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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA

DO RITUAL AO TEATRO: uma visada antropológica sobre o Teatro


Performativo do Laboratório de Criação e Investigação da Cena
Contemporânea.

LUCAS RODRIGUES DE SOUZA

Niterói
2018
INTRODUÇÃO

Inicio esse trabalho de conclusão de curso em Antropologia seguindo os trilhos


do antropólogo inglês Victor Turner. Logo na introdução do seu “Do Ritual Ao Teatro:
A Seriedade Humana de Brincar”, Turner afirma que:

Os ensaios desse livro mapeiam minha viagem pessoal de descoberta,


desde os estudos tradicionais de antropologia sobre performance ritual
até um interesse vivo por teatro moderno, em especial o teatro
experimental (TURNER, 2015, p. 07).

Com alguma ousadia afirmo que hoje me encontro no mesmo percurso feito por
Victor Turner: fui dos estudos antropológicos aos estudos de teatrologia em meu
percursso acadêmico na Universidade Federal Fluminense, embora em todos os meus
trabalhos elaborados no decorrer do curso até a entrega desse trabalho de conclusão de
tenham dialogado, de certa forma, com a Antropologia da Arte, área essa ainda pouco
explorada na graduação em Antropologia da Universidade.
Recorrer a Turner é recorrer a um autor clássico da Antropologia, que,
tardiamente, faz uma virada em sua Antropologia e recorre a experiência englobando a
performance como a base de seus estudos.
Como antropólogo não consigo pensar em iniciar esse trabalho sem recorrer a
própria vida de Victor Turner, algo que ele faz no seu já citado “Do Ritual Ao Teatro”.
Filho de uma das fundadoras e atriz do Teatro Nacional Escocês, em Glasgow, Violet
Witter e de um engenheiro eletricista interessado pelos romances de H. G. Wells (autor
conhecido por inventar uma série de temas que mais tarde seriam aprofundados pela
ficção científica). Turner dedica quase um parágrafo inteiro para narrar a vida
profissional de sua mãe, que pretendia fazer do Teatro Nacional Escocês tão grande
quanto o Teatro Abbey, de Dublin, segundo o autor. Mesmo com a tentatia falha Turner
afirma que sua mãe permaneceu uma “mulher do teatro” (TURNER, 2015, p. 07) até o
fim. Elucida uma série de montagens da mesma onde a mesma construia um repertório
rebelde, para a época, a mesma nascera no ano de 1893 e assim podemos considerar
que, em sua carreira teatral encenar Ibsen e Strindeberg (talvez falar um pouco da
dramaturgia de ambos e de como eles eram lidos como rebeldes para a época) era um
ato de rebeldia.
Recorro a vida de Turner para iniciar esse trabalho pois é isso que ele faz, de
certa forma, para relacionar seus estudos com a área de Antropologia da Arte, mais
especificamente com a chamada “arte do homem”, o teatro. Após a separação dos pais e
isolado em uma cidade “no mais longuínquo sul da Inglaterra” (TURNER, 2015, p. 08)
e frequentador de um balneário que amplamente homenageava Verlaine e Rimbauld,
Victor Turner começa a tecer sua relação com a arte, que de certa forma é interrompida
quando o mesmo recebe um prêmio por um poema sobre Salamis (provavelmente um
poema sobre a batalha naval de Salamis) e é massivamente escarniado por seus colegas
de turma na escola, fazendo com que o mesmo tenha tornado-se um “jogador de futebol
e de críquete um tanto violento” (TURNER, 2015, p.08), para perder o estigma de
sensível.
O “drama social” para Turner advém para ele como uma espécie de “herança” de
seus pais. O trabalho de campo despertou o cientista que havia nele, tal qual o seu pai e
sua experiência no campo revitalizou seu dom materno para com o teatro. Drama social.
Um homem inglês, nascido em 1920, na virada do século, onde os artistas afastavam-se
das obras clássicas, década dos movimentos de vanguarda europeu que fazem-se
presentes até os dias de hoje, pulverizados na arte contemporânea. Esse homem, inglês,
filho de uma atriz e um engenheiro, vive por três anos em aldeias africanas –
posteriormente citaremos a relação de Turner com a aldeia Ndembu, habitando
choupanas de palha. Tudo para ele, era parecido com um “drama”, como se emergisse,
irrompendo no que “de outro modo seriam as superfícies relativamente lisas da vida
social” (TURNER, 2015, p. 09). Para o seu lado cientista os drama sociais revelavam
relações “taxonômicas” (o uso das aspas é do próprio autor) entre os atores sociais. Para
o seu lado artista o drama revelava “o caráter individual, o estilo pessoal, a capacidade
retórica, as diferenças morais e estéticas e as escolhas apresentadas e levadas a cabo” de
cada indivíduo.
Essa curta narração é o que nos é apresentado por Turner como uma maneira de
justificar sua formação em antropólogo. Utilizo aqui do mesmo subterfúgio de Turner
para de, nessas páginas inicias, refletir sobre o meu decorrer acadêmico e minha
inclinação às artes. Fazendo uma síntese e para utilizar as palavras de Turner sempre fui
um “homem das artes”. Desde o fim do ensino médio sabia que era Artes que gostaria
de cursar, seja ela dentro da área de Literatura ou Visuais e etc. Meu interesse era
estudar História da Arte, algo que nunca chegou a acontecer. Acabou que antes de
chegar ao curso de Antropologia estudei Letras e Filosofia, sempre de olho na relação
de ambas com o mundo artístico. No terceiro período de Filosofia me vi apaixonado
pelos estudos de “Ritual e Simbolismo”, cursei a disciplina como optativa que na época
estava sendo ofertada pelo professor Daniel Bitter. No semestre seguinte rumei para a
Antropologia visando estudar Antropologia Visual, narrativas etnográficas por meio de
fotografias, o diálogo da câmera com povos nativos e etc, cheguei até iniciar pesquisas
nesse campo de estudos, mas voltei amplamente minhas atenções para a Antropologia
da Arte quando me deparei com o termo “Antropologia da Performance”.
Esse trabalho surge como uma interaçã entre minha área de formação
acadêmica, a Antropologia e as Artes da Cena, aqui colocadas por meio da minha
participação como performer e pesquisador do Laboratório de Criação e Investigação da
Cena Contemporânea, vinculado ao programa de Pós-Graduação em Artes da
Universidade Federal Fluminense (LCICC-UFF) , coordenado pela professora, artista e
diretora teatral Martha Ribeiro. Junto com a professora Martha Ribeiro realizei uma
pesquisa de iniciação científica sobre os mestres pedagogos dos anos sessenta e de
como os mesmos contaminam antropofagicamente o LCICC-UFF . Dentro da iniciação
científica iniciei uma aproximação do ritual e do teatro pela teoria antropológica com a
ajuda do antropólogo inglês Victor Turner e seu “Do Ritual ao Teatro. A pesquisa
teóricada iniciação científica também foi por um trabalho de campo ainda em
andamento com o grupo de pesquisa da professora Martha Ribeiro, o já citado LCICC-
UF), sendo ela feita por meio da observação participante.
Nesse trabalho de conclusão de curso a ideia é iniciar no ponto em que parei no
primeiro ano da pesquisa de iniciação científica com a professora Martha Ribeiro, ou
seja, a relação de ritual e teatro elaborada nos estudos de Victor Turner. Esse é o ponto
de partida e que pretende justificar o motivo de tomar um grupo de teatro performativo,
suas peças teatrais, os sintomas da arte contemporânea presentes em seus laboratórios e
suas montagens como meu campo de análise.
CAPÍTULO I: DO RITUAL AO TEATRO; DO LIMINAR AO
LIMINÓIDE.

Jonh C. Dawsey em seu artigo “Turner e a Antropologia da Experiência”


comenta sobre a introdução do livro de Victor Turner aqui já citado, o “Do Ritual Ao
Teatro: A Seriedade Humana de Brincar”. O autor reforça em seu artigo que “a
antropologia da performance é uma parte essencial da antropologia da experiência”
(DAWSEY, 2005, p. 163). Podemos aqui tomar experiência como uma forma completa
de expressão da performance – a experiência só se completa através de uma
performance, só se realiza inteiramente através da mesma. “A performance completa
uma experiência” (DAWSEY, 2005, p. 164).
Observar o percurso de Victor Turner, desde o do ritual ao teatro e do liminar ao
limonóide serve como um ponto de partida, justificativa e embasamento para a feitura
desse trabalho de conclusão de curso que tem como premissa o estudo e um esboço de
uma criação do que chamo de “Antropologia Cênica”, na qual tenho o Laboratório de
Criação e Investigação da Cena Contemporânea (LCICC-UFF) como interlocutor para
pensar os sintomas da arte contemporânea colocados dentro do mesmo.
Dawsey, para compreender melhor o percurso de Turner, atenta-se para os
“dramas rituais”, para a chamada questão da liminaridade. No primeiro capítulo de
“Dramas, Campos e Metáforas” Victor Turner discorre acerca da criação de seu
conceito aqui evocado, o drama social. O que o mesmo nomeia de dramas sociais
advém de seu trabalho de campo com os Ndembu e sua propensão ao conflito, sendo
esses conflitos episódios de incursão pública; dramas sociais. Dramas sociais são
entendidos por Turner como fases anarmônicas de um processo social em andamento.
“Dramas sociais são, portanto, unidades de processo anarmônico ou desarmônico que
surgem em situações de conflito” (TURNER, 2008, p. 33). Esses dramas sociais causam
experiências primárias, trazendo a vida fenômenos que foram extinguidos em
determinada estrutura vem a tona criando novas possibilidades de comunicação na vida
social. O principal aqui é frisar que estruturas sociais se decompõem, figuras grotescas
surgem no meio de experiências que podemos entender como carnavalizantes
(DAWSEY, 2005). “No espelho mágico de uma experiência liminar, a sociedade pode
ver-se a si mesma a partir de múltiplos ângulos, experierimentando, num estado de
subjuntividade, com as formas alteradas do ser” (DAWSEY, 2005, p. 165).
Os dramas sociais revelam-se anti-estruturais, pois surgem de um conflito/caos e
são evocados para levar a uma fase que Turner chama de ação corretiva, onde o intuito é
limitar a difusão da crise. Figuras e imagens que surgem nessa situação de anti-estrutura
surgem com poderes geralmente inversalmente aos quais possuiam dentro da estrutura -
e são essas figuras e imagens que aparecem com poderes de cura para “revitalizar o
tecido social” (DAWSEY, 2005, p. 166).
Ritual e teatro, liminar e liminóide são categorias com as quais Turner trabalha e
são de extrema importância para justificar a escolha desse trabalho de se enveredar por
ter no cerne de sua pesquisa um grupo de artes cênicas como interlocutor. Marcar
conceitualmente essa diferenciação e essa passagem de um para outro faz-se necessário.
Os fenômenos liminares tendem a surgir de uma experiência coletiva, podendo
surgir como crises nos processos estruturais. Eles são parte do processo social total,
funcionando como um ponto negativo e de anti-estrutura, produzem símbolos comuns a
todos os membros de um determinado grupo, mesmo funcionando como representações
anti-estruturais compartilham de uma certa coletividade e principalmente contruibuem
para revitalizar as estruturas de determinada sociedade, quando produzem a inversão,
diminuem as tensões e conflitos.
Já os femônenos limonoides geralmente fazem-se individuais, embora possamos
ser seus efeitos coletivos na vida social de modo geral. São desenvolvidos a margem do
processo central tanto econômico e político – revelam-se como manifestações mais
pluralizadas e experimentais, apresentando características mais peculiares, associados a
indivíduos e grupos mais específicos que “frequentemente competem num mercado do
lazer, ou de bens simbólicos” (DAWSEY, 2008, p. 168). Os fenômenos liminoides
surgem como manifestação com um fundo de crítica social que, a depender das
condições, podem mover transformações com desdobramentos renovadores.
Para Turner o espirito liminoide “caracteriza boa parte da atividade intelectual
no mundo contemporâneo” (DAWSEY, 2008, p. 168). Dawsey coloca um certo tom
nostálgico em Turner de buscar experiências liminares – ou ecos das mesmas – no
mundo contemporâneo. O teatro é visto como uma “ação reparadora”, já que a natureza
do teatro encontra suas fontes na liminaridade. Utilizando-se de ideias advindas de
Dewey, Turner mostra que “o teatro e outros gêneros de performance podem suscitar
experiências de communitas”. Podemos entender communitas como uma anti-estrutura
formada por atores sociais que compartilham certa condição de liminaridade dentro de
um processo ritualizado. Para chegar a esse pensamento do teatro como communitas
Turner coloca o processo de industrialização como o primeiro momento do drama
social: a ruptura. Essa ruptura causa um desmambramento nas forças de ação simbólica
e no que Dawsey chama de “enfraquecimento da experiência do liminar” (DAWSEY,
2013, p. 384). Assim, de certa forma, o teatro funciona como essa “ação reparadora” do
“drama social” da industrialização.

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