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DIONISOinstituto PDF
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RESUMO
O presente texto apresenta uma visão do deus grego Dioniso como uma força arquetípica
presente na psique humana desde a antiguidade até a atualidade. Esta força, quando vivenciada
pelas pessoas na época presente, assim como era na Grécia antiga, pode trazer benefícios
psicológicos através da compensação entre a atitude da consciência e os conteúdos do
inconsciente.
PALAVRAS-CHAVE
Mitologia Grega, deuses, religião, música, cultura e teatro gregos, inconsciente, imagens
simbólicas e arquetípicas, feminino, saúde/doença, tipos apolíneo e dionisíaco, musicoterapia,
Cinco Ritmos, análise, mistérios.
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INTRODUÇÃO
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Entre os epítetos de Dioniso estão o jovem deus, o deus nascido duas vezes, o deus
triturador de homens, o louco, o Delirante, o Fremente, o Murmurante, Bakkheîos (o que pratica
loucura), Lýsios (libertador), Meilíkhios (suave e doce como o mel), Bougenés (filho da vaca ou
boi honrado), Kissós (florente de hera), Oínopos (cor de vinho), Eleútheros (filho de Zeus), Diòs
phós (luz de Zeus), Kretogenés (nascido em Creta), Melanáigis (o da negra pele de cabra),
Omádio (comedor de carne crua), Pyrísporos (nascido do fogo), Évio e ainda Ditirambo,
identificando-o com seus cantos rituais. De acordo com alguns rituais, recebia também a
denominação de Diónysos Orthós, o "Dioniso Ereto", cuja representação era um falo e Diónysos
Pélekys, "Bipene", a machadinha de dois gumes utilizada nos rituais de sacrifício. Homero o
chama de mainómenos Diónysos, o delirante Dioniso, mesmo adjetivo que Platão utiliza para o
vinho, pois a embriaguez dionisíaca parecia comparável à bebedeira.
Estes diversos nomes e atributos tornam mais evidente a natureza paradoxal de Dioniso,
com seus aspectos luminosos e sombrios simultâneos. Segundo Kerényi (2002), em Leis, Platão
menciona duas dádivas da estação da vindima, da segunda metade de julho ao começo de
setembro: os frutos e algo mais sublime, o júbilo dionisíaco. A pura luz do fim do verão é
considerada pelos gregos dionisíaca ou o próprio Dioniso.
Otto, em citação de Kerényi (2002), sustenta que o divino ser de Dioniso, sua natureza
básica, é a loucura, mas uma loucura inerente ao próprio mundo, não um estado degenerativo,
mas algo que acompanha a perfeita saúde, isto é, a própria vida em oposição e contato
permanente com a possibilidade da morte. São as profundezas primitivas onde moram as forças
da vida, cujo contato pode tanto destruir quanto beneficiar. É a fusão de consciente e
inconsciente num único transbordamento, estado em que é possível contemplar a visão de
Dioniso.
cuidados das Ninfas e dos Sátiros, que lá habitavam numa gruta profunda".
(1995:117-20).
Há variações em torno do mito do duplo nascimento de Dioniso, sendo que seu segundo
nascimento, a partir da união de Zeus e Sêmele, com o término da gestação na coxa de Zeus é o
mais célebre. Também para o mitologema do nascimento a partir da coxa há uma variação
importante, citada por Eurípedes em As Bacantes:
"Quando Zeus extinguiu o fogo de seu raio e transportou para o Olimpo o
deus-menino, Hera tentou precipitá-lo das alturas celestiais; Zeus, como grande
deus que é, opôs à intenção da deusa um artifício condizente com sua condição
divina: tirou do éter sobreposto à terra-mãe uma porção suficiente e fez com ela um
simulacro igual à imagem de Dioniso e o entregou a Hera como seu refém,
suavizando assim o ciúme da esposa. Mais tarde pensou-se que o deus recém-
nascido tinha sido enxertado na coxa de Zeus por causa de um mal-entendido com
palavras". (s/d: 220).
O autor continua o verso explicando que a circunstância do deus ter sido refém de Hera,
embora somente em aparência, é a origem da versão mais divulgada do mito. Isto se deveu ao
jogo de palavras que, em grego, são semelhantes, ou seja, hômeros (refém) e mêros (coxa).
O simbolismo contido nos principais mitologemas é muito rico, dando origem aos ritos
religiosos do dionisismo, a religião ou seita que veio revolucionar espiritualmente a história
religiosa da Grécia. Kerényi (2002), coloca que, na genealogia dos deuses, Dioniso assumiu seu
lugar depois de Cronos e Zeus, num paralelo com os estágios da alimentação dos deuses, pois
com Cronos e Zeus foi criado o hidromel e, com Dioniso, a dádiva do vinho. Como um deus da
vegetação, Dioniso mantém estreita relação com o sofrimento, a morte, a ressurreição e a
iniciação, sendo dinâmico e soteriológico, isto é, trata da salvação humana. Além disso, como
uma criança abandonada após o nascimento, Dioniso representa a criança primordial, em sua
absoluta e invulnerável solidão cósmica e em sua unicidade. O aparecimento de tal criança
coincide com um momento de criação de um mundo novo, de uma nova época histórica.
M. Eliade, em seu Tratado de História das Religiões, comenta que:
"Tanto as grandes correntes da religiosidade popular como as sociedades secretas
dos mistérios egeo-orientais se cristalizaram em volta das chamadas divindades da
vegetação, que são primordialmente divindades dramáticas, responsáveis pelo
destino do homem, conhecendo, como ele, as paixões, o sofrimento e a morte. Jamais
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Na primeira parte do mito há o sincretismo com o orfismo, seita que valorizava os ritos
de morte e renascimento de Dioniso-Zagreu, proveniente de mitos mais antigos, que remontam
ao período minóico e anterior. Kerényi (2002) menciona que foi encontrada uma plaqueta em
Pilos, localidade situada na esfera da cultura minóica, com o nome do deus, di-wo-nu-so-jo
(Dionysoio) na escrita Linear B, anterior ao grego. Nesta mesma localidade também foi
encontrado um documento sobre o deus Eleuthér, filho de Zeus, a quem eram sacrificados os
touros, identificado com Dioniso. Este texto do século XIII a.C. já documenta o culto dionisíaco,
a linhagem do deus e seus rituais. Em Creta, uma placa encontrada no palácio de Cnossos traz o
nome pe-te-u (Pentheús), que significa "cheio de sofrimento". Nas versões do mito que
chegaram até nós, especialmente a tragédia As Bacantes, Penteu é um adversário do deus, a
quem faz sofrer e é punido com sofrimento. Originariamente, o sofredor, "Penteu", era o próprio
Dioniso e estas alterações ou adaptações aconteceram por causa da relação entre o homem e os
deuses, pois no período histórico os gregos não davam a um homem um nome que o relacionasse
tão intimamente com o deus quanto no período minóico.
Os ritos minóicos e gregos na época da vindima evocam a morte e renascimento de
Dioniso. Homero menciona os apanhadores de uvas que entoavam cantos de lamentação e
Hesíodo indica o tempo da vindima e a fabricação do vinho, mas ambos os poetas excluem de
suas obras a etapa do lagar, o espremer das uvas, fato que se repete por toda a literatura do
período clássico. Os espremedores de vinho cantavam o mélos epilénion, uma canção
camponesa dedicada ao lagar, que envolvia a morte de Dioniso. Estes cantos eram muito tristes,
pois invocavam a dilaceração do deus, assim como a própria vinha, que "morre" no inverno para
renascer no início da primavera. Dioniso representa esta força de vida que faz brotar novamente
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a vinha, como uma manifestação da realidade viva, da vida que se regenera periodicamente.
M. Eliade (1993), menciona a concepção primitiva da vinha como árvore cósmica do
conhecimento e da redenção. O vinho seria a incorporação da luz, da sabedoria e da pureza, que
os textos clássicos trazem como a "dádiva" de Dioniso. Em As Bacantes, Tirésias, o velho sábio,
canta o vinho como aquele que cura as amarguras da triste raça humana, dá paz e esquecimento
dos males cotidianos, sendo Dioniso um profeta cujo dom divinatório é revelado aos homens em
seus delírios, quando ele penetra nos corpos humanos e, embriagando-os, revela o que está por
vir. Aqui há uma idéia de que a "embriaguez" dionisíaca seria induzida por outros fatores
presentes nos rituais, como o transe, que leva ao êxtase e ao entusiasmo, seguindo-se a liberação
e, por fim, a purificação. A "embriaguez" sagrada permitia participar, ainda que de maneira
imperfeita, da natureza divina. Ela realizava o paradoxo de viver uma existência plena e, ao
mesmo tempo, se tornar; de ser força e equilíbrio.
Junito Brandão (1995), denomina Dioniso deus do êxtase e entusiasmo, dois estados
próprios da religião dionisíaca que levavam os humanos a estarem mais próximos do deus.
Êxtase, do grego ekstasis, é um estado da alma em que os sentidos se desprendem das coisas
materiais, absorvendo-se no enlevo e na contemplação interior; um arrebatamento dos sentidos
causado por uma grande admiração ou por um vivíssimo prazer que absorve todo e qualquer
sentimento, um estado de inspiração absoluta. Entusiasmo, do grego enthousiasmos, é a
excitação da alma quando admira excessivamente, paixão viva, arrebatamento, dedicação e
exaltação criadora. Entusiasmo significa, além disso, "estar pleno de deus", de acordo com sua
origem etimológica a partir da palavra grega theos, deus. Por isso os mais importantes filósofos,
poetas e artistas da Grécia cantam a importância de Dioniso e de seu culto.
Não é possível afirmar que a religião dionisíaca pregasse a crença na reencarnação, mas é
certo que continha a mensagem de salvação após a morte, com a possibilidade de transcendência,
o que era não só uma revolução em relação à antiga religião homérica, mas também algo muito
confortador para o homem. Dioniso é mais do que o deus sofredor, é o deus trágico como
nenhum outro. Seus ritos religiosos garantiam que a morte não é o fim de tudo, pois o fato de
morrer e renascer levava seus fiéis seguidores a crer que a alma vive para sempre. Dioniso, mais
do que Perséfone, representa aquele que venceu a morte e, em sua ressurreição, ele simboliza a
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encarnação da vida, por isso tornou-se o centro da crença na imortalidade. M. Eliade (1993)
menciona que todas as estatuetas de Dioniso encontradas nos túmulos beócios possuem um ovo
na mão, sinal de regresso à vida.
Edith Hamilton cita que o escritor grego Plutarco, por volta do ano 80 d.C. escreveu a
seguinte carta à sua mulher a respeito da morte de uma filha de ambos, ainda criança:
"Quanto àquilo que ouviste, querida esposa, no sentido de que, uma vez
separado do corpo, o espírito se transforma em nada e nada sente, sei que não
acreditas em tais afirmações, em nome das promessas sagradas e fiéis contidas nos
Mistérios de Baco, que conhecemos pelo fato de pertencermos a esta irmandade
religiosa. Temos a firme certeza de uma verdade inquestionável: nossa alma é
incorruptível e imortal. Para nós, os mortos vão para um lugar melhor, onde
viverão mais felizes do que foram aqui. Comportemo-nos de acordo com essa
crença, ordenando em função dela nossa vida exterior, ao mesmo tempo em que, no
íntimo, tudo deve ser mais puro, mais sábio, incorruptível". (1995:76).
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importante local de festejos dionisíacos da Grécia, mas também aí demorou a chegar, pois tais
festejos ficaram bastante tempo restritos às áreas camponesas.
Dioniso é o deus da epifania, da chegada repentina, o que, na Grécia, era conhecido
também como epidemia, a incursão de algo avassalador, o aflorar imprevisível de uma nova
experiência. O culto dionisíaco pode ser considerado também como uma religião missionária,
precursora do Cristianismo, pelas inúmeras histórias de chegada e peregrinação. Graças à
riqueza cultural de Atenas, assim como por sua democracia, o ano festivo dionisíaco da cidade
foi o mais importante da Grécia. As comunidades vinicultoras da Ática preservavam a memória
do fato de que tiveram que aprender a fazer vinho, mas não aprenderam de modo profano, mas
de acordo com os mistérios, pois não poderiam ter inventado nem compreendido por si mesmas
estas técnicas. Kerényi (2002), menciona que o mito segundo o qual Dioniso veio à Ática
trazendo a vinicultura é mais antigo que o de Dioniso nascido em Tebas.
Dioniso, trazendo para a Ática a vinicultura, foi recebido como hóspede na casa do herói
Sêmaco, onde foi cuidado pelas mulheres. O relato mítico está de acordo com os usos
consagrados pelos quais as mulheres desempenhavam o papel principal no culto de Dioniso e
todas as sacerdotisas do deus eram consideradas sucessoras das filhas de Sêmaco. Outra versão
deste mito é a recepção de Dioniso pela filha de Icário, Erígone, que se tornou a primeira mulher
de Dioniso. Estes mitos e outras versões tornam verossímil que Dioniso tenha sido levado a
Atenas por mulheres, sendo as mulheres de Atenas as guardiãs do culto dionisíaco na cidade.
Elas tomavam posse do deus por meio da cerimônia de sua união com a rainha, que representava
a união de Dioniso e Erígone e, assim, a cidade participava desta posse. Em Atenas as mulheres
eram as senhoras do vinho, sendo ativas no Lénaion, o santuário de Dioniso, que também servia
de lagar público e era sagrado. Elas eram identificadas como aquelas a quem, depois do deus, o
vinho era devido.
Os festivais dionisíacos eram variados e complexos, de acordo com a região em que se
realizavam. Junito Brandão (1995), destaca as Dionísias Rurais, Lenéias, Dionísias Urbanas ou
Grandes Dionísias e Antestérias. As Dionísias Rurais eram celebradas na segunda metade de
dezembro aproximadamente, nos demos da Ática. A cerimônia central constituía-se numa alegre
e barulhenta procissão com cantos e danças, em que se transportava um enorme falo e cujos
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chegar ao santuário, consumava-se a união da rainha com o sacerdote, que representava o deus e
simbolizava a união deste com toda a pólis.
O terceiro dia recebia o nome de Khýtroi, vasos de terracota consagrados aos mortos e às
Queres. Era um dia nefasto, em que todos oravam pelos mortos e pela Queres, que vagavam pela
cidade. Oferecia-se a Hermes, deus psicopompo, uma sopa com todas as espécies de sementes,
pois os mortos estavam ligados à fertilidade da terra e subiam ao mundo em busca de
agradecimento pelas riquezas que proporcionavam aos vivos. Quando a noite chegava todos
gritavam: "Retirai-vos, Queres, as Antestérias terminaram".
A liberdade concedida pelos festejos dionisíacos favorecia a adesão das mulheres, dos
pobres, camponeses e escravos aos cultos. De fato, Dioniso é o deus das mulheres e as
Antestérias simbolizavam sua libertação e valorização, um momento em que saíam da condição
de repressão e humilhação a que estavam atreladas. As mulheres representavam as nutrizes
míticas do deus. Seu culto também exigia a presença do thíaso, o grupo de pessoas que
celebrava o sacrifício em honra do deus, na esperança de renovação espiritual. Em suas festas,
muitas vezes o aspecto sombrio do deus precedia o aspecto luminoso, catártico e purificador, de
crença na imortalidade.
Kerényi reproduz em sua obra uma citação de Otto sobre a importância das mulheres nos
ritos dionisíacos:
"Nunca devemos esquecer que o mundo dionisíaco é, acima de tudo, um
mundo de mulheres. As mulheres aviventam e nutrem Dioniso. Mulheres o
acompanham onde quer que ele esteja. Mulheres o assistem e são as primeiras a ser
dominadas por sua loucura. E isso explica por que o genuinamente erótico se
encontra apenas na periferia da paixão e da libertinagem reveladas com tanto
atrevimento nas bem conhecidas esculturas. Muito mais importantes que o ato
sexual são os atos de dar à luz e criar a criança. O terrível trauma do parto, a
selvageria que pertence à maternidade em sua forma primal, selvageria essa que
pode irromper de forma alarmante não apenas nos animais - tudo isso manifesta a
natureza íntima da loucura dionisíaca: o encrespar-se da essência da vida cercada
pelas tempestades da morte. Desde quando esse tumulto latente no mais fundo das
profundezas se dá a conhecer, a plenitude do êxtase da vida, tocada pela agitação da
loucura dionisíaca, é capaz de romper todos os limites do arrebato em perigosa
selvageria. A condição dionisíaca é o fenômeno primal da vida, de que mesmo o
homem pode participar, em todos os momentos de nascimento de sua existência
criativa". (2002:116).
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subterrâneo de Diónysos Krésios, indicando que pertence à esfera da religião dionisíaca de Creta.
Nos mitos de Creta, o falecimento de Ariadne durante o parto tem paralelismo com o parto
prematuro de Sêmele, sendo que Ariadne não deu à luz, mas foi enterrada em uma gruta sagrada
com o filho no ventre, levando consigo seu filho para o mundo subterrâneo e identificando-se
com Perséfone.
Dentre todos os deuses, Dioniso é o único que veio ao mundo ainda como um feto, e um
nascimento na morte é algo realmente místico. Segundo Kerényi (2002), os Mistérios de Elêusis
giravam em torno deste nascimento e seu valor místico seria ainda maior se, como Sêmele,
Ariadne tiver dado à luz Dioniso. Em Cnossos, a dança ritual em homenagem à Senhora do
Labirinto era executada numa pista de danças e a Senhora localizava-se no centro deste labirinto,
que representava o mundo subterrâneo. A Senhora dava à luz um menino misterioso que trazia a
esperança de um retorno à luz.
Ariadne foi sem dúvida uma grande deusa lunar do mundo Egeu e sua associação com
Dioniso mostra sua grandeza. Tanto o fato de ter vencido o Minotauro quanto a união com
Dioniso em Naxos após o abandono por Teseu demonstram a superação de estágios inferiores
para atingir a transcendência. Em Naxos acontece a ascenção aos céus de Ariadne, levada por
Dioniso, que lhe deu uma tiara de estrelas, a corona borealis. Kerényi relata assim esta união
transcendental:
"Assim como Dioniso é a realidade arquetípica de zoé, Ariadne é a realidade
arquetípica do dom da alma, do que faz de um vivente um indivíduo. A alma é um
elemento essencial de zoé, que dela carece para transcender o estágio seminal. Zoé
exige alma e toda concepção é psicogonia. Em cada concepção nasce uma alma. A
imagem deste evento é a mulher como concebedora, que dá alma a viventes, e o
reflexo desta imagem é a lua, sede mitológica da alma. Em imagem e em reflexo, a
fonte feminina de almas, para a Creta Minóica, era a grande deusa, Réia e
Perséfone - uma díade só em aparência, fundamentalmente uma unidade. A imagem
em questão é arquetípica, expressiva da mesma unidade e continuidade que, em
Elêusis, exprimem Deméter e Perséfone. Na união das duas imagens arquetípicas, o
casal divino, Dioniso e Ariadne, representa a eterna passagem de zoé na, e pela,
gênese dos viventes. Isso acontece de contínuo, e sempre está a acontecer, de modo
idêntico sempre e de forma ininterrupta. Não apenas na religião grega, mas também
no culto e na mitologia minóica, zoé assume a forma masculina e a gênese das
almas reveste a feminina". (2002:108-9).
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A ele clamai:
Cantaremos Dioniso
Nestes dias santos -
O por doze meses ausente.
Agora é o tempo, agora as flores chegam.
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existência humana. Para Jung, há sempre uma relação de compensação entre a religião de um
povo e seu comportamento vital, sendo os deuses olímpicos tão luminosos por causa da
obscuridade da alma grega. Haveria uma violenta discórdia na essência grega, uma essência
bárbara, também titânica. Daí a ânsia de redenção que dava aos Mistérios do Elêusis extrema
importância para a vida popular grega. Mediante uma evolução gradual, a cultura grega
pôde conjugar o dionisíaco e o apolíneo no âmbito religioso, o que é algo raro para o homem
moderno experimentar. No homem civilizado, as forças instintivas, quando exteriorizadas, são
muito mais perigosas e destrutivas que os instintos do homem primitivo, que os pode viver
continuamente através de seus ritos religiosos. Isto era também função das celebrações e ritos
dionisíacos, pois, através deles, poderia vivenciar sua essência bárbara, integrado na coletividade
e unificado ao próprio inconsciente coletivo, exercendo a dýnamis criadora, uma expansão
máxima que une a todos, trazendo poderosa compreensão universal que embriaga os sentidos.
Jung (1974), destaca a participação da função percepção, sensível ou afetiva, e uma extroversão
de sentimentos ligada à percepção nas vivências dionisíacas. Elas detêm-se na percepção
extrovertida e desenvolvem os sentidos, os instintos e a afetividade, em contraposição à
introversão, que se detém na intuição de idéias, desenvolvendo a visão íntima.
Hillman (1997), tratando de Dioniso na obra de Jung, comenta que a consciência analítica
favorece o princípio masculino em detrimento do feminino, ou seja, a luz, a ordem e a distância
em lugar do envolvimento emocional. Este autor sugere uma retificação no modo de entender a
estrutura arquetípica dionisíaca, que tem sido vista pela psiquiatria e psicologia tradicionais
como inferior, histérica, efeminada, desenfreada e perigosa, por ser considerada dissociativa e
enfatiza que a psicoterapia não pode trabalhar baseada em noções enganosas sobre Dioniso, por
ser ele o Senhor das Almas.
Dioniso pode ser comparado às profundezas do inconsciente e desempenha papel central
na tragédia, nos mistérios transformadores, nos níveis instintivos e comunais da alma e na psique
feminina. Para Hillman (1997), interpretar mal sua manifestação poderia comprometer
seriamente os processos de cura, por ser Dioniso a imagem arquetípica da vida que sempre se
renova.
De acordo com Hillman (1997), Jung lembra que Dioniso era chamado de "o dividido",
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processo que pode ser vivenciado nos sintomas psicossomáticos e aditivos, conversões histéricas,
no câncer, no medo de envelhecer e todas as condições desintegradoras incoerentes que possuem
um foco corporal, proporcionando, por outro lado, o despertar da consciência do corpo, como
sendo composto de elementos distintos: "nossos dilaceramentos podem ser compreendidos como
o tipo especial de renovação apresentado por Dioniso". (1997:186).
López-Pedraza (2002), destaca a dança e a música flamencas como uma manifestação do
dionisíaco ainda vistas na atualidade. O jazz também pode ser considerado assim. Há uma
interessantíssima passagem do filme Nelson Freire, de João Moreira Salles, em que o pianista
genial vê uma antiga fita de um dos astros do jazz e exclama que gostaria de saber tocar como
ele, de improviso. Esta imagem revela a necessidade do tipo apolíneo em compensar sua
vivência com algo de dionisíaco. Também o carnaval de rua, com seus blocos ruidosos, sua
irreverência, arrebatamento e intensidade de que todos participam, numa explosão de alegria em
que tudo é permitido durante quatro dias. Os festejos do carnaval parecem-se bastante com as
Antestérias, pois há muita bebida, um Rei Momo e suas acompanhantes, concursos de fantasias e
tudo termina na quarta-feira de cinzas, que evoca a imagem da morte.
No âmbito terapêutico há uma técnica que evoca o dionisíaco para integrá-lo à nossa
vida: Os Cinco Ritmos. Os Cinco Ritmos fazem parte de um método transpessoal de movimento
expressivo que permite a movimentação corporal de sensações, emoções, sentimentos e imagens,
proporcionando maior harmonia e criatividade. O método utiliza música, especialmente o ritmo
e o movimento como instrumentos de estimulação para cinco movimentos corporais, que
correspondem a determinadas etapas de nossa vida e retratam nossas principais emoções,
percepções a arquétipos importantes, efetuando uma passagem simbólica por estas cinco etapas
de nosso desenvolvimento emocional, visando o contato com o inconsciente.
A criadora deste método, a dançarina e coreógrafa americana Gabrielle Roth, o denomina
também de "dança extasiante" e "dança tribal", o que permite vislumbrar mais claramente sua
ligação com o aspecto dionisíaco. Tal ligação também se evidencia no caminho percorrido por
ela até chegar a esta técnica, pois sofria de uma grave anorexia que refletia sua dificuldade em
aceitar seu corpo, sua sexualidade e sua vida. Passou também pela experiência de um acidente
que a deixou impossibilitada de dançar, mas descobriu que poderia ainda movimentar-se e isto
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lhe deu mais ânimo na busca pelo movimento como meio de atingir uma dimensão mais
extasiante de transformação e cura. Prestando atenção em seus movimentos e naqueles das
pessoas de quem tratava, descobriu os ritmos por onde flui a energia, através da improvisação,
das trocas repentinas de intensidade e do estilo próprio de cada um.
Estes ritmos relacionam-se com os movimentos cíclicos da vida, a manifestação do
princípio criativo do universo. O ritmo é o elemento da música que mais se aproxima dos
movimentos do corpo e seus padrões simples, quando repetidos sucessivamente, podem ter efeito
hipnótico sobre os seres humanos, provocando emoções e satisfação. A dança possui a qualidade
de unir o ritmo do corpo, as emoções e a música numa só expressão que se completa para a
manifestação da alma.
Os Cinco Ritmos são iniciados após um aquecimento onde as várias partes do corpo são
movimentadas livremente, ao som de músicas intensamente rítmicas, percussivas ou
instrumentais. Assim toma-se consciência e prepara-se o corpo para a prática dos Cinco Ritmos,
permitindo uma vivência mais intensa e profunda. O primeiro ritmo é denominado fluir e é feito
através de movimentos circulares, calmos, fluidos, contínuos, focalizados no inalar da respiração.
Este ritmo relaciona-se ao medo, à sensação de inércia, ao ciclo de vida relativo ao nascimento, à
auto-estima e ao nosso dançarino interno. O segundo ritmo é denominado staccato, sendo
curto, afiado, percussivo, pausado e com movimentos em ângulos retos, estando relacionado à
raiva, ao ciclo da infância, à amizade, à experimentação da imitação e ao nosso cantor interno.
O terceiro ritmo é o caos, definido como uma passagem para o êxtase, num estado
próximo ao transe. Os movimentos são desorganizados, com um intenso chacoalhar do corpo em
que somente os pés devem manter contato com a terra. Este ritmo relaciona-se à tristeza, ao
ciclo da puberdade, aos amores, à intuição e ao nosso poeta interno. O quarto ritmo denomina-se
lírico e seus movimentos são leves, numa busca pela dimensão etérea, pelo vôo, pela faceta
lúdica e luminosa do ser. O lírico relaciona-se à alegria, ao ciclo da maturidade, ao
companheirismo, à imaginação e ao nosso ator interno. Finalmente, o quinto ritmo é a quietude,
onde o foco será acalmar o corpo, centrando e revitalizando a mente através de movimentos
lentos e pausados. Este ritmo relaciona-se à compaixão, ao ciclo da morte e à inspiração,
suscitando nosso curador interno.
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Para a criadora dos Cinco Ritmos, precisamos encontrar todos estes ritmos em nós, para
podermos nos relacionar com a possibilidade de uma cura mais profunda. Após a prática dos
Cinco Ritmos, que é realizada em silêncio, todos podem expressar suas vivências de diversas
maneiras e a expressão artística é uma delas. Esta técnica terapêutica tem sido utilizada no
âmbito da Musicoterapia, por unir música e movimento, destinando-se ao trabalho com vários
tipos de populações em centros de terapias.
Kerényi (2002), conta que, no dia de Khoés, na celebração ateniense das Antestérias, era
costume das meninas balançarem-se em cadeiras suspensas em árvores, sendo permitido aos
meninos imitá-las, mas a Festa dos Balanços, como era chamada, era uma festa de virgens. O
ato de balançar-se está entre os elementos fundamentais da natureza humana e animal,
exprimindo a intensa alegria de viver. É a primeira brincadeira que se faz com os bebês e
realiza-se nos momentos felizes da infância ou por toda a vida. O ato de balançar-se inaugura
espontaneamente uma festa e, no caso das festas dionisíacas, era um ato mítico e mágico, pois
possibilita alcançar um estado extraordinário, uma espécie de êxtase. Este não era um ato
comum, pois o dia dos balanços, Aióra, precedia a união da rainha com o sacerdote que
representava Dioniso.
Cerimônias dionisíacas como a Festa dos Balanços, as danças extáticas e as danças rituais
em homenagem à Senhora do Labirinto, Ariadne, permitem fazer a ligação destes atos míticos
com a prática dos Cinco Ritmos, uma vivência atual que possibilita a conexão com tais atos
arquetípicos, revivê-los e integrá-los à consciência. Na análise esta é uma condição fundamental,
pois Dioniso é chamado de lýsios, aquele que liberta, que afrouxa, palavra esta relacionada a
lysis, sílabas finais de analysis, que rompe antigos laços para atingir um novo e mais pleno
estado de consciência. Segundo as palavras de Hillman:
"Por outro lado, a luz pode significar a luz da natureza e a mudança da
consciência através de semelhanças, onde o semelhante atua sobre o semelhante.
Neste caso, a fragmentação seria imaginada, não a partir do interior do ponto de
vista do centramento, mas a partir do interior da própria consciência dionisíaca que
atua dentro da dissolução. O pneuma disperso do segundo Dioniso que emerge
através da dissolução seria a luz exigida pela voz, implicando a lysis da experiência
dionisíaca". (1997:189).
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CONCLUSÃO
As Bacantes - Eurípedes.
Dos mundos subterrâneos surgiram três plaquetas de argila sem inscrições, somente com
imagens.
A primeira traz o deus de pele branca, olhos e longos cabelos negros, com uma coroa de
heras na cabeça, o tirso na mão direita e vestes brancas. Cachos de uva pendem em volta dele e,
em sua frente está uma mulher alta e esbelta, com um longo vestido também branco. Ele a
convida a participar das danças sagradas em sua honra. A mulher e o deus sorriem um para o
outro, numa expressão de cumplicidade. O deus sabe que o caráter emotivo da mulher é o
veículo para a sua transcendência e, por isso, revela-se a ela em toda a sua glória.
A segunda traz o deus sentado num trono, com seus cabelos e vestes resplandecentes, seu
tirso na mão direita e a coroa de heras sobre a cabeça, circundado por folhas da vinha e cachos de
uvas. Ele foi conduzido ao triunfo pelas mulheres, propagadoras de seu culto e de suas verdades.
O deus aparece como um rei e seu carisma e presença são de uma grandiosidade jamais vista.
A terceira mostra uma parede feita de pedras, muito antiga, talvez do início dos tempos.
Esta parede está levemente entreaberta e deixa transparecer que há algo atrás dela, um caminho
para aqueles que lá quiserem penetrar. Na parte da frente da parede de pedras há uma fonte
esculpida na pedra, da qual jorra eternamente água fresca e, logo acima da fonte, há uma pira
eternamente acesa, com fogo muito vermelho, para nos lembrar que Dioniso é fogo e água, calor
e umidade, como a vinha que nasce da terra úmida sob a luz do sol. O que há atrás desta parede
não se sabe, mas ela permanece sempre entreaberta para aqueles que quiserem ver e penetrar no
mistério. Para aqueles que não vêem, ela está para sempre fechada.
EVOÉ BAKKHÓS !
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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