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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Departamento de História

São Paulo, 2015

SEQUÊNCIA DIDÁTICA:

“Jongo: memória e resistência do povo negro no Brasil”

DISCIPLINA:
Brasil Independente I

DOCENTE:
Zilda Iokoi

GRUPO:
André de Lima Oliveira

Beatriz Bigoto

Frederico Maróstica

Larissa Helena Costa

Lauri Henrique Lope

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Sumário:

Proposta.................................................................................p.3
Campo semântico: o jongo......................................................p.4
Herança cultural e a influência no samba.................................p.6
Análise documental................................................................p.9
Considerações Finais.............................................................p.13

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Jongo: memória e resistência do povo negro no Brasil

“Tava dormindo cangoma me chamou


Levanta povo que o cativeiro já acabou
Tava dormindo cangoma me chamou
Levanta povo que o cativeiro já acabou”1

Proposta
O seguinte material tem como objetivo relacionar o processo Histórico da
transição do Sistema Colonial para o Sistema Republicano no Brasil. Esse
conhecimento é necessário para introdução do com o Jongo como forma de música,
expressão, religiosidade afro-brasileira e resistência negra.
Através da análise das letras dos pontos e estudo de História do Brasil, o aluno
será capaz de observar o Jongo enquanto elemento importante na constituição de um
passado histórico. Com isso, o professor poderá trabalhar questões relativas à
escravidão sob um ponto de vista cultural e artístico, dando exemplos além dos que
aparecem tradicionalmente nos livros didáticos, tratando o Jongo como documento
Histórico e político.

PÚBLICO ALVO
Segundo ano do Ensino Médio, de acordo com a Proposta Curricular do Estado
de São Paulo2.

MATERIAIS NECESSÁRIOS
Para a realização desta sequência didática o (a) professor (a) precisará
de aparelhos de audiovisual tal como: rádio, computador ou projetor.

Campo semântico: o jongo

Jongo, Caxambu, Tambu ou Tambor, de acordo com Stanley J. Stein:” é uma


dança e um gênero poético-musical característico de comunidades negras de zonas

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rurais e da periferia de cidades do Sudeste do Brasil. Praticado sobretudo como
diversão, mas comportando também aspectos religiosos, o jongo originou-se das danças
realizadas por escravos nas plantações de café do Vale do Paraíba, nos estados do Rio
de Janeiro e São Paulo, e também em fazendas de algumas regiões de Minas Gerais e do
Espírito Santo.”.4
Proclamado patrimônio cultural brasileiro pelo Conselho Consultivo do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2005, o Jongo apresenta uma forte herança
da cultura negra no Brasil.
Dentro da cultura africana de língua Bantu, o Jongo se afirma como uma prática para
louvar os antepassados, manter identidades, contar histórias sagradas, lendas, cantos,
dançar e confraternizar; sendo portanto, uma complexa expressão cultural.

GLOSSÁRIO DO JONGO
Afim de compreender melhor a história e linguagem do Jongo, preparamos um
glossário que aponta os significados de cada termo dentro da dança em questão, onde o
professor pode consultar e distribuir à seus alunos. Os significados dos termos foram
retirados do livro: “Memória do Jongo: as gravações históricas de Stanley J. Stein”.
• Jongo: O termo refere-se tanto à dança de um modo geral, quanto às
cantigas.
• Pontos: Cantigas formadas por versos curtos por um participante da
roda.
• Tirar ou Jogar: Iniciar um ponto.
• Pontos de Visaria ou Bizarria: Pontos cantados para animar a dança.
• Pontos de Louvação: Pontos de saudação à pessoas ou entidades
espirituais.
• Pontos de Demanda, Gurumenta ou Porfa: Pontos que transmitem um
desafio a outro jongueiro por meio de uma adivinha à ser decifrada.
• Pontos de despedida: Pontos que encerram o jongo.
• Desatar o ponto: Desvendar uma adivinha lançada em roda.
• Umbigada: Passo de dança em que dois dançarinos encostam o ventre
um no outro.
• Caxambu: Casal de tambores, grande e estrondoso, de som mais grave.

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• Candongueiro: Tambor acompanhante, menor e de som mais agudo.
• Batuque: “Termo genérico que a maioria dos viajantes utilizou para
qualquer reunião de “pretos”. Sem dúvida, foi o nome utilizado pelos “de
fora”. O termo é encontrado também nos códigos de repressão e controle, como
nas posturas municipais de várias cidades do Brasil, ao longo do século XIX, e
nos jornais da Corte, que costumavam reclamar dos incômodos que tais
práticas causavam à vizinhança e ao trabalho.”.3

PROFESSOR(A), sugerimos que assista o filme “Jongo no sudeste” disponível


http://ufftube.uff.br/video/S9AOM4MM3ASU/O-Jongo-no-Sudeste para uma
maior aproximação com o tema, trata-se de um pequeno documentário com
relatos orais de famílias jongueiras com a narração dos costumes e pontos
dessa tradição afro-brasileira. Vale também o assistir com os alunos!

Aula I: Herança cultural e a influência no samba

OBJETIVO

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Resgatar a memória do jongo evidenciando como é grande a sua importância e
influência para a música popular brasileira em geral. Tratar do samba significa, entre
outras coisas, aproximar o conteúdo da realidade dos alunos, do imaginário popular e
nas facetas da identidade nacional.

SUPORTE AO PROFESSOR

Diferentemente do samba, que é um estilo musical, o jongo é uma


dança. A música constitui apenas um dos elementos integrantes dessa dança
que também pode ser entendida como uma espécie de ritual. Além da dança,
existem outros elementos como a improvisação, as regras, os aspectos
religiosos e crenças, o uso de metáforas e códigos como forma de
comunicação. Aqui é importante notar que o jongo só existe por meio da
junção de todos esses elementos, ou seja, a música em si ou os movimentos
corporais não podem ser vistos como partes distintas.

Apesar das diferenças citadas acima, o samba que conhecemos hoje


possui algumas características que são resquícios herdados do jongo.
Exemplos não faltam...

O samba de roda, um dos formatos mais antigos dentro do samba


(tendo suas prováveis origens em fins do séc. XIX), tem traços da
improvisação presente no jongo. Além do próprio fato de ser organizado em
rodas também.

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As escolas
de samba, muitas
criadas na década
de 1920 por
mestres
jongueiros,
possuem até hoje
em seus desfiles
estruturas semelhantes àquelas praticadas nas rodas de jongo. Além da bateria,
composta basicamente por instrumentos de percussão (a exemplo do
Candogueiro e
Caxambu
instrumentos
fundamentais ao
jongo), a presença
de um mestre sala e
de um porta
bandeira remetem
ao casal que inicia a
roda de jongo à
frente dos instrumentos. Outra característica evidente é a presença do
“puxador” que apresenta o que vai ser cantado e é seguido pelos demais.

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No período imediatamente antecessor ao surgimento do samba como
expressão cultural, o jongo cumpria o papel de elemento cultural mais popular
nos morros e zonas rurais das regiões cafeeiras. No entanto, por todas as
simbologias e crenças que carrega, é praticado em ambientes específicos e
familiares que possuem alguma
relação de intimidade entre os
praticantes, o que torna sua
pratica limitada a poucos
lugares. O samba, também de
raiz negra, marginalizado e
criminalizado nos anos pós
abolição, por outro lado
conseguiu sua difusão em
âmbito nacional.

LEIA MAIS EM:

http://jongodaserrinha.org/

PROPOSTA DE ATIVIDADE (A)

Intuindo fixar os conceitos inerentes a reminiscência cultural representada pelo


Jongo e pelo Samba, nesta atividade o (a) professor (a) deverá reproduzir gravações
sonoras dos referidos traços culturais à sala de aula. Indica-se a utilização das músicas

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“Coitado do Zé Maria”, do grupo musical “Jongo da Serrinha”, e “100 anos de
liberdade, realidade ou ilusão?”, de Hélio Turco, Jurandir e Alvinho, samba-enredo
do Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira de 1988,
representando o Jongo e o Samba, respectivamente. Ambas as músicas servem como
crônicas da realidade opressiva imprimida aos negros e afrodescendentes no contexto
social brasileiro.

Tendo apresentado uma música de Jongo e outra de samba, o (a) professor (a)
iniciará uma descrição à cerca dos atributos afins, assim como os elementos peculiares a
cada expressão artística. Questionar os alunos(as):

 Quem produz essas músicas?


 Quando foram produzidas?
 Onde foram produzidas? Onde são ouvidas?
 Quem escuta essas músicas?
 Quais os instrumentos utilizados?
 Que semelhanças podemos notar entre elas?

Então, cabe ao professor (a), posteriormente, conduzir uma abrangente reflexão


(a qual perpassará todas as propostas de atividade desta sequência) em virtude de
apreender o contexto no qual se desenrolaram esses resíduos culturais e encaixa-lo no
processo histórico que o construiu, salientando as consequências sociais que solapavam
e ainda solapam as comunidades que descendem dos povos escravizados. Através da
sonoridade trabalhar em sala de aula as heranças e raízes da música brasileira que por
vezes é indissociável do processo de formação de identidade nacional, ou seja, trabalhar
elementos subjetivos da história, a cultura.

PROPOSTA DE ATIVIDADE (B)

Sublinhando a importância do Jongo para a constituição e representação da


cultura brasileira, o (a) professor deverá lançar luz à questão do preconceito racial.
Sendo os conceitos “sujeito” e “identidade” construtos abertos a reformulações, é
aconselhável que seja feito um balanço da atual imagem que recebem a África e o Brasil
afrodescendente no imaginário do senso comum, destacando o papel que a

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discriminação racial emprega no processo de segregação social e a emergencial
necessidade de reconfiguração dos referidos conceitos.

Sendo a religião uma das vítimas da preconização do senso comum, esse


elemento deve ser o responsável por concernir a problematização. Para tanto, se sugere
que o (a) professor (a) execute a reprodução sonora da canção “Rozário de Maria”, do
grupo “Jongo da Serrinha”, que expressa o veio religioso de matriz africana, e inicie
pela religião a desconstrução do preconceito.

Aula 2: Análise documental

OBJETIVO
Estabelecer, a partir de letras dos pontos de jongo, relações que dizem respeito a
“resistência do povo negro no Brasil”. Ou seja, usar as letras como fontes históricas, que
por meio da oralidade contam (e cantam) a história de um povo, mais do que isso: a
história da luta de um povo.

SUPORTE AO PROFESSOR
“Composto de canto e dança acompanhados pelos batuques dos tambores, e
originando-se nas senzalas das fazendas de cana-de açúcar e de café, tornou-se uma
forma de comunicação em que os negros bantu-angoleses, por meio dos pontos
enigmáticos, criaram uma expressão poética e complexa de resistência, um espaço para
exercitarem a sua sociabilidade em meio a situação de cativeiro” 1

Desta forma, a análise dos pontos de jongo, as batidas, metáforas, caracterizam-


se como fontes históricas. Muitas estrofes tratam nas entrelinhas da realidade do povo
negro nas senzalas, os conflitos com os capitães do mato e os senhores de café. E ainda
que os estudos históricos cimentados pela historiografia tradicional não contemplem
todas as questões abordadas pelo jongo, sabe-se que há diversos tipos de pontos (entre
eles: ponto de louvação, ponto de saudação, ponto de despedida, ponto de visaria..) e

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BEZERRA-PEREZ, Carolina. “Saravá jongueiro velho! Memória e ancestralidade no Jongo Tamandaré”

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que o jongo também fora mistura de diversos povos vindos da África: Bantu, Islâmicos,
Sudaneses...

Portanto, mais uma vez o Jongo nos aparece como simbologia da resistência,
tanto quando através dos pontos nos conta as fugas e revoltas, como quando pela
utilização, pelo ato, pela dança, pelo som, como elemento cultural que fora proibido e
criminalizado frente a uma sociedade que sempre buscou a modernização europeia,
branca e cristã. Desta forma sua base ancestral, a memória se reconstrói e se transforma
a partir dos elementos do presente.

Recomenda-se que o professor busque o capítulo “ O jongo” do livro “Saravá Jongueiro Velho!
Memória e ancestralidade no Jongo Tamandaré” de Carolina dos Santos Bezerra-Perez, da
editora UFJF para aprofundamento no tema.

PROPOSTA DE ATIVIDADE (C)

Aqui o (a) aluno (a) deverá entender o passado histórico dos afrodescendentes e
relaciona-lo com a atual conjuntura opressora das camadas menos abastadas de nossa
sociedade, sempre destacando os mecanismos de opressão, exploração e as formas de
resistência. A relativização do processo de emancipação pretendido pela Lei Áurea é
substancial nesse momento; servirá para sintetizar toda a discussão e encerrar o
trabalho.

É aconselhável que seja citada a resistência que os jongueiros exercem


almejando a titulação de suas terras, bem como o reconhecimento de sua identidade
quilombola muitas vezes. O propósito deste exercício didático é aprofundar a temática
racial e os conceitos políticos indispensáveis ao processo de formação da consciência de
cidadania de cada estudante.

Para tanto, o (a) professor (a) devera dividir a sala em grupos de 3 a 5


integrantes e distribuir algumas letras de pontos de jongo. A partir disso, os alunos
deverão discutir os pontos, entender do que tratam, de quais fatos históricos, porque é

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que precisavam do jongo para contar segredos e quais eram eles. A finalidade é
entender essas letras como fontes históricas: com local, tempo e sujeitos. Fontes não
tradicionais, mantidas através da oralidade, e assim, aproximar os (as) alunos (as) da
realidade de um historiador. Por exemplo:

“Tava dormindo

A ingoma me chamou

Tava dormindo

A ingoma me chamou

Disse levanta povo

Cativeiro já acabou!

Disse levanta povo Porque o cativeiro


acabou?
Cativeiro já acabou!”
Estes dois primeiros
(Gravado por Clementina de Jesus) pontos tratam de 1888, o
ano em que fora assinada a
“Mil oitocentos e oitenta e oito Lei Aurea. O (a)
professor(a) poderá pedir
Naquele dia de ano aos alunos que pesquisem
o que acontecera neste
Tava durmindo no mato
ano. Porque os soldados
Sordado me procurando” estavam procurando?
Porque estavam no mato?
(Jongo do Coreto- Perus SP)

“Negro morreu, negro morreu

Negro morreu, negro morreu

Eu vi, eu posso falar

Foi pelas mãos da polícia militar


Estes pontos, mais atuais,
Eu vi, eu posso falar ambos cantados na roda
do Jongo do Coreto no
Foi pelas mãos da polícia militar bairro de Perus em São
Paulo, tratam de temas
centrais para o povo
negro: a violência policial
12 e o descaso dos governos.
O (a) professor (a) poderá
aborda-los com uma
E por isso eu vou cantar, por isso lutar

Desmilitarizar já, desmilitarizar já


E por isso eu vou cantar, por isso lutar

(Jongo do Coreto- Perus SP)

“Foi no dia das crianças


na favela o governo deu
Foi no dia das crianças
na favela o governo deu

Tiro de baladum dum


Tiro de baladum dum”

(Jongo do Coreto- Perus SP)

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PROPOSTA DE ATIVIDADE (D)

Para a última atividade desta sequência, pretendemos deixar os alunos com mais
independência e autonomia, possibilitando a pesquisa histórica. Neste exercício o (a)
professor (a) deverá apresentar o seguinte ponto de jongo:

“ A aurora agora é negra


como todas as bandeiras
vem fechando a avenida principal
entupindo as veias do capital
A aurora agora é negra
como todas as bandeiras
vem fechando a avenida principal
entupindo as veias do capital
sem deus, nem rei,
nem leis, nem pátria e nem patrão

Aurora negra coisa linda que surgiu

Fruto da nossa organização


sem deus, nem rei,
nem leis, nem pátria e nem patrão
Aurora negra coisa linda que surgiu”

(Jongo do Coreto- Perus SP)

Este ponto é atual da luta do povo negro, cantado em diversos atos e atividades
políticas do Movimento Negro, sugere-se que o (a) professor (a) mantenha os grupos
formados anteriormente pelos alunos e indique a realização pesquisas acerca dos
seguintes temas:

 O movimento negro no Brasil


 Mulheres Negras
 O 13 de Maio: em 1888
 O 13 de Maio: hoje
 Jongo, capoeira e maracatu

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 Artes de resistência
 A luta do povo negro
 Juventude negra e o direito ao futuro

A pesquisa pode ser realizada a partir de recortes de jornais que tratam do assunto, assim, o
(a) professor (a) também aproximará a classe deste importante veículo de comunicação
social, tão formador de opinião.

Considerações Finais
Acreditamos que por meio desses temas, com aulas e atividades introdutórias os
próprios alunos irão direcionar suas pesquisas sob olhar mais crítico a respeito não só
do passado do povo negro, mas do presente, contemplando suas demandas, suas pautas,
e assim, tornar-se-ão cidadãos que pensam sua identidade, sobretudo sua identidade
racial. Recomenda-se a indicação de jornais, manuais e blogs!

“Não devemos subestimar as possibilidades dos africanos de manterem vivas suas


identidades originais; contudo, na labuta diária, na luta contra os (des)manos do
senhor, na procura de parceiros para a vida afetiva, necessariamente eles haveriam de
formar laços com pessoas de outras origens, redesenhando as fronteiras entre
elas.”. P.57 revista USP

Veja mais em:

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https://www.youtube.com/watch?v=XJ2nwx7khq8

http://jongodaserrinha.org/cd-vida-ao-jongo-2013/

file:///C:/Users/User/Downloads/aoutrafestanegra.pdf

16
http://ufftube.uff.br/video/S9AOM4MM3ASU/O-Jongo-no-Sudeste

http://www.cachuera.org.br/cachuerav02/index.php

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