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FENÔMENOS

CULTURAIS NO
AMÁLGAMA SOCIAL

Reunião de artigos do I
CIPCS
AMANDA BASILIO SANTOS
JULIANA PORTO MACHADO
(ORG)
Fenômenos culturais
no amálgama social
reunião de artigos do I CIPCS
(Página Intencionalmente deixada em branco)
Amanda Basilio Santos
Juliana Porto Machado
(Org.)

Fenômenos culturais no
amálgama social
Reunião de artigos do I CIPCS

1ª Edição

Jaguarão
CLAEC
2018
© 2018, CLAEC
.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 5988 de 14/12/73. Nenhuma
parte deste livro, sem autorização previa por escrito da editora, poderá ser
reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos,
mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Editoração e diagramação: BASIBOOKS (basibookscontato@gmail.com).

Capa: Amanda Basilio Santos. Fotografias: Pinterest.

ISBN 978-85-93548-16-1

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A484
Fenômenos culturais no amálgama social[livro
eletrônico]: reunião de artigos do I CIPCS / Amanda
Basilio Santos; Juliana Porto Machado (Organizadores).
1. ed.– Jaguarão: CLAEC, 2018. 1804p.

PDF – EBOOK

ISBN: 978-85-93548-16-1

1. Ciências Humanas 2. Ciências Sociais

CDU 303
CDD 300

Os textos contidos neste e-book são de responsabilidade exclusiva de seus


respectivos autores, incluindo a adequação técnica e linguística.
ORGANIZAÇÃO DO I CIPCS

Coordenação Geral: Dr. Ronaldo Bernardino Colvero


Comissão organizadora:
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Dr.ª Elisabete da Costa Leal (ICH Universidade Federal de Pelotas)
Doutoranda Amanda Basílio Santos (ICH – Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e CLAEC)
Doutoranda Juliana Porto Machado (ICH – Universidade Federal de Pelotas e
CLAEC)
Mestra Juliana de Oliveira Plá (ICH - Universidade Federal de Pelotas/IFSUL -
Jaguarão)
Mestrando Luis Felipe Ribeiro (ICH - Universidade Federal de Pelotas)

Site e Facebook:
https://cipcs2018.wixsite.com/icipcs https://www.facebook.com/ICIPCS/

Realização:
Centro Latino Americano de Estudos em Cultura (CLAEC); Instituto Conexão
SócioCultural (CONEX) e Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)
Apoio:
Laboratório de Política e Imagem (LAPI-UFPEL); Centro de Artes (CA-UFPEL);
Instituto de Ciências Humanas (ICH-UFPEL); Biblioteca Pública Pelotense.
Financiamento:
FAPERGS

Como referenciar o trabalho (conforme ficha catalográfica)

SOBRENOME, Nome. Título. In: SANTOS, Amanda Basilio; MACHADO, Juliana


Porto. Fenômenos culturais no amálgama social: reunião de artigos do I CIPCS.
Jaguarão: Editora CLAEC, 2018, p. x-x.
COMITÊ CIENTÍFICO:

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Drª Cristina Pureza Duarte Drª Caroline Silveira Bauer,
Drª Boéssio Lisiane Sias Manke e Dr. Aristeu Elisandro Machado Lopes,
Drª Carmen Luz Rivas de Martínez, Dr. Gabriel Chati,
Drª Graziela Rinaldi, Drª Carmem Gessilda Burgert
Schiavon,
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Drª Juliane Conceição Primon Serres,
Drª Elisabete Leal,
Drª Mari Lucie,
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Drª Ana Paula Penkala,
Dr. Carlos Garcia Rizzon,
Dr. Adhemar Lourenço,
Drª Daniele Gallindo,
Drª Adriane Luisa Rodolpho
Drª Juliana Brandão Machado,
Doutoranda Amanda Basilio Santos
Dr. Diego Lemos Ribeiro
Fenômenos culturai s no amálgama social: reunião de artigos do I CIP CS
Diálogos Interdisciplinares: analisando a cultura por variados vieses

MODA E TECNOBREGA: REFLEXÃO SOBRE APROPRIAÇÃO


CULTURAL E VALORIZAÇÃO DA ICONOGRAFIA DA FEIRA DO
VER-O-PESO ATRAVÉS DA ESTAMPARIA NA MODA
FASHION AND TECNOBREGA: REFLECTION ON CULTURAL APPROPRIATION
AND VALUING OF THE ICONOGRAPHY OF THE VER-O-PESO MARKET
THROUGH PRINTING IN FASHION

Mariana Beatriz Marques Fernandes


Pós-graduanda/ Universidade Estácio de Sá- Pará
mari.fernandes@hotmail.com

RESUMO
Como personagem atemporal da hist ória da cidade de Belé m do Pará, o Ver-
o Peso, além de ser a maior feira ao ar livre da Am érica Latina (AGENCIA
BELEM, 2017), abriga uma complexa estrutura de trocas simb ólicas que
incluem cheiros, cores, sabores, sons e comportamentos. Este trabalho tem
como objetivo identificar elementos simb ólicos da Feira que sejam
partilhados também pelos demais habitantes da cidade, em especial o
Tecnobrega, além de analisar como estes s ímbolos estão sendo
comercializados no mercado de moda belenense, a fim de incentivar uma
reflexão acerca do papel do d esign na valorização ou apropriação cultural
desse fenômeno. Para a compreens ão eficaz deste estudo, faz -se necessária
a análise dos elementos culturais diversos presentes no complexo do Ver -
o-Peso, o que abrange seus patrim ônios materiais e imater iais, como por
exemplo o Tecnobrega. Baseando -se no título deste trabalho, tamb ém é
interessante abordar as defini ções de icnografia e apropria ção cultural, bem
como relacioná-las ao local em quest ão e ao mundo da moda. N ão há
dúvidas de que o tecnobrega é patrimônio imaterial do Ver -o-Peso, nem se
questiona a sua função primordial em ser a voz da periferia, por ém o que
muitas vezes presenciamos em Bel ém é a sua apropriação cultural, uma
exploração que só busca o capital e vende uma cultura maquiada,
“adaptada” para um público mais “culto” ou turistas que desconhecem a
origem do movimento ou pouco valorizam o seu real papel na vida do seu
público original.
Palavras-chave: Cultura. Moda. Tecnobrega. Apropria ção Cultural.
Cultura Paraense.

ABSTRACT
As a timeless character in the history of the city of Belém do Pará, Ver -o
Peso, being the largest outdoor market in Latin America (AGENCIA
BELEM, 2017), houses a complex structure of symbolic exchanges that
include smells, colors, tastes, sounds and behav iors. This work aims to
identify symbolic elements of the market that are also shared by the other
inhabitants of the city, in particular Tecnobrega, and analyze ho w these
symbols are being marketed in the city fashion market, in order to generate
a reflection about the role of the design in the valorization or cultural
appropriation of this phenomenon. For the effective understanding of this
study, it is necessary to analyze the diverse cultural elements present in the
Ver-o-Peso complex, which includes it s material and immaterial
patrimonies, such as Tecnobrega. Based on the title of this work it is also
interesting to address the definitions of iconography and cultural

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appropriation, as well as to relate them to the place in question and to the


Fashion World. There is no doubt that tecnobrega is an immaterial heritage
of Ver-o-Peso, nor it is underestimated its primary function in being the
voice of the periphery, but what we often witness in Belém is its cultural
appropriation, an exploration that only se eks the capital and sells a culture
made up, "adapted" to a more "cult" public or tourists who do not know the
origin of the movement or value their real role in the life of their original
public.
Keywords: Culture. Fashion. Tecnobrega. Cultural appropriation. Pará
culture.

Introdução

Engana-se quem pensa no Ver-o-Peso apenas como um mercado de ferro, um ponto


turístico ou um local para se comprar produtos regionais. Trata-se da maior feira ao ar livre da
América Latina (AGENCIA BELEM, 2017) e abriga uma complexa estrutura de trocas
simbólicas que incluem cheiros, cores, sabores, sons e comportamentos.

Adentrar e compreender a feira exige mais do que uma simples visita, ou o olhar
superficial de quem busca apenas o exotismo. Ela não existe só para satisfazer turistas ou ser
cenário de posts “cults” no Instagram, ao contrário, se alimenta de sua própria cultura, sua
iconografia rica e particular que grita a nossa raiz regional, quem somos como paraenses e do
que deveríamos nos orgulhar.

Para a compreensão eficaz deste estudo, se faz necessária a análise dos elementos
culturais diversos presentes no complexo do Ver-o-Peso, o que abrange seus patrimônios
materiais e imateriais, como por exemplo, o Tecnobrega. Baseando-se no título deste trabalho
também é interessante abordar as definições de icnografia e apropriação cultural, bem como
relacioná-las ao local em questão e ao mundo da moda.

O mercado e a feira

O Mercado do Ver-o-Peso, conhecido também como Mercado de Ferro ou Mercado de


Peixe, é uma obra arquitetônica construída em 1901 (FLEURY E FERREIRA, 2011) e
caracterizada por sua estrutura de ferro pré-fabricada na Escócia e importada por Antônio
Lemos, então intendente de Belém durante o período áureo da borracha na Amazônia (MABE,
2017). O local escolhido para a instalação do prédio já era conhecido como ambiente de troca
de mercadorias vindas pelo rio. Assim, o mercado e os demais edifícios do complexo – Mercado

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de Ferro de carne, Solar da Beira etc. – fizeram parte da consagração da cidade como
“civilizada” nos moldes europeus, algo abertamente desejado pelos planejadores urbanos do
período.

Hoje o complexo arquitetônico é parte indissolúvel da feira (ver figura 1), e além de
ponto turístico é completamente funcional e fiel às suas funções de origem, com exceção do
Solar da Beira, que se encontra em reforma. A parte ocupada por barracas é dividida em setores
dos mais diversos, como o da farinha, do camarão, do suco, das frutas, animais vivos, plantas
ornamentais, tucupi, artesanato, vestuário e gastronomia (ver figura 2). Essa mistura de
mercadorias promove uma rica oferta de sensações específicas, como o cheiro do couro das
sandálias vindas do Marajó, a paleta de cores vibrantes das ervas de cheiro ou o aroma das
castanhas do Pará sendo assadas e o barulho dos feirantes jogando dominó depois do almoço.

Figura 1: O Mercado de Peixe, o Solar da Beira e a área das barracas.


Fonte: As Falas da Pólis (2016).

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Figura 2: Setor de banhos e ervas de cheiro.


Fonte: Fotos Públicas (2017).

Todos esses elementos fazem da feira um ambiente único, um caldeirão espontâneo de


regionalismo. As relações criadas ali, as amizades cultivadas por anos, as famílias que
trabalham unidas... tudo surgiu e se mantém de maneira muito natural, sem o objetivo de
agradar a terceiros. Podemos afirmar, então, que o Ver-o-Peso possui identidade própria e é
autossuficiente em sua microcultura. Assim, temos consolidada a sua iconografia, que nada
mais é do que a análise descritiva da representação visual de sinais, símbolos e imagens de uma
sociedade, não tendo em conta seu âmbito estético (DICIO, 2017).

Segundo Lima (apud Fleury e Ferreira, 2011) “pesquisas mostram que no mercado do
Ver-o-Peso, assim como nos espalhados pelo Brasil em geral, é recorrente a troca não apenas
de bens materiais, imateriais, como de ideias e valores.” Um desses bens não possui lugar de
destaque em relação à sua compra e venda – nem sequer possui um setor na feira, por exemplo
–, mas está presente em tempo integral nas atividades da feira: o tecnobrega, cujos clássicos e
lançamentos mais diversos são a trilha sonora diária de feirantes e consumidores. Mas afinal, o
que é o tecnobrega?

Tecnobrega

Gênero musical muito popular no Pará, especialmente em Belém e na Região das

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Ilhas50, o tecnobrega ocupa um lugar importante no dia a dia e na memória afetiva da população.
Pode-se ouvi-lo nas lojas do centro comercial da cidade, nas feiras, ônibus, barcos, festas e nas
principais rádios, ganhando até programas e horários especiais. O dicionário Cravo Albin da
MPB (2017) afirma que o ritmo “surgiu em Belém de Pará, nos anos 2000, a partir de
influências de estilos nacionais e internacionais. [...] eles passaram a mesclar riffs acelerados
de guitarra da música brega tradicional com batidas eletrônicas e arranjos criados por programas
de computadores.”

Uma das características mais interessantes desse gênero é a independência das suas
produções. Os CDs são comercializados em um modelo similar ao da pirataria e, em sua
maioria, os álbuns não são produzidos nem lançados por gravadoras, mas sim em festas
específicas conhecidas como Aparelhagens (ver figura 3), sendo a liberdade e a efemeridade
das músicas uma realidade do ritmo. Os hits característicos de cada ano são apresentados ao
público em “temporadas” similares às semanas de moda : os que vão fazer sucesso nas férias
de janeiro e Carnaval começam a tocar em outubro/novembro e os das férias de julho, iniciam
sua vida útil por volta da Semana Santa. Porém, esse calendário não impede que lançamentos
sejam realizados a qualquer momento, já que uma “marca” de aparelhagem lança em média dez
álbuns por ano. Há ainda as músicas chamadas de Marcantes, que são consideradas os clássicos
do ritmo e são muito apreciadas pelo público.

Apesar da popularidade do ritmo, Lemos e Castro (2008, apud COSTA E CHADA)


nos lembram que:

o tecnobrega é uma modalidade de música eletrônica concebido geralmente distante


das grandes gravadoras e dos meios de comunicação de massa. Frequentemente é
associado ao público jovem e ao modo de vida das classes populares da periferia
urbana, em expansão, dos bairros periféricos para a região metropolitana belenense.
[...] Mais do que a distância territorial é a distância cultural que se mostra determinante
para a marginalização desse estilo musical pela grande indústria fonográfica.

Isso nos expõe a realidade por trás do sucesso, por vezes nacional, do tecnobrega. Trata-
se, desse modo, de um ritmo oriundo e feito para a periferia, portanto severamente
marginalizado, principalmente pelos próprios belenenses de classes sociais abastardas, que
quando afirmam gostar do ritmo, em sua grande maioria, é pelo simples fetichismo, o que
fomenta o debate sobre a apropriação cultural, pois até que ponto é válido enaltecer uma
manifestação cultural sem valorizar os seus agentes originais?

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Ilhas que cercam Belém, como Combú, Mosqueiro, Cotijuba e Marajó.

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Figura 3: Festa da Aparelhagem “O Crocodilo”.


Fonte: Vincent Rosenblatt (2015).

O tecnobrega na moda

Definir moda é algo complexo, pois a mesma se encontra nos mais diversos setores da
sociedade, desde grandes parques industriais à construção da imagem de celebridades. Ela
expressa a mais ampla gama de personalidades, inclusive possui sua própria linguagem e
acompanha a evolução do homem desde que o mesmo se percebeu um ser social e é uma das
principais responsáveis pela maneira como os indivíduos percebem o outro e expressam a si
mesmos. Segundo Mackenzie (2010, p.6), “a moda constitui um espelho das sociedades nas
quais ela existe. Seja como fenômeno cultural, seja como negócio altamente complexo, reflete
as atitudes sociais, econômicas e políticas de seu tempo. ”

O termo moda possui várias interpretações, porém duas destacam-se como melhores
definições do seu conceito. A primeira definição apresenta a moda com um significado mais
amplo, enquanto costume, modo de vida, definido por Braga (2015, p.106) como “um gosto,
um padrão, ou algo que esteja em vigência como referencial de uma cultura, de um grupo e que
é capaz de datar o tempo”. Calanca (2011, p.14) acrescenta que a moda “não concerne
exclusivamente às roupas, mas sim à todas as formas de expressão e transformação do homem”.
Dessa maneira, o termo é interpretado como algo que está em voga, adotado como regra e
engloba todos os setores sociais, algo que está “na moda”.

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A segunda definição de moda é a de vestuário, que estaria inclusa no conceito mais


amplo, uma espécie de subcategoria. Svendsen (2010) afirma que é possível distinguir moda
em duas categorias: uma enquanto vestuário, e outra enquanto mecanismo. Calanca (2011) usa
Barthes para diferenciar costume de vestuário, afirmando que o primeiro independe do
indivíduo, sendo então uma convenção social, e o segundo seria “uma realidade individual, o
ato de vestir-se propriamente dito, pelo qual o indivíduo se apossa da instituição geral do
costume”.

Quando se aborda o tecnobrega na moda, há a mistura dos dois conceitos, a moda


enquanto costume, hábito que reflete um povo e sua cultura – por vezes imaterial – e a moda
como vestuário. Assim, com o objetivo de tornar seus produtos competitivos não só no Pará,
mas também no resto do país, marcas da cidade procuram traduzir a simbologia do “tecno” para
o vestuário. O resultado são peças cheias de identidade e bem produzidas, sem cair no senso
comum do exotismo amazônico e que conquistam grandes nomes como Jum Nakao e Ronaldo
Fraga (EUBELEM, 2012).

É importante ressaltar que nesse processo de tradução e comercialização do tecnobrega


se tem como base as tendências mundiais, ou seja, a iconografia do ritmo é utilizada nas
estampas e não no corte. Vale lembrar também que os estilos são baseados no público alvo das
marcas, que é a classe média. Portanto, se analisarmos o vestuário utilizado pela periferia talvez
este não se assemelhe totalmente aos vendidos pelos criadores aqui citados, o que não impede
a sua utilização por todas as classes sociais, contanto que os preços sejam acessíveis.

Para este estudo foram selecionadas peças de duas marcas belenenses: A EuBelém e a
FOLK. A primeira coleção analisada foi a criada, em 2012, pela EuBelém (ver figura 4), cujas
estampas foram inspiradas nas aparelhagens como Rubi e SuperPop, além de referências às
músicas consagradas no ritmo, como o sucesso Xirley, da cantora Gaby Amarantos. A segunda
coleção foi desenvolvida pela marca FOLK (ver figura 5), em 2016, e traz elementos
conhecidos pelos apreciadores do tecnobrega, como os símbolos das aparelhagens que são
realizados com as mãos durante as festas e a popularidade das Marcantes, que foi traduzida em
uma estampa de fitas cassetes com os nomes dos hits mais aclamados. Somando as duas
coleções os preços variavam entre 40 e 77 reais.

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Figura 4: Coleção da marca EuBelém.


Fonte: Facebook EuBelém (2012).

Figura 5: Coleção da marca FOLK.


Fonte: Facebook FOLK (2016).

Tecnobrega na moda. Para quem?

Não há dúvidas de que o tecnobrega é patrimônio imaterial do Ver-o-Peso e da região


das Ilhas como um todo, nem se questiona a sua função primordial em ser a voz da periferia,
porém o que muitas vezes se presencia em Belém é a sua apropriação cultural, uma exploração
que só busca o capital e vende uma cultura maquiada, “adaptada” para um público mais “culto”
ou turistas, que desconhecem a origem do movimento ou pouco valorizam o seu real papel na
vida do seu público original.

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Para compreender o que é apropriação cultural, Duarte (2017) contribui dizendo que é
“a adoção indevida de elementos específicos de uma determinada cultura por membros
pertencentes a outra” e completa “quando indivíduos acostumados a ter tudo [...] se apossam
de elementos de uma cultura que desconhecem ou até mesmo ignoram.” Ou seja, quando se
trabalha moda universal inspirada em elementos regionais o cuidado é redobrado para realizar
a tradução necessária sem desvalorizar a raiz dessa inspiração.

O tecnobrega enquanto cultura pertence a um público muito maior do que os que


consomem, atualmente, suas peças de moda ofertadas no mercado autoral de Belém. Peças que
são de extremo bom gosto e qualidade e deveriam alcançar novos usuários, de outras classes
sociais, que também desejam participar dessa valorização de seus símbolos, talvez criando
subcoleções mais acessíveis ou as ofertando em ambientes mais democráticos.

A valorização do tecnobrega na moda é uma necessidade e muito pode ser feito através
desse novo olhar, cujos frutos já começam a ser observados. No entanto, a comercialização
consciente dessa cultura e a busca pela democratização dessas peças de design devem ser uma
prioridade.

Conclusão

Debater apropriação cultural é algo delicado e é difícil estabelecer os seus limites, porém
fica mais claro quando se compreende que respeitar uma cultura é valorizar todos os seus
aspectos e, principalmente, os seus agentes e suas origens. Este trabalho não tem a pretensão
de “identificar culpados” ou julgar de maneira rasa o processo de produção de peças de moda
autoral, haja vista os conhecidos obstáculos enfrentados pelos novos designers em busca de
uma estabilidade no mercado. Pelo contrário, a proposta é lançar um novo olhar, incentivar uma
reflexão acerca da maneira como se consome a cultura e como isso pode ser resignificado ou
tratado com mais zelo. Os profissionais da moda de Belém têm muito a oferecer para o
tecnobrega e vice-versa, porém antes de criar uma roupa, um produto ou uma simples festa
usando seus elementos, a reflexão sobre o real objetivo dessa criação é fundamental. Vai
agregar, informar e divulgar? Ou só vai proporcionar mais exploração?

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MABE. Museu e arte de belém: exposição permanente. Belém: 2017.
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ROSENBLATT, Vincent. Tecnobrega. 2015. Disponível em:
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SVENDSEN, Lars. Moda uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

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