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ARTIGO ARTICLE 111

Conversações sobre a “boa morte”:


o debate bioético acerca da eutanásia

Conversations on the “good death”:


the bioethical debate on euthanasia

Rodrigo Siqueira-Batista 1,2


Fermin Roland Schramm 2,3

Abstract Introdução

1 Fundação Educacional Despite extensive current debate on euthanasia, A bioética, enquanto disciplina que se refere à
Serra dos Órgãos,
many open and apparently unsolvable issues moralidade dos atos humanos que podem alte-
Teresópolis, Brasil.
2 Escola Nacional de Saúde persist, awaiting a better conceptual treatment. rar, de forma significativa e irreversível, os sis-
Pública, Fundação Oswaldo The area includes “prejudices and fundamen- temas autopoiéticos, também irreversíveis, re-
Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
3 Instituto Nacional de
talisms” in relation to the theme, still viewed as presentados pelos seres vivos 1, vem se debru-
Câncer, Rio de Janeiro, Brasil. taboo by a major share of society, specifically in çando, em particular, sobre um amplo leque de
the case of Brazil, while semantic imprecision in problemas relativos ao processo vida-morte.
Correspondência
the term and argumentative tensions surround Neste horizonte se inscrevem as questões do
R. Siqueira-Batista
Núcleo de Estudos the issue, focusing on the principles of sacred- nascer e do morrer, consideradas naturais até
em Filosofia e Saúde, ness of life, quality of life, and autonomy and meados do século passado, as quais sofreram
Fundação Educacional Serra
dos Órgãos. Av. Alberto
the so-called “slippery slope” argument. The uma decisiva modificação nos últimos cin-
Torres 111, Teresópolis, RJ purpose of the current essay is thus to serve as a qüenta anos, inscrita mutatis mutandis na pró-
25964-000, Brasil. sphere of inquiry concerning euthanasia, mov- pria tensão arcaica entre φυσις (physis) e τεχνη
anaximandro@hotmail.com
ing from historical antecedents towards a better (téchne) – colocada pelos pensadores gregos –
solution to the problem and the demarcation of e retomada, sucessivamente, na tradição filo-
necessary future perspectives for enhanced un- sófica do Ocidente 2,3, reinterpretando-a à luz
derstanding of the issue. dos novos desafios instados pelas profundas
transformações ocorridas historicamente nes-
Euthanasia; Bioethics; Public Health te processo. Assim, já não se pode mais falar
impunemente, quando nos referirmos aos pro-
cessos do viver e do morrer, de uma natureza
em si – conceito de fato bastante esvaziado des-
de a clara distinção kantiana entre númeno e
fenômeno 4 – sendo mais apropriado falar de
uma condição do Homo sapiens definível por
uma dupla dimensão: bioecológica ou “primei-
ra natureza”, propriamente natural; e técnico-
lingüística ou “segunda natureza”, engendrada
no plano simbólico – as quais interagem e se
condicionam fluida e mutuamente 5.

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Em particular, na interseção e na dialética flito e da desesperança em relação à recorrên-


entre estas duas naturezas, antecipadas pelos cia da barbárie –, manifestou-se uma grande
termos gregos physis e téchne, se define boa par- repulsa pelo tema da eutanásia, num claro fe-
te do debate contemporâneo sobre o processo nômeno de recalque. Entretanto, o reconheci-
de morrer. Assim, pois, não cabe tão somente mento de que o programa nazista de “eutaná-
se interrogar sobre a morte enquanto tal – em sia” não era, em absoluto, uma autêntica euta-
última análise, um problema de ordem cientí- násia, isto é, uma Gnadentod, ou “morte piedo-
fica, com implicações próprias, como nas deci- sa” – afinal, não se destinava a prover uma boa
sões acerca dos transplantes de órgãos 6,7 –, de- morte para seres humanos que levavam uma
vendo, outrossim, desviar o âmago do movimen- vida infeliz 15 –, acabou por proporcionar uma
to – o turbilhão a partir do qual floresce o passa- retomada das discussões em torno do tema,
mento – para sua mais lídima tessitura, de or- alavancada por uma nova conjuntura marcada
dem existencial e filosófica: a finitude 8,9, o que por substanciais transformações: (1) modifica-
estabelece uma atitude a ser situada em um lu- ções nas coordenadas sociais, especialmente
gar algo afim às formulações deleuzianas: “(...) nas décadas de 60 e 70, com a retomada do de-
a filosofia acreditava ter acabado com o proble- bate ético e filosófico dirigido às questões de
ma das origens. Não se tratava mais de partir âmbito prático, no bojo do qual se deu o “nas-
nem de chegar. A questão era antes: o que se cimento” da bioética 16,17; (2) as indagações re-
passa ‘entre’? E é exatamente a mesma coisa pa- lacionadas aos avanços das técnicas de manu-
ra os movimentos físicos” 10 (p. 151, grifo nosso). tenção da vida e prolongamento da sobrevida,
Tal é o primeiro recorte relevante: o que real- capazes de sustentar enfermos com condições
mente importa é o que se passa entre o estar vi- de extrema gravidade – por vezes, inequivoca-
vo e o estar morto, isto é, de como conceber o mente fatais – mesmo sem qualquer perspecti-
viver e, mais ainda, dos problemas éticos, e es- va de recuperação 5; (3) a ocorrência de várias
pecificamente bioéticos, que se colocam nesta “situações clínicas” que levantaram incontor-
passagem entre a vida e a morte – os quais se náveis questões sobre a moralidade da eutaná-
acham completamente imbricados em concei- sia e do suicídio assistido – casos Karen Ann
tos como sofrimento e qualidade (ou precarie- Quinlan (1975-1976), Spring (1977-1980), Dia-
dade) de vida 11 –, mormente se entram em ce- ne-Quill (1996), Ramón San Pedro (1998), Jack
na os referenciais delineados pela tecnociência. Kevorkian, o “doutor morte” (anos 90) e Vincent
Dentre as várias questões cruciais que se inse- Humbert (2003) 18 – somente para mencionar
rem neste panorama mais amplo da bioética as mais notórias 18,19,20,21,22; (4) o progressivo
do fim da vida – ou da finitude –, está a eutaná- envelhecimento populacional – como observa-
sia, práxis que vem sendo entendida, desde a do no Brasil – permitindo que um maior núme-
antigüidade 12, em seu sentido literal: “boa mor- ro de pessoas cheguem à senectude, tornando-
te (ευ = adv. bem // regular, justamente // com bon- se mais suscetíveis às moléstias crônicas e de-
dade, com benevolência // felizmente; θανατος = generativas e, por conseguinte, a um processo
morte), ou seja, um passamento sem dor e sem de morrer mais “prolongado” e sujeito ao pade-
sofrimento” 13 (p. 858). O desvio que transfor- cimento, com sérias implicações relativas à
mou, e desvirtuou, a eutanásia em política pú- alocação de recursos em saúde pública 9,23,24;
blica ocorreu no século XX – acabando por cris- (5) a aprovação de leis autorizando a eutanásia
talizar uma conotação marcadamente negativa –, em vários países do mundo, como na Austrália
por ocasião do Terceiro Reich, quando a pala- (de julho de 1996 a março de 1997), na Holan-
vra eutanásia foi, de fato, utilizada para referir- da (abril de 2001), na Suíça e na Bélgica (maio
se a práticas que não tinham nada a ver com a de 2002) 25,26.
morte sem sofrimento, devendo-se, a rigor utili- Ainda que a eutanásia venha merecendo
zar seu antônimo para indicar tais práticas. grande atenção na comunidade mundial, o de-
Com efeito, em outubro de 1939, o Estado Na- bate está muito longe do desejável na socieda-
zista promulgou a Aktion T4 – um programa fi- de brasileira. Pelo fato de ser ainda considera-
nanciado pelo governo que visava a eliminação da crime no Brasil – como o disposto no artigo
de vidas que não valiam a pena ser vividas (le- 121 do Código Penal 27,28 – tem sido mantido
bensunwerte Leben) – que levou à morte mais um nefasto pacto de silêncio nas unidades de
de 100 mil pessoas – ciganos, negros e judeus – assistência à saúde, nas quais a decisão por in-
nos seus quase dois anos de funcionamento, terromper – ou não – a terapêutica acaba por
antes de ser extinta em agosto de 1943 14. ser tomada às escuras, por profissionais habi-
No período de profundo mal-estar do ime- tualmente sem qualquer preparação para isto,
diato pós-guerra – em decorrência da sensação e pior, muitas vezes à revelia dos familiares e
de desamparo imputada pelos horrores do con- do próprio enfermo 29,30,31. Discutir e ponderar

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sobre a moralidade da eutanásia, demarcando- Outro ponto da maior relevância é destacar


se adequadamente os conceitos e enfocando-se a existência de uma série de situações distintas
os argumentos favoráveis e contrários à sua rea- agrupadas sob o conceito genérico de eutaná-
lização, torna-se premissa crucial para um mais sia. Tal situação implica a necessidade de se
amplo exercício da cidadania – ao menos nas distinguir as diferentes idéias e práticas meta-
sociedades laicas e plurais contemporâneas –, forizadas pelo vocábulo em questão, o que tem
bem como para a formação e atuação laboral sido um dos grandes esforços nas discussões
em saúde. Deste modo, delimitar o estado atual hodiernas 33. Atualmente, as modalidades mais
da arte em relação ao debate bioético da euta- úteis para classificação da eutanásia basear-se-
násia é, assim, o escopo do presente artigo. iam no ato em si e no consentimento do enfer-
mo. Deste modo, têm-se:

Conceitos fundamentais: • A distinção quanto ao ato 35

em busca de rigor
(a) Eutanásia ativa – ato deliberado de provo-
A delimitação lexical dos termos referentes à car a morte sem sofrimento do paciente, por
bioética do fim da vida está longe de ser ideal. fins humanitários (por exemplo, utilizando uma
Em verdade, há uma grande polissemia do vo- injeção letal);
cábulo eutanásia, gerando inúmeros equívo- (b) Eutanásia passiva – quando a morte ocorre
cos, o que se explica, em grande medida, pela por omissão proposital em se iniciar uma ação
própria “biografia” da palavra – longa, confli- médica que garantiria a perpetuação da sobre-
tuosa e sujeita a gigantescas variações culturais vida (por exemplo, deixar de se iniciar aminas
32,33. Em conseqüência da herança nazista an- vasoativas no caso de choque não responsivo à
teriormente comentada, não é incomum o uso reposição volêmica);
antifrástico da palavra eutanásia, atrelando-a a (c) Eutanásia de duplo efeito – nos casos em que
idéias como homicídio, suicídio influenciado ou a morte é acelerada como conseqüência de ações
genocídio, o que, em última análise, indica a pou- médicas não visando ao êxito letal, mas sim, ao
ca clareza e isenção para discuti-la, o que tam- alívio do sofrimento de um paciente (por exem-
bém engendra, não raramente, posicionamen- plo, emprego de morfina para controle da dor,
tos passionais, categóricos e dogmáticos 26,33. gerando, secundariamente, depressão respira-
Retomando as origens filológicas, Littré de- tória e óbito).
finiu a eutanásia como boa morte, morte suave
e sem sofrimento 34. Em termos mais contem- • A distinção quanto ao consentimento
porâneos, tratar-se-ia de uma antecipação vo- do enfermo 35
luntária do passamento, imbuída por um télos
humanitário – sobretudo para a pessoa, mas (a) Eutanásia voluntária – em resposta à von-
também para a coletividade à qual pertence o tade expressa do doente – o que seria um sinô-
moribundo – dirigido à suspensão de um sofri- nimo do suicídio assistido;
mento insuportável. Com base nesta coloca- (b) Eutanásia involuntária – quando o ato é
ção, pode-se estabelecer que a eutanásia seria realizado contra a vontade do enfermo, o que,
melhor entendida como “o emprego ou absten- em linhas gerais, pode ser igualado ao “homi-
ção de procedimentos que permitem apressar cídio”; todavia, a concepção de Kuhse 36 (p.
ou provocar o óbito de um doente incurável, a 407) é algo distinta, caracterizando a eutanásia
fim de livrá-lo dos extremos sofrimentos que o involuntária como aquela “que se pratica a
assaltam” 33 (p. 43, grifo nosso). uma pessoa que havia sido capaz de outorgar
Deste modo, o âmago de um conceito como ou não o consentimento à sua própria morte,
aquele de eutanásia deverá pressupor, neces- mas não o fez, seja por não ter sido solicitado,
sariamente, a interrupção do processo de mor- seja por ter rechaçado a solicitação, devido ao
rer – uma vez que o detentor da existência es- desejo de seguir vivendo”;
tará no curso de uma moléstia incurável, à luz (c) Eutanásia não voluntária – quando a vida é
dos conhecimentos médicos de um dado tem- abreviada sem que se conheça a vontade do
po – eximindo o moribundo de atravessar um paciente.
martírio de dor e desespero, o que caracteriza- Do ponto de vista da bioética, podem ser
ria, de um modo ou de outro, uma existência construídos argumentos distintos para as dife-
prima facie sem sentido e considerada inútil, rentes categorias de eutanásia relativas ao ato
pelo menos para quem não está disposto a fa- em si, havendo aqueles que condenam peremp-
zer do “calvário” um meio para dar sentido à toriamente a eutanásia ativa, mas “aceitam” a
sua vida. eutanásia passiva – por exemplo, julgando legí-

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timo que um enfermo que se negue a passar sia) e sem abreviação do processo de morrer
por medidas terapêuticas extraordinárias, ou (eutanásia) 32,43,44. A pergunta que fica, em re-
seja, recuse a distanásia 11 – ou que, em decor- lação ao termo ortotanásia, se dirige ao signifi-
rência de uma determinada modalidade tera- cado deste tempo certo para morrer. Com efei-
pêutica, acabe por sobrevir o óbito – no caso, to, quem poderia determiná-lo (a não ser tal-
eutanásia de duplo efeito 33,37. Todavia, no que vez o próprio titular da vida em questão) con-
se refere ao consentimento do enfermo, há jus- siderando um contexto no qual há possibilida-
tificativa moral para a eutanásia voluntária 15,38 de quase inesgotável de se prolongar a vida?
e, eventualmente, para a não voluntária 39, mas Em outros termos, haveria um verdadeiro limi-
não para a involuntária – de fato um ato crimi- te entre a eutanásia passiva – não intervir e dei-
noso, na medida em que representa um desres- xar de fato morrer – e a dita ortotanásia – dei-
peito à vontade do paciente! xar morrer no momento aparentemente certo?
Para tornar mais diáfano o campo concei- A distinção se mostra conceitualmente precá-
tual da bioética do fim da vida, são ainda perti- ria, por vezes impossível de ser estabelecida –
nentes alguns comentários acerca da termino- afinal, não entubar um paciente com uma neo-
logia, no que se refere à conceituação do suicí- plasia em fase terminal, ou seja, negar-lhe a
dio assistido, da distanásia e das assim chama- possibilidade de se manter vivo, seria deixar a
das ortotanásia e mistanásia. morte chegar no tempo certo ou praticar de fa-
O suicídio assistido ocorre quando uma pes- to a eutanásia passiva? Ou, ainda mais, os dois
soa solicita o auxílio de outra para alcançar o termos seriam ao mesmo tempo semântica e
óbito, caso não seja capaz de tornar fato sua pragmaticamente sinônimos, isto é, equivalen-
disposição de morrer 40,41. Neste caso, o enfermo tes do ponto do sentido e daquele das práticas
está, em princípio, sempre consciente – mani- surtindo o mesmo tipo de efeito? Por conta des-
festando sua opção pela morte –, enquanto na tas inconsistências, torna-se pouco útil empre-
eutanásia nem sempre o doente encontra-se gar a expressão ortotanásia no debate bioético
cônscio – por exemplo, na situação em que um sobre a finitude, na medida em que traz mais
paciente terminal e em coma está sendo man- problemas do que soluções.
tido vivo por um ventilador mecânico, o qual é A palavra mistanásia, por sua vez, vem sen-
desligado, ocasionando a morte. Os casos mais do proposta com o sentido de “morte miserável
conhecidos foram praticados pelo médico pa- e dolorosa fora e antes do seu tempo” 43 (p. 188),
tologista estadunidense Jack Kevorkian, coad- incluindo: (1) a falta de acesso às condições
juvante de vários suicídios assistidos, que leva- mínimas de vida; (2) a omissão de socorro à
ram à sua condenação e prisão em seu país. multidão de doentes à margem dos sistemas de
Contraposta à eutanásia e ao suicídio assis- saúde mundo afora; (3) as conseqüências dos
tido tem-se a distanásia – também identificada diferentes tipos de erros médicos; e (4) as práti-
pars pro toto com a denominada obstinação te- cas de eliminação dos indesejados, como o ocor-
rapêutica – a qual tem como interfaces tanto a rido no período do Terceiro Reich 43. O grande
aplicação de novas tecnologias à medicina – leque de circunstâncias alcunhadas como mis-
capazes de manter as funções biológicas, com tanásia, a eventual sobreposição com a idéia
amplas possibilidades para salvar grande nú- de distanásia e as dificuldades inerentes à de-
mero de vidas – quanto o arcaico desejo huma- terminação de um passamento ocorrido fora
no de superar a morte 9,42. Etimologicamente o do seu momento correto – afinal, sempre é tem-
termo distanásia contém a idéia de “dupla mor- po para morrer... – tornam mistanásia um con-
te (δις = dificuldade, privação // δισθανης = ad- ceito deveras problemático nas discussões ora
jetivo: que morre duas vezes; no latim, dis dá entabuladas.
idéia de separação e negação)” 13 (p. 858), tendo Feitas estas considerações acerca do proble-
sido inicialmente proposto por Morache, em ma semântico e de suas implicações pragmáti-
1904. Atualmente é compreendida como ma- cas, impõe-se a discussão do problema moral
nutenção da vida por meio de tratamentos des- pertinente, ou seja, dos argumentos pró e con-
proporcionais, levando a um processo de mor- tra a eutanásia, questão bioética que se pode
rer prolongado e com sofrimento físico ou psi- chamar de controvérsia sobre a moralidade da
cológico, isto é, de um aprofundamento das ca- eutanásia, como será apresentada a seguir.
racterísticas que tornam, de fato, a morte uma
espécie de hipermorte 11. Argumentos contra
Outro vocábulo que vem sendo utilizado por
alguns autores é a ortotanásia, que pode ser A eutanásia é uma temática sujeita a vários
demarcada como a morte no seu tempo certo, questionamentos, alguns de indubitável legiti-
sem os tratamentos desproporcionais (distaná- midade. Os mais importantes argumentos con-

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trários à sua realização centram-se no princí- para os familiares –, que poderia deixar os pa-
pio da sacralidade da vida e no argumento da cientes, cuja morte se aproxima, sem perspec-
“ladeira escorregadia” ou slippery slope. tiva outra que não a “eutanásia”, de fato não de-
• Princípio da sacralidade da vida sejada e, portanto, de alguma forma imposta
Segundo esta premissa absoluta, a vida con- por razões circunstanciais; e (4) a erosão defi-
siste em um bem – concessão da divindade ou nitiva do respeito à vida humana, tomando-se
manifestação de um finalismo intrínseco da como base o recorrente exemplo do nazismo
natureza –, possuindo assim um estatuto sa- 33,52. Entretanto, nem sempre tal preocupação

grado – isto é, incomensurável do ponto de vis- poderá ser fundamentada, uma vez que o mau
ta de todos os “cálculos” que possam, eventual- uso (ou o abuso) de algo não contra-indica, em
mente, ser feitos sobre ela –, não podendo ser termos absolutos, o seu uso (abusus non tollit
interrompida, nem mesmo por expressa vonta- usus): “se em alguns casos, especialíssimos, po-
de de seu detentor. Uma outra leitura possível de ser justificado e até mesmo necessário desres-
da sacralidade ganha força na afirmação de peitar um sinal vermelho, essa não é uma boa
que a vida é sempre digna de ser vivida, ou seja, razão para eliminar o sistema de circulação de
estar vivo é sempre um bem, independente das veículos baseado em sinais luminosos, nem pa-
condições em que a existência se apresente. ra atenuar o rigor das regras de trânsito, preven-
Apesar de ser considerada uma das mais con- do possíveis exceções, que ficariam sujeitas ine-
tundentes objeções à eutanásia – mormente vitavelmente a abusos perigosos” 52 (p. 396).
nas éticas cristãs e na tradição hipocrática 45 –, De outro modo, análises minuciosas do ar-
uma questão se impõe de pronto: se a vida é gumento da ladeira escorregadia acabaram por
realmente um bem, quem seria o mais compe- demonstrar que, em última análise, o impedi-
tente para julgar esta “beatitude”? Não recairia mento refere-se muito mais à inexorabilidade do
tal prerrogativa sobre o próprio titular da exis- fenecer do que, propriamente, ao fato de “desli-
tência? Afirmar de maneira genérica e peremp- zar” em direção a um mau uso da prática 52.
tória que a vida é algo bom em si mesmo – para
além do truísmo de considerá-la como condi- Argumentos pró
ção necessária para se poder falar em suas even-
tuais qualidades ou não – com base na ótica de Dois são os principais pontos de apoio dos de-
algumas pessoas não implicadas nas vidas par- fensores da eutanásia: os princípios da quali-
ticulares em exame, é extremamente perigoso, dade de vida e da autonomia pessoal.
em concordância com muitas das reflexões crí- • Princípio da qualidade de vida
ticas, consubstanciadas ao longo do século XX É um princípio geral, ou metaprincípio,
e dirigidas à obsessão pelas generalidades, pois, com validade prima facie – ou seja, um princí-
afinal, a detecção de semelhanças não pressu- pio que subsume lógica e semanticamente ou-
põe a existência de gerais 46. Ademais, a pró- tros princípios, mas que só é aplicável sob de-
pria assertiva acerca da vida como um bem em terminadas circunstâncias, sendo destituído,
si mesmo pode ser questionada, como vem sen- portanto, de um valor universal e inatacável –
do feito na história do pensamento, desde os que afirma também a existência de um valor
seus primórdios – veja-se os órficos, Empédo- para a vida, mas aplicável, tão somente, se esta
cles de Agrigento, Søren Kierkgaard e Emil Cio- é provida de um certo número e grau de quali-
ran, dentre outros 47,48,49,50. dades histórica e socioculturalmente construí-
• Argumento de slippery slope das e aceitas pelo titular de uma vida particu-
Traduzível em português como ladeira es- lar 45. Assim, a existência teria realmente um
corregadia, pretende justificar que não devem valor condicionado às percepções e concep-
ser feitas “concessões” aparentemente inócuas ções das sociedades secularizadas, laicas e plu-
em temas controversos, sob pena de se abrir o rais, em um tempo próprio. A contraposição ao
precedente para atitudes de inequívoco male- princípio da qualidade de vida tem a ver com a
fício 51. Oposições alicerçadas no argumento possibilidade de atos absurdos, geradores de
“escorregadio” incluiriam: (1) a potencial des- sofrimentos insuportáveis, tão somente para
confiança – e subseqüente desgaste – na rela- sustentar uma (sobre)vida que pode ser mais
ção médico-paciente; (2) a possibilidade de um castigo do que uma dádiva 32.
atos não inspirados em fins altruístas, mas mo- Sacralidade e qualidade de vida têm sido
tivados por outras razões (por exemplo, ques- tratadas como princípios antagônicos e incon-
tões de heranças, pensões, seguros de vida e ciliáveis. A despeito desta aporia, pode-se ten-
outras); (3) a ocorrência de pressão psíquica – tar uma composição entre ambos – não sim-
por exemplo, o pensamento, pelo enfermo, de plesmente dialética (no sentido hegeliano), mas
que sua condição é um verdadeiro “estorvo” sim no âmbito mais amplo do método da com-

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plexidade – segundo a qual estabelecer-se-ia ma que um governo independente administra


uma nova relação princípio da sacralidade da seu território e define suas políticas” 19 (p. 138).
vida e/ou princípio da qualidade de vida – ao Com base neste pressuposto, os autores que
invés de princípio da sacralidade da vida ver- “defendem” a eutanásia apontam para a neces-
sus princípio da qualidade de vida –, integran- sidade de que seja respeitada a liberdade de es-
do tanto as conexões de simpatia quanto aque- colha do homem que padece, isto é, sua com-
las de antipatia entre eles, em uma unidade petência em decidir, autonomamente, aquilo
discursiva de segunda ordem 5,45. Resultaria, que considera importante para viver sua vida,
assim, uma unidade que incorpora as tensões incluindo nesta vivência o processo de morrer,
e ambigüidades em termos de relação de rela- de acordo com seus valores e interesses legíti-
ções (e não mais unicamente de objetos). mos. Deste modo, com raízes fincadas no espí-
Uma das questões mais íntimas em relação rito helênico e florescimento manifesto na Auf-
à qualidade de vida é determinar-se qual o real klärung (Iluminismo, literalmente “esclareci-
significado de uma vida que vale a pena ser vi- mento”), a autonomia pressupõe que cada in-
vida e para quem deve ser dada a prerrogativa divíduo tem o direito de dispor de sua vida da
em decidir sobre tal significação. Na esteira da maneira que melhor lhe aprouver, optando pe-
herança kantiana – segundo a qual um ato ge- la morte no exaurir de suas forças, ou seja,
nuinamente moral deve ser concebido no ple- quando sua própria existência se tornar subje-
no exercício da liberdade do sujeito ético 53 – tivamente insuportável 38.
cabe sempre admitir que o principal interessa- Deslocar-se-ia, assim, o debate bioético da
do em viver deve ter a preeminência, ou priori- finitude para a pergunta – genuinamente filo-
dade léxica, em decidir sobre sua vida e sua sófica – sobre o alcance da autonomia do pró-
morte. Tal colocação remete, quase instanta- prio interessado, encarnada na decisão de não
neamente, à questão da autonomia pessoal, permanecer em um martírio que não o condu-
considerado o mais importante princípio para zirá a lugar algum 57 ou, então, de continuar
legitimar a eutanásia 38,54, pelo menos se pen- padecendo, não por uma decisão tomada por
sada no contexto das sociedades complexas li- outrem, mas sim, por uma opção pessoal, que
berais e democráticas contemporâneas, nas pode até ser a de se submeter, por boas razões,
quais existem, como esteio, âmbitos de perti- à imposição de um outro, mas que neste caso,
nência distintos relativos a ordens legítimas, se torna o Outro.
também distintas – como aquelas do indivi- A despeito de sua eficácia teórica na argu-
dual e do coletivo – e que não podem ser es- mentação bioética sobre o fim da vida – na me-
quecidas, sob o risco de sobrevir a dissolução dida em que contempla vários dos aspectos
de um convívio razoável entre indivíduos neste fundamentais em relação à eticidade, ou não,
tipo de sociedades. da eutanásia –, a idéia de autonomia apresenta
• Autonomia uma série de problemas, os quais inviabiliza-
O termo, de origem grega – αυτονοµια, de riam seu uso de forma irrestrita, podendo-se
αυτος = próprio, e νοµος = leis – remete à idéia mencionar: (1) a possibilidade, sempre real, de
de autogoverno, tendo sido empregado, histo- que haja dificuldade para a compreensão ple-
ricamente, no seio da democracia grega para na de aspectos da realidade, o que representa
indicar as formas de governo autárquicas – isto um genuíno “empecilho” para o exercício da
é, a πολις (pólis) 55 –, de fato a primeira forma autonomia, sobretudo se é colocado em foco
consensualmente conhecida de democracia no um país – como o Brasil – no qual a maior par-
Ocidente, ainda que incompleta por não con- te da população não tem acesso à educação
templar escravos e mulheres. A partir da Mo- necessária ao exercício da cidadania e do livre
dernidade, isto é, do movimento cultural e so- direito de optar pelas melhores alternativas pa-
cial iniciado pela Renascença, e que trouxe a ra a sua própria existência; (2) a impossibilida-
idéia de indivíduo ao cenário da reflexão filo- de lógica de se constituir um nomos particular,
sófica e política, o conceito de autonomia pas- a partir de um indivíduo supostamente capaz
sa a se aplicar ao indivíduo – um necessário de legiferar em nome de seus interesses, sem a
“produto” da modernidade burguesa e protes- necessária dialética estabelecida com um ou-
tante na ponderação de Weber 56 –, alcançando tro de si, uma vez que a tomada de decisões só
uma formulação moral sistemática com a Fun- é levada a cabo no âmbito de coordenadas so-
damentação da Metafísica dos Costumes de cialmente determinadas por esta dialética; (3)
Kant 53,55. a probabilidade, à luz da bioética principialis-
Pode-se definir como autônomo o indiví- ta – calcada nos princípios de autonomia, jus-
duo que “(...) age livremente de acordo com um tiça, beneficência e não-maleficência, ou outros –
plano escolhido por ele mesmo, da mesma for- de que sempre é factível a existência de confli-

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tos entre os princípios em pauta; (4) a existên- tido é de tomar para si, compartilhar, o sofri-
cia de uma assimetria contingente nas relações mento do outro 61 – do latim compati = sofrer
entre profissionais de saúde e pacientes, devi- com, lembrando-se que, em grego, παθος (pá-
do às inegáveis competências diferentes entre thos) significa capacidade de sentir, sentimen-
quem pede ajuda e quem, supostamente, pode to profundo, afeto arrebatador –, na ética bu-
atender tal pedido e que pode, em inúmeras dista, apropriada pela filosofia ocidental no
oportunidades, tornar inviável a aplicação do pensamento de Schopenhauer – na verdade,
princípio, pela influência incontornável exerci- sua principal “influência oriental” foi recebida
da por aquele que cuida 9,55,57. dos Upanixades hindus 62,63 –, a dimensão evo-
Consideradas tais dificuldades, a grande cada por Karuna (compaixão, em sânscrito) é
indagação seria então: “como propiciar um muito mais de acolhimento da angústia alheia:
contexto favorável à liberdade do homem no “compaixão significa oferecer morada às pes-
sentido de seu empoderamento de fato?”. Com soas, abrir as portas até então fechadas para
efeito, tal questionamento se delineia como elas, perguntar mais que responder. Significa
um dos grandes desafios a serem enfrentados, tornar-se altamente sensível à situação e aos
no futuro, pelo Übermensch – o sobre-homem sentimentos da outra pessoa. Significa ouvir com
nietzschiano – o qual, de acordo com uma in- todo o seu ser e dar, se for possível, o que seja rele-
terpretação “pós-moderna” de Vattimo, deve vante e apropriado para o relacionamento, não o
ser entendido, sobretudo, como aquele que avaliando com julgamentos próprios” 64 (p. 51).
tenta ir para além de seus limites pessoais, e Tal acolhida pressupõe o não-julgamento do
não como alguém capaz de exercer o poder so- outro, mas sim, e tão somente, sua aceitação, o
bre os demais 58. amparo de sua condição de vivente 60. Se, con-
forme o discutido, o conceito de eutanásia pres-
Há novos horizontes para o debate? – supõe, de modo inequívoco, a existência de um
à guisa de (in)conclusão lídimo estofo misericordioso, cabe ao profis-
sional que cuida do enfermo, inserido no pro-
A discussão, do modo como foi encaminhada cesso de morrer, o respeito a este seu momen-
até o presente momento, almejou a ordenação to elegíaco, recebendo-o e dispondo-se a aten-
dos principais matizes que se combinam no der seu desejo de morrer, sem julgá-lo, nem to-
debate moral sobre a eutanásia, podendo-se to- mar arbitrariamente decisões tão importantes
mar, como analogia, o movimento do χαος (caos, em seu lugar. Ademais, a compaixão, enquanto
no sentido da “desordem” primordial) para o acolhimento – recepção daquele que sofre em
κοσµος (cosmo, no sentido de ordem), cantado seu próprio âmago –, permite uma fecunda ar-
por Hesíodo na Teogonia 59. ticulação entre os princípios e argumentos mo-
Como se tornou paulatinamente perceptí- rais acerca do fim da vida, compondo: (1) sa-
vel, os princípios da autonomia e da sacralida- cralidade da vida, (2) qualidade de vida e (3)
de da vida são os grandes pilares daqueles que autonomia, além de superar o (4) argumento
se põem a favor e contra a eutanásia, respecti- do slippery slope.
vamente. Sem embargo, todas as colocações são De fato, a vida de um homem submetido a
passíveis de contestação, instaurando, assim, a excruciante padecimento não deixa de ser sa-
necessidade de compor diferentes ordens de grada – pondo-se de lado os dogmatismos ce-
discurso – engendradas nas díspares tradições gos e os fundamentalismos – pela decisão au-
de pensamento – em um sistema complexo que tônoma, por parte daquele que sofre, de se pôr
permita a tomada de decisões, por vezes ur- um fim ao seu curso. Neste caso, a própria con-
gentes, em se tratando de pessoas acossadas dição de se admitir, em meio a um padecimen-
pelos mais vis padecimentos. to incurável e intratável, que já não vale a pena
Baseado nestas considerações, uma das in- prosseguir, demonstra, em certo sentido, que o
terseções que se anuncia como promissora na doente atribui alto valor à sua própria vida,
elaboração dos aspectos conflituosos da euta- não desejando profaná-la ao permitir que ela
násia é, justamente, a de tomar entre os refe- se esvaia em dias e noites de martírios sem fim.
renciais a atitude daqueles que se dispõem a Morrer, neste caso, pode significar também uma
executar o ato, abrindo-se a perspectiva para clara demonstração de apreço pela própria
se colocar o problema da compaixão. existência, situando-a em uma dimensão bea-
As grandes tradições morais que se fundam tífica. E, ainda, se este mesmo homem é ampa-
na compaixão são a cristã e a budista – ainda rado – e, por que não, protegido – no sentido de
que possam ser encontrados elementos com- se facultar sua inquebrantável disposição para
passivos no hinduísmo, no islamismo e no ju- o ocaso, não se corre o risco de estender, escor-
daísmo 60. Entretanto, se no cristianismo o sen- regar, indevidamente para situações obscuras

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e danosas em relação à prática da eutanásia, de fraternidade, permitindo-lhe, quiçá, a resti-


uma vez que a palavra daquele que sofre, o ti- tuição da prerrogativa de sonhar com seus me-
tular da vida, será sempre a última fronteira. lhores dias de outrora, com o esfumar do mar-
É bem verdade que esta é apenas uma bre- tírio, com o descerrar das cortinas da existên-
ve digressão sobre um elemento de irrefutável cia, tão belamente escrito por Shakespeare 65
alcance no debate ético e bioético sobre o fim (p. 97): “morrer é dormir. Nada mais. E por um
da vida, a compaixão, que vem sendo pouco sonho, diremos, as aflições se acabarão e as do-
prestigiada nas reflexões contemporâneas. In- res sem número, patrimônio da nossa débil na-
tegrá-la aos demais fios que compõem o gran- tureza. Isto é o fim que deveríamos solicitar com
de tecido da eutanásia é uma forma de olhar e ânsia. Morrer é dormir... e talvez sonhar”.
acolher o homem que morre, um genuíno ato

Resumo Referências

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fundamentalismos” em relação ao tema – a eutanásia São Paulo: Martins Fontes Editora; 1995.
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sim chamada “ladeira escorregadia” ou slippery slo- 17:89-100.
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násia, partindo dos antecedentes históricos em dire- eutanásia e no suicídio assistido. Mundo Saúde
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12. Suetônio. A vida dos doze césares. 2a Ed. São Pau-
R. Siqueira-Batista e F. R. Schramm conceberam jun-
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tos a estrutura do presente ensaio; o primeiro autor
13. Siqueira-Batista R, Schramm FR. A filosofia de
colaborou preponderantemente nas seções Conceitos
Platão e o debate bioético sobre o fim da vida: in-
Fundamentais: Em Busca de Rigor e Há Novos Hori-
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