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POESIA GUSTAVOT DIAZ

FOTOGRAFIA GREGÓRIO BRUNING

poemas
que
resistem • Porto Alegre/Curitiba
Jan | 2019
WHAT'S INSIDE THIS ISSUE:

FUN DAY SLATED FOR AUG.


31 - 2

A RESISTÊNCIA
COMEÇOU...
Resistimos sempre – ao capital, ao
avanço neocolonial que subordina o
desejo, ao medo que subjuga a

À
economia de nossos afetos. A
resistência é também poética, a fim
de resgatar o poder da metáfora, queles que
obliterada dos trânsitos da palavra e soltam as mãos
da política - hoje, moeda gasta que é para incluir
preciso ressignificar.
outros
a fim de que o
Esse é só o começo... círculo se
Força sempre! amplie...

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de longe primeiro dia
                e de perto
explosões anunciam que ele venceu
 
será o final da poesia   
(quem estoura foguetes
                o fim da palavra?
                por não possuir voz própria?)
 
 
de qualquer forma é o começo
desde já rojões, buzinas, estouros
da única forma que resta:
gritos
resistência
tiros disparados  
cabeças explodindo a palavra de ordem é agora
(quando irá parar?) falar de flores para resistir
   
por todos os lados  
                o barulho incomoda e quando as cabeças começarem a cair
estonteia, cega, ensurdece, cala da minha boca não sairá
abafa os corações                 eu disse, eu falei
debela os suspiros eu avisei que não ia dar certo
                da criança ofegante minha boca dirá apenas:
(dentro de mim)  
errar é preciso  
dá-me tua mão
junta-te à nós

"
ERRAR

DÁ-ME
É

TUA
PRECISO

MÃO

JUNTA-TE A NÓS

"

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constelação
quando amávamos       
e empunhávamos beijos
e bandeiras pelas ruas
não víamos, porém
            em silêncio nos odiavam
 
quando sonhávamos
            no sono voluptuoso da liberdade
ENQUANTO NOS AMARMOS
"
TEREMOS O AMOR, O

DESVELO E AS ESTRELAS,

nos odiavam acordados O ÓDIO E SEUS ELOS

enquanto ríamos SERÃO DELES

            e o vento fazia festa em nossas


bocas e cabelos
e nossas peles se tocavam
            em abraços suavíssimos
de longe, odiavam-nos sem que soubéssemos
            nos odiavam
no ácido corrosivo do silêncio
            nos odiavam
na distância sem consolo
            nos odiavam
na sombra da insatisfação e do medo
 
eles, sem saberem de si
            odiavam
confabulando conjuras de vingança
            em desejos inconscientes de união
 
eles, sem saber, se uniam
no mesmo ódio que rebenta as tempestades
            mesma cor que anuncia a catástrofe
ferrugem que oxida o brilho do que é sublime

eles descobriram que o ódio constela


(nós, enquanto amarmos
           teremos o amor, o desvelo e as estrelas
o ódio e seus elos
                serão deles)

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se é para
perder,
perderemos
da forma
se é para perder, perderemos mais
                da forma mais sublime
se é para errar, erraremos muitas vezes
sublime
até sincronizarem-se o segundo
                e o destino das Horas
e o coração dos poetas selar-se
                ao destino dos povos

erraremos como a toupeira que, cega


espicaça o fundo pulso da terra
cavando a saída
que não encontrou

as horas engendram seu contrário


é agora o fazer de quem sabe
enquanto os caçadores
                presos à presa
caçam-na com a mira cega do ódio
nós enlaçaremos o amor
como vaga-lumes polvilhados
na madrugada que inicia

AO
E O CORAÇÃO

POETAS

DESTINO DOS
"
DOS

SELAR-SE

POVOS

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O

COR
TIRANO

DOS

CHEIRO
NÃO

POEMAS

DAS
SABE

NEM

ROSAS
"
A

DA

PRIMAVERA

em tempos de transição primaveril


a chegada
a madeira da estante
                volta a ser árvore
da primavera
 
os livros tornam-se frutos
                dependurados nos galhos
agora vivos e vermelhos
                da literatura
 
o tirano não sabe a cor dos poemas
enquanto anunciam o verão
nem o cheiro das rosas
                e o eterno transformar-se
                da primavera
o tirano se cristaliza
como inseto no âmbar
aos poucos, os livros amadurecem
como verme no interior da matéria
a estante
roendo a ração diária da desagregação
seu vivo rubor incendeia
 
as melhores páginas
mas o verão virá
colorindo de loucura e de amor
e a mudança das estações
a linearidade dos verbos
fará das estantes frondosos
imensos guarda-chuvas de sombra

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ela
e quase tão bonita
quanto a Revolução Cubana
FERREIRA GULLAR
ela é bela como a nascente do Nilo
                mas não importa
mais bela que o Cânion do Funil
e as pinturas rupestres da Serra da Capivara
 
realmente não importa
 
ainda mais bela que a música popular brasileira
que a poesia de cordel
                e a gravura de Samico

não faz nenhuma diferença...

mais bela ainda que a curva flutuante


do Museu Nacional do DF
que os jardins aquáticos de Burle Marx
e a pareidolia nas nuvens

ela é mais bela que os Afrosambas


que o #elenão
que as brigadas de solidariedade à Cuba

mais bela, de fato que as estações de Matosinhos


que o grafo do desejo em Lacan
e a tabela periódica

porém, nada disso importa


afinal, ela é de esquerda
e não vota em fascista
MAIS BELA

E AS
QUE O

PINTURAS
CÂNION

SERRA
DO

RUPESTRES

DA
"
FUNIL

DA

CAPIVARA

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quando
amor
se torna
ordem
não rompas o caos com tua harmonia
– dizem eles
tua lira melodiosa
o pão da tua poesia
queremos a fome de palavra
                a cegueira da noite sem metáfora
 
a única educação que conhecemos
                é pela pedra
não da poesia que se extrai do tempo
                e do saber-pedra
mas da pedrada que parte teus olhos
 
a oração se fragmenta
                no imperativo
a palavra perde sentido
seu ouro, incandescente
                calcina a língua
 
cale a boca!
obedeça!
des-aja!
des-seja!
 
ame
A

SEU
PALAVRA

OURO,

CALCINA
PERDE

INCANDESCENTE

A
"
SENTIDO

LÍNGUA

                ou deixe!

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sim, Carlos
                não é o último dia do tempo o último dia
amanhã tudo continuará a ser
 
do ano
mas será diferente
 
amanhã outro será o ar:
irrespirável
descobriremos que na água parada
                uma vida borbulhante conjura
também há vida na podridão do fundo
 
mas diferente

para este último dia


uma última palavra:
resistência!
 
para o ano que começa
PARA

UMA
ESTE

ÚLTIMA
ÚLTIMO "
DIA

PALAVRA:
uma única legenda: RESISTÊNCIA!
"sem medo, sem esperança"
quem espera
um dia cansa

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ocupação
dez anos se passaram
                desde lamento de d. Antônia
e do choro de Priscilla
pois morreu um companheiro à CELSO EIDT
  in memorian
agora lamentam e choram
por dez anos passados
sem que o choro e o lamento
                ouvidos fossem
(olvidos foram)

nem a barca mítica


                singra os rios do inferno
nem o óbulo da justiça
resgata a alma que há dez anos deste lado
                – o lado dos vivos injustiçados
lutava por terra em que plantasse
a raiz mais forte:
família
e continuasse a obra
seu eco soará
por mais dez anos
operário na imensa máquina
sino dobrado em décadas
do mundo
no campanário da indiferença
 

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palavras que
falam de
palavras

1. pulso forte e mão firme:


mão firme é aquela que se estende para apoiar, e num único aperto
anula a distância entre maior e menor, pois se tornaram um e iguais

2. política:
gramática de afetos

3. fascismo:
regime autoritário, surgido muitas vezes de um legítimo desejo de
ruptura, mas que degenera em fanatismo. Constitui-se da junção dos
a) culto da violência, b) culto do patriotismo (Estado-nação em versão
paranoica), c) culto ao “ego” (insensibilidade às outras classes,
gêneros, etnias, sexualidades – em resumo: ao “outro”), d) culto ao
ridículo, por não poder expressar a condição brutal de sua verdadeira
face (a violência)

4. nudez:
estado natural de qualquer ser vivo ao nascer e ao morrer, perpetuado
ao longo de sua vida. exatamente como você fica quando tira a roupa
(≠ de sexo, ≠ de pedofilia; para esses verbetes, consulte “sexo” e
“pedofilia”)

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o ditador
o ditador nada tem
                nada possui
por isso usurpa o dom alheio

exato o que sobra ao artesão


e o saber que este traz nas mãos
que ensinam a cabeça
precisamente o que basta à professora
                e seu saber que educa as mãos alheias

ou como aquilo que nasce no pajé:


um saber que não distingue sentir e pensar
 
nada disso é domínio do ditador
por isso só uma coisa lhe possui:
o desejo de poder
                poder
 
de todas as ocupações
                ao ditador cabe uma só
que lhe é justa:
a de ditador
 
se ontem, mesmo desagradando
                granjeou a graça de muitos
se, confundindo os espíritos
                afirmou sua certeza 
o que não fará ele quando a faixa
                auriverde cingir-lhe o peito?

(e se a criança apontar e dizer


o rei está nu
deceparão suas mãos?
arrancarão seus olhos?
cobrirão a real nudez?)

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poemas
que
resistem •
PROGRAMA DE
RESISTÊNCIA
Publicação on line independente
2019

GREGÓRIO BRUNING
fotografias
Estas imagens são de movimentos e ocupações urbanas
no Paraná - formas de resistência de inúmeras famílias
contra a falta de moradia causada pela especulação
imobiliária nas grandes cidades. Gregório é fotógrafo
resistente em Curitiba.

GUSTAVOT DIAZ
poemas & diagramação
Estes poemas foram escritos no período entre a vitória nas
urnas de Jair Bolsonaro e o dia de posse. A metáfora é
uma resistência democrática contra a depredação do
universo simbólico, sequestrado pelos regimes autoritários.
Gustavot é artista visual resistente em Porto Alegre.

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