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Rev. Med. (São Paulo), 80(ed. esp. pt.1):128-34, 2001.

Edição Especial

Dor em afecções reumatológicas

Pain in rheumatology

Miriam Aparecida Romano*, Manoel Jacobsen Teixeira**, Priscila Rosalba de Oliveira***

Romano, M.A., Teixeira, M.J., Oliveira, P.R. Dor em afecções reumatológicas. Rev. Med. (São Paulo), 80(ed. esp. pt.1):128-34,
2001.

RESUMO: Dores músculo-esqueléticas são comuns. Os autores apresentam descrições simples e objetivos das mais prevalentes
condições reumatológicas associadas à dor. Destacam a importância epidemiológica das osteoartroses, artrites e das condições
periarticulares.

DESCRITORES: Síndromes da dor miofascial/fisiopatologia. Artralgia/patologia. Osteoartrite/epidemiologia. Dor/patologia.

INTRODUÇÃO

A
s dores músculo-esqueléticas são freqüen- proporciona o diagnóstico a condições em que a tecnologia
tes. O componente ostearticular do apare- complexa é necessária, de casos em que tratamentos
lho locomotor o mais estudado em clínicas simples de baixo custos são suficientes a casos em que
reumatológicas e ortopédicas. Os componentes musculares tratamentos complexos e dispendiosos são necessários2.
propriamente ditos ainda são mal conhecidos apesar de a Dor é a queixa mais freqüente em casos de afecções
dor miofascial estar presente em praticamente todos os músculo-esqueléticas. Esta, muitas vezes, deixa de ser
indivíduos que padecem com dor. apenas sintoma e torna-se o principal fator limitante da
As doenças músculo-esqueléticas distribuem-se capacidade funcional e da qualidade de vida dos
num largo espectro de condições que variam de quadros indivíduos. A dor nem sempre traduz ocorrência de lesão
agudos a crônicos, de quadros localizados a sistêmicos, tecidual identificável (como ocorre em casos de síndrome
de condições em que a investigação clínica simples dolorosa miofascial). Muitas vezes existe discordância

*
Médica Reumatologista. Pesquisadora do Grupo de Dor Músculo-Esquelética da Divisão de Medicina Física do Instituto de Ortopedia e
Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**
Médico Neurocirurgião. Prof. Dr. do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe do Centro de
Dor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diretor da Liga de Dor do Centro Acadêmico Oswaldo
Cruz da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Centro Acadêmico XXXI de Outubro da Escola de Enfermagem da Universidade
de São Paulo.
***
Aluno do Curso de graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Membro da Liga de Dor do Centro Acadêmico
Oswaldo Cruz da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Centro Acadêmico XXXI de Outubro da Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo.

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entre os achados dos métodos de imagem e a condição elementos celulares mais proeminentes) mas pode evoluir
clínica correspondente (como ocorre em alguns casos de para cronicidade com ou sem fase de reparação. A
artrose). Este enfoque realça a importância dos fatores inflamação crônica é caracterizada pela presença de células
biopsicossociais na avaliação das dores músculo- mononucleares, macrófagos, linfócitos, células
esqueléticas. plasmáticas e proliferação de fibroblastos. A inflamação
crônica geralmente segue a aguda, porém pode estar
AFECÇÕES INTRA-ARTICULARES presente desde o início como acontece em casos de
manutenção de organismos intracelulares (certas viroses,
Artralgia refere-se a dor localizada em uma Mycobacterium tuberculosis ), agentes físicos de baixa
articulação. Artrite refere-se à inflamação sinovial e toxicidade (silicose) e reações auto-imunes4.
carateriza-se por vasodilatação, edema e infiltração celular. As artrites podem ter início agudo atingindo o pico
O processo inflamatório é reação de proteção do organismo de magnitude em poucas horas ou podem ter início
a lesões teciduais por microorganismos ou por agentes insidioso atingindo o máximo de magnitude em várias
físicos ou químicos. Estresses mecânicos ou semanas ou meses. Uma mesma doença pode apresentar-
microtraumatismos agindo na superfície articular podem se em alguns doentes de forma aguda e, em outros, de
desencadear reação inflamatória ativando enzimas maneira insidiosa; por exemplo, a artrite reumatóide pode
proteolíticas na substância fundamental (hialuronidase, ter início agudo poliarticular em alguns doentes, embora
enzimas sinoviais) que provocam erosão da cartilagem e na maioria das vezes apresenta instalação insidiosa. As
acentuam a fagocitose pelas células sinoviais (retirada de artrites que apresentam duração inferior a 4 a 6 semanas
restos cartilaginosos) e a migração condrocitária para são consideradas auto-limitadas enquanto que, as que
reparar a cartilagem. Isto gera degeneração dos permanecem por mais tempo são consideradas crônicas .
condrócitos, liberação de interleucina-1 e TNF-a e O comprometimento pode ser mono, óligo (duas a quatro
aumento da atividade de enzimas proteolícas e articulações) ou poliarticular, bilateral e simétrico
colagenolíticas. Estas alterações cartilagíneas em cascata, (poliartrite reumatóide) ou assimétrico. A dor associa-se
tornam o processo auto-sustentado e acentua a erosão à rigidez intensa, tende a recrudescer à noite em
limitando os movimentos e agravando os estresses, as decorrência da reação inflamatória sinovial que libera
deformidades articulares e comprometimento da numerosos mediadores algiogênicos capazes de estimular
cartilagem. Caracteristicamente, ocorre degeneração receptores nociceptivos capsulares. A distensão da cápsula
cartilagínea, evidenciada pela perda gradual da cartilagem e a deterioração osteocartilagínea contribui também para
hialina devido à inflamação e destruição articular; o osso a ocorrência da dor. Nem sempre há correlação clínica
subcondral sofre remodelação, espessa-se e prolonga-se entre a intensidade da dor e os sinais objetivos de
nas bordas das articulações, gerando exostoses marginais inflamação (forma artrálgica pura do reumatismo
(osteófitos). A inflamação neurogênica contribui para a psoriático)2.
degeneração articular. O processo inflamatório pode O tratamento da dor artrítica deve ser
progredir até o osso subcondral, originando lesões fundamentado na etiologia do quadro. O repouso exerce
insuflativas (cistos subcondrais). As cápsulas, os efeito antiálgico marcante. Os AAINHs e os
ligamentos e os tendões também são acometidos, corticosteróides aplicados sistêmica e localmente são
contribuindo para a deformidade. indicados em casos de reumatismo inflamatório crônico.
A reparação é parte integrante do processo A colchicina e os AAINHs são indicados em casos de
inflamatório após a eliminação do agente agressor. Em artrites microcistalinas. A imobilização e a lavagem da
alguns casos em que a lesão tecidual é pequena a reparação cavidade articular, a sinovectomia e as intevenções de
ocorre sem prejuízo ou com pequeno prejuízo do tecido medicina física e reabilitação para manutenção funcional
normal, como ocorre por exemplo em casos de infecções da articulação devem ser complementares à
bacterianas agudas. Em outros casos, a reparação ocorre antibioticoterapia em casos de artrites sépticas.
após intensa destruição tecidual e visa à eliminação dos Os nociceptores articulares estão situados nas
microrganismos como ocorre em casos de artrite séptica cápsulas articulares, ligamentos, tecido adiposo intra-
em que há destruição da cartilagem articular e articular e adventícia dos vasos sangüíneos. A sinóvia, as
comprometimento da função articular. Em algumas cartilagens e os meniscos são desprovidos de terminações
doenças reumáticas a destruição tecidual e a tentativa de livres. Dentre as diversas possibilidades etiológicas da dor
sua reparação cronifica-se, caracterizando a inflamação articular, destacam-se as inflamatórias e as degenerativas.
crônica de causa incerta e na ausência de microrganismos Na cápsula articular há rede difusa de nociceptores
ou de material estranho. A reação inflamatória inicial polimodais relacionados às fibras C ou IV (não
geralmente é aguda (neutrófilos e mastócitos são os mielinizadas). Nos ligamentos articulares internos e

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externos há terminações nervosas livres relacionadas aos combinação de diversos fatores de natureza mecânica
aferentes Aδ ou III. A cartilagem articular não contém localizada, sistêmicas e neurológicas centrais. A
receptores. A sinóvia contem fibras eferentes simpáticas deformidade do contorno, a destruição e a instabilidade
pós-ganglionares e fibras C aferentes nociceptivas6. articular alteram a relação das forças nas cápsulas e nos
Nociceptores específicos estão presentes nos múculos, a ligamentos. O elemento cápsulo-ligamentar da articulação
maioria deles consiste de terminações nervosas livres artrósica torna-se freqüentemente fibrosado e retraído; a
contendo referentes às fibras III e IV. Uma proporção dor parece estar relacionada ao estiramento das cápsulas
relativamente elevada dos aferentes musculares de e dos ligamentos durante o movimento. A drenagem
condução lenta é não-nociceptiva e responde à estimulação articular reduz a tensão capsular e ligamentar e alivia a
mecânica de baixa intensidade, incluindo as contrações dor prontamente. A biomecânica anormal pode ainda
musculares. Esses receptores detectam força, pressão ou causar quadros peri-articulares secundários como bursites
movimento5. e tenossinovites.
A origem óssea da dor é discutível. Questiona-se
Osteartrose ou osteoartrite. A artrose é se a esclerose e as microfraturas trabeculares do osso
caracterizada pela destruição da cartilagem, formação de subcondral, os osteófilos e os geodes intra-ósseos
osteófitos e osteoesclerose subcondral. O Colégio poderiam ser fatores de dor. Dentre outros fatores
Americano de Reumatologia define osteoartrose como: relacionados citam-se: anomalia da lubrificação articular,
“grupo heterogêneo de condições que induzem sinais e hiperpressão intra-óssea epifisária resultando em estase
sintomas articulares associados a defeitos na integridade medular e em hipertonia muscular gerando síndrome
da cartilagem articular em associação a alterações dolorosa miofascial. Mediadores químicos (citocinas,
relacionadas ao tecido ósseo situado na margem articular”5. prostaglandinas, serotonina) liberados pelos sinovicitos
A osteoartrose (OA) caracteriza-se pela alteração parecem intervir principalmente durante crises de
funcional da articulação sinovial (comprometimento do congestão vascular. A coexistência de fibromialgia,
movimento e ou da estabilidade articular). Acredita-se que ansiedade e depressão em alguns doentes com OA sugerem
a artrose afete a articulação como um todo, a possível participação de mecanismos centrais na geração
comprometendo a sinóvia, a cápsula, o osso subcondral, da dor5.
a cartilagem, embora a perda da cartilagem articular e as A maioria dos doentes com OA apresenta dor
alterações no osso subcondral são as mais notáveis. crônica que varia conforme a localização, natureza
Desencadeia perda da cartilagem articular, modificação morfológica, forma ou evolução lenta ou insidiosa. Há
da forma da superfície articular e alteração do suporte casos em que o componente álgico não é muito importante
ligamentar e do controle neuromuscular. A osteoartrose é e há predomínio do enrijecimento articular. A rigidez
resultado tanto de lesão tecidual como de reparação articular caracteristicamente apresenta-se como
aberrante como reação à lesão primária. As alterações dificuldade de iniciar o movimento após período de
anatômicas são semelhantes nas várias articulações repouso. Embora possa ser intensa, geralmente não
acometidas. Entretanto, a história natural, os fatores de mantém-se durante mais de 30 minutos. Os períodos
risco, a progressão e a evolução variam de acordo com a álgicos intensos podem ser curtos e entrecortados por
articulação comprometida o que explica a heterogeneidade períodos longos de remissão. Há casos que se apresentam
das diversas condições que acarreta1. como condrólise rapida e aguda, de destruição de
Muitos doentes com evidências radiológicas de cartilagem e erosão do osso subcondral durante período
artrose não apresentam sintomas; os sintomas geralmente de seis a 12 meses.
instalam-se de maneira lenta e insidiosa A dor dela Outros sintomas observados em casos de OA
decorrente apresenta características do acometimento incluem redução da amplitude dos movimentos,
estrutural; melhora com o repouso, piora com as atividades, crepitação, instabilidade articular, deformidades e perda
é mais acentuada no fim do dia e durante a manhã, ao da função
acordar. Dores noturnas podem ocorrer quando o doente Atualmente, a OA não é vista como doença
muda a posição. A dor relacionada à atividade, é o sintoma degenerativa passiva com pouca perspectiva de tratamento.
mais importante da artrose. Geralmente manifesta-se de É encarada como processo articular ativo que pode ser
segundos ou minutos após o início do uso da articulação, modificado com procedimentos mecânicos e com
mas pode manter-se durante horas após o cessar das medicamentos potencialmente modificadoras das sua
atividades. Derrames articulares são freqüentemente evolução. A existência de variados mecanismos possíveis
observados nestes casos. A análise do líquido sinovial de ocorrência e de numerosos padrões de dor em casos de
revela as características da etiologia mecânica da lesão. OA originados na própria articulação ou nas estruturas
A dor na OA decorre, provavelmente, da que a circundam implicam na necessidade da avaliação

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clínica cuidadosa para adequação terapêutica. O tratamento · Capsulite adesiva. É o enrijecimento articular
da OA visa a aliviar os sintomas, preservar ou melhorar a secundário à retração capsular. O comprometimento
função articular, reduzir a incapacidade e controlar os do ombro é uma apresentação deste quadro que
fatores que aceleram sua progressão. O tratamento baseia- progride para a síndrome do ombro congelado. Não
se na educação, no uso de antiinflamatórios e nas medidas deve ser confundida com outras condições onde a
de medicina física e de reabilitação. Os analgésicos restrição decorre da dor devido a afeções subjacentes
antiinflamatórios não hormonais (AAINHs) são indicados (tendinite da bainha dos rotadores). A capsulite adesiva
nas fases de acutização, quando são observados sinais do ombro é dividida em três fases: a fase dolorosa que
inflamatórios articulares. A infiltração intra-articular de dura em média de 3 a 8 meses, de início insidioso com
corticóides desde que em número inferior a três ou a quatro dor no ombro ao movimento, com intensidade
ao ano na mesma articulação é indicada em casos especiais progressiva, ocorrendo mesmo durante o repouso e à
ou em casos avançados quando é planejado implante de noite na ausência de movimentos precipitantes. A
prótese articular. As artroses digitais beneficiam-se com segunda fase é a fase adesiva que dura de 4 a 6 meses:
a aplicação tópica de AAINHs apresentados como gel. a dor torna-se menos intensa, desaparece à noite e
As medidas de medicina física e de reabilitação devem durante o repouso, havendo persistência de desconforto
ser direcionadas à articulação acometida (por exemplo, o e mesmo de dor intensa nos limites dos movimentos.
uso de banhos de parafina para as articulações O movimento do ombro torna-se mais restrito. A
interfalangeanas, aplicação de ondas curtas para as terceira fase é a de resolução que dura de 1 a 3 anos; a
articulações do quadril). Exercícios visando a manter a dor torna-se menos intensa, sendo o sintoma dominante
amplitude articular, o trofismo muscular e resgatar as a restrição à movimentação. Ulteriormente ocorre
atividades de vida diária e sociais dos doentes são redução da restrição embora, na maioria das vezes, seja
incompleta. Os movimentos de rotação interna e externa
geralmente eficazes. Medidas que visem a diminuir a carga
são os primeiros a serem bloqueados; porém
excessiva sobre as articulações como redução do peso
diferentemente da tendinite dos rotadores há restrição
corpóreo, sapatos e solados para reduzir o impacto,
global dos movimentos passivos.
bengalas, uso de órteses para melhorar a propriocepção e
A artrografia revela redução da capacidade articular
a instabilidade, devem ser também consideradas.
e desaparecimento dos recessos sinoviais. Com o passar
do tempo, ocorre melhora progressiva da dor e
Dor periarticular. É comum o comprometimento
enrijecimento total da articulação (anquilose).
dos tecidos ao redor das articulações periféricas, condição O tratamento é fundamentado no uso de AAINHs,
denominada, genericamente, de periartropatias. A dor injeções intra-artriculares de corticosteróides e em
periarticular origina-se nos tendões, entésios, ligamentos, programa de reabilitação visando à auto-reeducação e ao
bainhas tendíneas, tecidos peritendíneos e bolsas serosas, resgate progressivo da amplitude articular. Quando não
ou seja de estruturas providas de abundantes terminações há recuperação da amplitude articular após seis meses de
nervosas livres acionáveis por estímulos mecânicos tratamento, deve ser prescrito tratamento cirúrgico7.
(pressão, tração, fricção) e químicos (prostaglandinas,
histamina, serotonina, citocinas). As periartropatias Tendinopatias
ocorrem principalmente ao redor do joelho, do quadril,
do ombro e do cotovelo. As periartropatias mais comuns Os tendões são estruturas alongadas com forma
são: bursite subacromial, bursite olecraniana, bursite do cordonal que possibilitam a inserção dos músculos nos
íliopsoas, bursite trocantérica, bursite pré-patelar, tendinite ossos. São formados por fibras colágenas paralelas,
da bainha do rotadores, tendinite biciptal, tendinite de De recobertas pelo epitendão, por sua vez, composto de bainha
Quervain, tendinite de Achiles, epicondilite lateral, fibroelástica de tecido conjuntivo frouxo, que penetra entre
epicondilite medial e fasciíte plantar7. Os ligamentos são os feixes. No ponto em que se inserem no periósteo, as
feixes de fibras colágenas dispostas regularmente com fibras abrem-se em leque. Os tendões são inervados por
tendência à disposição espiral e muito sensíveis à tensão fibras sensitivas, originadas nos nervos musculares. Os
na maioria das posições que a articulação adota. Podem tendões, situados em túneis osteofibrosos, como ocorre
ser capsulares, extra-capsulares e intra-articulares. Atuam na mão e no pé, são recobertos por bainhas sinoviais com
como elementos que estabilizam, limitam e orientam os duas camadas, contendo líquido semelhante ao sinovial
movimentos e como sinalizadores de sensibilidade para com finalidade de facilitar o movimento e minimizar a
os movimentos e posicionamento dos segmentos fricção. Infecções ou processos inflamatórios ou
corpóreos e para ativação de mecanismos musculares degenerativos podem provocar aderências entre as duas
reflexos. camadas e restringir o movimento.

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· Tendinites degenerativas. As tendinopatias degene- O tratamento destas condições consiste do uso de


rativas são conseqüência de microtraumatismos AAINHs, punção e esvaziamento da bolsa cálcica e uso
repetitivos decorrentes do atrito anormal contra de corticosteróides sistemicamente durante curtos períodos
superfícies ósseas e ou do estiramento tecidual de tempo. As infiltrações com corticósteróides devem ser
resultando em microrroturas das fibras colágenas. evitadas. As medidas fisiátricas aplicáveis são a aplicação
Áreas tendíneas mal vascularizadas podem ser sede do gelo durante a fase aguda associada à imobilização
de fenômenos isquêmicos. O comprometimento durante períodos curtos de tempo, aplicação de calor e
tendíneo pode ser agudo ou crônico e resultar em exercícios visando à recuperação da amplitude articular.
rotura do tendão nas áreas fragilizadas por focos de Em casos de reumatismo inflamatório (artrite
necrose. A dor acentua-se à solicitação mecânica e é reumatóide, doença lúpica) o comprometimento dos
localizada e ou irradiada ao longo do tendão tendões dos músculos flexores e extensores dos dedos é
acometido ou dos músculos vizinhos a ele3. freqüente. As tenossinovites infecciosas são raras e
causadas geralmente por estafilococos (secundárias a
O diagnóstico é fundamentado no desenca- injeções ou infiltrações com corticosteróides) ou das
deamento da dor à palpação dos tendões, ao seu septicemias gonocócicas. Os tumores tendíneos são raros,
estiramento passivo ou ao seu tensionamento durante a (sinovite vilo-nodular pigmentada, cisto nos tendões
flexores dos dedos); nestes casos, a biópsia possibilita o
contração muscular. Manobras que acarretem atrito do
diagnóstico2.
tendão contra superfícies ósseas podem reproduzir a dor.
Bloqueios anestésicos podem ser utilizados para
Bursites
diferenciar a origem tendínea da dor miofascial.
O tratamento é baseado no uso de AAINHs e em As bursas são cavidades revestidas de tecido
procedimentos fisiátricos. Em casos rebeldes, deve-se conjuntivo e sinovócitos; têm superfície interna lisa e
realizar infiltração do tecido peritendíneo com corticóides. contém líquido sinovial. São bolsas situadas em áreas de
É contra-indicado o uso de corticóides de depósito ou atrito entre os tendões, ossos, tendões e tegumento, ossos
fluorados (triancinolona, dexametasona, betametasona) e tegumento etc. Possibilitam deslizamento fácil, suave e
que exercem acentuada ação atrofiante e favorecem harmônico das estruturas em locais onde há acentuado
precipitação de cristais de apatita2. grau de movimento, mesmo na ausência de articulação
verdadeira, tal como ocorre como quando dois músculos
relacionam-se com direção e força de tração opostas, em
· Tendinites microcristalinas. Os microcristais de
locais onde músculos e tendões cruzam-se e onde os
urato de sódio são responsáveis pelas tendinopatias tendões sofrem atrito contra os ossos, ligamentos ou outros
gotosas e pelo tofo gotoso. tendões. Quando lesadas, inflamam-se e geram
espessamento da parede e aumento do líquido sinovial.
Tendinites, tenossinovites e xantomas tendíneos As bursas mantém-se vazias no seu estado natural, mas
são observados em casos de hiperlipidemias (tipo 1A e podem ser sede de lesões microtraumáticas, inflamatórias,
4). Predominam no tendão de Aquiles e no tendão dos infecciosas ou tumorais. Em casos de bursite superficial,
extensores dos dedos. Pirosfofato de cálcio desidratado a dor pode ser provocada por pressão ou flexão, a extensão
foi identificado nos tendões de doentes com passiva pode ser normal enquanto a flexão passiva pode
condrocalcinose articular. Tendinopatias por oxalato de ser limitada. Pode haver edema flutuante e quente no local
cálcio ocorrem em doentes com insuficiência renal da bursa e a pele situada sobre a bursa pode tornar-se
crônica3. avermelhada3.
Calcificações apatíticas são mais freqüentes.
Depositam-se nos focos de necrose em decorrência de
Entesopatias
metaplasia cartilaginosa do tendão ou de anormalidades
fosfocálcicas (hemodiálise, hiperparatireoidismo, O entésio é a zona de inserção das fibras tendíneas,
intoxicação pela vitamina D). As calcificações tornam-se ligamentares ou capsulares nos ossos. O entésio é formado
sintomáticas quando associadas a reações inflamatórias de tecido metabolicamente ativo. O suprimento sangüíneo
macrofágicas que visam à absorção da calcificação. O origina-se de canais anastomóticos a partir do periósteo,
ombro é a sede mais freqüente desta condição. Durante a pericôndrio e pertiendão. Apresenta ainda, expressivo
crise pode ocorrer desagregação mais ou menos completa suprimento nervoso. A entesopatia pode ser decorrente
da massa cálcica e, freqüentemente, sua migração para de afecções traumáticas, degenerativas, metabólicas,
bolsa serosa vizinha ou rotura intra-articular. A dor tende inflamatórias ou iatrogênicas. Na entesopatia inflamatória
a tornar-se incapacitante, acentua-se à noite e melhora as lesões inflamatórias do entésio (entesite) são seguidas
quando a articulação é imobilizada. de erosão óssea no local de inserção da cápsula, tendão

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ou ligamento; subseqüentemente ocorre ossificação A incluem calcificação e ossificação da face


ossificação da entesopatia origina o entesófito. A anterolateral de, pelo menos, quatro vértebras
entesopatia não inflamatória pode não ter estágios contíguas, ausência de alterações radiológicas
inflamatórios idênticos, porém após formado o entesófito, caraterísticas de doenças degenerativas discais e
a distinção histopatológica entre entesopatia inflamatória ausência de anquilose da articulação sacro-ilíaca e
e não-inflamatória não é mais possível. A palpação do apofisiária. Quando sintomáticas, a dor é sub-aguda
entésio reproduz a dor. Aos exames de imagem também e desencadeada por estímulos mecânicos limitando a
não é possível a distinção etiológica. A entesopatia, mobilidade articular3.
entretanto, pode ser um achado radiológico assintomático2.
· Entosopatias metabólicas. Ocronose, afecções
· Entesopatias mecânicas. É freqüente nos atletas e microcristalinas (principalmente apatíticas), hiper ou
nos trabalhadores manuais. É secundária a hipoparatireoidismo, acromegalia, fluorose e
microtraumatismo de tração. Estes, quando violentos, hemodiálise pode causar entosopatias3.
podem provocar avulsão do entésio. Em adultos com
doenças subjacentes como osteomalácea ou doença · Entesopatias inflamatórias. O comprometimento
metastática pode ocorrer rotura do tendão ou avulsão inflamatório do entésio (entesite) é a característica
do próprio osso. Rotura espontânea do tendão pode fundamental das espondiloartropatias (pelviespon-
ocorrer em doentes com artrite reumatóide, lúpus dilite anquilosante, reumatismo psoriático, artrite
eritematoso sistêmico, hiperparatiteoidismo e doentes reacional, artropatias enteropáticas). Estas condições
tratados local ou sistemicamente com corticóides3. podem comprometer as articulações sinoviais e
cartilaginosas, as sindesmoses e o entésio extra-
· Entesopatias degenerativas. Entesófitos observados articular. Inicialmente, a lesão é inflamatória. Surgem,
em indivíduos idosos, muitas vezes saudáveis, a seguir, fenômenos cicatriciais por ossificação que
provavelmente decorrem do processo degenerativo do originam sindesmófitos e entesófitos. As entesopatias
entésio. Podem ser observados na crista ilíaca e na em casos de reumatismo psoriáticos podem apresentar
patela. Em 25% dos indivíduos “normais” podem ser aspecto pseudo-tumoral3.
encontrados entesófitos em diversas áreas do calcâneo
como na inserção do tendão de Achiles e na inserção CONCLUSÕES
do ligamento plantar. A entesopatia degenerativa na
inserção da cápsula articular pode ocorrer nas Várias condições reumatológicas podem acarretar
articulações interfalangeanas em casos de OA3. dor. A osteoartrite ou osteoartrose são as mais prevalentes.
Podem acometer qualquer articulação. Devido a sua elevada
· Entesopatias em doenças hiperostosantes. A ocorrência é necessário que os achados complementares
etiologia é desconhecida. Provavelmente apresenta sejam validados em função do resultado do exame clínico
origem multifatorial. Apresenta-se como entesopatia para que a relação de causa-efeito seja estabelecido nessas
de localização tanto na coluna vertebral em outras eventualidades. Outras afecções reumatológicas como artrite
localizações. Na coluna vertebral caracteriza-se por reumatóide, artrite soro negativa, outras artrites específicas
ossificação ligamentar paravertebral. Predomina no de natureza auto-imunes, imunoalérgicas, infecciosas entre
segmento anterior e lateral da coluna torácica caudal outras possibilidades podem também causar dor. O
e lombar. Pode também comprometer a bacia, diagnóstico é firmado com exames complementares e
apresentando-se como ossificações nas inserções fundamentados com os elementos de exames físicos. O
ligamentares e tendíneas na crista ilíaca, ísquio, tratamento com medidas específicas de medicações
trocânteres e articulações sacro-ilíacas. As entesopa- analgésicas, psicotró-picos, medidas de medicina física,
tias ossificantes periféricas são freqüentes na rótula, psicoterapia e quando necessário procedimentos ortopédicos
calcâneos, ombros e quadril. Os critérios diagnósticos e de neurocirurgia funcional deve ser aplicado.

Romano, M.A., Teixeira, M.J., Oliveira, P.R. Pain in rheumathology. Rev. Med. (São Paulo), 80(ed. esp. pt.1):128-34, 2001.

ABSTRACTS: Muscle skeletal pains are very common. The authors present a very simplified description of the most common
rheumatologic conditions resulting in pain. The occurrence of osthoarthritis, arthritis periarticular conditions is emphasized.

KEY WORDS: Myofascial pain syndrome/physiopathology. Arthralgia/pathology. Osteoarthritis/epidemiology. Pain/pathology.

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