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2º Encontro da Catequese de Crisma - 03/03/2019

Temas: Quaresma, Quarta-feira de Cinzas e Via-sacra

A Quarta-feira de Cinzas marca o início da Quaresma


A Quarta-feira de Cinzas foi instituída há muito tempo na Igreja; dia que marca o início da
Quaresma, tempo de penitência e oração mais intensa. Para os antigos judeus, sentar-se sobre
as cinzas já significava arrependimento dos pecados e volta para Deus. As cinzas bentas e
colocadas sobre as nossas cabeças nos fazem lembrar que vamos morrer, que somos pó e ao pó
da terra voltaremos (cf. Gn 3, 19), para que nosso corpo seja refeito por Deus de maneira
gloriosa, para não mais perecer.

Qual é o sentido?
A intenção desse sacramental é levar-nos ao arrependimento dos pecados, marcando o início da
Quaresma, é fazer-nos lembrar de que não podemos nos apegar a esta vida, achando que a
felicidade plena possa ser construída aqui. É uma ilusão perigosa. A morada definitiva é o céu.

A maioria das pessoas, mesmo os cristãos, passa a vida lutando para “construir o Céu na Terra”.
É um grande engano! Jamais construiremos o Céu na Terra, jamais a felicidade será perfeita no
lugar que o pecado transformou num vale de lágrimas. Devemos, sim, lutar para deixar a vida na
Terra cada vez melhor, mas sem a ilusão de que ficaremos sempre aqui.

Deus dispôs tudo de modo que nada fosse sem fim nesta vida. Qual seria o desígnio do Senhor
nisso? A cada dia de nossa vida, temos de renovar uma série de procedimentos: dormir, tomar
banho, alimentar-nos etc. Tudo é precário, nada é duradouro, tudo deve ser repetido todos os
dias. A própria manutenção da vida depende do bater interminável do coração e do respirar
contínuo dos pulmões. Todo o organismo repete, sem cessar, suas operações para a vida se
manter. Tudo é transitório, nada é eterno. Toda criança se tornará um dia adulta e, depois, idosa.
Toda flor que se abre logo estará murcha; todo dia que nasce logo se esvai; e assim tudo passa,
tudo é transitório.

Qual a razão de nada ser duradouro?


Compra-se uma camisa nova e, logo, já está surrada; compra-se um carro novo e, logo, ele
estará bastante rodado e vencido por novos modelos, e assim por diante.
A razão inexorável dessa precariedade das coisas também está nos planos de Deus. A marca da
vida é a renovação. Tudo nasce, cresce, vive, amadurece e morre. A razão profunda dessa
realidade tão transitória é a lição cotidiana que o Senhor nos quer dar de que esta vida é apenas
uma passagem, um aperfeiçoamento, em busca de uma vida duradoura, eterna e perene.

Em cada flor que murcha e em cada homem que falece, sinto Deus nos dizer: “Não se prendam a
esta vida transitória. Preparem-se para aquela que é eterna, quando tudo será duradouro, e nada
precisará ser renovado dia a dia.”

Isso nos mostra também que a vida está em nós, mas não é nossa. Quando vemos uma bela
rosa murchar, é como se ela estivesse nos dizendo que a beleza está nela, mas não lhe pertence.

Ainda assim, mesmo com essa lição permanente que Deus nos dá, muitos de nós somos levados
a viver como aquele homem rico da parábola narrada por Jesus. Ele abarrotou seus celeiros de
víveres e disse à sua alma: “Descansa, come, bebe e regala-te” (Lc 12,19b); ao que o Senhor lhe
disse: “Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma” (Lc 12,20).

A efemeridade das coisas é a maneira mais prática e constante encontrada por Deus para nos
dizer, a cada momento, que aquilo que não passa, que não se esvai, que não morre, é aquilo de
bom que fazemos para nós mesmos, principalmente para os outros. Os talentos multiplicados no
dia a dia, a perfeição da alma buscada na longa caminhada de uma vida de meditação, de oração
e piedade, essas são as coisas que não passam, que o vento do tempo não leva e que,
finalmente, vão nos abrir as portas da vida eterna e definitiva, quando “Deus será tudo em todos”
(cf. 1 Cor 15,28).

A transitoriedade de tudo o que está sob os nossos olhos deve nos convencer de que só
viveremos bem esta vida se a vivermos para os outros e para Deus. São João Bosco dizia que
“Deus nos fez para os outros”. Só o amor, a caridade, o oposto do egoísmo, pode nos levar a
compreender a verdadeira dimensão da vida e a necessidade da efemeridade terrena.

E se a vida fosse incorruptível?


Se a vida na Terra fosse incorruptível, muitos de nós jamais pensaríamos em Deus e no Céu.
Acontece que o Todo-poderoso tem para nós algo mais excelente, aquela vida que levou São
Paulo a exclamar:

“Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is
64,4), tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Cor 2,9).

A corruptibilidade das coisas da vida deve nos convencer de que Deus quer para nós uma vida
muito melhor do que esta – uma vida junto d’Ele. E, para tal, o Senhor não quer que nos
acostumemos com esta [vida], mas que busquemos a outra com alegria, onde não haverá mais
sol, porque o próprio Deus será a luz, nem haverá mais choro nem lágrimas.

Aqueles que não creem na eternidade jamais se conformarão com a precariedade desta vida
terrena, pois sempre sonharão com a construção do Céu nesta Terra. Para os que creem a
efemeridade tem sentido: a vida “não será tirada, mas transformada”; o “corpo corruptível se
revestirá da incorruptibilidade” (cf 1Cor 15,54) em Jesus Cristo.

A expectativa do Céu
Santa Teresinha não se cansava de exclamar:

“Tenho sede do Céu, dessa mansão bem-aventurada, onde se amará Jesus sem restrições. Mas
para lá chegar é preciso sofrer e chorar; pois bem! Quero sofrer tudo o que aprouver a meu Bem
Amado, quero deixar que Ele faça de sua bolinha o que Ele quiser.”

São Paulo lembrou aos filipenses: “Nós somos cidadãos do Céu! É de lá que também esperamos
o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará nosso corpo miserável, para que seja
conforme o seu corpo glorioso, em virtude do poder que tem de submeter a si toda a criatura” (Fl
3, 20-21).

A esperança do Céu e da Sua glória fazia o apóstolo dizer:

“Os olhos não viram nem ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), o que
Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Cor 2,9).

Essa esperança lhe dava as forças necessárias para vencer as tribulações: “Tenho para mim que
os sofrimentos da vida presente não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser
manifestada” (Rom 8,18).

Esse é o sentido das cinzas.


A tradição da veneração e da meditação da Via-sacra
Dom Estêvão Bettencourt, OSBM, da revista ‘Pergunte e Responderemos’, de número 26, de
fevereiro de 1960, fala-nos sobre a tradição do valoroso exercício de piedade que é a Via-sacra.

Segundo o bispo, a Via-sacra é um exercício de piedade, no qual os fiéis percorrem mentalmente


o caminho de Jesus Cristo, do Pretório de Pilatos até o monte Calvário. Esse exercício muito
antigo, que remonta os primeiros séculos da Igreja Católica, tomou forma com o tempo, até a Via-
sacra, como conhecemos em nossos dias.

Desde os primórdios, os fiéis veneravam os lugares santos, onde viveu, morreu e foi glorificado
Jesus Cristo. Peregrinos de países mais longínquos iam à Palestina para orar nesses lugares. Em
consequência dessas peregrinações, surgiram narrativas, das quais as mais importantes da
antiguidade são a de Etéria e a do peregrino de Bordéus, que datam do século IV. Muitos desses
peregrinos reproduziam, em pinturas ou esculturas, os lugares sagrados que visitaram.

Lugares Santos
A tendência de reproduzir os lugares santos aumentou por causa das Cruzadas (século XI-XIII), a
qual proporcionou a muitos fiéis a oportunidade de conhecer os lugares santos e de se beneficiar
da espiritualidade desses locais. Por isso, aumentaram as capelas e monumentos que lembram
os santuários da Terra Santa. Essas capelas e monumentos passaram a ser visitados por
pessoas que não podiam viajar para a Cidade Santa.

Até o século XII, os guias e roteiros que orientavam a visita dos peregrinos à Palestina não
tratavam de modo especial os lugares santos que diziam respeito à Paixão de Cristo. Em 1187,
apareceu o primeiro itinerário que seguia o caminho percorrido por Jesus. Porém, somente no fim
do século XIII, os fiéis passaram a separar a Via dolorosa do Senhor em etapas ou estações.
Cada uma dessas era dedicada a um fato do caminho da cruz de Cristo e acompanhada por uma
oração especial. Por causa da limitação dos maometanos, os cristãos passaram a ter um
programa para a visita desses lugares santos, relacionados à Paixão de Cristo.

Via crucis
No fim do século XIV, já havia um roteiro comum, que percorria, em sentido inverso, a Via crucis.
Este começava na Igreja do Santo Sepulcro, no Monte Calvário, e terminava no Monte das
Oliveiras. As estações desse caminho eram bem diferentes da via atual. Alguns autores do fim do
século XV, como Félix Fabri, afirmavam que esse itinerário – do Calvário ao Monte das Oliveiras
– era o mesmo que a Virgem Maria costumava percorrer, recordando a Paixão de seu amado
Filho Jesus Cristo.

Os peregrinos que visitavam a Terra Santa, no fim da Idade Média, testemunhavam um


extraordinário fervor, pois arriscavam suas vidas na viagem e se submetiam às humilhações e
dificuldades impostas pelos muçulmanos ocupantes da Palestina. Tal fervor fez com que muitos
cristãos, que não podiam ir à Terra Santa, desejassem trocar a peregrinação pelo exercício de
piedade realizado nas igrejas e mosteiros. Esse desejo fez com que fosse desenvolvido o
exercício do caminho da Cruz de Jesus Cristo.

O fervor levou os fiéis a percorrerem o caminho doloroso do Senhor Jesus na ordem dos
episódios da história da Paixão de Cristo. A narrativa da peregrinação do sacerdote inglês
Richard Torkington, em 1517, mostra que, no início do século XVI, já se seguia a Via dolorosa do
Senhor na ordem dos acontecimentos. Isso possibilitava aos fiéis reviver mais intensa e
fervorosamente as etapas dolorosas da Paixão. No Ocidente, as pinturas ou esculturas das
estações da Via-sacra eram variadas. Algumas delas tinham apenas sete ou oito estações.
Outras contavam com 19, 25 ou até 37 estações na Via dolorosa de Cristo. Em 1563, o livro “A
peregrinação espiritual”, de Jan Pascha, descreve uma viagem espiritual que deveria durar um
ano, num roteiro que partia de Lovaina para a Terra Santa.

Como surgiram as 14 estações


Cada dia dessa peregrinação era acompanhada de um tema de meditação e exercícios de
piedade. Em 1584, Adrichomius retomou o itinerário espiritual de Jan Pascha e lhe deu a forma
que tem a Via-sacra como a conhecemos hoje, ou seja, o caminho da cruz de Cristo acontece a
partir do pretório de Pilatos, onde Jesus foi condenado à morte, num total de 14 estações, até o
Calvário, onde morre o Crucificado.

Os franciscanos tiveram um papel importante na propagação do exercício da Via-sacra. Desde o


século XIV, estes são os guardas oficiais dos lugares santos da Terra Santa e, talvez por isso,
dedicaram-se à propagação da veneração da Via-sacra em suas igrejas e conventos. Desde o fim
da Idade Média, os franciscanos erguiam estações da Via-sacra, segundo o roteiro de Jan
Pascha e Adrichomius. Isso fez com que essa forma prevalecesse sobre as outras formas de
devoção da Via dolorosa de Cristo. Foram também os franciscanos que obtiveram dos Papas a
concessão de indulgências ao exercício da Via-Sacra. Dentre os filhos de São Francisco,
destaca-se São Leonardo de Porto Maurício, que ergueu 572 “Vias-sacras” de 1731 a 1751.

Assim, o exercício da Via crucis desenvolveu-se ao longo dos séculos até atingir sua forma atual,
a partir da obra de Pascha e Adrichomius no século XVI. A aprovação da Santa Sé e a concessão
de indulgências mostram que a veneração e a meditação da Via dolorosa de Cristo fazem muito
bem para a piedade cristã, especialmente no tempo da Quaresma. Por isso, desfrutemos dos
benefícios da Paixão de Cristo como são propostos pela Via-sacra, piedade que santifica os fiéis
cristãos a tantos séculos.

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