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Marília
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INTRODUÇÃO
CONJUNTURA POLÍTICA
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“Estando fora do núcleo econômico definidor do capitalismo, a classe
média encontra-se também fora do núcleo do poder político: ela não
detém o poder do Estado (que pertence à classe dominante) nem o
poder social da classe trabalhadora organizada. Isso a coloca numa
posição que a define não somente por sua posição que a define não
somente por sua posição econômico-política, mas também e sobretudo
por seu lugar ideológico – e este tende a ser contraditório.” (CHAUÍ,
2016)
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Sobre a MP nº 746/2016
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A MP 746/2016 não se trata de uma medida isolada, mas faz parte de um
conjunto de iniciativas tomadas pelo governo golpista contra a educação – como a PEC
nº 241, por exemplo, que congelará os investimentos por 20 anos. Tais iniciativas
impedem a perspectiva transformadora e crítica das escolas, reduzindo o conteúdo e
impedindo a livre expressão de ideias e debates através de programas pretensamente
“sem partido”, os quais trataremos a seguir.
O assim denominado Programa Escola sem Partido surge sob o mote da defesa
da „liberdade de consciência do estudante‟, pretendendo assegurar o „princípio da
neutralidade política e ideológica do Estado‟. Ele se manifestou através de uma série de
projetos de lei a nível federal, estadual e municipal. Segundo o próprio portal do Projeto
(www.programaescolasempartido.org):
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Se observarmos com atenção, a Reforma do Ensino Médio nada mais é que a
institucionalização implícita dos ideais do Projeto Escola Sem Partido. A retirada de
conteúdos que podem alcançar temas críticos da realidade e que podem levar à
transformação social é o meio pelo qual o Estado, enquanto garantidor das relações de
produção capitalistas, leva a cabo, através da escola, uma política que, ao mesmo tempo
em que responde às demandas da produção capitalista, promove a propagação da
ideologia que permite a reprodução das relações de produção capitalista sem
questionamentos críticos e sem a possibilidade de transformação.
Para esta tarefa, tomaremos como base teórica as formulações de uma das
tendências pedagógicas brasileiras, a Pedagogia Histórico-Crítica, cujos principais
nomes são Demerval Saviani e João Luiz Gasparin.
Segundo Saviani, não existe apenas um tipo de saber:
Para ele, o homem não nasce sabendo ser homem. Ele não nasce sabendo ser
homem, sabendo sentir, pensar, avaliar, agir, e é para isso que serve o trabalho
educativo: para humanizar o indivíduo. Assim, nenhum desses saberes importa ao
processo educativo – só importam enquanto elementos que os homens precisam
assimilar para tornarem-se humanos –, somente importa o saber que resulta do processo
de aprendizagem.
Mas a escola nem sempre foi a forma principal e dominante de educação. O
momento histórico em que isso de fato ocorreu coincide com o momento em que as
relações sociais passaram a prevalecer sobre as relações naturais, estabelecendo-se o
mundo da cultura – que é o mundo produzido pelo homem. O saber científico passa a
prevalecer sobre o saber natural, espontâneo. É o surgimento da sociedade capitalista.
Saviani assim define a pedagogia histórico-crítica:
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2. Problematização. As grandes questões sociais perpassam também o conteúdo
escolar. No entanto, essa problematização é interrogar que aspectos da realidade
o educando, o professor e a escola podem contribuir para a mudança, para a
transformação. Questões pedagógicas, políticas, filosóficas, de salário, etc.
Porque eu tenho que aprender esse conteúdo? Motivar, cativar o aluno para seu
conteúdo. Questões para pensar e refletir tanto em relação ao social, quanto aos
próprios conteúdos para que o educando se interesse.
5. Prática social como ponto de chegada. O que o aluno fará com o conteúdo que
apreendeu? É o caminho para o processo de confirmação do ensino e da
aprendizagem em sua prática.
Nós nos modificamos dentro da prática e, por isso, ela também se modifica, já
que nós próprios somos prática. É como a afirmação de Heráclito de Éfeso de que
nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez o rio já
não é o mesmo, nem o homem.
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A prática é que muda, transforma. As ideias em si não mudam nada. O que muda
a realidade é o fazer, mas não há um bom fazer que não tenha uma teoria consistente
que lhe dê base e sustentação. Portanto, não se deve hierarquizar prática e teoria. Prática
é toda a ação do ser humano em benefício próprio ou coletivo. Teoria é a própria prática
em sua dimensão de representação mental, ou seja, abstrata. Essa abstração é a outra
fase da realidade. A união das duas é a práxis que significa a unidade contraditória de
duas realidades que entre si são irreconciliáveis.
A prática é uma TESE. Para que o processo pedagógico se realize, é preciso que
haja uma contra-tese, ou seja, uma ANTÍTESE que é, no caso, a teoria. Esse processo
origina uma SÍNTESE, que é a práxis. A práxis é a possibilidade de juntar as
contradições. Essa é a leitura que Marx realizou do mundo.
Podemos também buscar algumas respostas em Gramsci – uma das grandes
referências da pedagogia histórico-crítica no Brasil – e suas elaborações acerca da
questão dos intelectuais. Segundo a professora Maria Lúcia Duriguetto:
Para Gramsci, a unidade entre teoria e prática – a práxis – não é mecânica, mas
sim, processual. Cabe a nós, educadores – intelectuais no sentido gramsciano – auxiliar
o aluno na superação do senso comum e substituí-lo por uma forma de pensar e agir
mais críticas em relação à sua realidade.
Até aqui apresentamos alguns aspectos teóricos e alguns fatos que se nos
apresentaram na realidade escolar à qual tivemos acesso durante o curso da licenciatura.
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A leitura até este ponto já nos permite apontar algumas questões importantes e
imprescindíveis sobre os principais desafios de ensinar e também aprender Sociologia –
especialmente neste contexto conjuntural absolutamente desfavorável do ponto de vista
geral da escola pública, inclusos professores e alunos.
Tendo em vista o propósito da disciplina de Sociologia na escola –
desnaturalizar as relações sociais – de que maneira cumpri-lo especificamente neste
momento de escalada conservadora? Durante nossa experiência realizando a
observação de aulas e também nas oportunidades em que tivemos de estabelecer um
contato direto com os alunos, alguns momentos foram peculiares e demonstraram
algumas dificuldades no processo pedagógico específico das disciplinas de humanas.
Em um determinado momento, a professora de história pediu que
desenvolvêssemos uma atividade com os segundos anos a respeito da formação do
Estado moderno, pois ela entraria no tema das Revoluções Burguesas e achou pertinente
que o trabalhássemos com a perspectiva sociológica do tema. Preparamos uma aula
expositiva sobre os contratualistas (ANEXO 1) com o objetivo de posteriormente abrir
espaço para uma discussão sobre a Cidadania e Participação Política. Antes da
exposição do conteúdo, fizemos a seguinte pergunta: „o que é o Estado?‟. As respostas
foram das mais variadas, porém tímidas, já que o conteúdo ainda não havia sido
exposto. Após a aula, já com o conteúdo exposto, abrimos a discussão com a seguinte
pergunta: „O que é participação política?‟. Demos o pontapé inicial inserindo a questão
da cidadania, das eleições e de que forma isso influencia nosso dia a dia, e quais os
limites desses dispositivos. Os alunos começaram a apontar problemas do dia a dia,
como: transporte público, segurança, serviços de saúde e até mesmo sobre educação
pública. Alguns apontaram que alguns problemas da administração municipal anterior
(2009-2012) não foram resolvidos pela então administração municipal (2013-2016), ou
seja, a troca dos governantes não resolveu os problemas. Em seguida, um aluno
levantou a questão: o que podemos fazer em relação a isso? Deixamos o debate rolar até
que uma aluna apontou a necessidade de manifestações políticas, o „ir à rua‟, segundo
ela, deve ser uma alternativa para quando os nossos direitos não forem respeitados.
Aproveitamos a oportunidade para tratar sobre movimentos sociais como MST e MTST
e tentamos desmistificar alguns aspectos sobre as ocupações. Daí percebemos um mal-
estar e decidimos deixar os alunos terminarem o debate para evitar qualquer embate,
inclusive com a própria professora, que permaneceu o tempo todo dentro da sala de
aula.
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Notamos que foi possível desenvolver com os alunos uma noção crítica sobre o
Estado e sobre as formas institucionais de participação política. É visível para eles que
seus direitos são desrespeitados e que algo deve ser feito em relação a isso. No entanto,
ainda existe um „preconceito‟ em relação a manifestações, greves e ocupações em geral.
De uma forma geral, a atividade foi muito positiva, pois certamente levou a uma
reflexão que pode frutificar futuramente, apesar das dificuldades encontradas durante o
debate. E as dificuldades encontradas durante o debate se somaram a um agravante:
somos alunas da UNESP, instituição conhecida como o „campus vermelho‟, e que já
possui um estigma em relação a ocupações, greves e manifestações. E, de um jeito ou de
outro, é um estigma que provavelmente vamos carregar ao longo de nossa carreira
acadêmica, já que a instituição estará estampada em nosso currículo.
Assim, aquele processo pedagógico desenvolvido por Saviani pode ter lugar
dentro de sala de aula, ainda que algumas dificuldades sejam encontradas no caminho.
Embora nosso tema trabalhado seja um tema clássico da Sociologia e, de certa forma,
seja predominantemente teórico, é possível desenvolver cada etapa do processo
pedagógico partindo da realidade prática social do aluno, passando por etapas que
permitam a ele se apropriar do conteúdo teórico-científico e chegando ao ponto final,
que é a prática social modificada.
BIBLIOGRAFIA
DURIGUETTO, Maria Lúcia. A questão dos intelectuais em Gramsci. Serv. Soc. Soc.,
São Paulo, n. 118, p. 265-293, abr./jun. 2014.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro.
Civilização Brasileira. 1982.
SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses
sobre educação e política. 36. ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 2003.
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ANEXO 1
Muitos autores deram às bases teóricas sobre o Estado moderno, no entanto, aprofundaremos
a leitura de quatro principais: Maquiavel, Hobbes, Montesquieu e Rousseau. Lançar a
pergunta à sala: O que é o Estado moderno? Explorar as respostas e em seguida passar à
apresentação deles.
O livro O Príncipe foi escrito por Nicolau Maquiavel em 1513, mas só foi
publicado em 1532. A repercussão de O Príncipe de Maquiavel através dos
séculos ocorreu devido ao papel fundamental que a obra representa na
construção do conceito de Estado. Nessa época, a Itália estava dividida em
pequenos Estados, repúblicas e reinos. Havia muita disputa de poder entre esses
territórios. Maquiavel orienta os governantes a respeito dos perigos que existem
em se dividir politicamente uma península e ficar exposto às grandes potências
europeias. Assim, a obra gira em torno da necessidade de unificação da Itália e,
portanto, da formação de um Estado moderno na Itália.
Thomas Hobbes escreveu O Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de Um Estado
Eclesiástico e Civil em 1651. Para Hobbes todos os homens nascem livres e
iguais. Livres para fazerem o que quiserem e iguais nas capacidades físicas e
mentais. Essa condição inata de igualdade e liberdade são elementos suficientes
para colocar os homens em constante guerra de todos contra todos. É inato
também aos homens um direito natural: o de preservar sua própria natureza, isto
é, sua vida. Eis o estado de natureza, é o momento no qual preservar a própria
vida, fazer cumprir o primeiro direto natural, envolve se precaver do outro,
desconfiar do outro („o homem é lobo do próprio homem‟). Para sair desse
estado, os homens podem por meio de sua racionalidade fazerem um pacto, ou
melhor, um contrato social através do qual todos abrem mão de sua liberdade, a
qual fica entregue a um soberano, seja ele um homem ou uma assembleia, para
assim conquistarem a paz. Por isso Hobbes é sempre associado à defesa do
Estado absolutista.
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Montesquieu publicou sua obra Do Espírito das Leis em 1748. Segundo
Montesquieu, existem três formas de governo (despotismo, república e
monarquia), cada uma delas é baseada em uma natureza (aquilo que é) e em um
princípio (aquilo que faz agir; como o governo deveria ser) predominante. O
objetivo primordial de todas elas é a conservação e o melhor governo é o que
melhor se adapta ao povo e a sua natureza. Por fim, Montesquieu trata da
liberdade (o direito de fazer tudo que as leis não proibirem), que é presente
apenas nos governos moderados. O povo exerce sua liberdade e soberania é
através da representação política, pois, para Montesquieu, embora o povo tenha
capacidade de escolher o que é melhor, não possui capacidade para realizá-lo,
devendo, então, nunca agir de forma autônoma, e sim, através da representação.
Foi Montesquieu que fundamentou a divisão dos poderes em três: executivo,
legislativo e judiciário como sistema de freios e contrapesos.
Do Contrato Social de Rousseau foi publicado em 1762 Para Rousseau, o
homem nasceria bom, mas a sociedade o corromperia. Daí a importância do
contrato social, pois os homens, depois de terem perdido sua liberdade natural
(quando o coração ainda não havia corrompido, existindo uma piedade natural),
necessitariam ganhar em troca a liberdade civil, sendo tal contrato um
mecanismo para isso. Notar a diferença em relação a Hobbes. Um ponto
fundamental em sua obra está na afirmação de que a propriedade privada seria a
origem da desigualdade entre os homens, sendo que alguns teriam usurpado
outros. A origem da propriedade privada estaria ligada à formação da sociedade
civil. Dessa maneira, seria um pacto legítimo pautado na alienação total da
vontade particular como condição de igualdade entre todos. Logo, a soberania
do povo seria condição para sua libertação. Assim, soberano seria o povo e não o
rei (este apenas funcionário do povo), fato que colocaria Rousseau numa posição
contrária ao Poder Absolutista.
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