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Direito Empresarial e Fundamentos

Professora:Sophia Moreira Reis Lapenda


Cursos: Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas

Sociedade, Direito e controle social Wanessa Mota Freitas Fortes

O direito não tem existência por si só. Ele existe no meio social e em função da sociedade,
não sendo seu único instrumento de organização e harmonia, mas, merece lugar de
destaque, pois é o que possui maior pretensão de efetividade, manifestando-se como um
corolário inafastável.
Resumo
O homem é um ser social e político, vivendo em grupos, em sociedades. É natural
que no seio destes grupos haja conflitos, desentendimentos e interesses divergentes. No
entanto, o homem sente necessidade de segurança e busca a harmonia social. Para que a
sociedade subsista é necessário que os conflitos sejam resolvidos e para tanto, o homem
dispôs de vários meios com o intuito de controlar as ações humanas e trazer um equilíbrio à
sociedade. São os instrumentos de controle social. O Direito, criação humana, é um destes
instrumentos, cujo principal objetivo é viabilizar a existência em sociedade, trazendo paz,
segurança e justiça.
PALAVRAS CHAVES:1. Sociologia jurídica. 2. Direito. 3. Sociedade. 4. Controle
social.

1.A SOCIABILIDADE HUMANA


O homem é um ser social e precisa estar em contato com seus semelhantes e
formar associações. Ele se completa no outro. Somente da interação social é possível o
desenvolvimento de suas potencialidades e faculdades. Ele precisa buscar no outro as
experiências ou faculdades que não possui e, mais, há a necessidade de passar seu
conhecimento adiante. Dessa interação, há crescimento, desenvolvimento pessoal e social.
Conforme Battista Mondin (1986, p.154) o homem é um ser sociável, pois tem a
"propensão para viver junto com os outros e comunicar-se com eles, torná-los participantes
das próprias experiências e dos próprios desejos, conviver com eles as mesmas emoções e
os mesmos bens." Segundo o mesmo autor, ele também é um ser político. A politicidade é
"o conjunto de relações que o indivíduo mantém com os outros, enquanto faz parte de um
grupo social."
Vários estudiosos tentam explicar o impulso associativo do ser humano. Platão
(428-348 a.C.) interpreta a dimensão social do homem como um fenômeno contingente.
Para ele o homem é um ser etéreo, é essencialmente alma e se realiza em sua plenitude e
perfeição, alcançando a felicidade ao contemplar as ideias. Estas se localizam em um
mundo denominado "topos uranos", ou lugar celeste. Para esta atividade não necessita de
ninguém, cada alma se basta, existindo e se realizando por conta própria,
independentemente das outras. Mas, por causa de uma grande culpa, que não é explicada
em sua teoria, as almas perderam sua condição original de espiritualidade absoluta e caíram
na Terra, sendo obrigadas a assumir um corpo físico para expurgar suas culpas e purificar-
se. Esse corpo físico funcionaria como um limitador de suas potencialidades e faculdades,
impedindo-as de se sentirem completas por si só. Desse modo, as almas corporificadas
precisam se associar para suprir suas carências e limitações. Segundo Platão, portanto, a
sociabilidade é uma consequência da corporeidade e dura apenas enquanto as almas
estiverem ligadas ao corpo físico, material.
Aristóteles (384-322 a.C), de maneira oposta, entende que a sociabilidade é uma
propriedade essencial do homem. Na sua visão, o homem é constituído de corpo e de alma,
essencialmente. E, por esta constituição, não pode se autorrealizar, sendo necessário criar
vínculos sociais para satisfazer suas próprias necessidades e vontades. É a natureza do
homem que o impulsiona a querer associar-se e interagir com os demais. Por este motivo,
considerava o homem fora da sociedade um ser superior ou inferior à condição humana: "O
homem é, por sua natureza, um animal político. Aquele que, por natureza, não possui
estado, é superior ou mesmo inferior ao homem, quer dizer: ou é um deus ou mesmo um
animal" (de sua obra: A política).
Santo Tomás de Aquino (1225-1274), como Aristóteles, considerava o homem um
ser naturalmente sociável: "O homem é, por natureza, animal social e político, vivendo em
multidão, ainda mais que todos os outros animais, o que evidencia pela natural
necessidade." (S.Th, I, 96, 4). Afirma ainda que a vida fora da sociedade é exceção, se
enquadrando em três hipóteses: a mala fortuna, quando um indivíduo, acidentalmente, por
um infortúnio passa a viver em isolamento, como é o caso de um náufrago, por exemplo;
a corruptio naturae, quando por alienação mental ou anomalia, o homem é desprovido de
razão e busca viver distanciado dos demais; e a excellentia naturae, que é a hipótese do
homem isolar-se buscando a comunhão com Deus e o seu aperfeiçoamento espiritual.
Durante a época moderna surgem os contratualistas, destacando os nomes de
Spinoza, Hobbes, Locke, Leibnitz, Vico e Rousseau. Existe uma gama enorme e variada de
teorias contratualistas que buscam explicações para o impulso associativo do homem, com
diferentes explicações e teses. Há, no entanto, um ponto em comum entre eles. Todas
negam o impulso associativo natural, concluindo que somente a vontade humana justifica a
existência em sociedade. A sociedade, portanto, é uma criação humana e se tem sua base
firmada em um contrato, que pode ser alterado ou desfeito.
Hobbes, por exemplo, com suas ideias apresentadas na obra "Leviatã", defendia
que o homem é um ser mau e antissocial por natureza, enxergando seus semelhantes como
concorrentes a serem dominados ou destruídos. O constante estado de guerra, de conflitos
e brutalidade teria levado os homens a firmarem um contrato entre si, transferindo o poder
de se autogovernar, seus direitos e liberdades ao Estado, que deveria impor ordem e
segurança a todos.
Rousseau, por sua vez, em "O contrato social", afirma que o homem, ao revés do
entendimento de Hobbes, é essencialmente bom e livre. A sociedade e o aparecimento da
propriedade privada é que o corrompe, dando início aos inúmeros conflitos sociais. A
solução encontrada por ele para extirpar os conflitos seria a organização de um Estado que
só se guie pela vontade geral, e não pelos interesses particulares. O instrumento pelo qual
se perfaz essa sociedade é o contrato social, pelo qual cada indivíduo transfere ao Estado a
sua pessoa, todos os seus direitos e suas coisas.
Ante o exposto, entendemos que a sociedade é fruto da própria natureza humana,
de uma necessidade natural de interação. O homem tem necessidade material e espiritual
de conviver com seus semelhantes, de se desenvolver e de se completar. No entanto, essa
interdependência recíproca não exclui a participação da consciência ou da vontade humana.
Consciente de que necessita da vida social o indivíduo procura melhorá-la e torná-la mais
viável. A sociedade, em suma, seria o produto de um impulso natural conjugado com a
vontade e consciência humana.

2.Sociedade e interação
O conceito de sociedade apresenta inúmeras controvérsias devido ao seu amplo
aspecto. O vocábulo pode ser utilizado de diversas formas e com vários sentidos, tais como
o de nação e o de grupo social. Em termos gerais podemos definir sociedade como um
grupo de pessoas que interagem entre si.
Deste conceito podemos deduzir três características da sociedade: a
multiplicidade de pessoas, a interação entre elas e a previsão de comportamento. Para a
formação da sociedade não basta que existam várias pessoas reunidas, uma aglomeração
de indivíduos, mas que elas interajam, que desenvolvam ações conjuntas, que tenham
reações aos comportamentos uns dos outros, que desenvolvam diálogos sociais. Ela se faz
por um amplo relacionamento humano. Dessa interação é possível prever
comportamentos, situações e condutas que poderão se manifestar no seio do grupo, sejam
elas lícitas ou ilícitas.
Conforme ensina Betioli (2008, p.7): "A interação, por seu turno, pressupõe uma
previsão de comportamento, ou de reações ao comportamento dos outros.(...) Cada um
age orientando-se pelo provável comportamento do outro e também pela interpretação
que faz das expectativas do outro com relação a seu comportamento."
Segundo Paulo Nader, a interação social, basicamente, vai se realizar de três
formas: a cooperação, a competição e o conflito. Vejamos:
"Na cooperação, as pessoas estão movidas por um mesmo objetivo e valor e por isso
conjugam o seu esforço. Na competição há uma disputa, uma concorrência, em que as
partes procuram obter o que almejam, uma visando à exclusão da outra. (...) O conflito se
faz presente a partir do impasse, quando os interesses em jugo não logram uma solução
pelo diálogo e as partes recorrem à luta, moral ou física, ou buscam a mediação da justiça."
(2007, p.25)
Vivendo em um mesmo ambiente e possuindo os mesmos instintos e
necessidades, é natural que surjam diversos conflitos entre as pessoas e que necessitam de
uma solução. Para que a sociedade subsista é imprescindível que se resolvam estes conflitos
de interesses. As pessoas têm a necessidade de buscar a segurança, a justiça e a realização
do bem comum. Diante disto surge a necessidade de criar instrumentos que controlem ou
que regulamentem a vida social.

3.INSTRUMENTOS DE CONTROLE SOCIAL


Existem diversos meios que servem para regular a condutas dos membros da
sociedade visando à harmonia da vida social. Entre eles podemos destacar a religião, a
moral, as regras de trato social e, obviamente, o Direito.
Paulo Nader (2007, p.31) afirma que "o mundo primitivo não distinguiu as diversas
espécies de ordenamentos sociais. O Direito absorvia questões afetas ao plano da
consciência, própria da moral e da religião, e assuntos não pertinentes à disciplina e
equilíbrio da sociedade, identificados hoje por usos sociais".
No entanto, é certo que hoje não podemos confundir as diferentes esferas
normativas. Cada instrumento de controle social possui uma faixa de atuação, um objetivo
específico.
A faixa de atuação do Direito é regrar a conduta social, visando à ordem e ao bem
comum. Por este motivo, ele irá disciplinar apenas os fatos sociais mais relevantes para o
convívio social. Ele irá disciplinar, principalmente, as relações de conflitos e, quanto às
relações de cooperação e competição, somente onde houver situação potencialmente
conflituosa.
Betioli ressalta que:
"O direito não visa ao aperfeiçoamento interior do homem; essa meta pertence à
moral. Não pretende preparar o ser humano para uma vida supraterrena, ligada a Deus,
finalidade buscada pela religião. Nem se preocupa em incentivar a cortesia, o cavalheirismo
ou as normas de etiqueta, campo específico das regras de trato social, que procuram
aprimorar o nível das relações sociais." (2008, p.8-9)
Há vários pontos de divergência entre direito e religião. Legaz e Lacambra
apontam duas diferenças estruturais: a alteridade e a segurança. Segundo o autor (1961,
p.419), "a alteridade, essencial ao direito, não é necessária à religião". O próximo, o
semelhante é um elemento circunstancial e não um elemento essencial na ideia religiosa. O
mais importante é a prática do bem. A religião é uma relação entre o homem e Deus e não
entre o homem e os demais. Para o Direito, no entanto, o que importa é o comportamento
humano e social.
A segunda diferença estrutural diz respeito à segurança. Para a religião a
segurança é algo inatingível e espiritual, porquanto que para o direito, se alcança a partir da
certeza ordenadora.
Em relação às diferenças existentes entre o direito e a moral, podemos apontar
algumas das distinções feitas por Paulo Nader (2007, p.40-44). Segundo o autor, "o direito
se manifesta mediante um conjunto de regras que definem a dimensão da conduta exigida,
que especificam a fórmula do agir". Ao contrário da moral que possui diretrizes mais gerais.
As normas jurídicas possuem uma "estrutura imperativo-atributiva, isto é, ao
mesmo tempo em que impõem um dever jurídico a alguém, atribuem um poder ou direito
subjetivo a outrem". A moral, por sua vez, com uma estrutura mais simples, impõe apenas
deveres.
Enquanto a moral se preocupa com a vida interior das pessoas, como a
consciência, o direito cuida, em primeiro plano, das ações humanas. O animus do agente só
será considerado quando necessário.
Além disso, a moral, bem como todas as demais regras sociais, se distingue do
direito, pois carece de coercibilidade e de heteronomia. O direito, ao revés, é imposto
independentemente de vontade de sujeição e possui formas de garantir o respeito e
obediência a seus preceitos.

4.O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL


Como vimos o direito não é o único instrumento responsável pela organização e
pela harmonia da sociedade, uma vez que as demais normas de conduta também
contribuem para o sucesso das relações sociais. No entanto, merece lugar de destaque, pois
é o que possui maior pretensão de efetividade, manifestando-se como um corolário
inafastável da sociedade.
Émile Durkheim (1960, p.17) ressalta que "a sociedade sem o direito não resistiria,
seria anárquica, teria o seu fim. O direito é a grande coluna que sustenta a sociedade.
Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o direito representa um grande esforço
para adaptar o mundo exterior às suas necessidades de vida."
A necessidade de uma convivência ordenada impõe-se como condição para a
subsistência da sociedade. O direito corresponde a essa exigência ordenando as relações
sociais através de normas obrigatórias de organização e comportamento humano.
Miguel Reale (2006, p.62) define o direito como sendo "a ordenação das relações
de convivência".
Telles jr. (2001, p.381), neste mesmo sentido, conceitua-o como "a disciplina da
convivência".
Por sua vez, Paulo Nader (2007, p. 76), em sua brilhante definição, assim
considera: "direito é um conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente
pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os critérios de justiça".
Do conceito de Paulo Nader podemos perceber três grandes distinções entre o
direito e as demais regras de trato social. A primeira diferença repousa no fato do direito ser
a única norma que emana do Estado. A segunda, pelo fato de ser impositivo, imperativo.
Não há margem de liberdade para escolher se irá ou não se adequar aos seus preceitos. Por
último, temos a coercitividade, que exerce intimidação sobre os destinatários das normas
jurídicas. Sendo assim, podemos depreender que o indivíduo que não se adequa ou não
realiza atos de acordo com o ordenamento jurídico vigente poderá ser submetido a uma
punição.
5.CONCLUSÕES
Do exposto, podemos concluir pela mútua dependência entre direito e sociedade.
Não pode haver sociedade sem direito e não há direito sem sociedade. Não poderia existir
sociedade sem uma ordem mínima, sem guias e direcionamentos. Há a necessidade de se
limitar a esfera de conduta de cada indivíduo de modo que sua liberdade de atuação não
gere conflitos sociais. Da mesma forma que não se concebe o homem sem o convívio social,
também não se concebe uma sociedade sem regras, sem o direito.
O direito, por sua vez, não tem existência por si só. Ele existe no meio social e em
função da sociedade. O indivíduo isolado não carece de direito.
Desta forma, ele modifica a sociedade no sentido de impor condutas e
comportamentos, mas também é influenciado por ela, através da cultura, dos usos e
costumes e pela evolução temporal.
Dante Alighieri, em sua obra "Da Monarquia", assim conclui: "o direito é uma
porção real e pessoal, de homem para homem que, conservada, conserva a sociedade,
corrompida, corrompe-a".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALIGHIERI, Dante. Da Monarquia, São Paulo: Martin Claret, 2003
ARISTÓTELES. A política, São Paulo: Martin Claret, 2006
BETIOLI, Antônio Bento. Introdução ao direito: lições de propedêutica jurídica
tridimensional, 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Ed. Universidade de
Brasília, 1997
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico, São Paulo: Cia. Editora
Nacional, 1960
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo de direito, 8ª ed., Rio de
Janeiro: Forense, 1978
LEGAZ Y LACAMBRA, Luiz. Filosofia Del derecho, 2ª ed., Barcelona: Bosch, 1961
MONDIN, Battista. O homem, quem é ele?, São Paulo: Paulinas, 1986
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito, 28ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
2007
POLETTI, Ronaldo. Introdução ao direito, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, 27ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito, São Paulo: Saraiva, 2001

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