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V DOMINGO de QUARESMA – 07 de abril 2019

QUEM DENTRE VÓS NÃO TIVER PECADO, SEJA O PRIMEIRO A ATIRAR-LHE UMA PEDRA –
Comentário de Pe. Alberto Maggi OSM ao evangelho

Gv 8,1-11

Naquele tempo, 1Jesus foi para o monte das Oliveiras. 2De madrugada, voltou de novo ao
templo. Sentando-se, começou a ensiná-los. 3Entretanto, os mestres da lei e os fariseus
trouxeram uma mulher surpreendida em adultério. Colocando-a no meio deles, 4disseram a
Jesus: "Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. 5Moisés na lei mandou
apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?" 6Perguntavam isso para experimentar Jesus e para
terem motivo de o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão.
7Como persistissem em interrogá-lo, Jesus ergueu-se e disse: "Quem dentre vós não tiver
pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra." 8E tornando a inclinar-se, continuou a
escrever no chão. 9E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar
pelos mais velhos; e Jesus ficou sozinho, com a mulher que estava lá, no meio do povo.
10Então Jesus se levantou e disse: "Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?" 11Ela
respondeu: "Ninguém, Senhor". Então Jesus lhe disse: "Eu também não te condeno. Podes
ir, e de agora em diante não peques mais".

No Evangelho de Lucas há onze versículos que, durante muito tempo, nenhuma comunidade
cristã queria ter ao seu interno. Nos primeiros tempos do cristianismo, os evangelhos não eram
reunidos. Cada comunidade tinha seu evangelho e o transmitia às outras comunidades. Pois
bem, quando em uma comunidade, chegava o evangelho de Lucas, estes onze versículos eram
removidos!

São versículos que depois encontraram alojamento e hospitalidade no Evangelho de João, no


oitavo capítulo, versículos de 1 a 11. Na realidade, se essa passagem do Evangelho de João
fosse removida e inserida no seu lugar original, quer dizer, no capítulo 21, após o versículo 38
do Evangelho de Lucas, veríamos que aquele era o seu contexto!

Mas porque foi que nenhuma comunidade dos primeiros tempos cristãos queria essa passagem
evangélica, e isso durante um século inteiro, e, pior ainda, em seguida, durante cinco séculos

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esse trecho do Evangelho não tem aparecido na liturgia e, até o ano 900 - tantos anos se
passaram - não foi comentado pelos Padres da Igreja de língua grega?

Pois bem, temos o precioso testemunho de Santo Agostinho, - quarto século - que escreveu:
“Por medo de conceder para suas esposas a impunidade para o pecado, (os membros das
comunidades cristãs) tiram dos respectivos códigos - ou seja, do texto do Evangelho – o gesto
de indulgência e misericórdia que o Senhor Jesus fez para com a mulher adúltera, como se
Aquele que disse: “de agora em diante não peques mais” tivesse concedido a permissão de
pecar!

Portanto, foram os homens, os maridos que não queriam essa passagem, porque a indulgência
de Jesus para com a adúltera parecia pôr em perigo a família deles, a sua própria unidade
conjugal.

Mas agora vamos ler essa importante passagem que, repito, embora hoje esteja colocada no
Evangelho de João, é realmente de Lucas. A linguagem é de Lucas.

“Jesus foi para o monte das Oliveiras. De madrugada...” (literalmente “ao amanhecer”). É
importante essa indicação temporal. “...voltou de novo ao templo. Todo o povo se reuniu em
volta dele”. Já sapemos que, cada vez que o povo procura Jesus e Jesus tenta libertá-lo, fazê-lo
crescer e amadurecer, logo aparece a reação das autoridades religiosas!

Elas querem subjugar as pessoas e não torná-las independentes. Na verdade, “os mestres da lei
e os fariseus trouxeram uma mulher surpreendida em adultério”. Sabemos que é “ao
amanhecer”, portanto, provavelmente, tinham espiado essa situação!

“Colocando-a no meio deles, disseram a Jesus: ‘Mestre...’. E esta é a hipocrisia das pessoas
religiosas: não querem aprender com Jesus, elas só querem enganá-lo e condená-lo.

“Esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés na lei mandou apedrejar tais
mulheres”. Notamos o desprezo por essa criatura!

“Que dizes tu?”. Pelo fato que a pena pedida seja o apedrejamento, faz entender-nos que
esta mulher se encontra ainda na primeira etapa do casamento. O casamento em Israel
ocorria em duas etapas: a primeira quando a mulher tinha doze anos e o homem dezoito.
Essa etapa era chamada de “núpcias”. Só um ano depois começava a verdadeira convivência,
isto é, o casamento. Quando começavam a viver juntos começava a segunda etapa.

Se a mulher cometia adultério na primeira etapa, quer dizer, nas núpcias era apedrejada. Se,
pelo contrário, o adultério era cometido na segunda etapa, era estrangulada. O fato que as

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autoridades religiosas pediram para essa menina / adolescente o apedrejamento, significa
que ela tinha entre doze e treze anos!

“Que dizes tu?”. E 'uma armadilha! Qualquer que seja a resposta de Jesus, Ele vai marcar gol
contra! De fato, se disser: “muito bem, vamos obedecer à lei divina” ...: todo esse povo que
O seguia, porque sentia Nele uma inspiração diferente e percebia Nele o eco do amor e da
misericórdia de Deus, ficaria decepcionado e O abandonaria! Se, pelo contrário, Jesus disser:
“Não! Não! Não vamos apedrejá-la” ... Cuidado: estamos no templo, há a polícia, e Jesus
pode ser imediatamente preso, porque transgride a lei de Deus, a lei de Moisés.

De fato, o evangelista comenta: “Perguntavam isso para experimentar Jesus...”. Literalmente


para "tentar Jesus". É o verbo que o evangelista usa para a ação do diabo! Portanto, esses
defensores zelosos da tradição e da ortodoxia, na realidade, para o evangelista, são nada
menos que as ferramentas do diabo. “...e para terem motivo de o acusar”. O evangelista é
feroz: as autoridades religiosas desenvolvem a ação do diabo. Quem é o diabo? Aquele que
tenta, aquele que acusa.

“Mas Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão”. Qual poderia ser o
significado desse silêncio de Jesus e da ação de escrever? É, provavelmente, uma referência
ao profeta Jeremias, capítulo 17, versículo 13 que diz: “Terão seus nomes inscritos na poeira
aqueles que abandonaram o Senhor Javé, a fonte da água viva”. É a denúncia de Jesus: esses
defensores zelosos da ortodoxia e da tradição, essas pessoas tão religiosas, realmente tinham
abandonado o Senhor para alimentar sentimentos de ódio e fumegantes sentimentos de
morte!

Na primeira carta de João (3,15), está escrito com muita verdade: “Quem não ama
permanece na morte”.

“Como persistissem em interrogá-lo, Jesus ergueu-se e disse: "Quem dentre vós não tiver
pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”. Atenção! Aqui não se trata, como às vezes
vemos em fotos ou em filmes, de pessoas que tomam pedras e as atiram. A primeira pedra - a
que era jogada pelas testemunhas de acusação - era uma pedra que devia pesar cerca de 50 Kg
e que era jogada sobre a mulher que tinha sido colocada numa cova e, na prática, era a pedra
que a matava. Portanto, Jesus diz: “Aquele que estiver sem pecado execute a sentença de
morte”.

“E tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão. 9E eles, ouvindo o que Jesus falou,
foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos”. O termo usado pelo evangelista não
indica logo os “anciãos” ou os “velhos”, porque o termo grego usado é “presbíteros”, que são
os membros do Sinédrio, o órgão judiciário. O Sinédrio era o mais alto órgão jurídico de Israel,

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composto pelos principais sacerdotes, pelos escribas e presbíteros. São eles os que julgavam
e são eles que ficam saindo um a um!

“Jesus ficou sozinho, com a mulher que estava lá, no meio do povo”. O desfecho final é
carregado de muita ternura!

“Então Jesus se levantou e disse: "Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela
respondeu: ‘Ninguém, Senhor’”. Jesus se dirige com grande respeito a essa mulher. “Então
Jesus lhe disse...”. Jesus é o único que não tem pecado e, portanto, o único que poderia
condená-la e atirar-lhe a primeira pedra! Como também podia repreendê-la, mas Jesus não a
repreende. “Então Jesus lhe disse: Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em
diante não peques mais”.

Jesus não perdoa a mulher, porque ela já está perdoada por Deus, mas comunica-lhe a força
para tornar a viver. Jesus não joga sobre esta mulher a pedra que a esmaga, mas oferece-lhe a
sua Palavra que a ajuda para continuar a viver.

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