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RESENHA CRÍTICA: SILVA, Maria Ozanira da Silva e (org.). Avaliação de políticas e


programas sociais: teoria e prática. São Paulo: Veras Editora, 2001.

A obra intitulada “Avaliação de políticas e programas sociais: teoria e prática” é


dividida em duas partes, uma que trata dos aspectos teóricos-metodológicos da pesquisa
avaliativa e outra expositiva de práticas de avaliação de programas sociais. Esta resenha
crítica dará foco à primeira parte da obra, mais geral e teórica, que se encontra, por sua vez,
dividida em dois capítulos.
O primeiro capítulo, intitulado “Avaliação de políticas sociais e cidadania: pela
ultrapassagem do modelo funcionalista clássico”, ressalta a importância da avaliação de
políticas públicas para a efetivação dos direitos de cidadania, defendendo que para o alcance
desta finalidade mostra-se necessário ultrapassar uma análise estritamente econômica,
considerando os aspectos políticos, sem desconsiderar os aspectos técnicos. A autora
esclarece que o modelo funcionalista clássico está ligado às políticas públicas de combate à
pobreza nos EUA, por volta dos anos 60, tratando-se de um modelo fundado no positivismo e
racionalismo clássico, que privilegia basicamente a análise e mensuração dos objetivos
previstos, caracterizando-se, dessa forma, por uma preocupação excessiva com aspectos
técnicos e metodológicos, esquecendo-se dos fatores políticos envolvidos.
Silva argumenta que este tipo de avaliação mostra-se inadequada para políticas
sociais, pois as mudanças sociais envolvem a interação de numerosos fatores, que não podem
ser totalmente previstos, defendendo ainda que essa perspectiva de avaliação, por
desconsiderar os aspectos políticos, contribuiu para reforçar os problemas de exclusão social
no Brasil. Neste sentido, a autora argumenta a necessidade de resgatar os aspectos políticos, o
que implica em conceber a avaliação para além do seu caráter burocrático, através de um
ponto de vista de defesa da sociedade. É destacado pela autora que o autoritarismo presente na
formação social brasileira impediu a construção de uma esfera pública inclusiva e o
fortalecimento da sociedade civil, o que consequentemente impediu também o aparecimento
de canais de representação dos interesses autônomos dessa sociedade, mas que com o
contexto de redemocratização passa-se a buscar modelos alternativos de avaliação de políticas
públicas, especialmente a partir da Constituição Federal de 1988, que provê um novo enfoque
às políticas sociais, colocando como exigência a participação da população como forma de
gestão da coisa pública, o que ocasiona uma mudança no paradigma do processo de avaliação.
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A autora destaca que as conquistas asseguradas constitucionalmente estão sendo


ameaçadas pelo neoliberalismo, que aparece como solução à crise fiscal do estado de bem-
estar, de forma que a proposta de políticas sociais numa perspectiva de cidadania se coloca
em um contexto de crise e reforma do estado, onde o movimento neoliberal define o mercado
como organizador do processo social. A proposta de avaliação, como esclarece Silva, tem por
base a inclusão dos interesses públicos em todas as dimensões, resgatando as dimensões
políticas da avaliação, tendo como intuito possibilitar a participação politizada da população
nas escolhas de políticas sociais. É, portanto, uma perspectiva que se coloca sempre no
sentido de perceber os impactos da política social como política redistributiva e de efetivação
de direitos de cidadania na sua relação estado/sociedade. Dessa forma, a avaliação
participativa torna o procedimento rico, uma vez que sua realização é partilhada com os
agentes e beneficiários envolvidos no programa ou na instituição, afastando-se de um modelo
de avaliação tradicional, que encara a população como mera destinatária da política social.
Silva ressalta ainda que a avaliação participava não é pertinente para todas as situações, de
forma que em alguns casos deve ser complementada com outras abordagens avaliativas.
A avaliação de políticas sociais numa perspectiva de cidadania é entendida pela
autora como estratégia de construção da esfera pública, como mecanismo de articulação entre
estado e sociedade civil em uma perspectiva de crescente democratização da sociedade
brasileira, em uma nova ordem social que valoriza a universalização de direitos de cidadania.
Dessa forma, a noção de esfera pública é condição indispensável para o estabelecimento de
uma nova perspectiva de avaliação. A publicização dos resultados da avaliação das políticas
sociais coloca em prática o direito à informação que é um direito público, próprio das
democracias. A autora conclui que se faz necessário ampliar o debate público em torno da
avaliação de políticas e programas sociais, a qual destaca-se como momento do processo de
formação e implementação das políticas públicas de corte social que de diferentes formas
pode auxiliar na saída da crise.
No segundo capítulo, intitulado “Avaliação de políticas e programas sociais: aspectos
conceituais e metodológicos”, situa-se a avaliação de políticas e programas sociais no âmbito
da pesquisa avaliativa, abordando-a enquanto momento do processo de formação e
implementação das políticas sociais, tratando dos seus aspectos conceituais e metodológicos.
Silva esclarece no início do capítulo que toda política pública é um mecanismo de mudança
social, orientada para a promoção do bem-estar de segmentos sociais, devendo ser
instrumento de distribuição de renda e de equidade social. A autora discorre sobre o processo
das políticas públicas, formado por um conjunto de momentos não lineares, articulados e
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interdependentes, representados pela: 01) Constituição do problema ou da agenda


governamental; 02) Formulação de alternativas de política; 03) Adoção da política; 04)
Implementação ou execução de programa social. A autora destaca que a diversidade de
sujeitos sociais e de racionalidades conduz a desencontros, embates, conflitos, sendo difícil o
estabelecimento de consensos, todavia, para o desenvolvimento do processo de políticas
públicas é indispensável a construção do consenso em aspectos centrais, principalmente no
que diz respeito às prioridades estabelecidas no plano político, de forma que revela-se
importante a avaliação das políticas e programas sociais para servir de base à tomada de
decisões.
Silva esclarece que no Brasil a expansão da avaliação de políticas e programas
sociais é registrada a partir dos anos 80, quando os movimentos sociais passam a demandar
políticas sociais universalizadas, como um direito de cidadania. No entanto, a autora entende
que a prática de avaliação de políticas e programas sociais no país é muito restrita e
desenvolvida mais como mero controle de gastos do que para alimentar os programas em
desenvolvimento, servindo muitas vezes para punir e desenvolver uma cultura do medo
(quanto à perda de recursos para custeio do programa). Neste sentido, a autora destaca que a
avaliação de políticas públicas apresenta dificuldades, podendo-se tecer críticas quanto à
fragilidade metodológica, irrelevância (quando seus resultados não influenciam decisões ou
não são significativos) ou quando seus resultados não são disseminados, por exemplo, que se
tratam de críticas recorrentes. No entanto, a autora entende que a avaliação pode ser utilizada
como instrumento de pressão por segmentos sociais organizados para exigir do Estado a
conquista de direitos sociais.
Destarte, a autora defende que a avaliação sistemática se propõe a resolver algumas
questões básicas: 01) Quando avaliar? Pode ocorrer antes, durante ou depois da
implementação de um programa; 02) Onde avaliar? Locus geral, nacional ou específico; 03)
Para quem avaliar? Demandatários da avaliação (financiadores, legisladores, grupos sócio-
políticos...); 04) Que avaliar? Conteúdo ou objeto da avaliação; 05) Por que avaliar? Mérito
da avaliação; ordem moral, política, técnica, instrumental, econômica; 06) Para que avaliar?
Objetivos da avaliação; 07) Quem avaliar? Superação da dualidade interna e externa
envolvendo os usuários do programa avaliado; 08) Como avaliar? Decisão sobre o tipo de
avaliação, o método, os procedimentos e as técnicas a serem utilizadas no contexto da
avaliação.
É destacado ainda que um único método não é suficiente para realização de uma
avaliação, sendo a escolha do tipo de avaliação e do método condicionada a certos princípios
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básicos: a) qualquer tipo de avaliação depende do estabelecimento de objetivos e critérios; b)


a escolha do tipo de avaliação tem por base as questões que se pretende responder; c) tipos de
avaliação são específicos ao interesse organizacional; d) qualquer tipo de avaliação contém
sempre uma dimensão política, nunca é neutra na organização; e) a seleção do tipo e do
método está condicionada portanto ao objeto e aos objetivos da avaliação, sem esquecer a
disponibilidade de tempo, de recursos e até a preferência dos avaliadores. Posteriormente,
Silva passa a expor os momentos essenciais do processo de avaliação de políticas e programas
sociais, que são seis: 01) Atividades preliminares ou preparatórias à avaliação (recursos,
tempo, equipe técnica, objeto da avaliação); 02) Elaboração do plano de pesquisa de avaliação
(que deve definir o marco teórico, o universo do programa a ser considerado na avaliação, a
delimitação do objeto, os objetivos e metas, a estratégia metodológica, etc.); 03)
Implementação da avaliação ou trabalho de campo; 04) Processamento, análise e síntese dos
dados e informações; 05) Elaboração e discussão do relatório; 06) Aplicação dos resultados da
avaliação, que se trata do ponto central da avaliação.
Silva ressalta ainda os três aspectos básicos na abordagem da questão metodológica
da avaliação de políticas e programas sociais: a) Identificação de problemas e controvérsias
apontados nesse campo do conhecimento; b) Os modelos utilizados na avaliação das políticas;
c) Programas sociais, os métodos e as técnicas usuais.
No que se refere ao primeiro ponto, a autora aponta quatro problemas ou
controvérsias nesse campo de estudo, o primeiro que diz respeito ao confronto entre os
paradigmas quantitativo e qualitativo, defendendo que na pesquisa social e em particular na
pesquisa avaliativa deve haver uma articulação da dimensão qualitativa e quantitativa,
esclarecendo que o rigor científico não pode ser visto como exclusividade das abordagens
quantitativas. O segundo problema ou controvérsia metodológica se refere à mediação, o qual
está diretamente relacionado com a utilização do método quantitativo da pesquisa social. O
terceiro problema ou controvérsia diz respeito ao processo de implementação do próprio
programa, considerando que deve conter descrições claras e explícitas a serem desenvolvidas
em tempos específicos e sob condições específicas, devendo essas especificações serem
baseadas numa teoria. Por fim, problemas ou controvérsias relacionadas com a avaliação,
destacando a posição subalterna ocupada pela pesquisa avaliativa no Brasil; consequente falta
de legitimação da avaliação; não envolvimento na avaliação de todos os sujeitos relacionados
com a política ou programa; falta de clarificação acerca das funções desses sujeitos na
avaliação; resistência natural à avaliação no sistema de gestão de políticas públicas, pelo
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caráter de julgamento que caracteriza toda avaliação e a conotação fiscalizadora e punitiva


muitas vezes a ela atribuída; limitada difusão e pouca utilização dos resultados da avaliação.
Com relação ao segundo ponto, dos métodos e modelos utilizados na avaliação de
políticas e programas sociais, Silva destaca que predomina o uso de métodos econômicos,
registrando também a busca de modelos alternativos que procuram superar o rigor do método
quantitativo. Neste sentido, a autora destaca dois grupos de política, um de política com
propósitos de produção de bens e serviços públicos, na qual se tem a avaliação de processos
(avaliação de metas, de meios, de custo/benefício), e outro de política com propósitos de
mudança e avaliação de impactos, na qual os modelos de avaliação mais recorrentes são: a) o
monitoramento; b) a avaliação política da política; c) a avaliação de processo e d) a avaliação
de resultados/impactos.
O monitoramento, embora se relacione com a avaliação, é uma atividade gerencial,
que objetiva o controle de entrega de insumos de acordo com as metas e manutenção do
calendário de trabalho. A avaliação política da política visa emitir julgamentos da política ou
programa em si, atribuindo valor aos resultados alcançados, ao aparato institucional e aos
atos/mecanismos utilizados para modificação da realidade social. A avaliação de processo se
volta a aferir a eficácia de um programa, se preocupando em identificar a relação entre metas
atingidas e metas propostas. Abrange as seguintes dimensões: 01) cobertura do programa –
cobertura da população-alvo e à área de atuação do programa; 02) implementação do
programa – verificação de instrumentos e meios empregados; 03) ambiente organizacional –
onde se desenvolve o programa observando questões estruturais e funcionais para o seu
desenvolvimento; 04) rendimento do pessoal – verificar a capacidade, competência e
habilidade para desenvolver as atividades e tarefas necessárias ao bom andamento do
programa. Por sua vez, a avaliação de resultados/impactos se volta às mudanças quantitativas
e qualitativas decorrentes de determinadas ações governamentais.
Com relação ao terceiro ponto, relativo aos métodos e técnicas usuais na avaliação de
políticas e programas sociais, Silva esclarece que há uma preocupação com modelos
alternativos que propõem a superação do uso de enfoques puramente quantitativos,
destacando que os modelos mais destacados na literatura sobre avaliação de políticas e
programas sociais – a avaliação política da política, a avaliação de processo e avaliação de
impactos – exigem a superação de posturas metodológicas rígidas, centradas num único
método ou única técnica.
Trata-se de uma obra bastante densa, com muitas informações e detalhes sobre os
métodos de avaliação de políticas e programas sociais, que merece o estudo detalhado do
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pesquisador que atua no campo da pesquisa social, especialmente da pesquisa avaliativa de


políticas públicas, de forma que o pesquisador entenda a importância de uma avaliação destas
políticas que fuja do enfoque puramente quantitativo, vez que as políticas públicas no Brasil,
especialmente a partir da redemocratização estão diretamente relacionadas com os direitos de
cidadania, possuindo um aspecto de transformação social, de forma que a avaliação deve levar
em conta necessariamente os aspectos políticos, de forma que outros métodos e modelos de
avaliação devem passar a ser utilizados.

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