviços serem prejudicados ou mesmo
paralisados até o fim do processo licitatório, já que não é lógico e coerente que a
concessionária cujo contrato não seja renovado fique obrigada a continuar
investindo e prestando serviço com a mesma qualidade e eficiência. Dessa forma,
uma nova licitação não se coaduna com os princípios da eficiência e razoabilidade,
deixando de atender, por óbvio, o interesse público.

Para evitarmos a insegurança jurídica, política e regulatória que hoje observamos,


o governo federal precisa se manifestar ainda neste ano, já que em 2010 teremos
eleições presidenciais e uma solução tardia para o assunto traz incertezas e
especulações desnecessárias para o setor. O que se espera com a prorrogação
das concessões que estão para vencer em 2015 é a manutenção da qualidade, da
continuidade e da modicidade dos serviços que vêm sendo prestados à sociedade,
de forma a atender o interesse público, ainda que, para tanto, se faça necessário
atestar, por meio de relatórios técnicos de fiscalização, a capacidade da
concessionária que pretende ter seu contrato prorrogado. Pelos aspectos legais,
contratuais e doutrinários, a prorrogação é plenamente possível, sendo esse o
entendimento unânime dos diversos segmentos do setor.

Fábio Amorim é sócio da área de infra-estrutura e direito público do escritório


Felsberg e Associados e membro do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da
Energia
(IBDE)

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