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ARTUR MONTE CARDOSO

Burguesia brasileira nos anos 2000 – um estudo de grupos


industriais brasileiros selecionados

Campinas
2014
i
iii
iv
v
Esta dissertação é dedicada
à memória do meu avô,
Milton Monte,
brasileiro e amazônida exemplar,
e eterno professor
da disciplina “Felicidade”.

vii
Agradecimentos

Ao meu professor, orientador e camarada Plinio Soares de Arruda Sampaio Jr. O jefe
Plinio foi responsável por me introduzir aos pensadores da formação e por lançar o desafio de
compreender a burguesia brasileira como forma de buscar respostas aos desafios da revolução
brasileira. Agradeço por seu exemplo de um Mestre tão raro hoje na universidade, por sua
amizade e pela orientação precisa até a última hora.
Ao professor Fernando Cezar de Macedo Mota, por aceitar gentilmente presidir a
banca, pelas sugestões e críticas ao trabalho e pelo incentivo que me deu desde a monografia. Ao
professor Edgard Pereira, que participou decisivamente do exame de qualificação e da banca.
Particularmente por me motivar a apresentar claramente minha visão sobre o processo de
reversão neocolonial, pelas inúmeras sugestões de organização do trabalho e pelos desafios
lançados para a agenda de pesquisa futura. Ao professor Julio Sergio Gomes de Almeida, pelos
conselhos no exame de qualificação, ao apontar os limites do meu trabalho, revelando a
complexidade da burguesia brasileira e por dar a confiança de que a seleção dos grupos permitiria
explorar o problema pretendido. Ao professor Sebastião Velasco e Cruz, do IFCH/Unicamp, por
aceitar prontamente participar da banca e, principalmente, pelas críticas que impulsionam o
pesquisador a aprimorar o seu conhecimento e os seus argumentos.
Aos meus antigos colegas da Refinaria de Paulínia (REPLAN), na Petrobras, pela
acolhida no primeiro emprego e pelo apoio ao meu retorno aos estudos. Em especial, à Rosana
Macedo, à Dirce Frasseto e demais colegas da Engenharia; à minha equipe da Dotec: Ana Paula
Silva, Aparecida Serafim (Cida), Luis Abner, Marselha Costalonga e em especial Daniele Paduan
Machado, minha professora e amiga; aos colegas arquivistas: Marco Marsari (IERN), Elisa e
Marcelo (REVAP), Rômulo (REDUC) e Teresa (RLAM); e aos colegas do concurso (os "TAC
Jr."), Bruno Cruvinel, Carlos Polidoro, Luis Clemente, Lincoln Sakai, Marcus Vinicius
Fernandes, Monique Menendez, Tadeu di Giacomo e Thiago Pinho.
Aos trabalhadores e trabalhadoras do Instituto de Economia da Unicamp, em especial
da Pós-Graduação, Biblioteca e Informática, pelo trabalho invisível aos olhos dos estudantes, mas

ix
crucial para nossas atividades. Ao me tornar eu mesmo funcionário é que tive a dimensão de quão
imprescindíveis são os servidores técnico-administrativos na universidade.
Aos colegas do Instituto de Física “Gleb Wataghin” da Unicamp. No Apoio
Financeiro (SFP), tive todo o apoio, generosidade e amizade de Alcides Nascimento, Eduardo
Alfredo, Eduardo Sakanaka, Eduardo Spinelli, Ivone Pereira, Miguel Gonçalves Filho, Vasco
Queiroz e em especial de Marlene Capodali, minha professora dedicada e exemplo de servidora
pública. Aos demais colegas do IFGW, muito obrigado pelo grande ano que passei por lá.
Aos colegas da pós-graduação do IE, em particular aos da turma Teoria 2011 –
Fernando Chafim, Ítalo Pedrosa, Julia Bellinetti, Leon Egidio, Lídia Brochier e Pedro Loureiro –
e aos do doutorado – Leonardo Bispo e Marina Sequetto – pela amizade ao longo do curso. Aos
colegas do “Futebol da Pós”, por me permitir o retorno aos gramados em tão boa companhia.
Aos colegas do Grupo de Estudos "Florestan Fernandes" (GEFF): João Paulo
Camargo Hadler, Leandro Ramos Pereira, Gustavo Zullo, Henrique Braga, Jaime León, Jean
Peres, Joana Salém, Mauricio Esposito, Rebeca Bertoni, Sarah Franciscangelis, Tatiana
Henriques e Theo Lubliner. Foram todos indispensáveis para que este trabalho fosse adiante e
responsáveis por algumas das observações e críticas mais importantes. Em especial ao João
Paulo, ao Leandrão e ao Jean, por sua amizade de longa data, as discussões e as críticas.
Aos camaradas do Coletivo Domínio Público e do PSOL, em especial do Coletivo
Primeiro de Maio. Sua luta firme pela revolução brasileira inspira e orienta a formação intelectual
do militante. Agradeço por tolerar a minha ausência em tempos árduos, na esperança de que este
trabalho ajude a entender melhor a realidade que queremos transformar.
À minha mãe, Ana Rosa Monte Cardoso, e ao meu pai, José Maria Machado Cardoso
Jr., por proporcionarem tudo a seu alcance para nos dar a melhor educação. Aos meus irmãos
Felipe e Daniel, que são minha vida, por sua amizade e pelas boas conversas.
Ao irmão "adotivo", Caio Matsui, pela alegria e sua imensa amizade.
À Thalita, companheira querida, por atravessar ao meu lado todas as batalhas nos
últimos anos, pelo apoio desde a prova da Anpec até a redação final da dissertação, por insistir
em adotar a nossa cadela Fera e pelo amor paciente e persistente.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela
bolsa de estudos concedida para o Mestrado.
x
A “burguesia nacional”, tal como é
ordinariamente conceituada, isto é, como
força essencialmente antiimperialista e por
isso progressista, não tem realidade no
Brasil, e não passa de mais um destes mitos
criados para justificar teorias preconcebidas;
quando não pior, ou seja, para trazer, com
fins políticos imediatistas, a um correlato e
igualmente mítico “capitalismo
progressista”, o apoio das forças políticas
populares e de esquerda.
Caio Prado Júnior
(A Revolução Brasileira)

Enquanto houver burguesia


Não vai haver poesia
Cazuza
(Burguesia)

xi
RESUMO: Esta dissertação pretende contribuir para a discussão sobre o caráter da burguesia
brasileira nos anos 2000 e, desta forma, entender o sentido, os limites e as possibilidades do
capitalismo brasileiro contemporâneo. Para isso, é apresentado um estudo de quatro dos maiores
grupos industriais privados do Brasil: Vale (mineração), JBS (agronegócio/carnes), Gerdau
(siderurgia) e Cosan (agronegócio/sucroalcooleiro). A intenção é fornecer elementos concretos
para uma melhor compreensão sobre o caráter da burguesia brasileira.
A investigação dos grupos se concentrou na compreensão da base material da burguesia e sua
força relativa frente aos demais capitais. Foram mapeados os mercados, a base produtiva e a base
financeira, os vínculos com o Estado e a estratégia de cada grupo no período de estudo. As
informações foram extraídas de dados públicos das companhias, de relatórios de instituições
governamentais e internacionais, da imprensa especializada e de estudos acadêmicos.
Para embasar teoricamente esta discussão, foram utilizados quatro autores da tradição da
formação nacional: Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Celso Furtado e Florestan Fernandes.
A hipótese é que a burguesia brasileira combina o aproveitamento de oportunidades de negócios
gerados pela dependência externa com a exploração predatória da força de trabalho e do meio
ambiente, bem como a mobilização arbitrária dos recursos do Estado, caracterizando-se como
uma verdadeira burguesia dos negócios.
A pesquisa aponta que os grupos aproveitam oportunidades dentro de um processo de
desindustrialização e reprimarização, mas são incapazes de controlar variáveis estratégicas da
acumulação, os que as torna vulneráveis às oscilações internacionais. O impulso dos seus
mercados foi resultado direto do ciclo econômico internacional, via elevação da demanda e dos
preços, ou indireto, através do surto de crescimento interno. Sua base produtiva é em segmentos
de tecnologia simples, livre e com baixos encadeamentos. Sua base financeira foi principalmente
o capital financeiro internacional, como o apoio complementar de recursos oriundos do Estado.
Por fim, a estratégia de crescimento dos grupos, inclusive de internacionalização, se deveu ao
processo de aquisição de concorrentes e não de construção de capacidade produtiva, chegando ao
caso extremo de associação direta com o capital internacional.

PALAVRAS-CHAVE: burguesia brasileira; desenvolvimento econômico; reversão neocolonial;


Cosan; Vale; Gerdau; JBS.
xiii
ABSTRACT: This dissertation aims to contribute to the discussion about the character of the
Brazilian bourgeoisie in the 2000s and thus understand the direction, the limits and possibilities
of contemporary Brazilian capitalism . For this, it is presented a study on four of the largest
private industrial economic groups in Brazil: Vale (mining) , JBS (agribusiness/meat) , Gerdau
(steel) and Cosan (agribusiness /sugar and ethanol). The intention is to provide concrete elements
for a better understanding of the character of the Brazilian bourgeoisie.
The research of the groups has focused on understanding the material basis of the bourgeoisie and
its relative strength compared to other capitals. Markets, the productive base and financial base,
the ties with the State and the strategy of each group were mapped for the analyzed period. The
information is drawn from public companies' data, governmental, international institutions and
associations reports, specialized media and academic studies about the selected companies .
The theoretical basis for this discussion uses four authors of the national formation tradion:
Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Celso Furtado and Florestan Fernandes. The hypothesis is
that the Brazilian bourgeoisie combines the advantage of business opportunities generated by the
external dependency with the predatory exploitation of the workforce and the environment, as
well as arbitrary mobilization of state resources, characterizing itself as a true business
bourgeoisie.
The research shows that groups seize opportunities within a process of deindustrialization and
reprimarization, but are unable to control the strategic variables of the accumulation, which
makes them vulnerable to international fluctuations. The thrust of its markets was a direct result
of the international economic cycle, via rising demand and prices, or indirect result, through the
outbreak of internal growth. Its productive base is located in segments of simple, free and low
technologies, with low linkages. Its financial base was mainly international financial capital, as
the additional support of funds from the State. Finally, the growth strategy of the group, including
internationalization, was due to the acquisition process and not bulding of productive capacity,
reaching the extreme case of direct association with international capital.

KEYWORDS: Brazilian bourgeoisie; development; neocolonial reversion; Cosan; Vale; Gerdau;


JBS.
xv
Lista de Tabelas

Página
Tabela 1. 200 maiores grupos no Brasil em 2011, por receitas (R$ mi), por setores e
país de origem do controlador 69
Tabela 2. 200 maiores grupos econômicos no Brasil em 2011, por receitas (R$ mi) 70
Tabela 3. Maiores grupos industriais de controle brasileiro privado por receitas (2011) 71
Tabela 4. Setores mais mencionados nos grupos industriais privados brasileiros (2011) 72
Tabela 5. 10 maiores grupos industriais privados brasileiros (2011) 73
Tabela 6. Posição da Cosan no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas) 76
Tabela 7. Cosan – endividamento por tipo (%) 79
Tabela 8. Cosan - Receita Operacional Líquida do setor Açúcar e Álcool (%) 80
Tabela 9. Cosan – Principais compradores de Açúcar (%) 80
Tabela 10. Cosan – Principais compradores de Etanol (%) 81
Tabela 11. Cosan - Receita Operacional Líquida (ROL) por segmento (%) 84
Tabela 12. Posição da Vale no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas) 85
Tabela 13. Vale – exportações de minério de ferro, por região (milhões de ton.) 86
Tabela 14. Vale - Minério de Ferro e Pelotas – índice de quantidades e preços
(2001=100) 87
Tabela 13. Vale – valor das aquisições por ramo (em US$ de 2012) 90
Tabela 14. Vale – Endividamento Geral e algumas categorias (US$ mi) 91
Tabela 15. Posição da Gerdau no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em
receitas). 93
Tabela 16. JBS – Posição no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (por receita) 104
Tabela 17. Principais Exportadores e Importadores de carne bovina 107
Tabela 18. JBS – Capacidade de abate diário por segmento e região (%) 110
Tabela 19. JBS - Composição do Controle Acionário 111

xvii
Lista de Gráficos

Página
Gráfico 1. Brasil – exportações de açúcar – físicas (mi ton.) e valor médio (US$/ton) 77
Gráfico 2. Vale – Receita bruta por país ou região (em US$ mi correntes) 88
Gráfico 3. Vale – Receita bruta por produto (em US$ mi correntes) 89
Gráfico 4. Produção Mundial de Aço Bruto (inclui todos os tipos), em mil ton. 96
Gráfico 5. Distribuição do valor dentro da cadeia – integrada (Hot-Rolled Cold Steel) 97
Gráfico 6. Capacidade produtiva (efetiva) e demanda mundiais por aço 98
Gráfico 7. Aço – Vendas internas por setor - maiores setores, exceto distribuidores (%) 99
Gráfico 8. Gerdau – Endividamento bruto e endividamento líquido (US$ mi) 101
Gráfico 9. Gerdau – Indicadores de margem (%) 102
Gráfico 10. Oferta mundial de carne por tipo (bilhões de toneladas) 105
Gráfico 11. Preços mundiais de carnes (termos reais) – em US$/ton. 106
Gráfico 12. JBS - Receitas líquidas, Resultados e Lucro/Prejuízo (em R$ bilhões) 109
Gráfico 13. JBS – Margens Operacional, EBITDA e Líquida (%) 113
Gráfico 14. JBS – Dívida Bruta (R$ mi) e razão Dívidas Bruta e Líquida/EBITDA (%) 114

xix
Lista de figuras

Página
Figura 1. Bovinos - Fluxos de Comércio, inclusive vivos (2011-2012) 108

xxi
Sumário

Introdução 1

Capítulo 1: Burguesia brasileira: dependência e negócios 7

1. Introdução 7

2. A problemática da formação 9

3. A burguesia brasileira sob a ótica da formação 14

3.1. Nelson Werneck Sodré: burguesia nacional na revolução democrática e


nacional 15

3.2. Caio Prado Júnior: burguesia subordinada e oportunista 19

3.3. Celso Furtado: a burguesia dependente e subdesenvolvimento 26

3.4. Florestan Fernandes: burguesia dependente e a contrarrevolução permanente 31

4. Burguesia brasileira: dependência e negócios 36

Capítulo 2: Burguesia brasileira e reversão neocolonial 43

1. Introdução 43

2. A crise do desenvolvimento brasileiro como tendência à reversão neocolonial 44

3. Os anos 2000 e o neodesenvolvimentismo 49

3.1. O neodesenvolvimentismo 49

3.2. Uma crítica à origem do crescimento nos anos 2000 52

3.3. Uma crítica à natureza do pensamento neodesenvolvimentista 56

4. Reversão neocolonial nos anos 2000 59

Capítulo 3: Estudo de grupos industriais selecionados da burguesia brasileira 65

1. Introdução 65

2. Os maiores grupos econômicos no Brasil 65

2.1. O conjunto dos maiores grupos econômicos no Brasil 65

2.2. Os maiores grupos da burguesia brasileira na indústria 68


xxiii
3. Metodologia de pesquisa 72

4. Síntese dos grupos selecionados 74

4.1. Cosan 74

4.2. Vale 83

4.3. Gerdau 90

4.4. JBS 102

5. Discussão 112

Considerações finais 119

ANEXOS 129

ANEXO A: Grupo Cosan 177

1. Introdução 178

2. Histórico 178

3. Mercados principais 180

3.1. Açúcar e Etanol 180

3.2. Distribuição de Combustíveis 191

4. Crescimento e transformações 193

5. Base Produtiva 202

5.1. Setor sucroalcooleiro 204

5.2. Distribuição de combustíveis 206

5.3. Lubrificantes 207

5.4. Logística para açúcar, etanol e outras commodities 208

5.5. Imobiliário Rural 209

5.6. Distribuição de gás natural 210

6. Base Financeira 211

xxiv
7. Síntese 215

8. Referências Bibliográficas 218

ANEXO B: Grupo Vale 221

1. Introdução 222

2. Histórico 223

3. Mercados 224

3.1. Minério de Ferro e Pelotas 225

3.2. Níquel 229

3.3. Fertilizantes 232

4. Crescimento e transformações 237

5. Base produtiva 246

6. Base financeira 250

7. Síntese 253

8. Referências Bibliográficas 255

ANEXO C: Grupo Gerdau 257

1. Introdução 258

2. Histórico 258

3. Mercado 261

3.1. Panorama da produção e consumo mundiais 261

3.2. Processos e produtos do aço 264

3.3. Custos e Preços na Siderurgia 267

3.4. A capacidade ociosa e a queda na rentabilidade 270

3.5. O mercado brasileiro 276

4. Crescimento/Transformações 280

5. Base produtiva 288

xxv
6. Base Financeira 292

7. Síntese 295

8. Referência Bibliográficas 298

ANEXO D: Grupo JBS 303

1. Introdução 304

2. Histórico 304

3. Mercado 306

3.1. Visão geral do mercado 307

3.2. Comércio internacional 312

3.3. Dinâmica dos preços 316

3.4. A cadeia da carne bovina 319

4. Crescimento/Transformações 324

5. Base produtiva 333

6. Base financeira 337

7. Síntese 341

8. Referências Bibliográficas 343

xxvi
Introdução

Após uma geração inteira de profunda crise econômica e social – uma crise de
destino, diria Celso Furtado – o Brasil aparentemente encontrara novos rumos no início dos anos
2000. Sob o comando da força política que polarizara a transição da ditadura para a Nova
República, o país voltou a ter algum crescimento econômico, a gerar empregos, ampliar salários e
reduzir a desigualdade, ainda que de forma tímida e insuficiente. A atração de investimentos, o
desempenho das exportações e a aparente busca por uma política externa independente e solidária
com o terceiro mundo e os “emergentes” pareciam levar o país a se distanciar de sua história de
submissão e apontar um futuro de protagonismo e soberania. Criou-se um clima e uma
expectativa de que as mudanças tivessem vindo de forma definitiva e que apontassem para uma
virada histórica. A palavra “desenvolvimento”, tão esquecida e deturpada nas décadas anteriores,
voltava à cena, carregada de otimismo e confiança. No final da década de 2000, era corrente entre
os políticos e intelectuais identificados com o governo a especulação sobre um
“neodesenvolvimentismo” em curso, projeto e realidade de um país que crescia com distribuição
de renda e soberania nacional1.
A ideia de que estava em curso um projeto neodesenvolvimentista no Brasil, ou
mesmo que ele ainda fosse projeto, mas um projeto inscrito nas novas possibilidades do país,
tinha diversas implicações para o pensamento e para as forças sociais e políticas comprometidas
com a solução dos problemas históricos do país. Os traços estruturais do subdesenvolvimento e
da dependência, a posição subordinada do país ao grande capital internacional e um padrão social
baseado na segregação, na desigualdade e na intolerância, persistiram mesmo após muitos anos
de industrialização, urbanização, crescimento acelerado e modernização, sendo apenas
reequacionados, repostos ou mitigados. Estaria esta dupla articulação, estes dois pilares da
sociedade brasileira, em modificação? Todo o pensamento neodesenvolvimentista afirmava, em
resposta, que não se tratava mais de um novo período de crescimento com subordinação externa e
exclusão social, mas de um período de crescimento com soberania e com integração social. Ao
mesmo tempo, questões fundamentais não se resolviam em definitivo ou mesmo davam sinais de

1
Ver: Oliva (2012b), Sader e Garcia (2010),
1
retroceder: não se executava a reforma urbana, a reforma agrária e não se garantiam direitos
sociais; não se resolvera a posição subordinada da economia brasileira, a desindustrialização, a
reprimarização da economia, a submissão do Estado ao pagamento da dívida em detrimento dos
investimentos sociais, entre outros2.
Para além das contradições do processo, um grande problema persistia em aberto: se
se tratava de um novo período desenvolvimentista, quem seria seu protagonista? Na concepção
clássica do desenvolvimentismo, anterior à ditadura militar, a resolução dos problemas históricos
passava pela constituição de um Estado nacional correspondente a uma revolução democrática e
nacional liderada pela burguesia nacional3. A burguesia nacional seria a classe capitalista cujos
interesses estratégicos no mercado nacional motivariam o enfrentamento da submissão ao
imperialismo e do atraso cuja marca era o latifúndio. Obviamente que uma revolução de caráter
democrático e nacional capaz de promover um desenvolvimento no sentido mais forte da palavra
– a capacidade de uma sociedade controlar seu próprio destino, conciliando capitalismo,
democracia e soberania4 – exigiam a participação das classes populares. Mas enquanto se
baseasse nos marcos de uma sociedade capitalista, nenhum desenvolvimento com um grau
relativo de autonomia seria possível sem uma classe burguesa com base material para permiti-lo e
um projeto político para conduzi-lo.
Ao questionamento sobre qual burguesia seria o alicerce do novo momento, o
neodesenvolvimentismo não apresentou resposta segura. Fixado em problemas concernentes à
execução da política econômica, o neodesenvolvimentismo pouco tratou acerca de problemas
estruturais, esquecidos por uma longa histórica de crise da teoria do desenvolvimento5.As
diferentes correntes do pensamento neodesenvolvimentista se preocuparam em contrapor
rentismo ao empreendedorismo produtivo, buscando a união da classes trabalhadoras em prol do
crescimento sob a ação do Estado na melhor tradição keynesiana6, mas qual burguesia? A
burguesia que prosperou aos pés da industrialização comandada pelas transnacionais 7? A
burguesia que consolidou seu poder a partir de um delicado equilíbrio entre a negociação dos

2
Cf. Sampaio Jr. (2012c).
3
Cf. Ianni (1984) e Sodré (1964).
4
Cf. Furtado (1981).
5
Cf. Sampaio Jr. (1999c; 2012b).
6
Cf. Monte-Cardoso (2013).
7
Cf. Furtado (1972).
2
termos de dependência externa e a superexploração do trabalho8? A burguesia que sobreviveu e
enriqueceu às custas do rentismo fundado sobre o endividamento público nos anos 19809? A
burguesia que resolveu seu impasse frente à nova ordem mundial optando por ingressar de
maneira subalterna na globalização, abrindo mão do patrimônio nacional público e privado10?
Para além do grande debate que estava por ser feito, havia um problema: a incrível
falta de estudos que mostrassem concretamente as potencialidades da burguesia brasileira dos
anos 2000 e em especial os seus limites. Houve, sim, uma farta produção de trabalhos acerca da
burguesia brasileira que ascendeu à condição de capital com presença internacional, desde
aqueles mais apologéticos de um capital brasileiro superpotente até as visões críticas do que seria
um imperialismo brasileiro. Mas pouco se buscou para compreender de onde partem estes
capitais, qual sua lógica de acumulação, quais os nexos estabelecidos com os mercados nacional e
internacional, com o capital financeiro internacional, o Estado e as classes trabalhadoras.
Esta dissertação tem como objetivo contribuir para o entendimento da natureza da
burguesia brasileira a partir de elementos empíricos sobre o funcionamento de grandes grupos
econômicos brasileiros nos anos 2000. Será feita uma análise qualitativa de quatro grande
empresas de controle brasileiro: a Cosan, originária do setor sucroalcooleiro, a Vale, do ramo de
mineração, a siderúrgica Gerdau e a JBS, do setor de frigoríficos. Esta análise tentará delinear, a
partir de dados públicos das empresas, quais foram o seu padrão de acumulação, sua base
tecnológica e financeira, sua participação nos mercados interno e externo, suas vantagens e
desvantagens competitivas, sua participação na cadeia produtiva. A partir da pesquisa de cada
grupo serão elaboradas sínteses que permitirão discutir se há algum padrão desta burguesia e qual
é ele.
O trabalho será fundamentado por autores da tradição da formação: Nelson Werneck
Sodré, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Florestan Fernandes. Pensamento motivado pela busca
pela compreensão dos processos históricos que bloqueiam a capacidade da sociedade brasileira de
conquistar uma autonomia relativa frente ao todo e estruturar sua economia em função das
necessidades de uma sociedade integrada, a tradição da problemática da formação se fundamenta

8
Cf. Fernandes (1976).
9
Cf. Belluzo e Almeida (2002).
10
Cf. Gonçalves (1999) e Biondi (1999).
3
no estudo da História brasileira e na busca das permanências dos traços estruturais herdados do
passado colonial e nunca superados: a dependência externa e a segregação social interna 11. As
hipóteses mais gerais para interpretação da pesquisa dos grupos serão retiradas das análises feitas
por estes autores sobre a natureza da burguesia brasileira.
Contudo, não seria possível extrapolar diretamente destes autores os elementos que
possam guiar a interpretação dos resultados obtidos. A distância temporal e a necessidade de
realizar análises fundamentadas na história exigem elaborações feitas em cima das tendências em
curso no século XXI, ou pelo menos sobre as manifestações das tendências de longo prazo.
Identificado com a problemática da formação e com o esforço de compreensão de como as
tendências da nova ordem mundial pós-Guerra Fria e a transnacionalização do capital impactam
as possibilidades da superação da dependência e do subdesenvolvimento, tomaremos como base
as reflexões que apontam para o risco de que o Brasil passe por um verdadeiro processo de
reversão neocolonial12. A hipótese elaborada para os anos 2000 é que a nova ordem internacional
tem impactado a capacidade de sociedades da periferia de se defenderem das tendências
antinacionais e antissociais do capital13. O resultado é o aparecimento de fortes tendências a
processos de reversão neocolonial, entendidas como o bloqueio da capacidade das sociedades e
do Estado nacional de colocarem a acumulação de capital a serviço da integração nacional e de
garantia de direitos e a promoção de políticas sociais14. Ao reduzir drasticamente a autonomia
relativa das burguesias locais, como a burguesia brasileira, a transnacionalização do capital e a
integração das sociedades periferias a esta nova lógica global de acumulação condiciona estas
burguesias a se tornarem “burguesias dos negócios”, mais dependentes do capital internacional e
altamente dependentes das oportunidades de negócios abertas pela globalização, em especial o
comércio exterior, a especulação com ativos financeiros e a venda de patrimônio público e
privado.

11
Cf. Ianni (1992) e Sampaio Jr. (1999a, 1999b).
12
A hipóteses de que o processo de liberalização compromete a formação econômica do Brasil foi precocemente
levantada por Celso Furtado em livro “Brasil: a construção interrompida” (FURTADO, 1992). A reflexão de Plinio
de Arruda Sampaio Jr. sobre o impacto da nova etapa de desenvolvimento capitalista sobre o Brasil desenvolve a
ideia sobre os condicionantes e as consequências do processo de reversão neocolonial (SAMPAIO JR., 1999a).
13
Cf. Sampaio Jr. (1999b, 2007, 2011) e Hadler (2012).
14
Cf. Sampaio Jr. (1999b, 2012a).
4
Esta dissertação está dividida em três capítulos e os anexos. No capítulo 1 será feita
uma revisão bibliográfica dos autores mencionados, precedida de uma pequena apresentação da
problemática da formação, paradigma de compreensão dos problemas da sociedade brasileira que
é usado neste trabalho. No capítulo 2, será mostrado como a nova ordem mundial, marcada pela
transnacionalização do capital e pelo fim da Guerra Fria, compromete o destino das sociedades
dependentes, em particular do Brasil. Será feita breve apresentação do pensamento
neodesenvolvimentista, representante máximo da visão de que o Brasil passou por uma mudança
histórica nos anos 2000, que será contraposta por leituras críticas aos fundamentos do ciclo de
crescimento do período, bem como da natureza de um pensamento desenvolvimentista. O
capítulo é finalizado com uma discussão sobre a natureza do processo de reversão neocolonial e a
tendência à consolidação das burguesias dependentes como “burguesia de negócios”. No capítulo
3, serão apresentados a seleção dos grupos estudados, a metodologia da pesquisa, a síntese da
pesquisa de cada grupo e uma discussão final sobre os resultados. Por fim, serão apresentadas as
considerações finais. Os Anexos A, B, C e D correspondem aos relatórios de pesquisa dos
grupos Cosan, Vale, Gerdau e JBS, respectivamente. São estes anexos que deram base para a
apresentação da síntese da pesquisa no capítulo 3.

5
Capítulo 1: Burguesia brasileira: dependência e negócios

1. Introdução

Este capítulo tem como objetivo delimitar um marco teórico de compreensão sobre o
papel da burguesia brasileira no desenvolvimento nacional. Serão reunidas reflexões sobre qual é
o raio de ação da burguesia brasileira e, dentro dele, quais são as decisões estratégicas e como
isso influencia a dinâmica econômica brasileira, para, com isso, lançar hipóteses sobre qual pode
ser o espaço histórico desta classe no período estudado neste trabalho. Esta tarefa será executada
assumindo como paradigma para a compreensão dos dilemas do desenvolvimento brasileiro a
problemática da formação e resgatando a contribuição de quatro dos grandes pensadores desta
linha, extraindo deles elementos essenciais para o entendimento da burguesia brasileira.
A problemática da formação é o paradigma de uma tradição do pensamento brasileiro
que teve por base a necessidade histórica de constituição de um Estado nacional como saída
construtiva e como solução efetiva para os problemas históricos da sociedade brasileira. Neste
trabalho utilizaremos, especificamente, a leitura feita por Plinio de Arruda Sampaio Jr.
(SAMPAIO JR., 1999a; 1999b; 2012a) sobre o problema da formação15. Em síntese, trata-se de
compreender quais os fatores que bloqueiam a autonomização relativa da sociedade brasileira
frente à totalidade do mundo capitalista, que permitirá concluir a longa transição do Brasil
colônia de ontem para o Brasil nação de amanhã. Deste ponto de vista, a consolidação do Brasil
como nação exige a constituição de bases econômicas, sociais, políticas e culturais que consigam
colocar os meios e os fins do desenvolvimento a serviço da coletividade. Para tanto, faz-se
urgente o enfrentamento da dupla articulação: a dependência externa e a segregação social interna
– os dois nós que atam a sociedade brasileira ao passado, que repõem seus dilemas no presente e
que a ameaçam permanentemente de promover um processo de reversão neocolonial, saída
negativa deste impasse histórico16.

15
Uma boa panorâmica da tradição da formação pode ser encontrada no trabalho de Octavio Ianni (1992). Alguns
trabalhos paradigmáticos da tradição são: Prado Jr. (1942; 1966), Furtado (1959) e Fernandes (1976).
16
Para uma leitura sobre como a noção de reversão neocolonial aparece na tradição da formação, ver Sampaio Jr.
(1999b).
7
O ponto de vista da formação foi um dos mais influentes do pensamento brasileiro e
mesmo latino-americano17 durante o período do século XX marcado pela industrialização por
substituição de importações. Contudo, os acontecimentos motivados na economia pelo
aprofundamento do papel do capital transnacional – e consequentemente dos vínculos de
dependência – e na política pela rodada de ditaduras militares inaugurada pelo Brasil em 1964
abriu espaço para uma revisão na abordagem dos problemas do desenvolvimento, mobilizando
uma abordagem que propunha uma terceira via da conjugação da dependência externa com
desenvolvimento18. À crise do desenvolvimento, como vista pela ótica da formação,
correspondeu uma crise da teoria do desenvolvimento19, que por diferentes caminhos subestimou
os alertas feitos aos limites do desenvolvimento dependente e superestimou as possibilidades do
capitalismo latino-americano, em particular o brasileiro20. As décadas de crise econômica, social
e política que se seguiram aos anos 1970 e os processos acelerados de crise social, rural e urbana,
fiscal e externa, abertura, desnacionalização e privatização, entre outros processos, só deixam
claro que os problemas próprios do subdesenvolvimento e da dependência estiveram e estão
longe de ser resolvidos.
O retorno a alguns dos pensadores da formação se faz necessário e urgente para
ajudar a lançar luz acerca de qual é o raio de ação do capitalismo brasileiro e quais podem ser as
escolhas das classes envolvidas nos conflitos que decidirão o futuro do país. Estudaremos em
particular as contribuições de Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e
Florestan Fernandes acerca dos problemas do país, suas possíveis soluções e em particular o
papel histórico cumprido neste processo pela burguesia brasileira – entendida como a classe
burguesa local, sem qualificativo21. Suas visões contribuirão para montar o marco teórico

17
Na América Latina, o correspondente esforço teórico, intelectual e político do pensamento da formação teve como
expressão a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL).
18
Para conhecer uma obra que sintetiza a inauguração desta nova abordagem, ver Cardoso e Faletto (1970). Para
uma das principais referências dos desdobramentos desta abordagem no pensamento econômico brasileiro, ver as
obras da escola do “Capitalismo Tardio”: Cardoso de Mello (1982), Tavares (1986), Lessa e Dain (1984).
19
Cf. Sampaio Jr. (1999c).
20
Para uma abordagem crítica de uma tradição distinta da formação que também superestimou as possibilidades do
capitalismo brasileiro, ver Marini (1969, 1973a, 1973b, 1977a, 1977b). Para uma crítica às abordagens da
dependência de Cardoso e Marini por uma ótica da formação, ver Hadler (2013).
21
Como já foi mencionado na introdução desta dissertação, por burguesia brasileira entendemos a classe capitalista
local, o que não é idêntico a uma burguesia nacional, que é uma categoria de análise carregada de qualificações. Ver
adiante o item sobre Sodré.
8
necessário para buscar as explicações dos fenômenos que encontramos na pesquisa empírica
realizada no trabalho. A conclusão fundamental é que a burguesia brasileira é uma classe cuja
constituição histórica e suas bases objetivas e subjetivas a levam a ser dependente do capital
internacional. Dentro desta dependência, cujos termos variam de acordo com os condicionantes
de cada período histórico, a burguesia possui um papel ativo caracterizado por uma estratégia
rentista e especulativa de aproveitamento e geração de negócios em cima dos dinamismos
irradiados pelo imperialismo, utilizando da superexploração do trabalho, dos recursos naturais e
dos vínculos com o Estado. O problema é quando os condicionantes externos se tornam
desfavoráveis, tornando a economia nacional suscetível a crises de reversão.
Este primeiro capítulo se divide em três seções além desta introdução. No item 2,
apresentaremos em linhas breves o que entendemos por problemática da formação, paradigma
que fundamenta a forma de compreender os problemas brasileiros de todo o trabalho. No item 3,
serão apresentadas, em quatro subitens, as visões de Sodré, Prado Jr., Furtado e Fernandes. No
item 4 e último, será feita a reflexão que tentará extrair das contribuições apresentadas as linhas
mestras para interpretação das possibilidades e limites do papel da burguesia brasileira no
desenvolvimento do país.

2. A problemática da formação

A problemática da formação22 explica os dilemas do Brasil contemporâneo à luz do


processo – e dos bloqueios ao processo – de constituição de um Estado nacional capaz de
conciliar capitalismo, democracia e soberania. Sob esta ótica, a conclusão da transição do Brasil
colônia para o Brasil nação - uma formação social relativamente diferenciada do todo e portadora
de força própria e existência autônoma - emerge como necessidade histórica para a resolução dos
problemas crônicos que prendem o país ao círculo da dependência externa, da desigualdade
social, da instabilidade e do autoritarismo. O nó reside no fato de que a constituição das bases da
formação é permanentemente bloqueada pela dupla articulação que polariza as sociedades

22
A “problemática da formação”, como está apresentada neste trabalho, deriva das interpretações de Caio Prado Jr.,
Florestan Fernandes e Celso Furtado sobre o Brasil, resgatadas na tese de Sampaio Jr. (1999a). Também está
presente de forma sintética em dois trabalhos, um contemporâneo da tese (SAMPAIO JR., 1999b) e em sua versão
mais recente (SAMPAIO JR., 2012a).
9
dependentes: a condição de dependência econômica e política do capital internacional e a
segregação social. Diante disto, compreender como o processo histórico de formação pode atingir
sua conclusão, a revolução brasileira, exige uma reflexão teórica que explique os parâmetros de
funcionamento do Estado nacional e uma leitura histórica capaz de explicar os problemas do
presente à luz do passado. É de posse destes elementos que se torna possível propor um programa
de transformações e identificar o conjunto de forças historicamente comprometidas e capazes de
levar a revolução brasileira até fim, evitando que a formação inconclusa leve à uma outra saída
histórica, regressiva: a reversão neocolonial.
Fruto do amadurecimento da reflexão de pensadores brasileiros frente às
transformações pelas quais passa o Brasil no século XX, em especial a partir dos anos 1930, o
problema da formação da nação polarizou a consciência crítica e política nacional sobre a
natureza das contradições econômicas, sociais e culturais, suas origens na permanência de traços
do passado colonial e sobre a possibilidade desta sociedade controlar os meios e os fins de seu
destino23. As mais distintas visões de matrizes diferentes que se somaram nesta elaboração
convergem para a necessidade de entender a especificidade da condição histórica brasileira,
entendem ser necessária a integração do conjunto da sociedade às modernas conquistas materiais
e culturais e concluem serem necessárias transformações de fundo, estruturais, para atingir tais
objetivos24.

23
"O pensamento brasileiro polariza-se em torno do problema central de sua formação econômica e social: a
necessidade de consolidar as condições objetivas e subjetivas que permitam à sociedade controlar o seu destino"
(SAMPAIO JR., 2012a: p. 30). “Desde a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, mas em escala
crescente ao longo das décadas posteriores, muito estavam preocupados com a questão nacional. Interessados em
recriar o país à altura do século XX. Queriam compreender quais seriam as condições e possibilidades de progresso,
industrialização, urbanização, modernização, europeização, americanização, civilização do Brasil. Apaixonados ou
indiferentes, aflitos ou irônicos, perguntavam-se sobre os dilemas básicos da sociedade nacional, de uma nação que
se buscava atônita depois de séculos de escravidão: agrarismo e industrialização; cidade, campo e sertão; preguiça,
luxúria e trabalho; mestiçagem, arianismo e democracia racial; raça, povo e nação; colonialismo e nacionalismo;
democracia e autoritarismo” (IANNI, 1992: p. 26).
24
"Os que refletiram sobre os desafios da formação a partir de uma perspectiva democrática, de um modo ou de
outro, vincularam a construção do Estado nacional à integração do conjunto da população, em condições de relativa
igualdade, aos avanços técnicos e aos valores humanistas da era moderna. Acima de suas diferenças teóricas,
históricas e ideológicas, um denominador comum unifica esta visão: a idéia de que os problemas do país não serão
resolvidos sem transformações socioculturais profundas, que criem as bases de uma sociedade eqüitativa e
autoreferida" (SAMPAIO JR., 1999b: p. 416). E ainda: "O pensamento sobre a formação é organizado pela
contraposição de dois estados latentes na sociedade dependente: a condição de barbárie que se deseja evitar e o
projeto civilizatório que se pretende alcançar. O desafio das sociedades que lutam pela construção nacional
materializa-se na necessidade de superar o presente sombrio de um povo que não consegue ultrapassar a condição de
10
Em linhas gerais, a questão é a incapacidade de o Brasil se autonomizar frente ao
todo, concluir a transição da colônia à nação25 e romper a dupla articulação que condiciona a
perpetuação do subdesenvolvimento: as relações subordinadas frente ao capital internacional e a
segregação social. O mecanismo de perpetuação da condição transitória do Brasil pode ser assim
resumido:
A questão central reside na continuidade de relações de produção que comprometem a
instauração das condições necessárias, objetivas e subjetivas, para a internalização do
circuito de valorização do capital. Em última instância, o problema fica reduzido à
impossibilidade de consolidar a burguesia e o proletariado como sujeitos históricos
plenamente constituídos. O controle dos elos estratégicos da economia pelo capital
internacional e a presença de uma imensa superpopulação relativa em estado latente e
intermitente ou que simplesmente se encontra em estado de pauperismo geram um vazio
econômico e social que impede a internalização do circuito de valorização do capital.
Nessas condições, a formação do proletariado e da burguesia como sujeitos históricos
capazes de lutar pelos seus interesses estratégicos como classe social é solapada pela
reprodução de um padrão de relação entre as classes sociais marcado pela segregação
social e pela extraordinária debilidade econômica e política da burguesia em relação às
suas congêneres do capitalismo avançado. A impotência da burguesia para enfrentar o
imperialismo e a cristalização de um regime de classes que separa, em dois mundos
antagônicos, as classes proprietárias e não proprietárias levam o padrão de concorrência
econômica e de luta de classes a reproduzir as condições objetivas e subjetivas que
solapam a formação da economia e da sociedade nacional. As especificidades do padrão
de acumulação de capital e de dominação de classe daí decorrentes imprimem ao
desenvolvimento capitalista características próprias que comprometem seu caráter
civilizatório (SAMPAIO JR., 2012a: p. 32).
A saída histórica possível e necessária é a revolução brasileira, conclusão do processo
de formação de um Estado nacional. Nesta visão, a noção de desenvolvimento é intrinsecamente
ligado à constituição de um Estado nacional, pois este é o instrumento por excelência que as
sociedades possuem para se defender das tendências antissociais e disruptivas do capitalismo na
etapa imperialista26. No entanto, a consolidação do Estado nacional não é um objetivo tomado a
priori, nem é uma fatalidade histórica. Em sociedades como a brasileira, com problemas
estruturais (os dilemas da formação) e um conjunto de conflitos que tendem a repor tais questões,

subnação e de aproximar-se de uma situação paradigmática, associada ao funcionamento ideal do Estado nacional”
(SAMPAIO JR., 1999b: p. 415).
25
Para a leitura do sentido da História do Brasil como processo de transição da colônia para a nação, ver Prado Jr.
(1942).
26
“Nesta abordagem, o espaço nacional não passa de um instrumento para proteger a coletividade dos efeitos
destrutivos das transformações que se irradiam desde o centro do sistema capitalista mundial e para planejar a
internalização das estruturas e dos dinamismos da civilização ocidental de modo condizente tanto com o aumento
progressivo do grau de autonomia e criatividade da sociedade, quanto com a elevação da riqueza e do bem-estar da
totalidade do povo. Pensada como um centro de poder que condensa a vontade política da coletividade, a forma
nacional é aqui - única e exclusivamente - um meio das sociedades que vivem sobredeterminadas pelo campo de
força do sistema capitalista mundial controlarem o seu tempo histórico” (SAMPAIO JR., 1999b: p. 417).
11
a nação emerge como necessidade histórica para que possam se defender das tendências
desagregadoras vindas de fora e de dentro27. Não se trata de um problema de como compreender
ou impulsionar o desenvolvimento capitalista28, mas sim de colocá-lo a serviço dos interesses
maiores da coletividade, de lhe impor limites, de subordiná-lo ao Estado nacional e à vontade
coletiva nele inscrita. Por isso que é tão importante entender teoricamente como pode funcionar
um Estado nacional e quais são os condicionantes históricos, concretos, da existência dos Estados
na periferia latino-americana e, mais precisamente, no Brasil.
O fundamental, desta forma, é compreender quais são os parâmetros que norteiam
teoricamente a constituição de um Estado nacional29, entendido como uma formação social
relativamente diferenciada, com uma autonomia perante a totalidade e portadora de força própria
e existência autônoma. Uma referência para entender esta questão é Furtado (1981) que explica o
desenvolvimento como um processo de adequação entre meios e fins de uma sociedade 30. A
adequação passa fundamentalmente pela correspondência entre estruturas econômicas e
estruturas sociais. As estruturas econômicas são caracterizadas pelo processo de inovação,
baseado na constituição de um sistema econômico nacional integrado e fundado na
industrialização (incorporação de progresso técnico) e na concorrência. As estruturas sociais são
caracterizadas pelo equilíbrio de forças entre capital e trabalho que dê condições objetivas e
subjetivas (organização sindical e política) de os trabalhadores imporem a difusão dos ganhos de
produtividade (salários reais e direitos coletivos). O mercado interno é o início e o fim do sistema
econômico nacional e é o que permite a reprodução ampliada do capital e a força econômica
necessária para a ascensão de uma burguesia nacional. No centro do processo, comandando o
todo, devem existir centos internos de decisão, submetidos à vontade coletiva (suposta

27
“Enfim, a nação surge como produto de uma necessidade histórica. Sua formação é o resultado das forças sociais
que se mobilizam para enfrentar os problemas que decorrem da falta de instrumentos para impor parâmetros sociais
ao desenvolvimento capitalista. Não se trata de um destino manifesto determinado metafisicamente. O processo de
formação é um início, o marco zero de um ciclo histórico, que aponta para um devenir possível, que pode ou não se
realizar” (SAMPAIO JR., 2012: p. 33).
28
No Brasil, o desenvolvimento capitalista atinge uma larga expressão em termos de relações de produção e de
desenvolvimento de forças produtivas, a despeito das debilidades legadas pela sua ocorrência sob o solo de uma
sociedade de origem colonial. Não é um problema, desta forma, de “insuficiência” de desenvolvimento capitalista,
mas dos resultados deletérios do ponto de vista da integração nacional, social e regional.
29
Para uma elaboração mais completa sobre esses parâmetros, consultar o capítulo 2 de Sampaio Jr. (1999a).
30
Furtado (1981) mostra o desenvolvimento como adequação entre racionalidade substantiva e racionalidade
instrumental (prefácio). Seu modelo de desenvolvimento, a diáletica inovação-difusão, é mostrada no capítulo 5.
12
democrática) e de posse de instrumentos e força para fazer política econômica e planejamento.
Amparada por uma força econômica – técnica e financeira – de bases nacionais que a permitam
enfrentar a concorrência externa e suportada por um Estado com capacidade de executar política
industrial, a burguesia nacional se torna protagonista do desenvolvimento capitalista. Neste tipo
ideal construído por Furtado, há condições de conciliar o progresso material do capitalismo com a
integração e soberania nacionais.
Do ponto de vista histórico, o problema é o de identificar os fatores que bloqueiam a
formação do Estado nacional, a sua origem e a maneira de superá-los. Da independência à
abolição, da imigração à industrialização, o Brasil acumulou passos, mas não atingiu a condição
de nação31. O país não superou aquilo que de essencial herdou do passado colonial, que repõe
permanentemente sua condição transitória e que, por isso mesmo, torna tão importante o estudo
da História para os problemas do desenvolvimento32: a dependência externa e a segregação
interna. O problema se torna mais grave quando estes dois fatores – a “dupla articulação” de
Florestan Fernandes – se cristalizaram como base do capitalismo brasileiro, constituído como
capitalismo dependente, dando à revolução burguesa no Brasil um caráter de contrarrevolução
permanente a partir de 196433. Embora a estabilidade política adquirida pela dominação burguesa,
dados condicionantes muito especiais do momento, tenha permitido abafar as contradições que
mobilizam a formação, ela não foi capaz de resolvê-las. As tendências à saída destrutiva para o
impasse, a reversão neocolonial, voltam com força redobrada na medida em que muda o caráter

31
“O Brasil ainda não é propriamente uma nação. Pode ser um Estado nacional, no sentido de um aparelho estatal
organizado, abrangente e forte, que acomoda, controla ou dinamiza tanto estados e regiões como grupos raciais e
classes sociais. Mas as desigualdades entre as unidades administrativas e os segmentos sociais, que compõem a
sociedade, são de tal monta que seria difícil dizer que o todo é uma expressão razoável das partes – se admitirmos
que o todo pode ser uma expressão na qual as partes também se realizam e desenvolvem” (IANNI, 1992, p. 177).
32
No caso brasileiro, e em favor da preferência pela abordagem historiográfica da questão do desenvolvimento, há
que acrescentar o pequeno recuo no tempo de nossa história e a intensidade com que por isso um passado ainda tão
recente pesa na situação atual cuja análise e interpretação não podem assim prescindir de suas premissas históricas.
(…) o Brasil de hoje, apesar de tudo de novo e propriamente contemporâneo que apresenta – inclusive estas suas
formas institucionais modernas, mas ainda tão rudimentares quando vistas em profundidade – ainda se acha
intimamente entrelaçado com o seu passado. E não pode por isso ser entendido senão na perspectiva e à luz desse
passado (PRADO JR., 1972, p. 18).
33
Esta leitura está desenvolvida em Fernandes (1973), Fernandes (1974) e particularmente Fernandes (1976).
13
das estratégias do grande capital internacional que possibilitaram a industrialização brasileira34 e
o contexto político de Guerra Fria que tornou a burguesia brasileira uma aliada necessária35.
A longa crise pela qual passa o Brasil desde os anos 1980 recoloca na agenda
brasileira a compreensão de como o impasse da formação se manifesta hoje, como as tendências
de reversão neocolonial solapam as bases objetivas e subjetivas constituídas para o Estado
dependente e como condiciona a atuação das classes. Estes são os desafios do pensamento crítico
comprometido com os dilemas da formação e é dentro deste quadro que este trabalho busca dar
uma contribuição36.

3. A burguesia brasileira sob a ótica da formação

O objetivo deste trabalho é compreender que papel tem cumprido a burguesia


brasileira no desenvolvimento brasileiro atual, em particular a sua base material e sua estratégia
de acumulação. Para isso, buscamos resgatar que papel esta burguesia brasileira, entendida como
a burguesia local e não como uma burguesia nacional37, cumpriu ao longo do nosso
desenvolvimento, em particular no meio século de 1930 a 1980, período que animou debates
sobre os rumos do país. Em particular, desejamos entender como esta burguesia participou do
processo de formação, de modo a jogar luz no que pode ser seu comportamento atual,
considerados os determinantes – profundos – legados do passado.
Nossa referência para uma burguesia comprometida com o desenvolvimento nacional
é a do modelo apresentado no item anterior. Esta burguesia tem como principal caractere dirigir
um sistema econômico nacional, uma estrutura integrada, baseada na indústria e cujo mercado
estratégico é o interno38. É a interação desta burguesia com o mercado interno – suposto baseado
no equilíbrio da correlação de forças entre capital e trabalho – que lhe impulsiona a inovar

34
Ver Furtado (1987; 1992). Para uma visão global de Furtado sobre o tema, ver Hadler (2012).
35
Ver Sampaio Jr. (1999b: pp. 434-436).
36
Ver Furtado (1992) e, na mesma perspectiva, Sampaio Jr. (1999).
37
O termo “burguesia nacional” é uma categoria que carrega uma profunda caracterização sobre o papel, as
possibilidades e o destino da burguesia brasileira. A polêmica a respeito dela pode ser sintetizada no confronto entre
as posições de Nelson Werneck Sodré e Caio Prado Jr., como será mostrado adiante. Por isso utilizaremos o termo
“burguesia brasileira”.
38
Não quer dizer que as burguesias nacionais não possam extroverter seu desenvolvimento, mas que sua força reside
em especial no seu mercado interno.
14
(ampliar a produtividade) e o que a força à difusão (generalizando e socializando os ganhos de
produtividade). Orquestrado por um Estado nacional capaz de fazer política econômica e
industrial, com poder de decisão, o sistema econômico dá base financeira e técnica para esta
burguesia enfrentar a concorrência internacional. O modelo serve como uma referência teórica
para confrontar os requisitos exigidos por uma burguesia nacional, comprometida com o
desenvolvimento, com a burguesia brasileira.
Para extrair os traços fundamentais da burguesia brasileira, reuniremos e debateremos
o pensamento de quatro grandes pensadores comprometidos com a formação. Nelson Werneck
Sodré sintetiza o pensamento do PCB e de uma parcela dos nacionalistas comprometidos com a
revolução brasileira nos marcos nacionais e democráticos, liderados por uma burguesia nacional.
Na crítica à tese anterior, Caio Prado Júnior busca no sentido da história a chave para os dilemas
da revolução brasileira e conclui que a burguesia brasileira não é nacional, mas subordinada,
associada e oportunista frente aos negócios do grande capital internacional. De uma matriz de
pensamento reformista, Celso Furtado explica como uma burguesia cultural e economicamente
dependente das empresas transnacionais subordina a industrialização à modernização dos padrões
de consumo e é incapaz de promover a superação do subdesenvolvimento. Por fim, Florestan
Fernandes, teórico da revolução burguesa no Brasil, explica como a cristalização da dupla
articulação é necessária à perpetuação da dominação da burguesia dependente, que é impotente
para fora, mas onipotente para dentro, capaz de manejar a superexploração do trabalho, dos
recursos naturais e o Estado em benefício próprio.

3.1. Nelson Werneck Sodré: burguesia nacional na revolução democrática e nacional

Nelson Werneck Sodré39 foi um importante teórico da revolução brasileira,


contribuindo decisivamente na elaboração da via da revolução democrática e nacional. Nesta
concepção, a revolução passaria por uma etapa dirigida pela burguesia nacional e apoiada pelas
classes populares contra o latifúndio e o imperialismo, antes de atingir o socialismo. Para explicá-

39
Nelson Werneck Sodré (1911-1999) foi militar, historiador e escritor. Chegou a ser general do Exército, saindo
reformado em 1961. Integrou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) desde seu início até sua extinção,
em 1964, com o golpe militar (TOLEDO, 1998). Sua obra exerceu grande influência teórica sobre o Partido
Comunista Brasileiro (PCB).
15
la, é preciso remontar às diretrizes fundantes do Partido Comunista do Brasil (PCB), partido
sobre o qual o autor exerceu relevante influência e cujo programa ele assimilou e desenvolveu em
sua obra.
A Internacional Comunista (ou III Internacional), organização da qual o PCB era
representante no Brasil, formulou em seu VI Congresso em 1928 uma leitura comum para o
conjunto dos países de baixo desenvolvimento econômico:
Sob o influxo do BSA/IC [Birô Sul-Americano da Internacional Comunista] e com a
disponibilidade dos comunistas brasileiros conformou-se então uma genérica visão que
não discernia a particularidade das formações sociais desse Ocidente subalterno que é a
América meridional e que, pelo contrário, observava no Brasil fortes tinturas “orientais”,
enfatizando-se a força revolucionária propulsora do campesinato: era como se o Brasil
fosse a China do Ocidente (DEL ROIO, 2000: p. 87).
Neste quadro, antes de chegar à revolução socialista, tais países teriam que passar por
uma etapa necessária de afirmação do desenvolvimento capitalista nacional.
O caráter da revolução brasileira era definido como democrático-burguês, mas dentro
de um país ‘semicolonial’. Sua particularidade se compunha pela questão agrária (luta contra o
feudalismo e a grande propriedade territorial) e pelo antiimperialismo (luta pela independência
nacional) (DEL ROIO, 2000: p. 87).
A “revolução democrático burguesa de conteúdo antifeudal e antiimperialista”
conduziria a um "regime democrático popular”, etapa anterior à revolução socialista
propriamente dita (IANNI, 1984: p. 47). A luta pelo desenvolvimento e pelo domínio de forças
produtivas e relações de produção capitalistas capaz de inaugurar esse estágio histórico –
conclusão da revolução brasileira – sintetiza o problema brasileiros para o PCB e para Nelson
Werneck Sodré40.
A dificuldade dessa revolução, afirmava Sodré, é que se passaria em um país de
origem colonial e já sob a fase imperialista do capitalismo. Em “Introdução à Revolução
Brasileira” (SODRÉ, 1967), faz uma avaliação otimista da formação nacional após décadas de
transformações econômicas, dentre as quais menciona: a ampliação de novas técnicas no
transporte, na agricultura, na indústria etc., embora com difusão desigual “por força da estrutura
colonial a que estávamos subordinados”; as novas fontes de energia, como o carvão mineral e a

40
Embora Sodré fosse um destacado elaborador teórico do programa pecebista, sua obra não é idêntica à tradição da
terceira internacional ou dos documentos políticos do PCB (DEL ROIO, 2000: pp. 100-102).
16
energia hidroelétrica, embora dependente de importações do primeiro e da exploração do segundo
por capitais estrangeiros; as alterações no comércio exterior, mais focadas as importação de
máquinas e insumos industriais do que nas exportações, ainda concentrada no café e em outros
gêneros primários; e, enfim, a industrialização, cujo impressionante crescimento fez seu produto
superar o do setor agrícola, com correspondente ampliação do mercado interno (SODRÉ, 1967: p.
103-5). Persistiam, entretanto, diversos desequilíbrios estruturais que ameaçavam impedir a
revolução burguesa, como a existência:
(...) de massa camponesa numericamente preponderante e principal como produtora de
bens econômicos; de numerosa pequena burguesia, com função política destacada; de
proletariado pouco numeroso mas crescente, com formas de organização em
desenvolvimento mas ainda fracas; de burguesia recente, ascensional, com amplas
perspectivas nacionais. Externamente (...) de um lado, o imperialismo (...)
particularmente , em nossos dias, dos Estados Unidos; e, de outro lado, de um país, hoje
de alguns países onde se operou a construção do socialismo (SODRÉ, 1967: p. 245)
No final dos anos 1950, uma série de pontos de execução fundamental para a
revolução era indicada: desenvolvimento técnico e das fontes energéticas; industrialização e
ampliação do setor estatal na economia para ampliar o mercado interno; mudança no padrão do
comércio exterior e a luta contra o imperialismo (SODRÉ, 1967: p. 112). Dez anos depois, o
autor afirmava que o significado da luta pelas reformas de base seria o de “(...) liquidar a
dominação imperialista em nossa economia, liquidar o poder dos latifundiários como classe,
[levar] à ampliação da base democrática do poder” (SODRÉ, 1967: p. 231). Em sua opinião, a
revolução democrática e nacional ainda era possível, justa e necessária.
Para uma realização acertada dessas tarefas, era necessária uma análise detida da luta
de classes no país que, segundo o PCB, se polarizava em duas frentes: de um lado, o
imperialismo, apoiado pelo latifúndio e na parcela dependente da burguesia brasileira; do outro, o
polo da revolução, composto pela burguesia nacional e pelas classes populares (proletariado e
campesinato); no período do pós-guerra, tal análise incorporou o fortalecimento de um setor
estatal em conflito com o imperialismo e articulado com a burguesia nacional (IANNI, 1984: pp.
48-9).
Nessa interpretação, é central o papel da burguesia nacional, entendida como “(...) a
fração da burguesia objetivamente interessada na exploração do mercado nacional e,
conseqüentemente, na eliminação do domínio dos monopólios imperialistas sobre esse mercado”

17
(SODRÉ, 1964: p. 368). A ela, e em especial à sua fração industrial, cabe o papel de vanguarda
da revolução com uma dupla tarefa de luta, anti-imperialista e anti-latifundiária.
Aprofundando essa análise em “História da Burguesia Brasileira” (SODRÉ, 1964),
Sodré esclarece que no tocante ao latifúndio, a burguesia passara da etapa de coexistência à de
antagonismo: liquidar a primeira já era uma necessidade para a segunda. O latifúndio brasileiro
fundava-se em relações de produção pré-capitalistas, feudais, opostas à constituição de um
mercado interno moderno. Durante largo período, essa classe esteve no poder, contrastando sua
pujança econômica com as debilidades da economia para o mercado interno e manejando sua
influência sobre o Estado para defender-se via “socialização dos prejuízos”. E, mesmo
considerando concluída a ascensão da burguesia à classe dominante, o latifúndio manteve
impressionante poder baseado na associação de interesses com o imperialismo, uma força que
não se poderia subestimar ou desconhecer:
Os vínculos entre latifúndio e o imperialismo, assim, são muito fortes, e a burguesia, em
sua contradição com o monopólio da terra e com o que ele representa como
estreitamento de mercado e obstáculo à generalização de relações capitalistas, é obrigado
a considerar que atrás do latifúndio está o imperialismo e que, portanto, o latifúndio,
débil quando encarado isoladamente, tem poderes que a razão não pode desconhecer
(SODRÉ, 1964: p. 350).
Portanto, para ampliar o mercado interno, acabando com a servidão via reforma
agrária e garantindo o apoio camponês, a burguesia deveria enfrentar o latifúndio. E isso ela não
poderia fazer sem enfrentar, também, o imperialismo.
Dessa forma, o imperialismo aparece como principal inimigo da burguesia brasileira
na revolução. No primeiro momento, ele buscou controlar o comércio exterior e as finanças, as
fontes de matéria-prima e alguns setores de transporte, sufocando a burguesia nascente e
reforçando o caráter colonial da economia. Mas com a mudança da composição do comércio
internacional, o imperialismo altera sua estratégia para disputar também o mercado interno, via
investimentos diretos, em especial na indústria (segunda metade dos anos 1950). E é nesta nova
fase que o imperialismo aprofunda a especialização da economia nacional, se beneficia de altos
lucros, subsídios e incentivos estatais e da remessa de vultosos lucros para os países de origem.
Para isso, ele se apoia no latifúndio, na burguesia mercantil (setor sócio dos negócios
imperialistas) e na parcela associada ou dependente da burguesia industrial. Da aliança, está
excluída a outra parcela, nacional, da burguesia industrial.

18
Porém, o problema reside no fato de a burguesia estar no poder, mas não executar sua
revolução até o final. Como diz Sodré (1964: p 364): “As suas vacilações e concessões decorrem
de sua debilidade face ao imperialismo, e não de seus interesses, que são contrários aos do
imperialismo”. Diz ainda:
Seguir uma política econômica e financeira de conciliação com o Imperialismo,
descarregando o fardo na classe trabalhadora e nas camadas médias é, para a burguesia,
decorrência da correlação de forças. Na medida em que as forças populares resistirem a
uma solução desse tipo, a sua única saída consistirá em enfrentar o Imperialismo
(SODRÉ, 1964: p. 365).
A chave para o sucesso da revolução passaria, então, pela relação estabelecida entre
burguesia e proletariado. Para o proletariado, não é possível subestimar a força das posições anti-
imperialistas e antifeudais e superestimar o potencial revolucionário da burguesia. Aliado ao
campesinato (ainda atrasado, mas em processo de ascensão política), o proletariado divergia da
burguesia por estar mais interessado no caráter democrático da revolução. Mas Sodré sustentava
que as forças populares poderiam e deveriam apoiar a burguesia nacional para superar suas
vacilações e a ideologia anticomunista propagada pelo imperialismo, levando até o fim a
revolução.
Estava em jogo o futuro da revolução democrática e nacional e a própria existência do
Brasil enquanto nação. Ele conclui este texto com um desafio: “(...) não é o proletariado, nem é o
campesinato, que está com a sua sorte de classes em jogo. É a burguesia que está decidindo seu
próprio destino”. (SODRÉ, 1964: p. 379).

3.2. Caio Prado Júnior: burguesia subordinada e oportunista

A obra de Caio Prado Júnior41 (1907-1990) é outro marco no debate sobre a


revolução brasileira, com destaque à compreensão das origens e dos problemas de formação do
Brasil contemporâneo. Mesmo sendo militante do PCB, ele dedicou-se a criticar as concepções
tradicionais do partido: Caio Prado negou por completo as teses de “restos feudais” no Brasil, a
estratégia de apoio e a própria existência da suposta burguesia nacional. O livro A Revolução

41
Caio Prado Júnior (1907-1990) foi professor de direito, escreveu sobre economia, filosofia e história, terreno onde
mais se destacou intelectualmente. Militou e foi deputado estadual em São Paulo pelo PCB em 1947-48.
19
Brasileira (1966), é o acerto de contas com essas concepções e a base para apresentação de sua
ideia de revolução.
Caio Prado dedicou parte de sua obra para a crítica aos dogmatismos metodológicos
presentes nas teorias do desenvolvimento econômico (PRADO JR., 1972) e nos programas do
marxismo e da esquerda brasileira, em especial do PCB (PRADO JR., 1966). O dogmatismo,
afirma o autor, foi responsável pela transplantação mecânica de análises baseadas em outras
realidades históricas42, originando concepções e programas equivocados. Contra isso, o autor faz
um esforço de retorno à história e sintetiza seu método como sendo o de: “(...) pesquisar na
evolução histórica brasileira e na formação econômica e social do país, algumas premissas
essenciais da problemática atual” (PRADO JR., 1972: p. 17). Isso por que acreditava que o Brasil
“(...) ainda se acha intimamente entrelaçado com o seu passado. E não pode por isso ser
entendido senão na perspectiva e à luz desse passado” (Idem: p. 18).
Em Caio Prado Jr., a síntese da história do Brasil está no longo e profundo
movimento de superação do passado colonial para a constituição de uma nação, que o leva a
compreender o problema do “sentido da colonização”, exposto em Formação do Brasil
Contemporâneo (PRADO JR., 1942). Para ele, o Brasil esteve inscrito desde o seu início nos
processos de expansão do capital mercantil europeu e de constituição do capitalismo como modo
de produção dominante mundial43. Como a economia colonial foi constituída em função dos
interesses da metrópole, com base na plantation (produção de gêneros primários para exportação
em latifúndios monocultores) com trabalho escravo e técnicas rudimentares e predatórias, o país
sempre significou um grande negócio para a metrópole (e posteriormente para o imperialismo).
No processo de superação do passado colonial, se destacam quatro marcos históricos
no século XIX. O primeiro é a independência política em 1822, que a despeito da manutenção da
dependência externa sob a tutela inglesa foi o primeiro passo na constituição de um Estado
nacional (com centralização política, constituição de finanças públicas etc.). Segundo, o fim do
tráfico de trabalhadores africanos em 1850, diretamente ligado aos outros dois aspectos: a

42
PRADO (1966: p. 36) mostra que foi assumido de maneira geral que o conjunto de países coloniais, semicoloniais
ou dependentes se aproximaria da formação social da China e desse movimento foram desdobrados programas e
estratégias para partidos comunistas de diversos países do “terceiro mundo”.
43
O que não é igual a afirmar, como muitos leitores de Caio Prado o fazem incorretamente, que o autor considerasse
o Brasil capitalista desde a colônia.
20
imigração de trabalhadores europeus a partir de 1875, aproximadamente, e a abolição do trabalho
escravo em 1888. Do ponto de vista das forças produtivas, destaca-se seu largo desenvolvimento,
particularmente a produção de café. Contudo, a ampliação súbita do mercado interno escancarou
as fragilidades da economia de tipo colonial, incapaz de suprir mesmo os gêneros essenciais a sua
população e fundada em baixíssimos patamares do custo de reprodução da mão-de-obra. Ainda
sim, frisa Caio Prado, o período foi marcado pela integração de uma gigantesca massa de
trabalhadores, outrora apenas força física explorada, no mercado interno e conclui: “Superava-se,
assim, definitivamente, a natureza e a estrutura colonial da sociedade brasileira, abrindo caminho
para a sua completa integração nacional” (PRADO JR., 1966: p. 85).
Todavia, havia dois problemas em aberto. O primeiro dizia respeito ao caráter
estruturalmente colonial da economia brasileira, primitivo e organizado para exportar gêneros
primários, contrastando com as necessidades dos trabalhadores e até as da elite, atendidas
somente por importações. A despeito do processo de diferenciação produtiva e industrialização
que ocorrem desde fins do século XIX e em especial a partir dos anos 1930, permanecem severos
traços que repõem em novas bases o padrão produtivo controlado desde fora e em função dos
interesses externos44. Considerada por Prado Jr. um processo positivo dentro da formação até
meados do século XX, a industrialização no pós-guerra passa a ser encarada como vetor da
renovação da vulnerabilidade externa e da desintegração nacional (SAMPAIO JR., 1999b: pp.
420-421). Os problemas residem no caráter desta industrialização por substituição de
importações, voltada para um mercado restrito à elite, pelo controle dos seus elos estratégicos
pelos trustes internacionais e, corolário do dois primeiros pontos, o reforço do dualismo entre um
setor vinculado ao mercado externo e outro ao interno. A indústria controlada pelos trustes
precisa de setores exportadores para gerar superávit comercial e dele extrair a moeda
internacional que remunerará os investimentos internacionais – daí o vínculo estratégico entre
investimentos externos e o padrão produtivo de tipo colonial, baseado em gêneros primários,
latifúndio, trabalho barato, recursos naturais e exportações:

44
“A diversificação das atividades produtivas e a industrialização – sobretudo esta última, com os efeitos e estímulos
que comporta e que o Brasil agrário do passado desconhecia inteiramente – trarão grandes modificações da economia
brasileira, e representam sem dúvida um passo considerável no sentido da superação do velho sistema de colônia
produtora de gêneros de exportação. Mas doutro lado, reforça de certo modo esse sistema, e o renova sobre outras
bases que, nem por serem diferentes das antigas, livram a economia brasileira das contradições que embaraçam o seu
desenvolvimento e sua definitiva libertação (PRADO JR., 1966: p. 88).
21
Observamos aqui muito bem a ligação do imperialismo com o nosso sistema colonial,
fundado na exportação de produtos primários, pois é dessa exportação que provém os
recursos com que o imperialismo conta para realizar os lucros que são a razão de ser de
sua existência. Considerada do ponto de vista geral, do imperialismo, a economia
brasileira se engrena no sistema dele como fornecedor de produtos primários cuja venda
nos mercados internacionais proporciona os lucros dos trustes que dominam aquele
sistema. Todo funcionamento da economia brasileira, isto é, as atividades econômicas do
país e suas perspectivas futuras, se subordinam assim, em última instância, ao processo
comercial em que os trustes ocupam hoje o centro. Embora numa forma mais complexa,
o sistema colonial brasileiro continua em essência o mesmo do passado, isto é, uma
organização fundada na produção de matérias-primas e gêneros alimentares demandados
nos mercados internacionais. É com essa produção e exportação que fundamentalmente
se mantém a vida do país, pois é com a receita daí proveniente que se pagam as
importações, essenciais à nossa substância, e os dispendiosos serviços dos bem
remunerados trustes imperialistas aqui instalados e com que se pretende contar para a
industrialização e desenvolvimento econômico. (PRADO JR., 1966: p 89).
O segundo ponto era a reminiscência do sistema colonial nas relações de trabalho e
no estatuto do trabalhador rural. A questão agrária para Prado Jr. (1966: pp. 100-101) residia no
fato de que os baixos salários dos trabalhadores rurais (praticamente desprovidos de direitos e
condições de reivindicá-los) equivaliam a um custo de vida correspondentemente baixo,
denominador comum de interesses do imperialismo e da burguesia.
E é no ponto da questão agrária que o autor passa à crítica aberta das concepções
pecebistas sobre o “feudalismo” no Brasil:
O que existe e tem servido de exemplificação e comprovação do ‘feudalismo’ brasileiro
são remanescentes das relações escravistas, o que é bem diferente, tanto no que respeita
à natureza institucional dessas relações, como, e mais ainda, no que se refere às
conseqüências de ordem econômica, social e política daí decorrentes (PRADO JR.,
1966: p. 104).
Ele esclarece exaustivamente que as relações de produção no campo eram
majoritariamente capitalistas, organizadas por empresas comerciais e com assalariamento, e que
as relações não-capitalistas (como o colonato, a parceria e a meação) nada tinham em comum
com a servidão feudal. O primitivismo das forças produtivas no campo se explicava pela
insuficiência financeira, pelas deficiências do aparelhamento comercial e pelo baixo nível cultural
dos empresários e o patamar reduzido de consciência de classe do trabalhador rural etc. (PRADO
JR., 1966: pp. 107-108).
O latifúndio (grandes proprietários, fazendeiros, etc.) seria na verdade uma “legítima
burguesia agrária” (PRADO JR., 1966: p. 108), com negócios no campo ou outras atividades
quaisquer. E, diferentemente do que afirmava a teoria equivocada, não havia qualquer prova de
inclinação específica ao imperialismo; pelo contrário, havia até espaços de conflitos, como os dos
22
cafeicultores com as firmas comerciais internacionais, ou dos pecuaristas com os frigoríficos etc.
(IDEM: p. 110-111).
Quanto ao caráter da burguesia brasileira, outro ponto central da tese pecebista,
Caio Prado tece novamente uma crítica severa. Para ele, a burguesia brasileira, heterogênea nas
origens, era homogênea nos interesses, nos negócios, e na maneira de conduzi-los. No Brasil, não
houve problemas com a existência de estruturas econômicas e sociais prévias ao capitalismo ou
mesmo conflitos étnicos e sociais que o atrapalhassem; o Brasil já nasce como uma colônia, nos
marcos dos negócios mercantis. Desta forma, a burguesia ascendeu de forma rápida e
relativamente coesa, inclusive no setor agrário (PRADO JR., 1966: pp. 115-6).
No que diz respeito à sua relação com o imperialismo, Prado Jr. (1966: pp. 117-118)
afirma que a entrada do capital estrangeiro não dividiu a burguesia em antagonismos, mas abriu
espaços e oportunidades de negócios para praticamente toda a classe dentro do país. Aliás, todos
os grandes negócios no Brasil foram impulsionados pelo imperialismo (que também trouxe
técnicas e valores “modernos”), até o último estágio da industrialização pesada e complexa. Em
sua concepção, portanto, a despeito de conflitos menores existentes entre o imperialismo e a
burguesia brasileira, nada seria suficiente para constituir uma oposição de classe entre elas.
Por último, Caio Prado Jr. chega a uma crítica radical e nega a existência de uma
burguesia nacional, classe capaz de dirigir a revolução brasileira. A industrialização no Brasil é
fundamentalmente uma “substituição de importações” delimitada em dois planos: primeiro, é
comandada pelos grandes grupos internacionais, que não a aprofundarão para além da capacidade
de pagamento externo do país dependente; segundo, a industrialização visa tão-somente a
fornecer bens outrora importados, por diferentes meios, ao mesmo mercado restrito (no máximo
de alcance regional). Então, como a burguesia não controla a acumulação de capital, pois não tem
base objetiva para isso, inexistem as condições objetivas e subjetivas para o anti-imperialismo e
para a própria burguesia nacional no Brasil.
Caio Prado revela, além da essência da burguesia brasileira, um fator de cisão interna,
delimitada pela existência de um sistema de favorecimento de negócios privados pela
administração e pelas empresas estatais em prol dos funcionários públicos e dos setores da
burguesia associados. É este conflito – e não a divisão entre suposta burguesia nacional e uma
“entreguista” –, isto é, entre o que o autor chamou de “capitalismo burocrático” e o setor burguês
23
marginalizado do sistema, que vê na ação estatal apenas promoção dos interesses burgueses
gerais, o único fator de “divisão” da classe burguesa. Ao acreditar em uma divisão entre
nacionais e entreguistas, a teoria pecebista acabou por colocar os trabalhadores ao lado do
capitalismo burocrático, um setor burguês tão ou mais reacionário que o outro. Isso porque os
interesses por intervencionismo estatal defendidos pela burguesia burocrática acabaram sendo
entendidos como nacionalistas, atraindo apoio dos setores progressistas. O resultado foi a
confusão dos setores populares, a paralisação da polarização para a revolução brasileira e o
fortalecimento do outro setor que liderou a denúncia ao parasitismo do Estado e dirigiu
politicamente a insatisfação popular com tal situação (PRADO JR., 1966: pp. 125-128).
Segundo a leitura de Caio Prado Jr. feita por Sampaio Jr. (1999a: pp. 105-107), o
resultado da permanência de uma subordinação completa ao capital internacional e da segregação
social é que o mercado brasileiro é marcado pela existência de uma conjuntura mercantil precária.
A mobilidade do capital internacional impede a constituição do mercado interno como a instância
estratégica da acumulação, enquanto que a marginalização permanente impede a socialização dos
frutos do progresso técnico e a retroalimentação do mercado interno. Como resultado o
subdesenvolvimento se caracteriza pela incerteza estrutural: “A impossibilidade de previsões
razoavelmente seguras quanto à trajetória futura da economia faz com que a expectativa de longo
prazo de valorização da riqueza capitalista se transforme em um caleidoscópio ultra-sensível”
(SAMPAIO JR., 1999a: p. 107).
Esta incerteza estrutural implica dois padrões da acumulação capitalista no Brasil: o
modo de organização do capital se torna a busca pela liquidez e a racionalidade burguesa se torna
particularmente especulativa. Como consequência, a iniciativa privada nativa é permanentemente
condicionada pelo estreito horizonte de acumulação do mercado interno e se torna incapaz de
superar a dependência. Por outro lado, o capital internacional se caracteriza pela volatilidade dos
vínculos com o mercado interno, sempre apoiado na garantia (especialmente institucional) de
garantias da mobilidade espacial. É nesses marcos que a burguesia brasileira se desenvolve,
subordinada e oportunista45, aproveitando as brechas geradas pelos ciclos que os negócios

45
“Os imperialistas europeus, logo em seguida também os norte-americanos, encontraram no Brasil uma civilização
e uma cultura em essência análoga à deles, pois era da mesma origem. Burguesia brasileira e representantes do
imperialismo poderão assim se entender perfeitamente. Tanto mais que a ação do imperialismo, excluídas as
contradições que introduz na evolução brasileira, mas que de início se disfarçam suficientemente e somente se irão
24
internacionais geram na economia brasileira, sendo o da industrialização, no fundo, mais um
destes ciclos46.
O programa da Revolução Brasileira proposto por Caio Prado Jr. sintetiza-se na
solução dos dois grandes problemas da formação nacional: superar a economia e as relações de
produção herdeiras do colonialismo. As reformas necessárias seriam impulsionadas pelas classes
trabalhadoras do campo e da cidade e executadas pelo Estado, visando dar melhores condições de
trabalho e de direitos sociais. Mesmo sem acabar de pronto com a iniciativa privada (e daí o
caráter não imediatamente socialista da revolução), estas medidas seriam capazes de equilibrar a
correlação de forças entre capital e trabalho, abrindo espaço para consolidar a classe trabalhadora
como força dirigente da revolução brasileira. Quanto à dependência, seria equacionada através do
comando das contas externas e do monopólio do comércio exterior. Resume, enfim, o significado
da revolução frente à dominação externa: “A revolução brasileira (...) significa a desconexão
daquele sistema [capitalismo internacional imperialista] e o desmembramento (...) do mesmo
sistema. O rompimento em sua periferia” (PRADO JR., 1966: p. 186).

fazendo sentir com o correr do tempo, a ação do imperialismo representou um grande impulso para a vida econômica
brasileira. (...) Esse estímulo e impulso econômico proporcionados pelo imperialismo reverteriam principalmente em
benefício da burguesia em seu conjunto, pois lhe ofereciam oportunidades e facilidades novas para suas atividades e
seus negócios em proporções para ela completamente insuspeitadas no passado. (...) mesmo posteriormente à Guerra
de 1939, quando os aspectos negativos da penetração imperialista já começam a se fazer nitidamente sentir, essa
penetração, que se realizará então em proporções consideráveis que deixam o passado a perder de vista, traz, ao
menos para a burguesia em conjunto e para os interesses burgueses gerais, amplas e inestimáveis vantagens
imediatas, e largas oportunidades para seus negócios” (PRADO JR., 1966: pp. 117-118).
46
“A incapacidade de suportar a concorrência externa fez com que a continuidade do processo de industrialização
ficasse totalmente dependente da preservação dos parâmetros históricos que haviam permitido o insulamento da
economia brasileira da concorrência de produtos importados e que haviam impulsionado a internacionalização dos
mercados internos. No entanto, como era óbvio que a estabilidade dos parâmetros externos que haviam permitido
essa situação não poderia perdurar para sempre, Caio Prado não cansou de alertar que a industrialização brasileira era
extremamente vulnerável a crises de reversibilidade estrutural” (SAMPAIOR JR., 1999b: p. 422). “Não se ignora o
papel singular, sem paralelo no passado, que as rápidas e contínuas transformações da tecnologia representam na
indústria moderna. Já não se trata apenas, como ocorria há poucos decênios passados, do problema de
aperfeiçoamento da indústria e de sua promoção e ampliação. O progresso tecnológico e a introdução contínua de
inovações representa na indústria de nossos dias, em particular naqueles seus setores básicos e decisivos - como a
indústria química, a eletrônica e outras semelhantes -, condição essencial e precípua de sua própria subsistência. O
obsoletismo que se propõe aqui a cada momento, pode-se dizer, não é no caso apenas inconveniente ou mesmo
intolerável. É simplesmente impossível. Transformar-se e progredir continuamente, ou então perecer, é esta a única
alternativa que se apresenta” (PRADO JR., 1972 apud SAMPAIO JR., 1999b: pp. 422-423).
25
3.3. Celso Furtado: a burguesia dependente e subdesenvolvimento

O problema central para o economista Celso Furtado47 é a superação da condição de


subdesenvolvimento do Brasil. Isso implica superar, sob o pano de fundo mundial da estrutura
centro-periferia, a modernização dos padrões de consumo da elite como vetor do
desenvolvimento e a heterogeneidade estrutural (produtiva, social e regional) que constituem uma
inadequação entre fins e meios no desenvolvimento. Contudo, dado que pelos próprios problemas
impostos pelo subdesenvolvimento não se conformaram classes burguesa e populares fortes
(capazes de impor fins), a solução dos problemas passa pela ação organizadora do Estado, sob a
direção de uma intelectualidade comprometida com os interesses nacionais48.
Para Furtado, o subdesenvolvimento não era uma etapa histórica, transitória para o
pleno desenvolvimento; mas sim uma condição específica de alguns países da periferia do
capitalismo e insuperável sem vontade política e social para concluir a formação nacional. O
problema é entender a estrutura centro-periferia49, ou seja, a totalidade de relações mundiais
polarizada pelo controle que o centro possui do Progresso Tecnológico e por sua capacidade de
impor padrões de consumo e assim impor a perpetuação do subdesenvolvimento (FURTADO,
1967). A sua característica fundamental é a existência de dinâmicas econômicas distintas entre
esses dois polos. Nos países do centro, as transformações ocorrem “(...) simultaneamente nas
estruturas econômicas e na organização social” (FURTADO, 1981: p. 89), isto é, os aumentos de
produtividade do trabalho, derivados de inovações tecnológicas50, e respectivos aumento da
produtividade do trabalho e escassez relativa de mão-de-obra, são difundidos pela concorrência
para o resto do mercado, ampliando o consumo e os salários reais – é a dialética inovação-difusão

47
Celso Furtado (1920-2004) foi um dos grandes pensadores do problema da formação do Brasil. Integrou a
Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), com importante elaboração própria sobre os problemas do
continente e do Brasil. Também chefiou a SUDENE e foi ministro do Planejamento do governo Goulart e da Cultura
no governo Sarney.
48
Para uma elaboração tipicamente desenvolvimentista de Celso Furtado, ver FURTADO (1962). Para a narrativa
sobre a evolução do seu pensamento frente às transformações econômicas e políticas mundiais e brasileiras, ver suas
obras autobiográficas (FURTADO, 1985; 1989, 1991).
49
Essa elaboração se remete à crítica original do pioneiro da CEPAL Raul Prébisch à teoria ricardiana do livre
comércio. Devido à difusão lenta do progresso técnico e à deterioração dos termos de troca, as relações econômicas
internacionais impunham obstáculos incontornáveis à superação do subdesenvolvimento pela via liberal, exigindo
como saída a industrialização da periferia.
50
A noção de inovação usada Furtado é emprestada de Joseph Alois SCHUMPETER (1911), especialmente o
capítulo 2.
26
(FURTADO, 1981: cap. 5). Na periferia, “as modificações do sistema produtivo são induzidas do
exterior” (Idem: p. 89), implicando a especialização simples da produção. Isto resulta em uma
inadequação entre a demanda (as necessidades do conjunto da população) e a oferta (atraso na
capacidade de produzir um conjunto de bens) que resume o subdesenvolvimento.
Para Furtado, o vetor do subdesenvolvimento é a modernização dos padrões de
consumo da elite. No período pré-civilização industrial, nas regiões subdesenvolvidas que não se
limitaram a meros enclaves, parte do excedente – produto total menos o custo de reprodução da
população – ficou nas mãos de elites locais, que a utilizaram para importar bens de consumo do
centro. Isso representou uma “irracionalidade”, por causa do baixo nível de renda per capita da
periferia frente ao nível do centro, e um traço de colonialismo ou dependência cultural das elites,
devido ao mimetismo do padrão de consumo e do estilo de vida importados. A permanência da
modernização ao longo da história travou o uso do excedente para outros fins, como a
acumulação produtiva e o aumento de salários e do mercado (FURTADO, 1981: cap. 7). Para o
autor, o subdesenvolvimento é claramente uma inadequação entre um perfil de demanda
modernizado e uma base produtiva especializada, ou o conflito gerado pela disparidade de
“necessidades”, por parte de uma minoria, que estão muito além das possibilidades materiais
desta sociedade (FURTADO, 1974: cap. 2).
Por outro lado, o subdesenvolvimento é marcado pela heterogeneidade estrutural, isto
é, as profundas assimetrias dentro do aparelho produtivo, combinando, de forma interdependente,
setores ultramodernos e setores arcaicos de baixíssima produtividade51. A desigualdade e a
concentração permitem o acesso a tecnologias inadequadas (pois projetadas para o centro) via
importação de bens ou pela sua produção interna e impede a difusão das tecnologias adequadas às
necessidades e possibilidades desses países. Decorre também a incapacidade de se gerar escassez
relativa de mão-de-obra, inviabilizando a formação objetiva e subjetiva de classes trabalhadoras.
O resultado é uma dessimetria que “manifesta-se sob a forma de heterogeneidade social e de
rupturas e desníveis nos padrões de consumo” (FURTADO, 1981: p. 90), inviabilizando a
dialética inovação-difusão.

51
A heterogeneidade estrutural poderia ser concebida sob aspectos que incluíam assimetrias sociais (expressa por um
desemprego estrutural), produtivas e regionais. Para mais detalhes, ver PINTO (2000).
27
Em “Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico” (FURTADO, 1967: pp. 183-
185), o autor esclarece que a dependência imposta pela estrutura centro-periferia tende a se
perpetuar por diferentes períodos na periferia. No primeiro, a etapa agrário-exportadora, a
dinâmica da economia periférica se dava por impulsos externos sobre o setor exportador
especializado em produtos primários, gerando um excedente que foi parcialmente retido e usado
para diversificar o consumo da elite. No período seguinte, o de Substituição de Importações (S.I.)
em países como Brasil, Argentina e México, a modificação na função de produção da periferia foi
o elemento dinamizador, com a elevação do nível tecnológico do conjunto do sistema, embora
desigual. No terceiro momento, consolidada a S.I., a difusão de padrões de consumo imitados do
centro passa a ser o vetor de uma economia onde coexistem as três formas de dependência e que
fica presa ao círculo vicioso do subdesenvolvimento:
(...) a necessidade de elevar permanentemente o coeficiente de capital, no setor que
produz para a minoria integrada no processo imitativo, impede uma mais ampla difusão
do progresso técnico nos segmentos de economia dependente, que produzem para o
conjunto da economia (FURTADO, 1967: p. 183)
No último período, iniciado no Brasil no final dos anos 1950, é quando o domínio do
centro é realizado por meio do investimento direto das Empresas Transnacionais (ETs). Para
Furtado, na “nova economia internacional”, são tais empresas os elementos dinâmicos, ao
deslocar a importância dos mercados internacionais para suas transações internas e ao controlar a
produção e a difusão das novas técnicas: “(...) o desenvolvimento dependente implica a criação
de vínculos com as grandes empresas que engendram a necessidade desses produtos e mantêm o
controle das técnicas requeridas para produzi-las.” (FURTADO, 1967: p. 186). Em suma, “(...)
trata-se da transplantação, do ‘centro’ para a ‘periferia’, de atividades produtivas ligadas a uma
clientela perfeitamente condicionada e sob controle” (Idem: p. 183).
Em um contexto de declínio dos termos de troca em detrimento dos países periféricos,
a apropriação do excedente aí gerado pelas ETs gera uma grande contradição. Durante o período
da substituição de importação, ela se manifestou em fortes pressões no balanço de pagamentos;
consolidada esta fase, abre-se um período de forte endividamento externo. A superação do
subdesenvolvimento torna-se mais urgente e a questão do agente do processo, crucial.
Contudo, os próprios problemas do subdesenvolvimento inviabilizaram a formação
de forças sociais, burguesia e classes populares, que pudessem superá-lo. Em primeiro lugar,

28
Celso Furtado nega a existência de uma burguesia nacional no Brasil. Em “Análise do ‘Modelo’
Brasileiro” (FURTADO, 1972), ele resume o que chama de burguesia nacional:
Não era suficiente a presença de atividades mercantis (...). Os interesses nacionais
definiam-se quando a atividade mercantil se apoiava em manufaturas locais, que podiam
ser ameaçadas por concorrentes externos ou que eram utilizadas para exportação. É essa
combinação de atividades manufatureiras pré-industriais (baseadas na organização
corporativa ou no trabalho livre), com atividades mercantis que enfrentam a
concorrência externa, que define o perfil das burguesias nacionais (FURTADO, 1972: p.
18).
No Brasil, o pacto colonial inibiu qualquer iniciativa de burguesia nacional durante
quatro séculos. Com a independência política, mesmo as atividades manufatureiras da segunda
metade do século XIX são apenas complementos do comércio exterior:
(...) a classe industrial que se forma no Brasil atua num quadro estrutural próprio que
deve ser levado em conta se se pretende compreender o seu comportamento. Assimilá-la
a uma burguesia nacional constitui simplificação que contribui mais para ocultar do que
pra revelar a realidade. Seus interesses estão, de maneira geral, positivamente vinculados
ao comércio exterior. São as exportação que criam o mercado interno e permitem a
aquisição de equipamentos no exterior a bom preço; por outro lado, só excepcionalmente
as indústrias locais concorrem com as importações, das quais são em muitos casos
complementares (FURTADO, 1972: p. 19).
Mesmo nos anos 1960, após a industrialização pesada, não se formou uma burguesia
nacional. O que se tornou progressivamente hegemônico – e ascendeu ao poder junto com a
tecnocracia com o golpe de 1964 – foi o que Furtado chamou de grupo industrial, composto por
três partes:
(...) um setor privado nacional formado pelos dirigentes de limitado número de grandes
firmas que sobrevivem com maior ou menor grau de autonomia e de um numero
considerável de pequenos empresários; um poderoso setor privado estrangeiro,
constituído de dirigentes alienígenas e nacionais de filiais ou empresas subsidiárias de
consórcios internacionais; um outro setor de importância crescente formado de quadros
superiores de empresas públicas, quase sempre originários da administração civil ou
militar (FURTADO, 1972: p. 35).
Furtado destaca três aspectos do grupo industrial: primeiro, seu caráter heterogêneo,
apesar de coeso e com partes muito mais complementares do que concorrentes 52; segundo diz
respeito ao caráter internacional desse grupo industrial. Como se trata de uma boa parcela de
empresas com inserção nacional e internacional, especialmente a dos setores mais dinâmicos,

52
As empresas estatais predominam na infraestrutura, nas atividades criadoras de economias externas e de grande
imobilização de capital e pequeno progresso técnico; as empresas privadas nacionais controlam a construção e
setores acessórios aos demais setores; e os grupos transnacionais comandam as indústrias de bens duráveis, químicos
e farmacêuticos e o de equipamentos, em suma, os mais dinâmicos e de maior progresso técnico (FURTADO, 1972:
p. 35).
29
“(...) os possíveis conflitos entre interesses ‘internos’ e ‘externos’ tendem a ser transferidos para o
âmbito dos oligopólios internacionais” (FURTADO, 1972: p. 36). Desta forma, configura-se
grande diferença com uma burguesia nacional:
Como a formação profissional, as fontes de informação, os padrões de consumo, em
muitos casos a carreira, enfim, o quadro cultural dos elementos dirigentes das empresas
dos três setores indicados tendem a seguir os mesmos paradigmas, trata-se menos de
emergência ou consolidação de uma burguesia nacional do que de implantação da nova
burguesia internacional ligada ao capitalismo dos grandes conglomerados transnacionais
(FURTADO, 1972: p. 36).
Por fim, o único traço semelhante a uma burguesia nacional é a “preocupação de dar
legitimidade ao sistema de poder mediante a tradução em linguagem de objetivos nacionais dos
interesses do grupo” (FURTADO, 1972: p. 36).
Do lado dos trabalhadores, a “grande reserva de mão-de-obra à disposição dos
empresários [resultado da heterogeneidade] inibiria o processo de luta de classes”, como explica
MORAES (1995, p.67) em estudo sobre Furtado. O capitalismo periférico caracterizava-se por
“(...) uma pressão sindical insuficiente para empurrar os capitalistas à modernização e à
concorrência” (Idem: p. 67).
A força social motriz para superar o subdesenvolvimento, na concepção de Furtado e
da CEPAL, seria uma “intelligentsia”, como mostra o estudo de MORAES (1995)53. Os
planejadores tem nesse processo um papel especial: primeiro, seriam portadores da razão, um
conhecimento “neutro” e acima dos conflitos das classes; segundo, detêm a capacidade de
persuasão, isto é, elaboram a “imagem de uma realidade em crise iminente”, para a qual propõem
um conjunto de valores substantivos capazes de gerar um consenso. Por fim, estes intelectuais
têm, além da capacidade, o dever de governar. Na periferia, onde a livre expressão dos agentes
era incapaz de oferecer saídas para o subdesenvolvimento, são os intelectuais que “põem o
sistema para operar, que dão ao Estado aquela eficácia sem a qual ele não sobrevive” (MORAES,
1995: p. 76). O pressuposto em todas estas análises é uma concepção liberal de Estado, capaz de
comportar as aspirações da coletividade, da nação.

53
Nessa concepção herdeira do pensamento do sociólogo Karl Mannheim, cabe à intelectualidade o papel de
“'antecipar o consenso' e preparar o caminho para que ele se organize” (MORAES, 1999: p. 72), por meio do Estado
e do planejamento estatal. Sob tal orientação, “Furtado aponta a necessidade de condicionar as formas de agir”
(Idem: p. 68), sem, contudo, comprometer por completo os critérios de racionalidade dos agentes econômicos: “No
interior desse confronto de alçadas macro/micro, revela-se também qual é o poder ordenador da sociedade, isto é, o
centro que aloca os recursos e demarca previamente os destinos dos contendores” (Idem: p. 69).
30
Cabe assim, portanto, às classes um papel secundário frente aos dilemas do
subdesenvolvimento. A saída passa pelo controle da modernização dos padrões de consumo, pela
realização de reformas econômicas e sociais que acabassem com a heterogeneidade estrutural, em
particular a Reforma Agrária e pela reorganização do sistema produtivo sob bases nacionais, além
de, além ma mudança da ordem econômica internacional crescentemente transnacionalizada, que
deveria ser reformas em prol de uma maior igualdade entre países do centro e da periferia 54. Mas
são os intelectuais, através do planejamento estatal, os responsáveis pela execução das tarefas
nacionais (e mesmo as internacionais) capazes de concluir a formação nacional.

3.4. Florestan Fernandes: burguesia dependente e a contrarrevolução permanente

Florestan Fernandes55 afirma que as sociedades dependentes da América Latina, em


especial no Brasil, tributárias de uma formação histórica e estrutural sob a articulação entre
dependência externa e segregação social interna, não têm força própria para integrar-se
nacionalmente e se autonomizar. Na etapa do Imperialismo Total, alimentada pela Guerra Fria e
pela expansão das empresas transnacionais, a burguesia dependente brasileira opera uma
permanente contrarrevolução para acelerar a modernização capitalista e reprimir as pressões
populares. Ao limitar o circuito político às classes dominantes e institucionalizar um padrão de
dominação compósito e autocrático que corresponde a uma revolução burguesa em atraso, ele
aponta a superação da ordem capitalista como horizonte alternativo à concentração de renda e
poder, à marginalização social e à barbárie.
Para desbravar as relações entre desenvolvimento capitalista e luta de classes, o autor
realiza alguns passos: compreender como o desenvolvimento capitalista condiciona a formação
das classes; identificar o padrão da luta de classes (relações inter e intra-classes); e por fim,
caracterizar o circuito político em que se passa a luta de classes e como ele determina as
condições da mudança social.

54
Para considerações de Furtado sobre o tema, ver capítulos 11 e 12 da Pequena Introdução ao Desenvolvimento
(FURTADO, 1981). Para o papel da transnacionalização do capital na ordem global e os problemas do
desenvolvimento em Furtado, ver Hadler (2012).
55
O sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) foi o grande expoente da Escola Paulista de Sociologia que se
desenvolveu na USP nos anos 1950 e 1960. Autor de vasta obra nas ciências sociais, foi deputado constituinte pelo
PT nos anos 1980.
31
As economias subdesenvolvidas e dependentes são, para Fernandes, mais do que
herdeiras de formas de dominação coloniais e neocoloniais: elas têm nessas formas (e em seus
desdobramentos estruturais e dinâmicos) necessidades que as tornam substância do seu próprio
desenvolvimento (FERNANDES, 1973: pp. 59-60). O autor afirma que os fluxos de
modernização dos polos da dominação externa, em cada período histórico, irradiam instituições,
valores e técnicas capitalistas, mas não geram as condições que viabilizam sua máxima eficácia
para a mudança social (FERNANDES, 1995: p. 146). O resultado é que a articulação dos
dinamismos externos e da sociedade dependente, calcada na heterogeneidade de formas sociais e
de produção, não podem impulsionar um desenvolvimento autônomo56.
Essa sociedade é fundada na superexploração do trabalho, que viabiliza a
“apropriação dual” do excedente, isso é, sua divisão entre as classes dominantes externas e
internas; as primeiras alimentam-se dessas relações, enquanto as segundas utilizam-se do
desenvolvimento desigual para financiar a modernização e para proteger-se dos impactos
devastadores dessa mesma modernização e da instabilidade de seu mercado (FERNANDES,
1974: p. 40; 1968: pp. 84-89). A importância do dualismo na obra de Florestan pode ser assim
sintetizada:
Em suma, a reprodução de mecanismos de acumulação primitiva e a depredação do meio
ambiente são características inerentes ao capitalismo dependente. Elas derivam de um
contexto histórico no qual o espírito burguês adquire um caráter “ultra especulativo” e
uma natureza “ultra-extorsiva” (SAMPAIO JR. 1999: p. 140).
Para além, o dualismo faz com que a ordem social competitiva seja bloqueada, pois a
competição capitalista deixa de ser a racionalidade do sistema econômico e absorção de
interesses divergentes pelo conflito, a racionalidade do sistema político. O esvaziamento das
propriedades dinâmicas da economia pela sua sobrepolitização impede que ela sirva como um
elemento motor da integração e/ou da diferenciação social e, portanto, do desenvolvimento.
“Nestas circunstâncias, a ‘racionalidade econômica possível’ leva até as empresa mais modernas
das economias dependentes a exigir suportes extra-econômicos que perpetuam o atraso
(SAMPAIO JR., 1999a: p. 140). Cabe citar uma passagem em que Fernandes mostra o peso das
consequências do processo de sobrepolitização para a racionalidade econômica capitalista:

56
“(...) a articulação dos dinamismos econômicos, sociais e culturais, internos e externos, apesar de tudo, não é
suficiente para produzir a emergência e a consolidação de um padrão de desenvolvimento que pudesse se equiparar
ao padrão de desenvolvimento auto-sustentado das Nações capitalistas hegemônicas” (FERNANDES, 1974: p. 39).
32
Qualquer problema econômico que envolva o equilíbrio, a existência ou o ritmo de
crescimento do setor converte-se, automaticamente, em matéria política. Em
consequência, as soluções econômicas passam para um modesto segundo plano,
prevalecendo o poder político dos grupos em presença e as forças de acomodação
política resultantes. No conjunto, evidenciam-se duas linhas concomitantes de
influências: 1ª) a que se define ao nível das relações com os núcleos hegemônicos do
exterior; 2ª) a que se define ao nível das composições entre o setor arcaico e o moderno.
Em tais circunstâncias, o equilíbrio do sistema econômico e a eficiência de sua ordem
econômica descansam sobre fatores e mecanismo econômicos capitalistas. Mas em
nenhum momento o funcionamento e o desenvolvimento dessa ordem econômica deixa
de traduzir a interferência de fatores e mecanismos extraeconômicos. É inerente ao
capitalismo dependente, portanto, uma margem de insegurança crônica, que atinge
especialmente os agentes econômicos que operam, enquanto classe, os processos
econômicos internos de natureza capitalista. Na medida em que contam com condições
para determinar, em bases puramente econômicas, os limites irredutíveis de sua
autonomia real, os referidos agentes se veem impotentes para exercer controle completo
sobre todas as fases ou efeitos dos processos econômicos incorporados à ordem
econômica vigente (FERNANDES, 1968: pp. 64-65).
O dualismo no nível econômico corresponde à composição (histórica e estrutural) no
âmbito do poder entre os setores moderno e arcaico, cuja unificação, desde os tempos da
independência, compete para sobrepor seus interesses ao resto da sociedade e para perpetuar a
dupla articulação, a despeito da integração nacional e do fim da segregação social. O resultado é a
cisão da sociedade entre “proprietários e não proprietários de bens” (FERNANDES, 1968: pp.
40-41, pp. 70-71), segundo as possibilidades de se estar (ou não) em uma posição no sistema que
os valorize econômica e os classifique socialmente. Entre os “proprietários”, estão as classes
dominantes e médias, além de uma parcela dos assalariados que se proletariza; nos “não-
proprietários”, os assalariados em vias de proletarização e os “condenados do sistema” ou
marginalizados (Idem: pp. 72-74).
A estrutura de classes pode ser vista através da análise de cada setor e da relação entre
eles. Quanto ao proletariado, ele é uma classe objetivamente enfraquecida pela sobreapropriação
e pela heterogeneidade, constitutivas do sistema, que restringem “(...) diretamente a participação
econômica e, indiretamente, a participação sociocultural e política dos trabalhadores
assalariados” (FERNANDES, 1973: p. 74). Também decorrência da heterogeneidade interna às
classes trabalhadoras, a proletarização adquire um status de classificação e mobilidade sociais
que polariza positivamente uma parcela dos assalariados (sua elite) com a ordem (FERNANDES,
1973: p. 74; 1968: p. 76). Paralisa-se, desta forma, a constituição da classe em si e para si.

33
Quanto à burguesia dependente, Florestan esclarece que o bloqueio à concorrência
como racionalidade econômica com a composição de interesses das classes dominantes as torna
uma “plutocracia” ou “burguesia compósita” (FERNANDES, 1973: p. 62). Ela objetiva a defesa
comum de privilégios e da propriedade, além do desfrutar dos benefícios da modernização
irradiada pelos polos hegemônicos, o que circunscreve seu horizonte histórico ao
subdesenvolvimento econômico e à dependência cultural. Disso decorre, então, que o padrão de
relação entre as classes fica sobredeterminado pela segregação econômica, social e política, o que
inviabiliza a existência de mecanismos de solidariedade de classe em nível nacional capazes de
dar motor autônomo à mudança social interna (FERNANDES, 1976: pp. 382-385). Esse
capitalismo gera uma burguesia vítima de sua situação de classe:
Ela possui poder para resguardar sua própria posição econômica e os privilégios dela
decorrentes no cenário nacional. Mas é impotente em outras direções fundamentais, a tal
ponto que induz e fomenta um crescimento econômico que a escraviza cada vez mais
intensamente ao domínio dos núcleos hegemônicos externos (FERNANDES, 1968: p.
91).
Respondendo a uma tripla fonte de pressões por mudanças – da dominação externa,
das classes subalternas e do Estado burocrático e tecnocrático – a burguesia busca “congelar” a
história no que diz respeito a seus privilégios e “acelerá-la” no que diz respeito ao dinamismo
econômico. Para isso, engendra um padrão de dominação exacerbadamente político que restringe
o Estado a um “circuito fechado” em torno das classes dominantes. É uma dominação ou
hegemonia “compósita” porque feita de interesses burgueses diversos fundidos, não por motes
capitalistas, mas pela concentração de renda, poder e privilégios (FERNANDES, 1995: p. 140;
2006: pp. 376-380) Isso implica que o regime de classes não é meio para dirimir conflitos e, por
isso, impede a mudança social.
Em “Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina” (FERNANDES,
1973) o autor explica que na segunda metade do século XX se constitui o “Imperialismo Total”,
marcado pela expansão da grande empresa corporativa e, portanto, do capitalismo monopolista, e
politicamente pela Guerra Fria, que é seu fator decisivo por representar a luta pela defesa e pela
vitória do capitalismo em si. O novo padrão revela as debilidades das economias dependentes
(mesmo as suas mais avançadas) e mostra a incapacidade das suas burguesias sobrepujarem o
subdesenvolvimento por esforço próprio, porque modifica a dependência:

34
O traço específico do imperialismo total consiste no fato de que ele organiza a
dominação externa a partir de dentro, em todos os níveis de ordem social, desde o
controle da natalidade, a comunicação de massa e o consumo de massa até a educação, a
transplantação maciça de tecnologia ou de instituições sociais, à modernização da infra e
da superestrutura, os expedientes financeiros ou de capital, o eixo vital da política
nacional etc. (FERNANDES, 1973: p. 27).
No Brasil, com a industrialização pesada ocorre a concretização do capitalismo
monopolista, que corrói as bases do “desenvolvimentismo”, reorganiza o mercado em função das
corporações e anexa o país ao espaço socioeconômico, cultural e político dos Estados Unidos
(FERNANDES, 1973: pp. 27-32). As empresas transnacionais tornam-se os polos ativos das
economias dependentes, impondo sua influência estrutural e dinâmica:
“As empresas anteriores, moldadas para um mercado competitivo restrito, foram
absorvidas ou destruídas, as estruturas econômicas existentes foram adaptadas às
dimensões e às funções das empresas corporativas, as bases para o crescimento
autônomo e a integração nacional da economia, conquistadas tão arduamente, foram
postas a serviço dessas empresas e dos seus poderosos interesses privados”
(FERNANDES, 1973: p. 31).
Mas a “fraqueza” dessa burguesia é relativa. Fernandes mostra em “A revolução
burguesa no Brasil” que a burguesia ganha condições de negociação com o imperialismo – que
demanda parceiros fortes devido ao contexto internacional - o que a permite a absorver e graduar
a modernização. Internamente, movida pela resistência à mudança que se metamorfoseia em
“medo-pânico”, ela supera suas vacilações e institucionaliza um regime autocrático com o golpe
de 1964. Sua força reside em legitimar a ordem (capitalista e dependente) através do crescimento
acelerado (no período do “Milagre”) e na repressão aberta ao dissenso. Resulta que as burguesias
dependentes:
(…) detêm um forte poder econômico, social e político, de base e de alcance nacionais;
possuem o controle da maquinaria do Estado nacional; e contam com suporte externo
para modernizar as formas de socialização, de cooptação, de opressão ou de repressão
inerentes à dominação burguesa. Torna-se, assim, muito difícil deslocá-las politicamente
através de pressões e conflitos mantidos 'dentro da ordem'; e é praticamente impossível
usar o espaço político, assegurado pela ordem legal, para fazer explodir as contradições
de classe, agravadas sob as referidas circunstâncias (FERNANDES, 1976: pp. 344-345).
Sob o controle da burguesia estão: alguma condição de negociação com os núcleos
hegemônicos de um processo ampliado de acumulação de que ela faz parte de maneira
subordinada; e a capacidade de manipular as condições sociais, econômicas e ambientais internas
de forma quase absoluta, capacidade esta que se converte em seu ativo mais precioso. É uma
burguesia impotente para fora, mas onipotente para dentro.

35
Em suma, a contradição da revolução burguesa é que o capitalismo dependente (e a
sua burguesia) não consegue remover os entraves internos (a heterogeneidade estrutural) e
externos (a dependência ao imperialismo) ao desenvolvimento capitalista autodeterminado, nem
promover um Estado que, absorvendo interesses diversos, identifique positivamente as classes
com a ordem burguesa. Para Florestan, isso acelera a história, ao tornar a “revolução contra a
ordem”, feita pelas classes subalternas, a única saída para garantir a integração e a autonomia
nacionais (FERNANDES, 1995: p. 138; 1974: p. 49).

4. Burguesia brasileira: dependência e negócios

Em busca de uma síntese que ajude a nortear esta pesquisa, será feita uma breve
síntese dos principais pontos levantados por cada autor, em particular no que tange ao papel da
burguesia brasileira. Da síntese de cada autor e do confronto entre eles, será feita uma breve
exposição do que consideramos ser o marco teórico fundamental que será contrastado com a
pesquisa empírica dos grupos da burguesia brasileira nos anos 2000.
Nelson Werneck Sodré afirma a existência de uma burguesia nacional,
comprometida com o mercado nacional e potencial dirigente de uma revolução brasileira de
caráter democrático e nacional. O problema é que a burguesia carrega o fardo do atraso e a
pressão do imperialismo, que polariza forças internas – o latifúndio e a burguesia comercial e
industrial associada – em favor da permanência da condição semicolonial. É importante frisar as
nuances de Sodré sobre as debilidades constitutivas da economia e das classes sociais, o que torna
necessária uma complexa equação de frente política das forças comprometidas com a nação,
proletariado e campesinato dando suporte à protagonista burguesia. A política de conciliação com
o Imperialismo ocorre a despeito dos interesses estratégicos desta burguesia e acumula tensões
entre as classes. Nelson Werneck Sodré aponta que está em xeque a própria existência da
burguesia nacional, colocando na ordem do dia que se leve a revolução até o fim.
Por outro lado e por caminhos distintos, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Florestan
Fernandes se contrapõem à ideia de existência de uma burguesia nacional. Isso resulta de uma
condição herdada da origem colonial e da forma específica como ocorreu a transição neocolonial:
sem a ruptura com a participação dos latifundiários e comerciantes nativos em negócios
36
estrangeiros e da utilização da força de trabalho escrava, que condicionou o país a um padrão de
superexploração do trabalho. A dupla articulação se revela fonte permanente de tensão entre as
classes à medida que o país se diferencia e se moderniza, inclusive com parcelas minoritárias da
burguesia em formação, mas isto não significa que esteja no horizonte burguês a superação da
dependência e a concretização da integração nacional como fonte de poder. Para usar os termos
de análise de Prado Jr., a superação da dependência não está inscrita na história da burguesia
brasileira. A constatação de que a dependência e a segregação constituíam traços estruturais e
condicionantes, fato que ficou mais claro com o início da ditadura de 1964, tem influências tanto
nos marcos do campo de pensamento da formação como em outras vertentes que virão da tese do
“desenvolvimento com dependência” e que teriam profunda influência no debate público que se
sucedeu57. Para o campo da formação, é fundamental tirar as lições, a partir destas orientações da
dependência, sobre quais são os traços mais fundamentais da burguesia brasileira e as
implicações para os dilemas da formação.
Para Caio Prado Júnior, a extrema volatilidade que caracteriza a relação dos negócios
estabelecidos pelo grande capital internacional no país e a precariedade do mercado interno de
uma sociedade fundada na segregação criam um estado de conjuntura mercantil precária que leva
à constituição de uma racionalidade capitalista particularmente especulativa e rentista. Dentro
deste contexto, a burguesia brasileira precisa sobreviver tirando proveito de todas as
oportunidades abertas pelo imperialismo, considerando a posição especializada, tributária e
residual da economia brasileira dentro do sistema capitalista mundial. Como o mercado interno
não se converte na instância estratégica da acumulação de capital, a burguesia brasileira faz sua
opção por se ligar aos fluxos e influxos impulsionados e controlados de fora para dentro. Isto é
uma verdade em todos os setores – agropecuária, comercial, industrial e financeiro – e em todos
os ciclos econômicos da época colonial ou independente – açúcar, metais preciosos, algodão,
fumo, café, borracha e até a indústria. A indústria é o caso mais especial, pois representa o
gérmen de uma economia nacional no período de crise da divisão internacional do trabalho e em
que, por um período, parte dos elos estratégicos estiveram sob controle nacional, mas também

57
A inflexão proposta por Cardoso e Faletto (1970), que propõem ser possível, desejável e necessário ao Brasil
atingir o desenvolvimento em condições de dependência, é o marco de uma crise na teoria do desenvolvimento como
havia sido elaborada até então, nos marcos da formação. Ver Sampaio Jr. (1999c).
37
constitui o símbolo máximo da crise da formação, quando passa a ser estrategicamente controlada
pelos oligopólios internacionais.
A análise de Prado Jr. sobre o significado da industrialização é crucial. Ela não só
reforça a instabilidade por aprofundar a magnitude dos fluxos de capital a ser remunerados e a
vulnerabilidade perante às estratégias exógenas às necessidades dos nacionais, como exige o
aprofundamento do dualismo na economia, entre setores voltados para mercados externos e
internos. Isso ocorre porque, para o capital internacional, os negócios externos são mais uma
forma de ampliar sua valorização (D – D’). Mas acontecem dois problemas derivados da
execução de parte do circuito de valorização dentro de uma economia periférica, como é o caso
da indústria de substituição de importações que tem como mercado o interno. Os lucros são
realizados em moeda local e precisam ser transformadas em moeda de uso internacional, além de
ser necessária a livre mobilidade do capital para promover o retorno. O circuito (DUS$ – [ DR$ – M
– D’R$] – D’ US$) passa a exigir o desenvolvimento e aprofundamento dos setores exportadores
locais, capazes de gerar as divisas, e a garantia, por parte do Estado local, da livre mobilidade do
capital internacional. Sob controle externo, a industrialização tem impactos desestruturantes na
entrada e na saída do grande capital, no início e no fim do ciclo da indústria, assim entendido
como mais um na história brasileira. Daí decorre que a diferenciação das forças produtivas e de
que parte da burguesia brasileira participe da indústria não signifiquem industrialização nem uma
burguesia nacional. Como economia reflexa, a economia brasileira está exposta a mais uma crise
de reversão neocolonial (SAMPAIO JR., 1999a: pp. 113-114). Neste processo, a burguesia
oportunista não está dividida, mas alinhada aos negócios estrangeiros, tendo somente uma cisão
derivada de parte ter acesso privilegiado ao Estado – sua fração burocrática – e outra não. Do que
depreendemos de Caio Prado que o importante é compreender como uma burguesia pode ganhar
ao longo dos ciclos a que está exposta, e, dentre eles, o ciclo da indústria (SAMPAIO JR., 1999b:
p. 425).
Diferentemente desta noção de instabilidade exacerbada construída por Caio Prado
Júnior, Celso Furtado e Florestan Fernandes permitem enxergar como o capitalismo
subdesenvolvido e dependente adquire alguma estabilidade, sem, é claro, resolver os problemas
da formação (SAMPAIO JR., 1999a: p. 128). A crítica de Fernandes a Caio Prado inclusive
busca mostrar como o segundo subestimou o impacto do capital industrial a partir do período de
38
substituição de importações: “Há deslocamentos na economia. O capital mercantil não
desaparece. Mas perde sua função hegemônica e determinante. O círculo vicioso persiste, mas
não por sua conta” (FERNANDES, 1988: p. 10). Por duas formas distintas apreendemos o
significado da industrialização, portanto.
Celso Furtado, apesar de não ser um teórico da burguesia brasileira – já que está
orientado para a resolução do problema do subdesenvolvimento a despeito do que considera
como as fragilidades das classes sociais brasileiras –, explicou traços fundamentais da relação
entre a industrialização e a classe dominante interna. O fundamental reside em considerar que o
motor do subdesenvolvimento é a dependência cultural das elites que buscam a permanente
modernização dos padrões de consumo. Esta dependência cultural se converte em dependência
econômica na medida em que a necessidade de mobilizar recursos para promover a modernização
exige a concentração da renda e a busca da dinamização da economia pelo caminho mais curto: o
setor agrário-exportador. A industrialização por substituição de importações caminha com a
ambiguidade de um processo adaptativo: movido pelas exigências da modernização em condições
internacionais adversas e promovendo bases materiais que apontam para uma economia nacional.
Quando, contudo, a industrialização e a política econômica se constituem como funções das
empresas transnacionais – o que se consolida entre o início da indústria pesada e a ditadura de
1964 –, a dependência se repõe em um patamar superior. Como a burguesia brasileira nunca foi
uma burguesia nacional, já que desde a sua origem esteve vinculada a negócios de comércio
internacional, os caracteres do grupo industrial formado entre os anos 1950 e 1960 explica o
padrão de ação econômica e política desta burguesia. O grupo é uma composição de capitais com
clara divisão de trabalho, onde a empresa transnacional lidera e chama a participação do capital
local, privado ou estatal, no esforço industrializante. A industrialização, apesar de aprofundar os
problemas típicos do subdesenvolvimento e exacerbar as taras pela modernização, fornece um
espaço de valorização razoavelmente grande para as empresas transnacionais, o que faz Furtado
compreendê-lo como processo mais estável, ao menos nas análises dos anos 1970. O futuro passa
a depender da estratégia do capital internacional, o que pode colocar em xeque as propriedades

39
construtivas da industrialização para um país subdesenvolvido, prognóstico que se consolida mais
tarde58.
Florestan Fernandes tira lições sobre a dinâmica econômica, social e política da
situação específica trazida pela consolidação do capitalismo dependente. O ponto fundamental é
o reconhecimento de que a combinação entre o moderno e o atraso no capitalismo brasileiro
responde pela necessidade de remunerar capitais internos e externos e pela necessidade de
garantir condições de defesa dos capitais internos da violência da mudança econômica vinda de
fora. Na medida em que esta combinação esvazia a esfera econômica da dinâmica da
concorrência e da inovação e a esfera social da dinâmica do conflito, a sociedade se torna
sobrepolitizada no que diz respeito à mudança socioeconômica. Do ponto de vista que mais nos
interessa aqui, isto significa que a burguesia brasileira exige do Estado a intervenção para
resolução de conflitos externos e internos, com o objetivo de garantir o que lhe é essencial em
uma economia esvaziada de mecanismos endógenos de mudança: a propriedade, as oportunidades
e os privilégios, buscando calibrar de dentro os impulsos que vêm de fora. Quando da
consolidação do capitalismo dependente como contrarrevolução permanente, fica mais claro que
a burguesia brasileira é impotente para fora, mas onipotente para dentro. Sua opção pela
incorporação ao sistema econômico e social dos Estados Unidos se dá em condições especiais,
sob o signo da Guerra Fria e da ameaça socialista na América Latina, o que lhe confere uma
capacidade inusitada de barganhar as condições de dependência, acelerar a modernização e
garantir sua parcela dos ganhos advindos da dinamização capitalista fundada na industrialização
dependente. Por outro lado, a imposição de um padrão de dominação autocrático reforça o fato de
que seu diferencial é a capacidade de manejar de forma quase que irrestrita as variáveis sociais,
econômicas e ambientais internas, em particular a superexploração do trabalho, capacidade que é
ao mesmo tempo ponto forte e fraco. Estes dois aspectos, externo e interno, conferem à burguesia
brasileira a capacidade de “congelar” a revolução democrática e nacional, enquanto acelera a
revolução capitalista, conferindo estabilidade ao capitalismo dependente.

58
Em especial em “Brasil: a construção interrompida” (FURTADO, 1992), Celso Furtado faz o balanço de mais de
uma década de crise brasileira e dos resultados das mudanças operadas pelo capital transnacional na ordem
internacional quem colocam em xeque o desenvolvimento nacional e aprofundam as dificuldades de países
subdesenvolvidos. O apelo ao peso das tendências em curso – um país que foi da formação à construção
interrompida – busca chamar atenção à gravidade dos problemas.
40
A despeito da força da interpretação de Furtado e Fernandes a respeito das condições
que permitiram ao capitalismo dependente se tornar menos instável, eles apontam claramente
algumas variáveis que condicionam este processo. Em especial, o contexto geopolítico marcado
pela polarização entre o capitalismo e o socialismo e um período de dominância de estratégias
transnacionais baseadas na concorrência pelo controle de mercados nacionais emergentes e
relativamente fechados. Quando se torna claro, na virada dos anos 1980 para os anos 1990, que
estes dois parâmetros haviam mudado, a relevância das tendências à reversão neocolonial se
tornam maiores e urgentes. Na medida em que os condicionantes mais gerais que davam
condição de estabilização do capitalismo dependente deixavam de existir, não só ficava explícita
a interrupção do processo de formação, a insuficiência dos processos de mudança anteriores para
dar uma dinâmica autodeterminada à economia e à sociedade brasileiras, como a dependência e a
segregação seriam aprofundadas em novos termos, ainda mais dramáticos. É por isso que a
essência da interpretação de Caio Prado Júnior passa a ser um guia fundamental das análises
comprometidas em resgatar a problemática da formação para compreender e transformar o Brasil,
feitas as devidas considerações a respeito do momento histórico. De qualquer forma, dadas as
novas condições de participação na renovada ordem global transnacionalizada – um imperialismo
em estágio superior –, é de se esperar que os caracteres especulativos e antissociais da burguesia
em sua relação com o ambiente econômico interno sejam aprofundados.
Como síntese, é crucial que uma leitura atual do capitalismo brasileiro e do papel da
burguesia brasileira leve em conta como se dá a permanência e a reposição da dupla articulação.
Do ponto de vista externo, é fundamental saber quais são o contexto político internacional, a
lógica de operação das empresas transnacionais de base produtiva e financeira, e o sentido do
ciclo econômico internacional e sua influência sobre a economia brasileira. Do ponto de vista
interno, em que medida os objetivos da burguesia combinam a modernização dos padrões de
consumo, a manutenção da propriedade e dos privilégios e os ganhos através da especulação e do
rentismo. E particularmente de que maneira a burguesia brasileira depende, para atingir seus
objetivos, do manejo das variáveis internas estratégicas: uma padrão de relações de produção
marcadas pela superexploração do trabalho, pelo uso predatório dos recursos naturais e do acesso
e do manejo privilegiado do Estado em função de seus interesses.

41
Mais especificamente, é fundamental entender quais são as estratégias desta
burguesia: se o peso do mercado externo é maior que o do interno; se sua base técnica se apoia na
inovação ou na cópia ou aquisição dos pacotes tecnológicos de fora; se sua base financeira é
interna – própria de um grupo, da burguesia como um todo (a banca privada) ou do Estado – ou
estrangeira; em que medida ela exige o Estado para sua realização; e como se utiliza das relações
com o trabalho e os recursos naturais disponíveis. Quanto à sua estratégia de acumulação, o
decisivo é entender qual o grau de dependência desta burguesia e como, no processo de mudança
dos termos da dependência, a burguesia prossegue abrindo espaço para realização de negócios
vinculados crescentemente às necessidades e interesses do capital internacional.

42
Capítulo 2: Burguesia brasileira e reversão neocolonial

1. Introdução

Este capítulo tem como objetivo compor um quadro geral sobre o sentido das
transformações em curso no Brasil nos anos 2000. Este quadro permitirá revelar os
condicionantes que delimitam o espaço de atuação da burguesia brasileira e, desta forma,
estabelecer conexões entre a mudança na economia brasileira e as estratégias dos grupos em
estudo nesta dissertação. A ideia chave é que embora os anos 2000 sejam marcados, na superfície
dos fatos, por uma mudança frente aos anos anteriores – cuja marca principal é o ciclo de
crescimento –, o que ocorre na verdade é a continuidade do processo de crise do desenvolvimento
das décadas passadas. A despeito das leituras que buscam afirmar haver um
neodesenvolvimentismo em curso no Brasil, a explicação da origem do ciclo de crescimento que
permitiu ligeiro aumento da já pequena margem de manobra do Estado brasileiro está nas
possibilidades abertas por determinantes externos, um comportamento típico do
reposicionamento do país na divisão internacional do trabalho. Trata-se de um conjunto de
transformações que apontam, na essência, para o prosseguimento de um processo de reversão
neocolonial, entendido como o comprometimento da capacidade do Estado nacional fazer
políticas públicas, garantir direitos e submeter a acumulação às necessidades da coletividade59.
Este capítulo contará com três seções além desta introdução. No item 2, será
apresentada a visão básica sobre o sentido das transformações ocorridas entre o final dos anos
1970 até às vésperas do século XXI. Será mostrado como a junção de determinantes externos – a
transnacionalização do capital e a mudança geopolítica advinda do fim da URSS – e de
determinantes internos – o padrão de ajuste ao pagamento da dívida e de ingresso na globalização
por políticas neoliberais – conduziram o país a um processo de reversão neocolonial.
No item 3, apresentaremos o debate sobre o significado dos anos 2000 para o Brasil,
subdividido em três partes. Na primeira, será apresentada a difundida visão
“neodesenvolvimentista” de que houve uma mudança de qualidade frentes às décadas anteriores,

59
Cf. Sampaio Jr. (2012a: p. 44 e p. 98).
43
caracterizado pela retomada do crescimento, equacionamento da vulnerabilidade externa e pela
distribuição de renda. Em resposta a esta visão serão apresentadas visões que lhe são críticas e
que buscam explicar as mudanças no período a partir dos determinantes externos que deram
alguma margem de manobra – dentro do exíguo campo existente – para o Estado brasileiro
flexibilizar sua política econômica e atingir os resultados obtidos. Em seguida, será apresentada
uma crítica ao neodesenvolvimentismo, buscando mostrar que este pensamento, desprovido de
um processo de desenvolvimento nacional e limitado a uma análise que não enfrenta questões
estruturais, se torna uma análise restrita a questões de gestão da política econômica e aos
conflitos internos dos gestores.
No item 4, por fim, serão apresentados o que consideramos ser os atuais e principais
os nexos das transformações em curso nos anos 2000, buscando explicar como eles condicionam
a continuidade, aprofundamento e aceleração do processo de reversão neocolonial e, desta forma,
permitindo montar um quadro dos condicionante do raio histórico de ação da burguesia brasileira
neste contexto.

2. A crise do desenvolvimento brasileiro como tendência à reversão neocolonial

Como dito anteriormente, este item buscará apresentar alguns elementos que ajudem
na compreensão das transformações conjuntas no plano mundial e no plano doméstico e como
elas resultam em um processo de perda progressiva do controle sobre os fins e os meios que
permitem subordinar a acumulação do capital à vontade coletiva de uma sociedade nacional, nos
quadros da tradição desenvolvimentista60. Os ajustes promovidos nos anos 1980 e 1990, somados
à reduzida capacidade do Estado resistir às tendências disruptivas do capitalismo
transnacionalizado e à opção estratégica da burguesia brasileira por uma inserção subalterna na
nova ordem, promoveram um acelerado processo de mudança nos parâmetros do capitalismo
dependente, uma nova (e muito mais especializada) inserção na divisão internacional do trabalho,
uma aceleração da desindustrialização além de uma gigantesca crise social que desintegram os
laços de unidade nacional e entre classes que continha as contradições dos problemas históricos,

60
Ver o capítulo 1, itens 2 e 3.
44
legando aos anos 2000 um padrão de transformações que intensifica o processo de reversão
neocolonial.
Segundo a contribuição de Celso Furtado – sintetizada em Hadler (2012) –, a
reorganização do capitalismo no pós-guerra tem como eixo principal o processo de projeção
internacional do sistema econômico da potência hegemônica, os Estados Unidos – seus padrões
técnicos, financeiros, culturais e éticos. Este processo de expansão, que se confunde com a
expansão das grandes corporações, evolui de uma concorrência pela conquista de mercados
internos para um processo de transnacionalização do capital. Trata-se da constituição de um
circuito global de valorização do capital, que emerge com força na década de 1970, movida pela
busca das empresas transnacionais pela combinação de recursos produtivos dispersos em escala
mundial sob sua coordenação, apoiada por um braço financeiro igualmente transnacional capaz
de prover liquidez na escala correspondente.
A transnacionalização do capital é um fenômeno crucial devido às consequências
trazidas para o desenvolvimento nacional. Para as sociedades do centro, que seriam, de certa
forma, correspondentes ao modelo clássico de desenvolvimento de Furtado, a transnacionalização
representa um confronto direto com os Estados nacionais, ao inviabilizar a sua governabilidade,
deixando-as suscetíveis à instabilidade estrutural e rompendo os vínculos de solidariedade entre
capital e trabalho construídas nos anos anteriores (HADLER, 2012: pp. 132-143). Nas sociedades
marcadas pelo subdesenvolvimento e pela dependência, as consequências são muito mais graves,
pois implicam o bloqueio das possibilidades de emergência de um Estado nacional com
autonomia relativa. Como consequência, são intensificadas as tendências à reversão neocolonial,
entendido como processo de dissolução das bases objetivas e subjetivas que permitem ao Estado
Nacional manter uma autonomia relativa suficiente para defender os interesses estratégicos da
sociedade nacional, bem como garantir direitos e políticas sociais que fomentem a integração
nacional e regional (SAMPAIO JR., 2012a: p. 44, p. 98)61. Como a modernização dos padrões de

61
A reversão neocolonial é entendida como “um processo de mudança econômica, social, política e cultural que
compromete definitivamente a possibilidade de conciliar desenvolvimento capitalista, distribuição de renda e
soberania nacional. O processo coloca em questão a própria sobrevivência da sociedade nacional como coletividade
capaz de controlar os fins e os meios das transformações capitalistas” (SAMPAIO JR., 2012a: p. 44). E também:
“(...) o processo de reversão neocolonial não significa o fim do Estado nacional, mas apenas o comprometimento
crescente de sua capacidade de fazer políticas públicas, baseadas nas noções de direitos universais e interesses
estratégicos da nação” (IDEM: p. 98).
45
consumo é o fio condutor do processo de acumulação por substituição de importações, na medida
em que se acelera o progresso técnico e se concentra o seu controle nas mãos das empresas
transnacionais, se aprofunda permanentemente o fosso entre as possibilidades desta sociedade e
seus objetivos, impondo custos crescentes da modernização, bem como a continuidade da
heterogeneidade produtiva e social. A contrapartida da aceleração de um processo de
modernização dos padrões de consumo é o aprofundamento da dependência financeira, que seria
decisiva na crise do próprio modelo brasileiro a partir dos anos 1980 (HADLER, 2012: pp. 150-
161; FURTADO, 1983: pp. 34-38).
A eclosão da crise da dívida nos anos 1980 e os desdobramentos que paralisam o
Brasil desde então nada mais representam que o esgotamento do “modelo brasileiro”:
No entanto, quando tudo parecia indicar que não havia incompatibilidade incontornável
entre dependência e desenvolvimento nacional, os processos desestruturantes
começaram a vir à tona. Em pouco tempo, a crise da dívida externa, o colapso das
finanças públicas, a desarticulação do sistema monetário, a estagnação do crescimento, a
submissão incondicional aos ditames da comunidade financeira internacional, o
desmantelamento do Estado nacional, a exacerbação dos conflitos federativos, o
aumento assustador do desemprego e do subemprego, a progressiva desnacionalização
da economia e a elevada vulnerabilidade do parque industrial ao novo padrão de
concorrência internacional começaram a evidenciar a pertinência de suas advertências. A
total incapacidade do Brasil de reagir de maneira construtiva às profundas
transformações provocadas na ordem econômica mundial pelo processo de globalização
não deixa margem de dúvida em relação à elevada vulnerabilidade da industrialização
brasileira às vicissitudes do capital internacional (SAMPAIO JR., 1999b: p. 426).
O enquadramento do Brasil às necessidades dos credores internacionais e aos
desígnios das instituições financeiras multilaterais nos anos 1980 impõe a geração de saldos
comerciais geradores de divisas e a aquisição delas pelo Estado para o pagamento da dívida62. A
viabilização deste ajuste passa, por um lado, por reorientar a economia brasileira para setores em
que possa obter competitividade internacional, e por outro, pela contenção das importações
(obtida através da recessão) e pelo endividamento público, constituindo uma “nova dependência”
(FURTADO, 1983: cap.1). Dado que o padrão tecnológico da fronteira é ferrenhamente
controlado pelas empresas transnacionais, ao capitalismo dependente resta uma combinação entre
pagar o preço pela modernização produtiva e se especializar em ramos em que possuem
vantagens comparativas estáticas, geralmente associadas à livre exploração da força de trabalho e
de recursos naturais. E além: a entrada na guerra comercial global passa por abrir o mercado

62
Cf. Sampaio Jr. (1988).
46
interno à concorrência externa, expondo as conexões de um sistema econômico em formação,
ainda que subdesenvolvido, à brutal competitividade acumulada pelas corporações
transnacionais. O resultado desta equação só poderia ser a ênfase na reprimarização contra a
industrialização e a ênfase no mercado externo contra o mercado interno, que conduz a uma
conclusão dramática: “Já não se trata mais da interrupção do processo de formação das bases
econômicas de uma nação autodeterminada, mas da possibilidade de reversão do processo, de
destruição daquelas bases materiais e do elemento que lhe imprimia dinamismo [o espaço
econômico nacional]” (HADLER, 2012: p. 168). Ficam, assim, comprometidas as bases objetivas
e subjetivas de um desenvolvimento nacional:
Pelo lado das condições subjetivas, abortou-se o processo de formação de uma burguesia
nacional que se projetasse como classe dirigente, legitimando-se pela defesa dos
interesses nacionais. Quanto às condições subjetivas, o controle das atividades
industriais por empresas de atuação transnacional vem corroendo as bases de um sistema
econômico nacional, aumentando o grau de desarticulação da economia nacional
(HADLER, 2012: p. 151).
Nos anos 1990, em vez de se interromperem as tendências regressivas, elas se
consolidam em um novo patamar. A partir desta década, a transnacionalização do capital se
converte em padrão único da economia global, correspondente a uma ordem internacional
polarizada pela lógica de conquista da potência americana (SAMPAIO JR., 2012a: pp. 94-95).
Período marcado pela abertura comercial e financeira e pela institucionalização da estabilização
monetária como objetivo maior da política econômica, é nele que o receituário neoliberal ascende
ao centro da agenda política nacional, confirmando uma opção das classes dirigentes pela
incorporação do país à globalização e pelo desfrute – por poucos – da nova rodada de
modernização dos padrões de consumo:
Desde então [anos 1990], a economia brasileira passou a se organizar em função de dois
objetivos primordiais: a abertura de novas frentes de negócios para o grande capital,
nacional e internacional; e a viabilização de uma nova rodada de modernização dos
padrões de consumo. Abandonava-se o padrão de acumulação baseado na
industrialização por substituição de importações (SAMPAIO JR., 2005 apud SAMPAIO
JR., 2012a: p. 99).
Em consonância com a pressão do grande capital e as decisões pela integração ao
todo, coube ao Estado nacional implementar modificações de caráter antinacional em diversos
parâmetros econômicos e estabelecer uma política econômica que no fim sancionasse as

47
tendências externas63. A abertura comercial expôs definitivamente o parque industrial à
predatória concorrência internacional, enquanto que a abertura financeira garantiu a mobilidade
do capital internacional e a vulnerabilidade das contas externas aos fluxos internacionais
(MACHADO, 2011). As privatizações criaram oportunidades de negócios, muitas vezes
subsidiadas, para os grandes capitais nacional e internacional aproveitarem, não raras vezes
associados (BIONDI, 1999). No mesmo sentido, diversos grupos privados partiram para a linha
de menor resistência, promovendo uma onda de desnacionalização de grupos e setores
(GONÇALVES, 1999). Um dos denominadores comuns foi a multiplicação do rentismo da
grande finança apoiada sobre a dívida pública interna ou externa, lastro último do processo de
estabilização monetária (FILGUEIRAS, 2000). Este rentismo não se limitou aos grupos
financeiros, mas virou opção de negócio para parcela da burguesia (GONÇALVES, 1999), dando
continuidade a um padrão de acumulação cuja origem remonta à década de 1980 (BELLUZZO &
ALMEIDA, 2002: cap. 5). Mais uma vez a recessão foi a contrapartida do ajuste, neste caso
devido à estabilização, contribuindo para acumular uma gigantesca crise social a dar um golpe de
morte no sistema econômico nacional, abalado pela separação entre mercado interno,
crescentemente atendido por importações, e produção interna, pautada pela desindustrialização e
pela especialização regressiva. O resultado, como não poderia deixar de ser, foram dramáticos do
ponto de vista do emprego e da crise social que se alastrou.
Ao iniciarem-se os anos 2000, após a crise cambial de 1998-1999, os parâmetros que
dão substância ao período já estão desenhados: uma necessidade crescente de exportações que

63
“Muito além de buscar o equilíbrio macroeconômico, as medidas que compõem o receituário neoliberal – a
prioridade absoluta à estabilidade da moeda, a crescente liberalização comercial e financeira, a privatização
indiscriminada, a desregulamentação radical da economia, a busca a qualquer custo da competitividade internacional,
o ajuste fiscal permanente, a flexibilização da relação capital-trabalho e todas as mudanças institucionais
preconizadas pelos organismos internacionais – têm a finalidade de adequar as estruturas e os dinamismos das
economias periféricas às novas exigências do capital financeiro global, redefinindo o padrão de dependência externa,
o papel do Estado na economia e a relação capital-trabalho. É, portanto, todo o funcionamento da economia e da
sociedade brasileira que precisa se adaptar às novas determinações do capital internacional. O sentido das mudanças
é conhecido. No plano das relações do país com os centros de poder do sistema capitalista mundial, trata-se de criar
mecanismos de tutela que garantam o controle quase que absoluto da política econômica dos países periféricos pelo
capital internacional e pelos organismos internacionais. No que diz respeito ao padrão de intervenção do Estado na
economia, o Estado deve ser “máximo” na sua capacidade de abrir novas frentes de acumulação, assegurar o
cumprimento dos contratos, selar pela estabilidade da moeda e subordinar a política fiscal aos interesses rentistas dos
detentores da dívida pública e, por essa razão, precisa ser “mínimo” na sua capacidade de fazer políticas públicas. No
que se refere à relação capital-trabalho, a palavra de ordem é: “direitos mínimos para o trabalho, obrigações
máximas para o trabalho” (SAMPAIO JR., 2012a: pp. 100-101).
48
encontra oportunidades em novo ciclo de demanda por commodities; a petrificação do ajuste
fiscal que garante a rolagem da dívida pública, as oscilações cambiais advindas da especulação
do capital financeiro internacional, responsável por desvalorizações e valorizações da moeda, e a
corrosão dos centros internos de decisão, já desprovidos de base material, instrumentos e lastro
social para dirigir qualquer processo de defesa de interesses nacionais.

3. Os anos 2000 e o neodesenvolvimentismo

Neste tópico, apresentaremos a uma leitura, identificada com as correntes


neodesenvolvimentistas, de que o Brasil nos anos 2000 adquiriu condições de promover
crescimento econômico, distribuição de renda e soberania, condição esta que explicaria a origem
do ciclo de crescimento que teria inaugurado um momento de qualidade distinta das décadas de
crise anteriores. Em resposta a tais visões serão apresentadas leituras críticas que afirmam ser o
referido ciclo explicado por fatores externos que, apesar das modificações permitidas por uma
melhora marginal na margem de manobra interna, aprofundam um padrão econômico dependente
e antissocial. Feita esta qualificação, o neodesenvolvimentismo pode ser entendido como parte da
crise da teoria do desenvolvimento e uma expressão da falta de opções do pensamento que não
ultrapassa os limites dos parâmetros da ordem capitalista dependente.

3.1. O neodesenvolvimentismo

Os anos 2000 são marcados por um surto de crescimento que coincidiu com os dois
governos Lula, onde o crescimento do PIB atingiu a média de 4,0% ao ano, contra 2,3% durante
o período FHC (GONÇALVES, 2013), chegando a uma média anual de 4,6% no segundo
mandato. A retomada do crescimento, junto com um conjunto de melhorias nos indicadores de
emprego, salário, desigualdade, investimento, balança comercial, acúmulo de reservas, expansão
do crédito, dentre outros, foi intensamente aclamada em parte do mundo político e acadêmico
como uma virada na história do Brasil, abrindo um novo período de desenvolvimento. Deste
processo surgiram diversas tentativas de interpretação do período que convergiram para o nome
de neodesenvolvimentismo, expressão maior da explicação otimista das transformações
49
ocorridas, que se sintetiza na máxima de que o Brasil reuniu as condições para conciliar
crescimento com distribuição de renda e uma relativa soberania nacional.
Cogitada desde os primeiros anos do governo Lula (BRESSER-PEREIRA, 2004;
SICSÚ, PAULA & MICHEL, 2005), a ideia de que estão criadas as condições para um novo
período desenvolvimentista ou mesmo que ele está já em curso adquiriram força e conhecimento
público no final da década de 2000, com a recuperação do Brasil do momento agudo da crise, no
biênio 2009-2010, e com o lançamento de trabalhos de intelectuais ligados ao governo buscando
disputar o cenário político das eleições de 2010 e além (SADER & GARCIA, 2010; OLIVA,
2010a, 2010b). A reivindicação de um novo desenvolvimentismo (ou neodesenvolvimentismo)
fez parte do discurso de diferentes vertentes de autores que buscaram explicar as mudanças do
período, portadoras de um núcleo comum, mas divididas por alguns nuances64.
O núcleo comum neodesenvolvimentista afirma que o Brasil do final dos anos 2000 é
um Estado com condições de promover crescimento econômico alto e sustentado, conciliando
distribuição de renda e redução da vulnerabilidade externa65. Para usarmos a leitura com maior
projeção, alinhada a um certo neodesenvolvimentismo “oficial” – expresso nas obras de Oliva
(2010b), Sader e Garcia (2010) e, no campo econômico, Barbosa e Souza (2010) –, esta nova fase
teria sido resultado principal de decisões políticas dos governos petistas. Aproveitando um
cenário externo favorável, o governo foi capaz de estabelecer uma estratégia de ampliação dos
mercados externos, atração de investimentos e acúmulo de reservas cujo resultado seria o
64
Segundo Monte-Cardoso (2013), seriam três as correntes neodesenvolvimentistas. A primeira corresponderia à
leitura oficial, elaborada de forma menos organizada e defendendo o papel primordial do governo Lula. Suas
principais expressões são Oliva (2010a, 2010b) e Barbosa e Souza (2010), com aportes relevantes de Sader e Garcia
(2010), Mantega (2007), Coutinho (2011), Pochmann (2012), dentre outros. O novo-desenvolvimentismo, corrente
mais organizada do ponto de vista teórico, defende uma estratégia macroeconômica export-led com equilíbrio
macroeconômico e fiscal. Suas principais teses podem ser encontradas em Sicsú, Paula e Michel (2007), Bresser-
Pereira (2010a, 2010b), Oreiro (2012) e Oreiro e Paula (2011). Por fim, o social desenvolvimentismo, uma outra
variante acadêmica que disputa os rumos do governo e ainda não tão organizada, advoga o esgotamento do
crescimento baseado no consumo interno e prescreve uma estratégia baseada no investimento autônomo,
fundamentalmente em infraestrutura. Os trabalhos mais destacados nessa visão são os de Carneiro (2011, 2012),
Costa (2012) e Bastos (2012).
65
Como não há um consenso sobre o fato de o Brasil já ter implementado uma estratégia desenvolvimentista, a
posição consensual é a de que já há condições para a mudança de qualidade. Há os que afirmam que ele foi coerente
desde o começo, fazendo contudo concessões em prol da governabilidade e do ajuste fiscal necessário (OLIVA,
2012b; MANTEGA, 2007; PINHO, 2011). Para outros, o governo só muda a partir de 2005 e 2006, como em
Barbosa e Souza (2010), ou 2007-2008, em Coutinho (2011). Há ainda visões dentro do debate que argumentam
ainda estar em disputa a orientação do governo, apesar de progressivamente se alinhar ao desenvolvimentismo
(ERBER, 2011; MORAIS & SAAD-FILHO, 2011). Em Bresser-Pereira (2010a, 2010b) se encontra uma visão que
considera ainda não iniciada a estratégia desenvolvimentista (por ele proposta).
50
equacionamento do histórico problema das restrições externas. Deslocando o peso do ciclo
internacional de negócio para um segundo plano (o de condições que foram aproveitadas), Oliva
(2010a, 2010b) mostra que foram decisões internas que permitiram materializar os benefícios do
cenário externo em margem de manobra para conciliar política anticíclica, investimentos estatais
e políticas sociais ampliadas e melhor coordenadas.
Segundo Monte-Cardoso (2013), em todas as visões neodesenvolvimentistas é
comum a noção de desenvolvimento entendida como crescimento alto e sustentado, que permite
conciliar distribuição de renda e capitalismo. Trata-se de uma forma de diferenciação tanto com o
período anterior, taxado de neoliberal e marcado pela estagnação, como com o velho
desenvolvimentismo, notoriamente antissocial e desequilibrado. O objetivo último é alcançar os
padrões de renda per capita dos países desenvolvidos (catching-up), o que faz com que a
estratégia seja pautada por destravar as amarras do crescimento econômico.
O desafio, que teria sido parcialmente vencido nos anos 2000, é o de garantir a
intervenção do Estado com o papel de correção das “taras” do capital financeiro e promoção do
capital empresário. Trata-se de uma leitura de base keynesiana, que compreende o conflito social
fundado entre classes rentistas e classes produtivas – empresários e trabalhadores66. Trazendo a
questão social para o centro da agenda de unidade das classes produtivas, o
neodesenvolvimentismo coloca o peso da resolução de questões sociais relativas ao desemprego e
à pobreza a dinamização do mercado de trabalho, possível apenas em condições de alto
crescimento no longo prazo, fonte de emprego e margem para políticas sociais. Nesta leitura, as
reformas estruturais como a reforma agrária nem se colocam como pilares de uma estratégia de
desenvolvimento. Os anos 2000, mais uma vez, teriam mostrado não apenas o sucesso do
equacionamento de questões sociais, pela combinação de crescimento do emprego, do consumo e
da redução da pobreza, como mostrado o caminho para a resolução dos problemas.
Os neodesenvolvimentistas reconhecem do velho desenvolvimentismo alguns legados
decisivos – a industrialização relativamente avançada, ainda que com distorções, desequilíbrios e
insuficiências, e o Estado com capacidade de fazer a coordenação e o planejamento estratégico do

66
Apesar de alguns aportes que reivindicam uma posição de corte classista, as explicações práticas e o programa de
desenvolvimento do neodesenvolvimentismo não considera antagonismos entre classes burguesa e trabalhadora,
colocando no centro da agenda a capacidade e a necessidade de conciliar interesses em torno do “capital produtivo”,
responsável pelo crescimento. Daí se tratar, fundamentalmente, de uma análise de fundo keynesiano.
51
desenvolvimento. Contudo, também identificam então a não-resolução de problemas que impõem
limites e constrangimentos ao desenvolvimento, dentre os quais estão a falta de bases técnicas e
financeiras próprias, que mantém uma dependência externa e exigem a presença do Estado.
Em suma, o neodesenvolvimentismo é a explicação mais otimista e positiva do
período atual, fortemente associada com a defesa dos méritos ou disputa dos rumos dos governos
petistas. Se se considera de uma lado a mudança no cenário externo, por outro se joga ênfase
decisiva na explicação dos fatos às decisões internas do Estado brasileiro, explicada apenas por
uma condição de considerável autonomia do Estado. Desde a perspectiva adotada neste trabalho,
tal explicação tende a desconsiderar todos os parâmetros estruturais já apontados e, desta forma,
o essencial: o peso mais que proporcional que as variáveis externas possuem devida à própria
posição do Brasil na divisão internacional do trabalho e à sua vinculação aos negócios
transnacionais. O tópico seguinte busca neste caminho uma explicação para o ciclo dos anos
2000.

3.2. Uma crítica à origem do crescimento nos anos 2000

O “período neodesenvolvimentista” foi fruto de uma margem de manobra aberta por


condições exteriores extremamente favoráveis ao alívio das contas externas, permitida por um
ciclo econômico favorável às exportações brasileiras, especialmente de commodities, e favorável
ao endividamento externo, através de uma nova enxurrada de investimentos externos. Minorando
as pressões sofridas pela economia brasileira no balanço de pagamentos e viabilizando um
período de relativa solvabilidade externa, o ciclo internacional viabilizou uma flexibilização
quantitativa da política econômica, dando alguma margem para o governo federal implementar
políticas sociais e investimentos. Longe, contudo, de alterar os padrões de inserção externa e as
relações de produção que caracterizam a economia brasileira desde a década de 1990, este
período na verdade aprofundou um desenvolvimentismo às avessas.
A ascensão de uma nova divisão do trabalho internacional comandada pelas relações
entre EUA e China promoveu um período de extraordinária dinamização dos mercados
financeiros internacionais e dos mercados de gêneros primários, minerais, agropecuários ou
commodities industriais (FILGUEIRAS et alli, 2010). O Brasil, crescentemente integrado ao
52
circuito de valorização internacional e em pleno reposicionamento na divisão internacional do
trabalho, foi fortemente influenciado nos anos 2000 por este novo período: viu crescer como
nunca o saldo comercial e o afluxo na conta capital e financeira. Por um lado, o Brasil dispõe de
ampla oferta de recursos naturais capazes de responder à demanda externa, torna-se rapidamente
um exportador de gêneros primários, cujo valor ascende a patamares inéditos mais que
proporcional dos preços. Por outro, o país é inundado por investimentos, em sua maioria
especulativos, que buscavam os diferenciais de juros permitidos pela dívida pública, a
especulação com ações de empresas ligadas aos negócios exportadores e o atendimento a um
mercado corporativo carente de financiamentos de longo prazo (FILGUEIRAS & OLIVEIRA,
2012). Após décadas, o país passou por um período sem restrições no balanço de pagamentos67, o
calcanhar de Aquiles da economia brasileira.
Foi este impulso inicial, do ponto de vista macroeconômico, e a condição externa
permitida por ele, do ponto de vista do financiamento da economia, que criou as condições para o
ciclo de crescimento dos anos 2000. Com margem de manobra, ao governo foi possível executar
uma flexibilização quantitativa da política econômica, conciliando a continuidade do tripé
macroeconômico com a execução de políticas sociais e investimentos (FILGUEIRAS et alli,
2010). O mercado interno obtém um recuperação relativa fundada no crédito que foi viabilizado,
por sua vez, pelo ciclo de liquidez externo (SAMPAIO JR., 2012c). O resultado foi um período
marcado pela aceleração do crescimento, menor desemprego e leve melhoria na distribuição de
renda funcional e pessoal, redução da pobreza extrema e redução da vulnerabilidade externa
conjuntural.
A experiência de uma nova margem de manobra permitiu ao governo inclusive fazer
importantes alterações na estrutura do capital brasileiro através do BNDES, capitalizando grupos,
estimulando a fusão entre eles e sua internacionalização. Este movimento correspondeu a um
atendimento das pressões de empresas68 – como JBS, Fibria, Gerdau, Camargo Correa, Vale e
Odebrecht –, como contrapartida ao papel por elas executado nas exportações, auxiliando a

67
O Brasil chegou a ter superávit em transações correntes e acumulou centenas de bilhões de dólares em reservas.
68
“(...) as atuações estatais que favoreceram a burguesia interna não são fruto de um planejamento
desenvolvimentista, mas sim o atendimento à demanda de internacionalização dos grandes grupos econômicos
brasileiros, que precisavam de um ambiente externo favorável à sua expansão” (FILGUEIRAS & OLIVEIRA, 2012:
p. 7).
53
continuidade da folga nas contas externas (FILGUEIRAS & OLIVEIRA, 2012: p. 7). A
incorporação destes grupos ao núcleo de relações políticas e econômicas do Estado tem, desta
forma, origem no próprio reposicionamento do país na divisão internacional do trabalho e a
crescente dependência estrutural por commodities.
Contudo, neste período de flexibilização não apenas não houve mudança de qualidade
no padrão econômico vigente, como não houve o propósito de fazê-la. As possibilidades abertas
foram aproveitadas na linha de menor resistência, isto é, tendo como opção a maior integração ao
novo padrão de acumulação que tem se afirmado. Isto pode ser identificado através da
constatação de que os principais parâmetros que caracterizam o Brasil pós-ajuste neoliberal
permaneceram vigentes ou foram aprofundados (FILGUEIRAS & GONÇALVES, 2007;
FILGUEIRAS et alli, 2010). Do ponto de vista das relações capital-trabalho, continuam marcadas
pela retirada de direitos e pela precarização e pela defensiva das organizações do trabalho, a
despeito das melhorias quantitativas; ressalte-se o retrocesso na questão agrária. Do ponto de
vista das relações intercapitalistas, o traço de é intensificação dos processos de concentração e
centralização do capital com participação decisiva do Estado na viabilização de diversos
processos69. Quanto à inserção internacional, prossegue a inserção especializada, agora
polarizada pelo “efeito China”. Quanto à estrutura de funcionamento do Estado, reforça-se a
tendência de subordinação ao capital financeiro. Por fim, a dinâmica macroeconômica pode
passar por um período menos instável do ponto de vista conjuntural, a despeito do agravamento
da vulnerabilidade externa estrutural (FILGUEIRAS & OLIVEIRA, 2012: pp. 8-12).
Um dos pontos mais defendidos como uma mudança de rumos promovida pelo
governo, a política externa, é um desdobramento deste mesmo padrão. Pragmaticamente, ela
serviu para reforçar a nova posição do Brasil na divisão internacional do trabalho: “Na busca
desesperada por novos mercados e por capitais estrangeiros, a Presidência da República foi
instrumentalizada para vender o Brasil como se fosse commodities pelo mundo afora”
(SAMPAIO JR., 2012c). Tal é o comportamento no aprofundamento de relações com países

69
“O ‘retorno’ do Estado aponta para um objetivo claro, qual seja: o fortalecimento de um segmento do capital
financeiro no Brasil, no sentido clássico de junção do capital bancário com o capital produtivo (Hilferding, 1985). O
BNDES é o locus privilegiado desta operação. Como corolário de todo o processo em curso, vem-se definindo a
participação do capital privado e estatal nacional no bloco de poder dominante. No âmbito político-administrativo, as
divergências de interesse, no limite, são arbitradas por Lula” (FILGUEIRAS et alli, 2010: pp. 49-50).
54
latino-americanos ou do grupo dos BRICS70. Mais paradigmática ainda é a posição intransigente
de defesa do neoliberalismo em diversos fóruns internacionais, cuja expressão máxima é a
recorrente bandeira pró-liberalismo comercial.
Essencialmente, a noção de que houve ou estaria em curso uma mudança qualitativa
dos rumos da economia brasileira só pode ocorrer se desconsideradas totalmente as estruturas que
repõem o subdesenvolvimento e a dependência:
O mito de que o Brasil estaria vivendo um surto de desenvolvimento que abriria a
possibilidade de superação da pobreza e da dependência externa simplesmente ignora a
fragilidade das bases que sustentam o ciclo expansivo dos últimos anos e seu efeito
perverso de reforçar a dupla articulação responsável pelo caráter selvagem do
capitalismo brasileiro: o controle do capital internacional sobre a economia nacional e a
segregação social como base da sociedade brasileira (SAMPAIO JR., 2012c).
Um elemento decisivo que conecta o Brasil às estruturas da dependência é a
aceleração da especialização e a desindustrialização que lhe é correspondente. Ao vincular-se de
forma aberta ao ciclo gerado pelo binômio EUA-China, o país não apenas primarizou sua pauta
de exportações como abriu mão do controle de seu comportamento, pois as variáveis decisivas
são todas externas (FILGUEIRAS & OLIVEIRA, 2012). O reposicionamento não é apenas
pontual, mas possui diversos desdobramentos:
A revitalização do agronegócio como força motriz do padrão de acumulação reforça o
papel estratégico do latifúndio. A importância crescente do extrativismo mineral,
potencializada pela descoberta de petróleo na camada do pré-sal, intensifica a exploração
predatória das vantagens competitivas naturais do território brasileiro. Por fim, a falta de
competitividade dinâmica (baseada em inovações) para enfrentar as economias
desenvolvidas assim como a insuficiente competitividade espúria (baseada em salário
baixo) para fazer face às economias asiáticas levam a um processo irreversível de
desindustrialização (SAMPAIO JR., 2012c).
Como o sentido do processo aponta no sentido contrário da constituição de bases
objetivas e subjetivas para um desenvolvimento nacional com um mínimo de autonomia, o novo
desenvolvimentismo só pode ser às avessas:
Portanto, a “inversão de sinais” faz com que se possa atribuir ao Governo Lula a
responsabilidade pela implementação do nacional-desenvolvimentismo às avessas. Este
resultado tem sérias implicações quanto à trajetória futura do país. Conforme discutido,
o ND tem como eixo estruturante a redução da vulnerabilidade externa estrutural. Na

70
“[A presidência da República] Também foi fartamente utilizada, principalmente na América Latina e na África,
como representante especial de grandes grupos empresariais, basicamente empreiteiras e bancos, em busca de novos
mercados nas franjas periféricas do sistema capitalista mundial. O discreto e vacilante apoio a Hugo Chávez, a maior
aproximação com Cuba, os flertes com o mundo árabe e a busca de uma relação econômica mais intensa com a
Índia, a Rússia e a China respondem a interesses comerciais bem concretos e não devem gerar qualquer tipo de
ilusão em relação à articulação de alternativas que signifiquem um desafio à ordem global” (SAMPAIO JR., 2012c).
55
medida em que o Governo Lula implementa o ND com “sinal trocado”, ele reduz da
capacidade estrutural do Brasil de resistir a pressões, fatores desestabilizadores e
choques externos. Isto ocorre em todas as esferas: comercial (desindustrialização,
dessubstituição de importações, reprimarização e perda de competitividade
internacional); tecnológica (maior dependência); produtiva (desnacionalização e
concentração prazo de instabilidade e crise no contexto de crescente globalização
econômica) (GONÇALVES, 2012: p. 24).
O neodesenvolvimentismo, portanto, “(...) tal como o velho, sintetiza o capitalismo
possível de existir na periferia do capitalismo na ‘era imperialista’, cujas características
fundamentais são: dependência tecnológico-financeira, concentração de renda, exclusão social e
democracia restrita” (FILGUEIRAS et alli, 2010: pp. 38-39). Nestes marcos, o raio de manobra
da sociedade é mínimo e como não há sombra de ruptura com o legado histórico de décadas:
Numa sociedade sujeita a um processo de reversão neocolonial, a distância entre a
esquerda e a direita da ordem é pequena porque o raio de manobra da burguesia é
ínfimo. O grau de liberdade se reduz, basicamente, às seguintes opções: maior ou menor
crescimento, num padrão de acumulação que não dá margem para a expansão
sustentável do mercado interno; maior ou menor concentração de renda, dentro dos
limites de uma sociedade marcada pela segregação social; maior ou menor participação
do Estado na economia, dentro de um esquema que impede qualquer possibilidade de
políticas públicas universais; maior ou menor dependência externa, dentro de um tipo de
inserção na economia mundial que coloca o país a reboque do capital internacional; e,
como consequência, maior ou menor repressão às lutas sociais, dentro de um regime de
“democracia restrita”, sob controle absoluto de uma plutocracia que não tolera a
emergência do povo como sujeito histórico - seja pelo recurso ao esmagamento, que
caracteriza os governos à direita da ordem; seja pelo recurso à cooptação, como fazem os
governos que se posicionam à esquerda da ordem (SAMPAIO JR., 2012c).

3.3. Uma crítica à natureza do pensamento neodesenvolvimentista

Desprovido de uma base histórica de desenvolvimento, os neodesenvolvimentismos


se enquadram perfeitamente como herdeiras da crise da teoria do desenvolvimento, que, ao
desconsiderar os vínculos cruciais da dupla articulação, reduziu a problemática do
desenvolvimento ao desenvolvimento capitalista e, como vimos, ao crescimento econômico. Os
planos de análise em que se enquadram os neodesenvolvimentistas encaminham suas análises e
propostas para se limitar a mera tentativa de terceira via entre neoliberalismo e velho
desenvolvimentismo. Desta forma, acaba por tornar-se mais uma proposta de gestão do exíguo
espaço de manobra possível a uma sociedade em processo de reversão neocolonial.
Como mencionado no capítulo 1, surgiu nos anos 1960 e 1970 uma nova árvore de
interpretações sobre os dilemas das sociedades latino-americanas fundadas na ideia-chave de que
56
seria possível combinar dependência e desenvolvimento (SAMPAIO JR., 1999c). A
consequência prática desta combinação foi a diluição das contradições entre imperialismo e
desenvolvimento nacional e pobreza e desenvolvimento capitalista autodeterminado, o que levou
simplesmente à redução do problema do desenvolvimento a uma questão de desenvolvimento
capitalista (SAMPAIO JR., 2012b: pp. 676-678). Uma vez clara a correspondência entre crise do
desenvolvimento, desde os anos 1980, e a crise do pensamento que a acompanha, o debate fica
condicionado ao desempenho macroeconômico e às crises pelas quais passa a economia brasileira
no período. Considerando o avanço do neoliberalismo no terreno da política econômica, das
reformas estruturais e da ideologia, o pensamento identificado com o avanço por dentro do
capitalismo dependente fica desprovido de respostas aos problemas candentes não resolvidos da
formação e se conformam a um patamar de debate ainda mais reduzido71.
Os neodesenvolvimentistas fazem parte deste processo de crise teórica. Seu
surgimento se deve a um fato concreto – o ciclo de crescimento e os resultados obtidos nos anos
2000 criaram a impressão, em um país marcado pela recessão, que havia mudanças reais em
curso (SAMPAIO JR., 2012b: p. 679). O problema é que, condicionado pela estreiteza das
opções históricas impostas pela ordem e pela longa tradição de abandono da antiga tradição
desenvolvimentista – vinculada ao problema da formação –, o neodesenvolvimentismo acabou se
tornando um fenômeno isolado ao Brasil e a grupos vinculados ao governo, limitado a um
horizonte de análise restrito a uma macroeconomia de curto prazo. No fundo, seus limites se
revelam na tarefa a que se propõem: ser uma terceira via entre o velho desenvolvimentismo e o
neoliberalismo:
O desafio do neodesenvolvimentismo consiste, portanto, em conciliar os aspectos
“positivos” do neoliberalismo – compromisso incondicional com a estabilidade da

71
Comentando os dilemas de uma das variantes da crise da teoria do desenvolvimento no Brasil diante das
dramáticas transformações em curso nos anos 1990, Sampaio Jr. afirma: “Embora defenda a construção do sistema
econômico nacional como objetivo estratégico da sociedade e o controle dos centros internos de decisão como o
principal instrumento para alcançá-lo – preservando, assim, objetivos fundamentais da desenvolvimentista latino-
americana – o enfoque do capitalismo tardio não dá conta dos problemas atuais do desenvolvimento capitalista
dependente. A ausência de espaço de liberdade para ações capazes de superar as estruturas econômicas, sociais e
culturais responsáveis pela perpetuação do subdesenvolvimento fecha as portas para o acontecer histórico. Deste
modo, a revisão teórica que surgiu em meados da década de 70 para mostrar os horizontes abertos pela
industrialização pesada tornou-se, nos anos 90, uma espécie de teoria da resistência, que denuncia os riscos de
desestruturação da industrialização capitalista retardatária, mas não propõe alternativas que permitam superar o
impasse claustrofóbico que compromete o futuro da nação. Percebendo a impossibilidade de permanecer tal qual e o
suicídio que seria acompanhar os ritmos da modernização impostos de fora para dentro, os teóricos do capitalismo
tardio procuram ganhar tempo, à espera de dias melhores” (SAMPAIO JR., 1999b: pp. 201-202).
57
moeda, austeridade fiscal, busca de competitividade internacional, ausência de qualquer
tipo de discriminação contra o capital internacional – com os aspectos “positivos” do
velho desenvolvimentismo – comprometimento com o crescimento econômico,
industrialização, papel regulador do Estado, sensibilidade social (SAMPAIO JR., 2012c:
p. 679).
Uma das lacunas que se sobressai nas leituras neodesenvolvimentistas é a ausência
quase total de menção ao papel cumprido pelas burguesias locais no novo padrão. Ao contrário
da antiga tradição desenvolvimentista, que vinculava as transformações em curso e as
possibilidades inscritas no processo histórico ao protagonismo de uma burguesia nacional em
constituição72, o neodesenvolvimentismo descarrega o peso das decisões e da realização das
transformações no Estado, como se fosse um agente histórico autônomo. Ou, na melhor das
hipóteses, o Estado seria o responsável por destravar o potencial empreendedor da burguesia
brasileira, limitado pela ausência de perspectivas de inversão e pelo alto custo do investimento73.
A distância para a velha tradição desenvolvimentista aí se torna gritante, já que esta exige a
realização das reformas estruturais, enquanto que os neodesenvolvimentismos se limitam a
manejar variáveis possíveis dentro da ordem constituída – daí a diferença entre as duas no que diz
respeito à questão do agente do processo histórico:
A perspectiva desenvolvimentista supõe a presença de sujeitos políticos dispostos a
enfrentar o imperialismo e o latifúndio. Os novos desenvolvimentistas são entusiastas do
capital internacional, do agronegócio e dos negócios extrativistas. Defendem a
estabilidade da ordem. Não alimentam nenhuma pretensão de que seja possível e mesmo
desejável mudanças qualitativas no curso da história. São entusiastas do status quo. Na
sua visão de mundo, desenvolvimento e fim da história caminham de mãos dadas
(SAMPAIO JR., 2012b: p. 685).
Criticando a noção presente em Barbosa e Souza (2010) de que a “virada
desenvolvimentista” dentro do governo teria sido um resultado da vitória de uma corrente sobre a
outra dentro do governo, Gonçalves é categórico em afirmar o absurdo de uma corrente de

72
“Nessa perspectiva, a superação do capitalismo selvagem não poderia ser concebida como resultado natural e
espontâneo do desenvolvimento capitalista. Sem mudanças de grande envergadura, o crescimento e a modernização
não resolveriam as mazelas da população. O desenvolvimento nacional supunha a subordinação da acumulação
capitalista a uma “vontade” coletiva que integrasse o conjunto da população nos benefícios do progresso técnico. (...)
Sem a presença de burguesias nacionais capazes de enfrentar os interesses externos e internos comprometidos com a
reprodução da situação de dependência e subdesenvolvimento, a concepção “desenvolvimentista” pereceria, pois não
teria como se converter em força real. A sorte do “desenvolvimentismo” confundia-se, assim, com o próprio destino
de formação da sociedade nacional” (SAMPAIO JR., 2012b: p. 675).
73
A perspectiva do “novo-desenvolvimentismo” (ver BRESSER-PEREIRA, 2010a, 2010b), ainda que mencione
explicitamente o que considera ser o “arranjo” de classes burguesas (em uma perspectiva tipicamente keynesiana),
propõe uma junção de interesses em que os exportadores não sejam prejudicados (em moeda corrente) e em que a
“burguesia industrial” competitiva possa concretizar plenamente o seu potencial, tudo isso possível simplesmente
através de mudanças nas políticas macroeconômicas.
58
pensamento que não tenha correspondência nos conflitos de interesses materiais de classes
expressos no Estado, reduzindo a “guinada” desenvolvimentista de finais do primeiro mandato de
Lula a uma mera capacidade de convencimento de uma ala contra a outra:
Assim, no primeiro mandato, os ‘liberais’ teriam impedido o aproveitamento das
oportunidades criadas pela conjuntura externa, enquanto no segundo mandato a reversão
da fase ascendente do ciclo internacional e a crise global teriam prejudicado a trajetória
‘desenvolvimentista’. A fragilidade analítica desta interpretação é evidente. Só pra
ilustrar, ela parte do pressuposto de que estratégias, políticas e gestão dependem do
acesso dos good guys aos ‘ouvidos do rei’. E a nomeação dos good guys depende de seus
méritos pessoais, dos canais de acesso ao ‘rei’ e da ‘roda da fortuna’. Ou seja, a
economia política dos conflitos de interesses entre grupos e classes sociais é desprezada
em favor da ‘fulanização’ e dos méritos e deméritos de indivíduos que ocupam postos-
chave na administração pública. (GONÇALVES, 2010: pp. 177-178).
Portanto, podemos afirmar que não apenas a pretensão de um novo
desenvolvimentismo como fenômeno é desprovido de base material – mesmo no curtíssimo
período considerado –, como um novo desenvolvimentismo que fizesse jus à tradição
desenvolvimentista não expressa uma necessidade histórica. Em realidade, as correntes assim
identificadas cumprem o terrível papel de reavivar a teoria do crescimento aplicada à periferia,
apontar a modernização e o mito do desenvolvimento como saída para os problemas brasileiros e
servir de lança a conflitos internos de grupos que disputam os rumos do governo (SAMPAIO JR.,
2012b: pp. 685-686).

4. Reversão neocolonial nos anos 2000


Nos anos 2000, entra em curso um processo de divisão internacional do trabalho
comandado pela intensificação do processo de globalização, exacerbando os interesses das
grandes corporações e do imperialismo de caráter especulativo, rentista e de controle estratégico
do progresso técnico e de mercados. Isso ficou mais nítido ainda com a solução americana para a
crise mundial do final da década. Para os países da periferia e em particular para o Brasil, apesar
da efêmera recuperação no pós-crise, os efeitos desta nova ordem são a aceleração do processo de
reversão neocolonial, reduzindo o horizonte de autonomia e de capacidade de defesa frente à
força do capital transnacional. Uma das principais manifestações disso reside na redução drástica
do poder de barganha da burguesia brasileira, crescentemente orientada a aproveitar as
oportunidades geradas pelo capital internacional em atividades de baixa tecnologia, voltados para

59
o comércio exterior, e intensivas na superexploração do trabalho, dos recursos naturais e do
suporte estatal.
O resultado do já referido processo de transnacionalização do capital sobre as
sociedades da periferia pode ser sintetizado como a constituição de uma nova dependência
(SAMPAIO JR., 2007: p. 147), explicada por três dimensões. Primeiro, a aceleração do progresso
técnico e o aumento da defasagem tecnológica frente ao centro expõe os países dependentes a um
padrão de concorrência que leva a uma desestruturação produtiva que não apenas interrompe –
como faz regredir a industrialização. Estas regiões, orientadas a participar de fragmentos do ciclo
de acumulação global, atraem investimento direto estrangeiro na forma de “enclaves”
desconectados de um sistema econômico nacional. Segundo, ocorre uma tendência ao
desequilíbrio estrutural do balanço de pagamentos, sob a forma da incapacidade dos países
arcarem com os custos da modernização dos padrões de consumo. Uma vez cristalizada uma
forma de conexão com o todo marcada pela alta mobilidade do capital e pela garantia da
estabilização monetária, as periferias são pressionadas a especializarem sua pauta de exportações
em busca de divisas, ao mesmo tempo em que elas são subtraídas pelas importações e
remuneração de serviços. Desta forma, revela-se a tendência ao deslocamento do eixo dinâmico
das economias para fora do mercado interno. E terceiro, como a difusão dos padrões de vida do
centro se torna mais fácil e por isso é intensificada com o progresso técnico, as periferias se veem
enredadas na renovação do mimetismo cultural e na encarnação da ideologia do mercado que
combate o Estado nacional, único instrumento com alguma capacidade de resistir às tendências
deletérias da integração (SAMPAIO JR., 2007: pp. 147-149). Como resultado, estes países – e
isso é particularmente válido para o Brasil – se defronta com os desafios da desestruturação
produtiva, da ruptura dos mecanismos de classificação social que estabilizavam e legitimavam a
ordem, e fica exposto a toda sorte de tensões regionais e de segregação social. Daí se falar em
fortes tendências à reversão neocolonial, nos termos já explicados no item 2 deste capítulo.
Um ponto chave para se compreender como as sociedades periféricas –
particularmente aqui as latino-americanas e a brasileira – se expõem e ingressam nesta rede
complexa de determinações é a análise da força relativa da burguesia local no novo contexto. A
questão pode ser resumida da seguinte forma:

60
O problema central é que o novo contexto histórico reduz dramaticamente os graus de
liberdade das burguesias das economias periféricas diante do capital internacional. Como
as empresas transnacionais passaram a operar com tecnologias concebidas para
mercados supranacionais, com renda média muito elevada, a natureza de seus vínculos
com as economias dependentes tornou-se muito mais fluida. A situação é bem diferente
daquela que ocorrera na fase final de difusão da Segunda Revolução Industrial. No ciclo
expansivo do pós-guerra, a estratégia de conquista dos mercados internos, mediante a
transferência de unidades produtivas, levava o capital internacional a exigir espaços
econômicos nacionais relativamente bem delimitados. Tratava-se de evitar que unidades
produtivas deslocadas para a periferia sofressem a concorrência de produtos importados.
É este contexto histórico que permitiu que, até o início dos anos oitenta, as economias
mais avançadas da região apresentassem uma certa convergência tecnológica com as
economias centrais. Na era da mundialização do capital, estamos assistindo a um
fenômeno bem diferente. O objetivo das grandes empresas transnacionais é diluir a
economia dependente no mercado global para que possam explorar as potencialidades de
negócios da periferia sem sacrificar sua mobilidade espacial. Por esse motivo, os
gigantes da economia mundial não querem que as fronteiras nacionais continuem
rigidamente delimitadas. O interesse no “Terceiro Mundo” se resume basicamente aos
seguintes objetivos: ter livre acesso aos mercados, (não importando se eles serão
atendidos com produtos importados ou com produção local –a decisão depende de
circunstâncias ditadas pela estratégia de concorrência de cada empresa); ter o máximo de
flexibilidade para aproveitar as potencialidades da região como plataformas de
exportações que requerem mão-de-obra barata; açambarcar das mãos do capital nacional,
público ou privado, os segmentos da economia que possam representar bom negócio.
A adversidade do contexto histórico enfrentado pelos países latino-americanos foi
agravada pelo efeito extremamente negativo do colapso da União Soviética sobre o
poder de barganha dos países periféricos no sistema capitalista. Sem medo do fantasma
comunista, as nações hegemônicas sentiram-se livres para desrespeitar os princípios
mais elementares da autodeterminação dos povos. Sem sustentação externa e sem base
material interna para sustentar o seu poder de classe, as burguesias dependentes estão se
convertendo em burguesias que vivem de intermediar negócios de compra e venda de
mercadorias no mercado internacional, de patrimônio público e privado e de ativos
financeiros. Isso explica a desfaçatez com que grandes potências, direta ou
indiretamente, pressionam as economias dependentes a se adaptar incondicionalmente às
suas exigências; bem como a docilidade com que tais pressões são recebidas pelos
mandatários-títeres de plantão (SAMPAIO JR., 2007: pp. 146-147).
A reflexão sobre a nova dependência passa, portanto, sobre o caráter assumido pelas
burguesias locais. A nova configuração da ordem global coloca pouquíssimo raio de manobra
para uma burguesia como a brasileira e a faz mais dependente de negócios gerados pelo capital
transnacional: ela se torna crescentemente uma classe que aproveita oportunidades na
intermediação de mercadorias (comércio exterior), de ativos financeiros e de patrimônio, próprio
ou estatal. Com a desarticulação da industrialização dependente, a burguesia brasileira sai em
busca de todo tipo de negócio especulativo – comercial, financeiro ou produtivo – no mercado
interno ou externo. A questão colocada nos anos 2000 é justamente a intensificação deste padrão

61
de movimento, que fortaleceu os vínculos da burguesia com o capital internacional, como vimos
na seção anterior.
A grande crise econômica mundial que eclodiu em 2008 apontou novos
condicionantes para o processo de reversão neocolonial. Ao não desvalorizar o estoque de ativos
tóxicos, a estratégia americana para a crise não conseguiu abrir um novo horizonte de
investimentos e não promoveu medidas para controle e coordenação dos mercados de capitais
internacionais, curiosamente criou bases para a recuperação pela qual o Brasil passou em 2009-
2010, bem como apontou o aprofundamento das vulnerabilidades estruturais da economia
brasileira (SAMPAIO JR., 2011: pp. 88-93). A combinação entre o estado de incerteza
generalizado e a existência de uma gigantesca massa de capital sem aplicações gera uma
convulsão na busca por oportunidades circunstanciais74. O encontro deste capital com um país
com ampla oferta de negócios ligados à especulação e ao rentismo deu fôlego novo ao
investimento direto externo, que aproveitou, como já vimos, para ganhar com a dívida pública,
com ações e dívidas de empresas ligadas à exportação, ou tão somente passíveis de especulação,
a negócios nos setores primários, importação e exportação etc. Em resumo: “Antes de significar
um ‘descolamento’ da crise internacional, a surpreendente recuperação do crescimento reflete,
na verdade, a forma específica de articulação da economia brasileira com o movimento de
metástase da crise” (IDEM: p. 87).
A crise mundial, desta forma, acirra os processos que impulsionam a reversão
neocolonial. Sampaio Jr., menciona quatro efeitos relevantes que esta crise coloca para o Brasil:
(i) o enorme afluxo de capital e o déficit no balanço de pagamentos reforça o desequilíbrio
externo estrutural, deixando claro como a questão externa não está equacionada; (ii) o
compromisso e submissão do Estado brasileiro aos interesses do grande capital estrangeiro e
interno (manifesta nas ações de auxílio e socorro via subsídios, desonerações, incentivos, crédito,
encampação da divida etc.) tem como contrapartida a fragilização financeira do Estado e a
redução das margens de manobra; (iii) o financiamento de um ciclo de crescimento e

74
“O estado de incerteza radical gerado pela ausência de uma clara definição sobre as novas frentes de expansão do
capitalismo obriga a massa de capital excedente, que foi impedida de se desvalorizar pela providencial intervenção
do Estado, a sair como um zumbi pelo mundo afora à cata de negócios circunstanciais, levando ao paroxismo a
lógica predatória e ultra-especulativa que preside o movimento do capital em tempos de crise” (SAMPAIO JR.,
2011: p. 87).
62
modernização dos padrões de consumo sobre o endividamento das famílias expõe todo o sistema
financeiro a uma perigosa crise de inadimplência; (iv) a regressão industrial e a especialização
regressiva se aceleram com os incentivos a investimentos baseados no uso indiscriminado e
predatório de recursos naturais (SAMPAIO JR., 2011: pp. 94-95). Particularmente este último
merece um detalhamento:
Por fim, a política de incentivar a entrada de indústrias sujas, que se deslocam dos países
desenvolvidos para fugir do rigor da legislação ambiental, e a impotência diante da
guerra de desvalorização cambial deflagrada pelos Estados Unidos aceleram e
aprofundam o processo de regressão industrial e especialização regressiva que
caracterizam a inserção passiva da economia brasileira na globalização dos negócios. A
exposição da economia brasileira à fúria da concorrência em tempos de crise simplifica
ainda mais seu sistema produtivo, pois, sem competitividade dinâmica para enfrentar as
economias centrais e sem competitividade espúria para fazer frente às economias
asiáticas, o único caminho que lhe resta é explorar as vantagens competitivas absolutas.
Na divisão internacional do trabalho que se desenha, o Brasil tende a ser relegado a uma
posição terciária de mero fornecedor de produtos primários e semimanufaturados, de
baixo conteúdo tecnológico, alto consumo de energia e elevado impacto negativo sobre o
meio ambiente (SAMPAIO JR., 2011: pp. 94-95).
Trata-se de um apontamento de extrema importância para a compreensão do que pode
ser o padrão de acumulação desta burguesia. Não apenas é vinculado a negócios internacionais,
como – e exatamente por causa disso – tem como suporte a exploração de vantagens competitivas
absolutas, na medida das possibilidades da superexploração de variáveis internas, como o
trabalho e o meio ambiente75. Daí se falar em produtos primários ou semimanufaturados –
commodities minerais, agrícolas e industriais –, de baixa tecnologia e alto consumo energético e
de recursos naturais abundantes no país.
A conclusão não poderia ser mais desafiadora para quem pensa a formação:
Em suma, na ordem internacional emergente, o desenvolvimento nacional não está no
horizonte de possibilidades dos países periféricos. A comunidade internacional reduziu
tudo que estiver fora dos megablocos regionais a cobiçados mercados emergentes ou
reles zonas de pobreza. Na nova divisão internacional do trabalho, cabem às economias
periféricas fundamentalmente três papéis: franquear seu espaço econômico à penetração
das grandes empresas transnacionais; coibir as correntes migratórias que possam
causar instabilidade nos países centrais; e aceitar a triste e paradoxal função de pulmão
e lixo da civilização ocidental (SAMPAIO JR., 2007: p. 147).

75
Pilar apontado por Florestan Fernandes para dar base material à burguesia dependente, o controle irrestrito e
predatório das variáveis econômicas internas, pode não ser o suficiente para enfrentar concorrentes em que as
vantagens espúrias pode ser superior à sua. A China é o melhor exemplo.
63
Capítulo 3: Estudo de grupos industriais selecionados da burguesia brasileira

1. Introdução

Neste capítulo será apresentada uma síntese da pesquisa sobre os grupos selecionados
da burguesia brasileira, bem como uma discussão em que se busca extrair elementos que ajudem
a entender o caráter da burguesia brasileira. Este capítulo é dividido em quatro partes além desta
introdução. No item 2, será apresentada a base de dados da qual serão identificados os maiores
grupos da burguesia – o anuário “Valor Grandes Grupos” – e o critério de seleção dos grupos
pesquisados. No item 3, será apresentada a metodologia da pesquisa. No item 4, serão
apresentadas as síntese de cada um dos grupos selecionados: Cosan, Vale, Gerdau e JBS. Por fim,
no item 5, será feita uma discussão em cima dos resultados.

2. Os maiores grupos econômicos no Brasil

2.1. O conjunto dos maiores grupos econômicos no Brasil

Utilizaremos como fonte principal de apresentação dos maiores grupos econômicos


do Brasil o anuário “Valor Grandes Grupos”, do jornal “Valor Econômico”, editado desde 2002.
Esta publicação mostra um ranking dos 200 maiores grupos econômicos presentes no Brasil, por
receita bruta. A diferença para outras publicações do gênero (como “Melhores & Maiores”, da
Exame, ou “Valor 1000”, também do jornal Valor Econômico) é que não trata de empresas
desagregadas, mas de grupos econômicos, conglomerados de empresas controladas integral ou
parcialmente por um comando único. Este anuário mostra uma lista com os dados gerais de
desempenho dos grupos, como receitas brutas, patrimônio líquido e lucro líquido, entre outros, e
informações importantes para análise, como país de origem e o ramo de atividade dos grupos.
Além disso, ele mostra um organograma de cada grupo, revelando quais empresas o grupo
controla, o percentual do controle (em alguns casos os sócios mais importantes) e as pessoas,
famílias ou empresas que detêm o controle do grupo.

65
A vantagem do estudo do grupo econômico sobre a empresa desagregada é que o
grupo permite compreender a estratégia de um grande capital em sua totalidade e não apenas do
ponto de vista dos resultados de uma parte. Ao buscar a grande burguesia pelos seus grupos,
eliminamos empresas que sejam individualmente grandes, mas que não estejam sob o comando
dos capitais conglomerados que possuem efetivamente o poder econômico dentro do espaço
nacional.
Outro diferencial desta base de dados – de grande importância para este estudo – são
os ramos de atividade utilizados para classificação dos grupos. No “Valor Grandes Grupos”, os
grupos são enquadrados em quatro ramos: finanças, indústria, comércio e serviços. Desaparecem,
portanto, categorias muito específicas que aparecem no estudo das empresas desagregadas; estas
subdivisões são apenas mencionadas na exposição dos organogramas individuais, dos quais é
possível extrair pelo menos os segmentos mais importantes para cada grupo. Essa classificação é
um resultado do próprio estudo dos grupos, já que eles geralmente englobam negócios em
diferentes setores e seria impossível classificá-los de forma mais específica. Uma das
consequências disso, portanto, é o nível de generalidade que os ramos de atividade carregam. No
que interessa a esta dissertação, que é o estudo de grandes grupos da burguesia brasileira na
indústria, a decorrência é que dentro da categoria “indústria” estão todos os grupos que
participam de alguma forma de atividades produtivas, de bens materiais. Ou seja, trata-se da
indústria no seu sentido mais genérico, com implicações importantes sobre quais grupos serão
selecionados, como se verá adiante.
No entanto, a utilização deste tipo de anuário traz um problema para a análise: a
comparação de desiguais, uma vez que são listados grupos de controle brasileiro, cujas empresas
atuam principalmente no espaço nacional, mas que também atingem outros países, e, ao mesmo
tempo, grupos estrangeiros e suas empresas atuantes no Brasil ou, excepcionalmente, com
operação internacional a partir das unidades no Brasil. Portanto, não podemos ignorar que o peso
relativo que os grupos de controle brasileiro possuem possa ser superestimado na comparação
com o dos grupos estrangeiros. De qualquer forma, para fins dessa pesquisa, a identificação dos
maiores grupos brasileiros não é afetada por essa distorção.
Para identificar o conjunto dos grupos que nos interessaria, foram excluídos, dentro
dos grupos com controle brasileiro, quais eram estatais e quais eram de controle misto, isto é, em
66
que está discriminado na apresentação do anuário o controle por mais de um país. Desta forma,
pudemos selecionar apenas os grupos de controle privado nacional e deles destacar os presentes
na indústria. Agregando os valores das receitas de cada grupo, podemos ter uma mapa do que é o
conjunto do grande capital no Brasil, por setor e por país de origem do controlador.

Tabela 1. 200 maiores grupos no Brasil em 2011, por receitas (R$ mi)

Por setores e país de origem do controlador

Setores
Receitas (R$ mi) Finanças Indústria Comércio Serviços Total
Priv. Nac. 359.337 519.057 143.684 84.114 1.288.498
Estatal 221.243 306.234 0 266.420 611.591
Misto 9.422 73.417 52.681 3.372 138.892
Estrangeiro 126.537 289.309 41.016 211.907 668.769
Total 716.538 1.188.018 237.381 565.813 2.707.750

% sobre o setor Finanças Indústria Comércio Serviços Total


Priv. Nac. 50% 44% 61% 15% 48%
Estatal 31% 26% 0% 47% 23%
Misto 1% 6% 22% 1% 5%
Estrangeiro 18% 24% 17% 37% 25%
% Setor 100% 100% 100% 100% 100%
% Setor/Total 26% 44% 9% 21% 100%
Fonte: Valor Grandes Grupos, 2012 (elaboração própria)

Podemos também fazer um exercício específico para entender a magnitude dos


grupos na indústria, mostrando o tamanho do ramo com todos os grupos, sem a Petrobras e sem a
Petrobras e a Vale. À visão geral, adicionamos uma comparação das receitas agregadas com o
PIB brasileiro do mesmo ano.

67
Tabela 2. 200 maiores grupos econômicos no Brasil em 2011, por receitas (R$ mi)
Receitas (R$ mi) Priv. Nac. Estatal Misto Estrangeiro Total % Total
200 Grupos 1.288.498 611.591 138.892 668.769 2.707.750 100%
Indústria 519.057 306.234 73.417 289.309 1.188.018 44%
Indústria sem Petrobras 519.057 0 73.417 289.309 881.784 33%
Ind. sem PB e Vale 413.537 0 73.417 289.309 776.264 29%

% por corte Priv. Nac. Estatal Misto Estrangeiro Total % PIB 2011
Geral 47,6% 22,6% 5,1% 24,7% 100,0% 65,4%
Indústria 43,7% 25,8% 6,2% 24,4% 100,0% 28,7%
Indústria sem Petrobras 58,9% 0,0% 8,3% 32,8% 100,0% 21,3%
Ind. sem PB e Vale 53,3% 0,0% 9,5% 37,3% 100,0% 18,7%
Fonte: Valor Grandes Grupos, 2012 (elaboração própria)

Trata-se, portanto, de um conjunto muito importante de empresas, cujas receitas


agregadas atingem 65% do PIB em 2011. Além disso, seu patrimônio líquido total no mesmo ano
– de R$ 1.552,0 milhões – representa 37% do PIB e o resultado líquido total – de R$ 200,9
milhões – corresponde a 5% do PIB. É importante frisar, também, que se trata de um conjunto
bastante complexo de grupos, se considerados todos os setores. Com isso, fica claro que não seria
possível esgotar um estudo global sobre a burguesia brasileira apenas estudando seus grupos
industriais, ou mesmo uma seleção destes – e essa dissertação não tem essa pretensão.

2.2. Os maiores grupos da burguesia brasileira na indústria

Feita a introdução ao conjunto dos maiores grupos, passamos ao conjunto que


realmente importa para este trabalho: o dos grandes grupos industriais privados brasileiros. Como
já foi alertado, dentro os grupos industriais serão encontrados todos aqueles do que seria
considerada atividade produtiva de bens extrativos, agropecuários ou industriais. Dentro os 200
maiores grupos, são 46 grupos que atendem a este corte no ano de 2011. Compilados os
segmentos de atividade específicos que o Anuário traz para cada grupo, podemos ter a noção do
conjunto e, internamento a este, dos mais variados segmentos industriais em que atuam.
É desta lista, portanto, que serão selecionados os grupos da pesquisa.

68
Tabela 3 – Maiores grupos industriais de controle brasileiro privado por receitas (2011)
Posição Grupo Setores
200
1 5 Vale Energia Elétrica, metalurgia, mineração, siderurgia, transportes e logística
2 7 Odebrecht Construção, Petroquímica (e Energia Elétrica, Defesa, Transportes Infraestrutura,
Petróleo e Gás, Açúcar e Álcool, Imobiliário)
3 9 JBS Alimentos (carnes)
4 16 Gerdau Comércio (distribuição de produtos siderúrgicos), energia elétrica, metalurgia e
siderurgia
5 17 Votorantim Agroindústria, energia elétrica, finanças, materiais de construção, siderurgia e
metalurgia, papel e celulose, química e petroquímica e TI.
6 21 BRF Alimentos e Comércio
7 22 Cosan Açúcar e Álcool, agricultura, comércio, transportes e logística
8 26 Marfrig Alimentos (Carnes)
9 33 CSN Energia Elétrica, metalurgia e siderurgia, e transportes e logística
10 38 Usiminas Comércio, mecânica, metalurgia e siderurgia, e transportes e logística.
11 55 Embraer Veículos e peças (indústria aeronáutica)
12 78 WEG Comércio exterior, eletroeletrônica, mecânica e química
13 79 Suzano Comércio e Papel e Celulose
14 80 Schincariol Bebidas, comércio e transporte e logística
15 86 Random Veículos e peças
16 92 Paranapanema Metalurgia, Mineração e Química e Petroquimica
17 95 Klabin Papel e Celulose
18 100 Minerva Alimentos (Carnes) e transportes e logística
19 107 Marcopolo Comércio de peças, materiais plásticos, e veículos e peças (carrocerias)
20 116 Iochpe-Maxion Metalurgia e Veículos e Peças
21 120 M. Dias Branco Alimentos
22 128 Positivo Comunicação, Eidtorial, Educacional, e Tecnologia da Informação
23 133 Tigre Plástico e borracha, química e petroquímica
24 136 Unigel Embalagens, Química e Petroquímica
25 141 Aché Farmacêutico
26 142 Spaipa Coca-Cola Bebidas
27 144 Tupy Metalurgia e Siderurgia
28 146 Grupo Brasil Autopeças, metalurgia e siderurgia
29 148 Caramuru Agronegócio e Alimentos
30 151 EMS Sigma Pharma Farmacêutico
31 152 Coteminas Têxtil e Vestuário
32 153 Vonpar Bebidas
33 154 Alto Alegre Açúcar e Álcool
34 156 Granol Alimentos e Comércio
35 168 Vulcabrás/Azaleia Calçados
36 169 Zilor Açúcar e álcool
37 170 Grendene Calçados
38 174 Inepar Construção e Engenharia, energia elétrica, mecânica, Petróleo e Gás
39 181 São Martinho Açúcar e Álcool
40 184 J. Macêdo Alimentos
41 187 Tércio Wanderley Açúcar e Álcool
42 190 Vicunha Têxtil Têxtil e Vestuário
43 195 Ligna Comércio, materiais de construção e decoração, metalurgia
44 196 Bombril Higiene e Limpeza
45 197 Eucatex Construção e engenharia, materiais de construção e decoração, química e
petroquímica
46 198 Grupo Farias Açúcar e Álcool, agricultura e comércio
Fonte: Valor 200 Grupos, 2012 (elaboração própria).

69
Um exercício interessante é contabilizar quantas vezes cada segmento de atividade
específica foi mencionado na totalidade dos grupos industriais brasileiros privados. Os resultados
não implicam que um segmento é mais importante que o outro (a mineração é mencionada duas
vezes, mas é uma das mais relevantes nas receitas do grupo); servem somente de termômetro de
quais atividades são mais frequentes dentro o grupo. Curiosamente, a atividade de comércio é a
mais frequente dentre os grupos industriais.

Tabela 4 – Setores mais mencionados nos grupos industriais privados brasileiros (2011)
Qtde. Setor Qtde. Setor Qtde. Setor
14 Comércio 3 Materiais de construção 1 Comunicação
11 Metalurgia 3 Mecânica 1 Defesa
8 Alimentos 3 Papel e celulose, 1 Editorial
7 Açúcar e Álcool 3 Veículos e peças 1 Educacional
7 Química e petroquímica 2 Farmaceutico 1 Eletroeletrônica
7 Siderurgia 2 Mineração 1 Embalagens
7 Transportes e logística 2 Petróleo e Gás 1 Finanças,
5 Energia Elétrica 2 Plástico e borracha 1 Higiene e limpeza
4 Agroindústria 2 Tecn. Informação 1 Imobiliário
4 Bebidas 2 Têxtil e Vestuário 1 Infraestrutura
3 Calçados 1 Aeronáutica
3 Construção 1 Autopeças
Fonte: Valor 200 Grupos, 2012 (elaboração própria).

2.3. Os grupos selecionados para a pesquisa

Um primeiro recorte tentado para se chegar aos maiores grupos industriais da


burguesia brasileira foi extrair os 10 maiores grupos.

70
Tabela 5 – 10 maiores grupos industriais privados brasileiros (2011)
200 Grupos Ind. sem Receitas % PIB
% Receitas
Grupos Industriais Petrobras (R$ mi) 2011
Vale 3,9% 8,9% 12,0% 105.520 2,5%
Odebrecht 2,6% 6,0% 8,1% 71.009 1,7%
JBS 2,4% 5,4% 7,3% 64.239 1,6%
Gerdau 1,5% 3,4% 4,5% 39.820 1,0%
Votorantim 1,4% 3,3% 4,4% 38.929 0,9%
BRF Brasil Foods 1,1% 2,5% 3,3% 29.361 0,7%
Cosan 1,0% 2,2% 2,9% 25.918 0,6%
Marfrig 0,9% 1,9% 2,6% 23.030 0,6%
CSN 0,7% 1,7% 2,2% 19.784 0,5%
Usiminas 0,6% 1,4% 1,8% 16.104 0,4%
4 grupos selecionadas 8,7% 19,8% 26,7% 235.497 5,7%
10 maiores priv. nac. ind. 16,0% 36,5% 49,2% 433.713 10,5%
Todos priv. nac. indústria 19,2% 43,7% 59% 519.057 12,5%
Fonte: Valor 200 Grupos, 2012 (elaboração própria).

Contudo, este conjunto, que pode ser visto na tabela a seguir, contém duas
peculiaridades: possui dentro dele alguns grupos excessivamente diversificados, Odebrecht e
Votorantim, que tornaria muito complexa a pesquisa; e possui grupos em setores coincidentes –
Gerdau, Usiminas e CSN na siderurgia e JBS, BRF e Marfrig no segmento de carnes. Portanto,
excluídos os dois referidos grupos e selecionados os maiores grupos em cada segmento, foram
selecionados os grupos: Vale, JBS, Gerdau e Cosan.
O grupo selecionado possui liderança em setores importantes dentro da economia
brasileira e nos quais o Brasil possui destaque no mundo. A Vale é um dos maiores grupos do
Brasil, maior empresa brasileira no ramo de mineração mundial e uma das três maiores
mineradora do mundo; A JBS é a maior brasileira no segmento de carnes, segundo setor em
exportações do agronegócio brasileiro, e é recém-chegada à condição de maior empresa do
mundo no setor de proteínas; a Gerdau é a maior siderúrgica de controle brasileiro, maior
empresa de aços longos do Brasil e das Américas, com grande presença internacional; e a Cosan
que controla a maior empresa produtora de açúcar e etanol no mundo, em um ramo em que o
Brasil está entre os líderes mundiais.
Por isso, consideramos que estudo do grupo selecionado poderá dar contribuições
relevantes para o entendimento de uma parcela importante da burguesia brasileira, objeto de
investigação dessa dissertação.

71
3. Metodologia de pesquisa

A pesquisa foi estruturada de forma a permitir a identificação, para cada uma das
quatro empresas pesquisadas, dos parâmetros apresentados no último item do capítulo 1 -
referentes aos nexos da burguesia com mercados interno e externo, à natureza de sua relação com
o capital internacional e com o Estado, a solidez de sua base tecnológica e financeira, e o caráter
de sua estratégia de acumulação76. É a identificação destas características e o esforço de
elaboração de uma apresentação sintética da organização empresarial de cada grupo que permitirá
contribuir para um passo no entendimento das questões levantadas como hipóteses no último item
do capítulo 2, e o papel da burguesia brasileira nos anos 2000.
A investigação se concentrou no estudo dos seguintes grupos: Cosan, Vale, Gerdau e
JBS. Para tanto, buscou investigar dados e informações desde o início da década de 2000 (e,
quando necessário, desde o final da década de 1990) até os primeiros anos da década de 2010,
entendendo esse período como um conjunto – os “anos 2000”.
Os procedimentos de pesquisa realizados foram:
(i) Levantamento dos relatórios anuais de cada empresa, obtidos em seus sites na
internet ou através dos sistemas de dados da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), através dos progromas DivExt e EmpresasNet. Foram levantados tanto
Relatórios Anuais de ampla divulgação, Relatórios da Administração feitos para
atendimento de requisitos de governança corporativa e os Formulários 20-F (F20-F),
elaborados para a Bolsa de Valores de Nova Iorque (não se aplica à JBS).
(ii) Feito este levantamento, foi feito o resumo da linha geral de evolução das empresas,
extraindo dos relatórios dados referentes às vendas, produção física, comércio
internacional, investimentos e desinvestimentos, e, por fim, financiamento. Os
relatórios permitiram iniciar uma análise qualitativa do desempenho dos mercados.
(iii) Foi realizada ampla pesquisa de dados objetivando constituir séries históricas de
produção, consumo, exportações e importações dos mercados dos produtos principais
de cada grupo, além de destacar os principais impulsionadores da dinâmica de cada
76
Não foram investigadas a fundo as relações das empresas com o trabalho, ainda que em diversos dados e
referências consultadas se permita inferir algum padrão destas relações. A sua investigação a fundo abriria uma outra
linha de pesquisa que não poderia ser realizada nesta dissertação devido à extensão e complexidade.
72
um deles. Estes dados foram retirados de documentos de órgãos governamentais
brasileiros (MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, MME –
Ministério de Minas e Energia, DNPM – Departamento Nacional de Produção
Mineral, MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e
dos Estados Unidos (USDA – United States Department of Agriculture, USGS –
United States Geological Survey), associações de produtores nacionais e
internacionais (Unica – União das Indústrias de Cana-de-açúcar, Instituto Aço Brasil,
World Steel Association), organismos internacionais (OCDE – Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, FAO – Food and Agriculture
Organization, das Nações Unidas, UNCTAD – United Nations Conference on Trade
and Development, Banco Mundial, FMI – Fundo Monetário Internacional) e,
eventualmente, nos relatórios das empresas e em outros tipos de trabalhos e
relatórios, acadêmicos ou jornalísticos.
(iv) Foi realizada também uma pesquisa por trabalhos acadêmicos – teses, dissertações,
artigos, relatórios de pesquisa etc. – e por notícias em veículos de comunicação
especializados em economia e negócios – jornais, revistas e sites – buscando trazer
informações relevantes para o esclarecimento da dinâmica dos setores e dos grupos,
em especial fatos decisivos para sua estratégia.
(v) O conjunto de informações foi organizado em quatro Anexos, um para cada grupo
econômico: Anexo A, referente à Cosan, Anexo B, referente à Vale, Anexo C,
referente à Gerdau, e Anexo D, referente à JBS. Os quatro foram estruturados da
mesma forma, de modo a uniformizar a apresentação e o entendimento do caminho e
dos resultados da pesquisa77.
(vi) Com base nos relatórios foi redigida a apresentação dos resultados, no item a seguir.

77
A estrutura de apresentação dos anexos é a seguinte: introdução, histórico do grupo, mercados principais e a
dinâmica deles, estratégia e trajetória de crescimento e transformação, sua base produtiva e financeira e uma síntese
do grupo.
73
4. Síntese dos grupos selecionados

4.1. Cosan

O grupo Cosan se caracteriza por uma trajetória de aquisições e especulação no setor


sucroalcooleiro, que se concluiu com a constituição de uma associação com o capital
internacional em que este último controla a possibilidade de compra ou de venda do negócio de
acordo com suas conveniências. Com origem no mercado de açúcar e álcool, o grupo orquestrou
a fuga do negócio estruturalmente instável em busca de melhores condições em outras ramos
especulativos, como a especulação imobiliária ou os serviços logísticos de exportação de
commodities, intermediação no mercado interno de combustíveis, lubrificantes e gás natural,
sempre associado e financiado pelo capital internacional. Trata-se de um grande capital
oportunista, que modifica suas bases de acumulação de acordo com as conveniências, mesmo
quando é a maior empresa do ramo.

Tabela 6. Posição da Cosan no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
200 grupos 138º 109º ND* 111º 100º 82º 107º 53º 33º 27º 22º
25 indústria priv. nacional - - - 22º 20º 17º 22º 12º 6º 7º 7º
Receitas (R$ milhões) 1004 1569 ND* 2048 2702 3903 2979 7952 1868 1978 2591
*ND: Dado não encontrado 6 3 8

Fonte: Valor Grandes Grupos, diversos anos (elaboração própria)

O grupo Cosan tem como origem o setor sucroalcooleiro, produtor de açúcar e etanol
a partir da cana-de-açúcar. No Brasil, trata-se de um setor de alta produtividade, mas bastante
instável e no qual a produção é pressionada pelos outros agentes da cadeia, obtendo pequena
margem. As usinas são pressionadas, por um lado pelo oligopólio nos fabricantes de bens de
capital, e, por outro, pelo oligopólio dos clientes, as tradings do açúcar e as distribuidoras de
combustíveis. Devido às características técnicas do ramo, as unidades produtivas são
pulverizadas, o que deu origem à pulverização do capital o que, associado aos vínculos com os
outros elos, as flutuações naturais e à volatilidade de preços, torna baixas as margens de lucro no
74
setor. Em consequência, o setor possui uma base financeira muito frágil. Basicamente, os
diferenciais do setor e em especial da posição dos usineiros é a capacidade de coordenar ou
comandar a produção e as terras, em condições naturais muito favoráveis, e o trabalho barato.
Dentro deste quadro geral, o setor sucroalcooleiro passou por uma intensa expansão
nos anos 2000, mobilizada principalmente: (i) no ramo do açúcar, pelo aumento da demanda
externa e dos preços a ela associados78; (ii) no ramo do etanol, pela difusão do motor flex fuel em
automóveis de passeio, que tornou o combustível substituto direto da gasolina; (iii) ainda no ramo
do etanol, pelo aumento dos preços do petróleo na década, que permitiram que o etanol se
tornasse competitivo durante alguns anos; (iv) pela projeção mundial e os investimentos advindos
com isso, da decisão de vários países, em especial os EUA, de incentivar a produção de
biocombustíveis79; (v) pelo desenvolvimento da cogeração de energia elétrica nas usinas, que deu
um rendimento adicional aos usineiros80. São em especial dois fatores exógenos à economia
brasileira – (i) e (iii) – que dinamizaram o setor, que esteve deprimido pela desestruturação do
Proálcool desde o início dos anos 199081.

Gráfico 1. Brasil – exportações de açúcar – físicas (mi ton.) e valor médio (US$/ton)

Fonte: UNICADATA (elaboração própria)

78
Cf. OCDE-FAO (2011: cap. 6).
79
Cf. IEA (2012: cap. 7). Em 2003, os EUA passaram o Brasil e se tornaram o país líder na produção de etanol. em
2003; a partir de 2009, produziu 75% a mais que o Brasil.
80
Cf. Brasil (2010), Conab (2010).
81
Cf. Gonçalves (2009).
75
É neste contexto que o grupo Cosan cresceu. Originário de um negócio familiar
antigo que se consolidou nos final dos anos 1990, o grupo teve como principal estratégia o
crescimento por aquisições82 fortemente associado e financiado pelo capital internacional. Em
uma década, ampliou consideravelmente sua capacidade produtiva à base de aquisições: em
2009, 66,4% da sua capacidade produtiva vinha de usinas adquiridas ao longo da década, 9,4% de
duas novas usinas e o restante das usinas originais83. Maior produtor de açúcar e etanol do mundo
pelo menos desde 2002, a Cosan explorou a fragilidade operacional, financeira e a pulverização
do controle existente no setor para comprar e explorar os poucos ganhos de escala possíveis, de
origem administrativa84.
O outro pilar da estratégia da Cosan é sua associação e recurso ao financiamento do
grande capital internacional. Apesar de não haver dados organizados pré-abertura de capital
(2006), reportagens sobre a companhia demonstram operações de sociedade com grandes
empresas do ramo de açúcar desde os anos 1990 em usinas e operações portuárias, além do
recurso a empréstimos e controle acionário minoritário85. A partir de 2006, com dados públicos, é
possível ver que a empresa cresceu com capital próprio, em grande parte possibilitado pela
abertura de capital, e com o endividamento, majoritariamente em moeda estrangeira (entre 60% a
80% nos últimos sete anos); os maiores aportes em moeda doméstica surgem entre 2010 e 2012
vindos principalmente do BNDES. A posição de fragilidade financeira do capital local é tamanha
que, após a abertura de capital da Cosan S.A. na Bovespa em 2005, a empresa ficou sujeita a
tomada de controle por outro grupo na medida em que o controlador, Rubens Ometto, foi
reduzindo sua participação para capitalizar a empresa. Essa foi a sua justificativa para a criação
de uma nova empresa controladora do grupo, a Cosan Ltd., sediada nas Bermudas, onde a

82
Ao longo da década de 2000, a Cosan adquiriu as Usinas Rafard, Gasa, Univalem, Dois Córregos, da Barra e
Junqueira (2000-2004), Mundial e Destivale (2005), Bom Retiro, Tamoio e Bonfim (2006), Santa Luiza (2007) e
Benálcool (2008). Em 2009, adquiriu o grupo NovAmérica S.A. Agroenergia em 2009 com 3 usinas, 1 projeto
greenfield em Caarapó (MS), duas refinarias e quatro empacotadoras de açúcar e as marcas União, Dolce, Neve e
Duçula. Por fim, inaugurou uma nova usina em Jataí (GO) em 2009.
83
Calculado com dados de Cosan (2009).
84
Arnt (2002), Blecher (2005).
85
Sobre associações e captação de recursos internacionais, ver Arnt (2002) e Blecher (2005). Em Cosan (2007;
2008) há histórico referente a associações em ramos operacionais e participações minoritárias.
76
legislação permitia ações especiais com maior direito de voto, o que permitiu prosseguir a
capitalização e o endividamento nos Estados Unidos, onde a Cosan Ltd. abriu capital em 200786.

Tabela 7. Cosan – endividamento por tipo (%)

2004-05 2005-06 2006-07 2008-09 2009-10 2010-11


Senior Notes 2009 44,7% 18,5% 13,8% 2,3% 0,0% 0,0%
Senior Notes 2017 0,0% 0,0% 27,5% 24,9% 13,5% 10,1%
Senior Notes 2014 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 11,8% 8,9%
Bônus Perpétuos 0,0% 40,7% 31,0% 28,1% 15,2% 19,0%
Resolução 2471 (Pesa) 20,2% 20,3% 16,7% 0,0% 0,0% 0,0%
Finame 3,5% 0,7% 0,3% 1,2% 3,7% 10,8%
Capital de Giro 2,9% 1,7% 1,1% 0,7% 0,0% 0,0%
IFC 0,0% 5,9% 4,6% 3,0% 0,0% 0,0%
Debêntures 0,0% 2,4% 1,8% 0,0% 0,0% 0,0%
Adiantamento de clientes 23,0% 7,0% 3,3% 0,0% 0,0% 0,0%
Notas Promissórias 5,4% 2,9% 0,0% 30,9% 0,0% 0,0%
Empresas ligadas 0,2% 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
Pré-pagamento de exportações 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 18,4% 11,3%
Adiantamente do contratos de câmbio 0,2% 0,0% 0,0% 3,8% 5,6% 3,5%
BNDES 0,0% 0,0% 0,0% 6,1% 19,8% 24,4%
Outros 0,0% 0,0% 0,0% -1,1% 12,0% 12,1%
Endividamento Bruto (R$ milhões) 1170,1 2363,1 3015,3 3755,0 5333,8 6516,8
Disponibilidades R$ (milhões) 180,7 1124,2 1606,9 719,4 1078,4 1254,1
Dívida Líquida (R$ milhões) 989,4 1238,8 1408,3 3035,6 4255,4 5262,7
Fonte: Cosan, Relatório Anual e Relatório da Administração, diversos anos (elaboração própria)

No setor sucroalcooleiro, para os dados disponíveis entre 2006 e 2012, a Cosan tem
cerca de 60% das receitas vindas do açúcar (69% do lucro bruto), 35% do etanol (24% do lucro
bruto) e o restante em outros negócios ligados ao ramo, como a cogeração. Na composição entre
mercado externo e interno, sua estrutura é semelhante à do setor no Brasil como um todo: a maior
parte das vendas de açúcar são externas (média de 77% em sete anos), enquanto que a maioria
das de etanol são internas (mesmo valor de 77% no mesmo período); no global do setor, em
média 53% do seu mercado é externo.

86
Cf. Salomão (2007).
77
Tabela 8. Cosan - Receita Operacional Líquida do setor Açúcar e Álcool (%)
2006 2007 2008 2009 2010(*) 2011(*) 2012(*)
Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Açúcar 60,1% 61,4% 52,2% 56,7% 62,8% 60,3% 54,0%
.Mercado Interno 11,8% 9,4% 9,0% 7,3% 19,7% 21,7% 16,8%
.Mercado Externo 48,3% 51,9% 43,2% 49,4% 43,0% 38,6% 37,2%
Etanol 34,6% 32,9% 40,9% 36,9% 32,5% 34,5% 39,6%
.Mercado Interno 28,6% 24,6% 29,6% 24,3% 24,6% 30,7% 31,0%
.Mercado Externo 6,0% 8,2% 11,3% 12,6% 7,8% 3,8% 8,6%
Cogeração 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 1,7% 2,9% 3,2%
Outros Produtos e Serviços AA 5,3% 5,7% 6,9% 6,4% 3,0% 2,3% 3,1%
Mercado Interno 45,7% 39,8% 45,5% 38,0% 49,1% 57,6% 54,2%
Mercado Externo 54,3% 60,2% 54,5% 62,0% 50,9% 42,4% 45,8%
Observações: (*) Dados da Raízen
Fonte: Cosan, Relatórios Anuais e de Administração, diversos anos (elaboração própria)

Um dos problemas mais importantes no setor, a posição desfavorável do produtor


frente aos compradores, é também a realidade do grupo Cosan. Pouco mais de metade das vendas
de açúcar é feita para cinco empresas, enquanto que cerca de três quartos do etanol é vendido
para oito empresas. Trata-se de uma condição estrutural do setor no Brasil, que torna até mesmo a
empresa líder mundial na produção sujeita a baixas margens.

Tabela 9. Cosan – Principais compradores de Açúcar (%)


Açúcar 2006 2007 2008 2010-2011
Externo Sucres et Denrées (Sucden) 33,7% 33,3% 23,6% 33,4%
Coimex Trading Ltd 11,3% 11,5% 6,9% 12,6%
S.A. Fluxo 0,8% 9,5% 11,2% -
Tate & Lyle International 10,0% 5,3% 9,2% 5,3%
Cane International Corporation 12,8% 2,2% 7,2% -
Cargill International S.A. - - - 4,8%
Total Externo 68,6% 61,8% 58,1% 56,1%
Fonte: Relatórios Anuais e de Administração da Cosan (elaboração própria).

78
Tabela 10. Cosan – Principais compradores de Etanol (%)
Etanol 2006 2007 2008 2010-2011
Externo Vertical UK LPP 9,3% 11,6% 13,6% 8,0%
Kolmar Petrochemicals 0,3% 6,2% - -
Vitol Inc. - - 3,5% -
Morgan Stanley Capital Group - - 2,9% -
Alcotra S.A. 5,8% - - -
Mitsubishi Corporation - - - 2,0%
Total Externo 15,4% 17,8% 20,0% 10,0%
Interno Shell Brasil Ltda. 27,8% 14,8% 20,1% 15,0%
Petrobrás Distribuidora S.A. 12,0% 9,2% 8,0% 17,0%
Manancial Distribuidora de Petróleo Ltda. 2,3% 8,2% - -
Euro Petróleo do Brasil Ltda. - - 14,3% 7,0%
Cia Brasileira de Petróleo Ipiranga - - 6,1% 15,0%
Tux Distribuidora de Combustíveis Ltda - - 5,7% -
Cosan Combustíveis e Lubrificantes S.A. - - - 5,0%
Braskem S.A. - - - 4,0%
Total Interno 42,1% 32,2% 54,2% 63,0%
TOTAL 57,5% 50,0% 74,2% 73,0%
Fonte: Relatórios Anuais e de Administração da Cosan (elaboração própria).

No final dos anos 2000, a despeito de toda a euforia do mercado, em particular desde
87
2007 , o setor sucroalcooleiro entrou em profunda crise manifesta em margens deprimidas,
prejuízos, redução de investimentos e até falências. A crise foi motivada, dentre outros fatores,
por: redução na produtividade física por más safras, inadequação das variedades de plantas às
regiões e pela transição para a mecanização da colheita; posição de mercado estruturalmente
desfavorável do produtor frente ao comprador; custos financeiros crescente após a crise mundial;
sobre-endividamento e expansão excessiva de capacidade; redução e mesmo fim da
competitividade do etanol frente à gasolina88. Os investimentos previstos pelo BNDES para o
quadriênio 2013-2016 caíram 90% frente aos realizados quadriênio 2008-201189. A conjunção de
fatores revela quão instável é o setor nos seus elos débeis e os sucessivos pleitos da burguesia do

87
Em 2007, o então presidente dos EUA, George W. Bush, visitou o Brasil, tendo como pauta principal a integração
do mercado de biocombustíveis, particularmente o etanol.
88
Cf. Conab (2010); Brandão (2012); Barba (2013).
89
Cf. BNDES (2013).
79
setor por suporte do Estado – parcialmente atendidos90 – revelam quão dependente é o ramo,
particularmente na produção de etanol91.
O passo decisivo que demonstra o padrão especulativo e oportunista da Cosan ocorre
entre o final de 2008 e 2010. Em dezembro de 2008, a Cosan adquire os ativos da Esso
(ExxonMobil) no Brasil: distribuição de combustíveis (atacado) e produção e distribuição de
lubrificantes (com licença da marca Mobil). Com esta aquisição, o grupo Cosan resolvia
parcialmente um problema de margens, compensadas pela entrada em um ramo que absorvia
parcialmente estas margens no etanol. O novo negócio passou a ser o mais importante do grupo
em vendas e a empresa se tornava uma gigante integrada, da produção à distribuição. Em 2010, a
Cosan constituiu com a Shell a joint-venture Raízen, fruto da união dos ativos no setor
sucroalcooleiro (usinas) da primeira e de distribuição de combustíveis de ambas, com controle
dividido igualmente entre elas92. O nó da questão são os termos de constituição da empresa: o
Acordo Vinculante para criação da Joint-Venture, de 25/08/2010, garante à Shell a possibilidade
de compra da participação da Cosan em 2020, embora o contrário possa ocorrer em 2025 (caso a
Shell não compre integralmente a participação da Cosan)93. Em reportagem da Revista Exame em
16/05/2012 sobre o grupo Cosan, é citado o analista Salim Morsy, da Bloomberg New Energy
Finance, que resume o caráter da associação: “[o] acordo parece mais uma operação de aquisição
do que uma joint-venture”94.
Em um plano geral, é como se a Cosan tivesse adquirido um conjunto de ativos ao
longo da década, aguardado sua valorização e, ao sinal de uma grande turbulência, vendido os
ativos antes de maior desvalorização. O grande executivo e proprietário da empresa, Rubens

90
Cf. Batista (2014).
91
No início da década de 2010, o controle dos reajustes dos preços da gasolina ofertada pela Petrobras frente aos
preços internacionais virou a maior demanda da burguesia sucroalcooleira. Independente do que seria correto a se
fazer e de quem ganha com isso, o aumento dos preços da gasolina significa uma transferência de renda para os
usineiros.
92
Segundo o Acordo Vinculante de criação da joint-venture, a Cosan controla 51% da Raízen Energia
(sucroalcooleira) e da Shell, 51% da Raízen Combustíveis (distribuição). Foram excluídos da união os ativos da
Cosan na logística, lubrificantes e terras.
93
“A Cosan e a Shell concederão uma a outras opções de compra recíprocas. No 10º aniversário do Fechamento, a
Shell terá uma opção para compra de metade ou da totalidade da participação da Cosan na Joint Venture proposta.
Caso a Shell opte por exercer tal opção, a Cosan terá o direito de decidir se irá vender metade ou a totalidade de sua
participação na JV proposta. No 15º aniversário do Fechamento, uma parte terá o direito de comprar a totalidade ou
uma parcela da participação da outra companhia na Joint Venture proposta” (Fato Relevante da Cosan de
25/08/2010).
94
Cf. Onaga (2012).
80
Ometto, chegou a afirmar, ao explicar a associação com a Shell e a diversificação do grupo para
outros setores: “O mercado de açúcar e álcool é uma montanha-russa. (...) estou investindo em
setores mais estáveis”95. Mesmo em um país com o setor mais competitivo do mundo, o negócio
seria demais para um burguês local, mesmo o maior deles. Por outro lado, para uma gigante como
a Shell, tratar-se-ia apenas de mais um investimento menor em energias alternativas, do qual ela
poderá se desfazer se for conveniente, ou adquirir, se for rentável. O fato é que o setor passou por
um grande processo de internacionalização – inclusive tido como positivo pelo governo - e que
apesar de estagnado, mostra o desequilíbrio entre o grande capital internacional e o local 96. A
associação, feita pela Cosan há anos, foi a linha de menor resistência.
Exacerbando o aproveitamento de oportunidades para fazer negócios certos ou
associados ao grande capital internacional a Cosan, em 2012, vendeu a Cosan Alimentos –
buscando especializar na produção de açúcar para atacado e exportação – e adquiriu o controle da
Comgás, concessionária de distribuição de gás natural no estado de São Paulo, onde também é
associada à Shell (minoritária). Outra fonte de expansão é sua controlada Rumo Logística, por
meio da qual presta serviços de distribuição de commodities via transporte ferroviário e
dutoviário, além da operação portuária. Foi por meio da Rumo, que a Cosan vislumbrou um novo
negócio, ainda inconcluso, de aquisição do controle da concessionária de ferrovias ALL
(América Latina Logística)97. No ápice da especulação está a controlada Radar, que compra,
arrenda e vende terras destinadas à grande produção de commodities agrícolas, ou seja, a
especulação imobiliária. Por fim, a Cosan Lubrificantes e Especialidades tem como base a
associação com a ExxonMobil no uso da marca e na distribuição de lubrificantes importados,
além da fabricação de lubrificantes no Brasil em fábrica própria.

95
Cf. Onaga (2012).
96
Sobre a internacionalização no setor, ver Benetti (2009) e Siqueira e Castro Júnior (2010). Sobre a análise do
governo, ver Brasil (2010).
97
Após tentativas de entrada no grupo controlador e litígio com a ALL devido a contrato com a Rumo, a Cosan
despontou como saída governo para destravar os investimentos em ferrovias e capitalizar a ALL, cuja malha atende
especialmente o sudeste e o sul, trecho final dos corredores de exportação de commodities ().
81
Tabela 11. Cosan - Receita Operacional Líquida (ROL) por segmento (%)98
Obs.: a) Não inclui ativos de Combust./Lubrif.; (b) Inclui 100% da ROL Raízen; (c) Inclui 50% da ROL Raízen.
2006 2007 2008(a) 2009 2010 2011 2012(b) 2012(c)
Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Açúcar 60,1% 61,4% 52,2% 28,8% 22,0% 21,3% 8,5% 7,9%
Etanol 34,6% 32,9% 40,9% 18,8% 11,4% 12,2% 6,3% 5,8%
Cogeração 0,0% 0,0% 0,0% 0,2% 0,6% 1,1% 0,5% 0,5%
Outros AA 0,0% 0,0% 6,9% 2,1% 1,0% 0,8% 0,5% 0,5%
Venda de Combustível 0,0% 0,0% 0,0% 46,2% 61,5% 60,4% 76,4% 70,8%
Venda de Lubrificantes 0,0% 0,0% 0,0% 3,0% 0,4% 4,6% 2,2% 4,1%
Outros CL 0,0% 0,0% 0,0% 0,4% 0,5% 0,4% 2,2% 4,1%
Logística 0,0% 0,0% 0,0% 0,9% 1,0% 2,5% 1,2% 2,3%
Alimentos 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 4,9% 2,0% 3,8%
Outros 5,3% 5,7% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,1% 0,2%
Elimin. de consolidação 0,0% 0,0% 0,0% -0,3% -2,3% -3,2% 0,0% 0,0%
Fonte: Relatórios Anuais e de Administração da Cosan (elaboração própria).

Originário de um setor agrícola, de base técnica livre, dependente do controle de


terras e acesso a força de trabalho barata, fortemente vinculado a mercados externos, o de açúcar,
e a um setor estruturalmente dependente do Estado, o de etanol, instável e de uma posição
subordinada dos produtores, o grupo Cosan teve seu crescimento baseado em uma longa lista de
aquisições, financiadas em grande medida pelo capital internacional. Ciente da posição
financeiramente inferior e das debilidades estruturais de sua posição na produção, o grupo Cosan
realizou um grande processo especulativo no setor sucroalcooleiro, passando pela aquisição dos
ativos de distribuição de combustível e que teve seu ápice na constituição da joint-venture Raízen
com a Shell, onde a estrangeira comanda as opções de compra ou venda do controle do negócio.
O grupo aproveita formas diferentes de oportunidades de negócios, ora mais especulativas –
como a especulação imobiliária ou a distribuição de commodities –, ora de maior segurança,
como a distribuição de combustíveis, de lubrificantes e de gás natural. A estratégia do grupo
Cosan, expressão maior da burguesia sucroalcooleira brasileira, revela um comportamento típico
de uma burguesia de negócios, vinculada ao mercado externo na produção, mera intermediária no
mercado interno, especuladora, associada ao capital internacional e detentora de vínculos com o
Estado em concessões ou no financiamento do BNDES.

98
Note-se que ainda não foram incluídos aí as receitas da Comgás. Se adicionássemos a Comgás e retirássemos a
Cosan Alimentos do total, a ROL da Comgás significaria 19% em 2011 e 18% em 2012 da ROL total, próximo do
negócio da Raízen Energia (Açúcar e Etanol).
82
4.2. Vale

A Vale pode ser resumida pela maneira como ela mesma define o ramo de mineração:
“especulativo por natureza”. A Vale é um fornecedor de minérios que despontou nos anos 2000
pelo incremento da demanda internacional por minérios, em especial os de ferro, e pelo
incremento mais do que proporcional dos preços, que veio junto. O motor principal é o
crescimento da produção siderúrgica chinesa para seus principais produtos (minério de ferro e
pelotas, níquel e carvão). Ao ingressar no mercado de fertilizantes no final do período estudado, a
Vale também se conectou com o agronegócio, inclusive o brasileiro, da qual a companhia é
grande fornecedora. No fundo, se trata de um grande negócio montado em cima de riquezas
nacionais privatizadas nos anos 1990, quando deixou de ser estatal, e cujo aproveitamento do
excedente gigantesco obtido se dá de forma privada e internacionalizada.

Tabela 12. Posição da Vale no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
200 grupos 15º 12º ND* 5º 5º 5º 3º 5º 6º 4º 5º
25 ind. priv. nacional 3º 1º 1º 1º 1º 1º 1º 1º 2º 1º 1º
Receitas (R$ milhões) 11.015 15.267 ND* 29.020 35.350 46.746 66.384 72.766 49.812 85.345 105.520
*ND: Dado não encontrado

Fonte: Valor Grandes Grupos, diversos anos (elaboração própria)

O primeiro fato importante sobre a Vale é a sua origem estatal, o que fez a empresa
privada já nascer grande, uma das maiores do Brasil em receitas. Em 1995, a antiga Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD, nome modificado em 2007), foi incluída dentro do Programa
Nacional de Desestatização e vendida em 1997 de forma subsidiada – com preço muito inferior
ao que valia e com financiamento estatal99. Com a privatização, as ações ordinárias passaram ao
controle de entes privados (CSN, de Benjamin Steinbruch, Eletron S.A., do grupo Opportunity,
Sweet River Invest. Ltd., fundo internacional) e estatais (Litel, controlada pelos fundos de pensão

99
Cf. Biondi (1999).
83
Previ, Petros, Funcef e Funcesp, BNDESPar e uma parcela da União), em uma complexa
composição entre acionistas diretos minoritários e acionistas do controlador Valepar. As ações
preferenciais continuaram controladas majoritariamente pelo setor privado. Esta estrutura de
comando, que se modificou pouco desde então, tem como principal resultado a pulverização, a
privatização e a transferência ao exterior do excedente econômico obtido por um negócio de
poucos vínculos com a estrutura econômica nacional e vinculado principalmente a mercados
externos.
Uma vez privatizada, a Vale prosseguiu como uma empresa produtora
majoritariamente de minério de ferro para exportação, inclusive passando de uma das maiores
para a maior do mundo no mercado transoceânico deste produto. As transformações dos
mercados internacionais e a estratégia da empresa levaram, no entanto, a algumas mudanças
importantes. Primeiro, a Vale teve um crescimento espetacular devido ao aumento das
exportações e dos preços de seu principal produto, o minério de ferro e as pelotas, devido
principalmente ao “efeito-China” no mercado de commodities e particularmente na mineração,
devido ao aumento da sua produção siderúrgica. Para uma noção da magnitude deste efeito, 86%
da ampliação da produção física de minério de ferro se destinou à Ásia, 69% só para a China,
enquanto que antigos mercados importantes tiveram a participação relativa (Europa) ou absoluta
(Brasil) nas vendas da Vale reduzidas entre 2001 e 2011.

Tabela 13. Vale – exportações de minério de ferro, por região (milhões de ton.)
2001 2006 2007 2008 2009 2010 2011 ∆01-11 %∆
Ásia 42,5 127,0 145,3 152,6 184,9 187,7 191,5 149,0 86%
China 14,9 77,9 96,2 93,2 144,0 133,3 134,0 119,1 69%
Restante da Ásia 27,6 49,1 49,1 59,4 40,9 54,4 57,5 29,9 17%
Europa 34,4 71,3 74,6 74,2 34,6 59,0 58,6 24,2 14%
Brasil 39,9 46,6 45,8 45,4 22,2 32,1 33,8 - 6,1 -3%
EUA 2,9 4,5 4,0 2,6 0,2 0,5 0,6 - 2,3 -1%
Oriente Médio - - - - - - 6,9 6,9 4%
Resto do Mundo 10,2 23,3 21,8 20,4 11,6 11,8 12,3 2,1 1%
Total 129,9 272,7 291,5 295,1 253,5 297,3 303,7 173,8 100%
Fonte: Vale, Relatório 20-F, diversos anos (elaboração própria)

Além do efeito quantidade, que impulsionou a produção da Vale a mais do que dobrar
no período; o efeito preço foi ainda mais importante para explicar a magnitude do crescimento da

84
Vale no período. Como se observa no gráfico abaixo, utilizando os preços de vendas de minério
de ferro e pelotas do Brasil, a Vale esteve sujeita a uma possibilidade de multiplicar por dez ou
mais o valor das vendas do seu principal negócio. Este dado é altamente correlacionado à
multiplicação das vendas em Reais do grupo, como mostrado na primeira tabela deste item.

Tabela 14. Vale - Minério de Ferro e Pelotas – índice de quantidades e preços (2001=100)
(Índice de preços ao exportador brasileiro; Índice de quantidade produzida pela Vale)
Minério 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Físico 100 108 113 158 177 198 208 210 188 205 208
Preço 100 98 107 123 160 187 207 305 287 527 741
Valor 100 105 121 195 283 369 431 641 539 1.079 1.541

Pelotas 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Físico 100 63 80 149 148 129 155 158 101 191 201
Preço 100 97 106 119 198 229 225 359 288 475 582
Valor 100 61 84 178 294 297 350 568 291 908 1.168
Fonte: Vale, Relatório 20-F, diversos anos; DNPM (elaboração própria)

Em segundo lugar, foi também a China que polarizou não somente as vendas do
produto principal, como alguns mercados dentro dos quais a Vale passou a atuar. Dentre eles,
destacamos o Carvão e o Níquel, setores vinculados à produção siderúrgica como fonte de
energia e insumo para a produção de aço inoxidável, respectivamente. Considerando que a Ásia é
o principal destino das vendas da Vale nos dois segmentos, reforça-se a tese do vínculo estrutural
com o crescimento chinês e todos os efeitos daí derivados. A mudança do perfil de origem das
receitas da Vale é significativo: no início do período (2001-2002), Brasil (30% aprox.) e Europa
(46% aprox.) são os principais destinos; no final (2011-2012), os mais importantes são da Ásia
(53% aprox.), com a China – que corresponde a 33% (aproximadamente.), Japão com 11% (país
que manteve sua fatia desde o início do período) e Coreia do Sul com 4%, ao passo que Brasil
caiu para 20% (aproximadamente.) e Europa para 18% (aproximadamente.). Ou seja, uma nova
dependência do desempenho de um único mercado, tanto para vendas físicas, como os preços e,
desta forma, para o momento de alta especulação no ramo em geral.

85
Gráfico 2. Vale – Receita bruta por país ou região (em US$ mi correntes)

Fonte: Relatórios Anuais Vale – elaboração própria.

Em terceiro lugar, e como consequência do peso dos mercados que polarizam a


empresa, tanto no que diz respeito a produtos, como no que diz respeito aos países, houve uma
importante modificação nos ativos produtivos. Caiu a importância relativa dos serviços logísticos
e de metais preciosos, acabaram as operações com Caulim, mas, o que é mais importante, foram
vendidas as operações de Alumínio e Bauxita para a norueguesa Hydro Norsk, desnacionalizando
uma parte expressiva deste segmento estratégico para diversos usos industriais. Por outro lado,
além da vinculação ao ramo siderúrgico (Minério de Ferro e Pelotas, Carvão e Níquel), cresceram
com destaque nos últimos anos os Fertilizantes, vinculados diretamente ao crescimento do
agronegócio em escala mundial

86
Gráfico 3. Vale – Receita bruta por produto (em US$ mi correntes)

Fonte: Relatórios Anuais Vale – elaboração própria.

Do lado operacional, as transformações ocorreram por duas vias: no produto


principal, foi intensificada a produção em minas já existentes (Carajás) e consolidadas operações
adquiridas de concorrentes; os novos ramos foram iniciados a partir da compra de empresas
estrangeiras e investimentos em novas unidades fora do país. As principais aquisições foram a
canadense Inco (2006, por US$ 18,2 bi), ativos em empresas de fertilizantes (em 2010
totalizaram US$ 5,8 bi, além de US$ 1,2 bi na Vale Fertilizantes em 2011), a Caemi, no Brasil
(US$ 3,2 bi entre 2003 e 2006) e a participação de 9% na Norte Energia S.A., consórcio
construtor da UHE Belo Monte100 (US$ 1,4 bi em 2011). O ramo de níquel responde por 51,7%
das aquisições (atualizados em preços de 2012) e o de fertilizantes, por 18%. A maioria dos

100
A Vale entrou no consórcio posteriormente à sua constituição, adquirindo a participação da Gaia, do frigorífico
Bertin.
87
gastos foi realizada fora do país, implicando em um crescimento forte da internacionalização da
companhia no período101.

Tabela 13. Vale – valor das aquisições por ramo (em US$ de 2012)
Ramo US$ (2012) % Total
Minério de Ferro e Pelotas 9.740 20,4%
Manganês e Ferro-ligas 26 0,1%
Carvão 1.432 3,0%
Cobre 220 0,5%
Níquel 24.624 51,7%
Fertilizantes 8.587 18,0%
Energia 1.639 3,4%
Logística 1.191 2,5%
Alumínio 102 0,2%
Aço 87 0,2%
Total 47.646 100,0%
Fonte: www.vale.com (elaboração própria)

No lado financeiro, assistiu-se a uma intensificação da aplicação dos recursos


próprios para capitalização, que passaram de 41,3% do passivo total em 2002 para 53,4% em
2010, bem como o endividamento externo (majoritário) e interno (crescente). Contudo, o
endividamento externo acompanhou quase que na mesma proporção a ampliação do passivo e foi
particularmente importante nos momentos de grandes aquisições, como foi o caso da Inco em
2006, quando o Exigível a Longo Prazo correspondeu a 66,8% do aumento do passivo entre 2005
e 2006. Dentro do componente endividamento, se destaca o acesso – e a dependência – dos
mercados de capitais internacionais, principalmente em dólares, mas também em euros. O
aumento relativo do endividamento em moeda doméstica (15% do total no começo da série,
chegando a 30% no final), associado à trajetória geral de valorização do Real na década, permite
tomar vantagem de um financiamento com custo decrescente (medido em dólares, moeda
principal das receitas) para aquisições feitas principalmente em moeda estrangeira, uma espécie
de especulação contra o Real. Contaram para este último recurso, empréstimos do BNDES nos
últimos anos (em relação ao total do endividamento, os saques de linhas de crédito junto ao banco
totalizaram 5% em 2010, 8% em 2011 e 7% em 2012).
101
O índice de internacionalização (I.I.) da Vale, calculado como média dos índices de receitas, ativos e empregos
(percentual fora do país em cada indicador) aumentou de 28,7% em 2006 para 41,2% em 2010, segundo o anuário
Valor Multinacionais Brasileiras.
88
Tabela 14. Vale – Endividamento Geral e algumas categorias (US$ mi)
Em USD mi 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total 3.331 4.028 4.088 5.010 22.581 19.030 18.245 22.880 24.553 23.055 30.267
Longo Prazo 2.366 2.771 3.232 3.715 21.122 17.608 18.168 22.831 24.414 23.033 30.267
Curto Prazo 965 1.257 856 1.295 1.459 1.422 0 49 139 22 0
% Curto Prazo 29% 31% 21% 26% 6% 7% 0% 0% 1% 0% 0%
Prazo Médio (anos) ND ND ND ND 8,36 10,70 9,28 9,17 9,92 9,81 10,14

Categorias principais 3.024 3.662 3.834 4.816 21.644 18.540 18.069 22.544 24.071 22.700 29.842
% Total 91% 91% 94% 96% 96% 97% 99% 99% 98% 98% 99%
Empréstimos e Financ. em USD 1.465 1.621 1.555 2.442 10.814 6.139 6.115 5.875 4.914 3.189 3.981
Títulos de Renda Fixa em USD 800 900 913 1.213 6.897 6.680 6.510 8.481 10.242 10.483 13.581
Empr. garant. recebíveis exp.. (USD) 300 525 480 427 345 550 204 150 0 0 0
Títulos de Renda Fixa em EUR 0 0 0 0 0 0 0 0 1.003 970 1.979
Debêntures não-conversíveis em BRL 0 0 0 0 2.774 3.340 2.774 3.453 2.767 2.505 2.336
Títulos perpétuos 63 65 65 75 86 87 83 78 78 0 0
Outras dívidas/dívidas moeda local 396 551 821 659 728 1.744 2.383 4.507 5.067 5.553 7.965
Fonte: VALE, Relatórios 20-F, diversos anos (elaboração própria)

As vantagens competitivas da mineração estão mais ligadas às vantagens


comparativas que dizem respeito à qualidade dos minerais e à distância geográfica (relativamente
ao custo do transporte) com relação aos compradores. A Vale (e a Vale no Brasil) se posiciona
principalmente no primeiro polo, devido à qualidade de alguns produtos, como o minério de ferro
brasileiro, que o torna competitivo frente a outros produtores mais próximos da Ásia, como a
Austrália. Também é preciso considerar as fontes de energia elétrica baratas existentes no Brasil,
inclusive com subsídios, e uma parte da infraestrutura já montada e amortizada, como as
ferrovias (apesar dos investimentos de melhoria ou ampliação em curso). Obviamente há alguma
base técnica da produção e da distribuição (importância da logística, tanto em termos de custos,
como em termos de tempo para atendimento dos clientes), já que o negócio possui preços
comandados por bolsas de mercadorias e não pelos custos e as margens podem ser afetadas. Mas
o setor, como ofertante de insumos em mercados aquecidos, é uma das pontas que mais ganha
pelos preços, além das quantidades.
A Vale sai dos anos 2000 mais vinculada a mercados externos ao Brasil do que
entrou, e com uma base produtiva mais internacionalizada também. Portanto, o sucesso da
empresa não significa necessariamente uma oportunidade para o Brasil, já que está desvinculada
da demanda brasileira, com a estagnação relativa da siderurgia brasileira e mesmo com as
estratégias de integração vertical das siderúrgicas operando no país. Ela é, por natureza da
89
atividade, um ramo com baixos encadeamentos para trás e, se não estiver vinculada a uma
demanda industrial, acaba por operar em um padrão de enclave. E o que é pior, trata-se de um
enclave cujos rendimentos foram, como já foi dito, pulverizados, privatizados e
internacionalizados, restando somente os impostos.
Em síntese, ao ser privatizada, a Vale representa um gigantesco processo de
transferência de riqueza para negócios privados (mesmo quando estão sob controle de entes
públicos, como no caso dos Fundos de Pensão), processo esse que adquiriu uma dimensão
gigantesca com o ciclo das commodities movido pela China especialmente nos anos 2000. Os
principais beneficiários da Vale são, além dos fundos de pensão e do BNDESPar, a parte da
burguesia brasileira que a controla, mas em especial a parte para o grande capital internacional
que participa do controle (recebendo os dividendos) e que a financia. Apesar de ser um capital
brasileiro com atuação em vários países, seu principal ponto de operação é o Brasil, de onde
extrai as riquezas minerais, vantagens tributárias e insumos baratos (energéticos). A questão é
que a Vale deixa uma parcela pequena do excedente no país e que está progressivamente se
desvinculando do sistema econômico nacional (dada a desindustrialização e a diminuição da
importância do Brasil nas suas vendas), a despeito dos vínculos com fornecedores internos. Seu
ciclo de acumulação se inicia e finaliza fora do país, sendo financiado pelo capital internacional e
tendo como cliente final a siderurgia (e a manufatura) asiática. É um negócio no fundo que
objetiva suprir mercados externos e fornecer rendimentos ao grande capital internacional,
utilizando-se de riquezas nacionais privatizadas.

4.3. Gerdau

A Gerdau é uma empresa brasileira do ramo siderúrgico bastante internacionalizada,


mesmo antes dos anos 2000. Seu produto principal, os aços longos, sua base produtiva, as mini-
mills, e o controle de mercados domésticos são seus principais diferenciais para sobreviver em
um ramo crescentemente competitivo, com margens baixas, capacidade ociosa e custos
crescentes – processo polarizado pela produção chinesa. Sua estratégia histórica de crescimento
são as aquisições de concorrentes com problemas financeiros e operacionais, sendo que nos anos
2000 este processo foi fortemente financiado pelo capital internacional. Sem base financeira
90
própria nem diferencial de inovação, a Gerdau acumula através do posicionamento estratégico em
mercados nacionais. Diante de um quadro de alta competitividade, em que passa a concorrer
crescentemente com aços importados, a Gerdau se apoia nos negócios de construção –
infraestrutura e mercado imobiliário – gerados pelo Estado brasileiro, com quem possui boa
relação, para garantir seu crescimento, a despeito da desestruturação da indústria manufatureira
brasileira.

Tabela 15. Posição da Gerdau no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas).
(*ND: Dado não encontrado)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
200 grupos 30º 21º ND* 10º 10º 11º 10º 8º 19º 16º 16º
25 ind. priv. nacional 5º 5º ND* 2º 2º 3º 3º 2º 4º 4º 4º
Receitas (R$ milhões) 7.084 11.144 ND* 23.408 25.486 27.511 34.184 41.908 26.540 35.666 39.820
Fonte: Valor Grandes Grupos, diversos anos (elaboração própria).

Para compreender a Gerdau, é preciso entender o fundamental do ramo: a siderurgia é


um setor puxado pela demanda, tanto no que diz respeito à quantidade quanto aos tipos de
produtos. No setor, não são frequentes inovações radicais e a fronteira tecnológica se desloca
lentamente, apesar do largo espaço existente para melhorias na tecnologia de processo (inovações
incrementais)102. A produção do aço, que é uma liga de ferro e carbono, ocorre basicamente pelo
chamado processo integrado, usando minério de ferro e carvão (“redução” nos “alto-fornos”) para
produzir ferro-gusa e depois a transformação em aço (“refino”, nos fornos a oxigênio ou
elétricos); obtido o aço em solidificação, ele é moldado (“laminação”) de acordo com o produto
desejado. No século XX, houve apenas duas inovações radicais no setor, a aciaria básica a
oxigênio (conversor LD) a ferro-gusa, dos anos 1950, e o lingotamento contínuo (processo de
solidificação), havendo desde então apenas algumas melhorias que compactaram os processos 103.
Nos anos 1950, destacou-se ainda o surgimento da aciaria elétrica (forno elétrico)104, que

102
Cf. De Paula (2012).
103
Nas últimas décadas, têm destaque duas tecnologias de compactação de processos que servem às usinas
tradicionais integradas a coque (método tradicional): thin-slab-casting e processos alternativos de produção de ferro
primário (DE PAULA, 2012: p. 46-49).
104
Cf. De Paula (2012).
91
dispensa a redução, usando sucata de aço ou ferro gusa como matéria-prima, processo chamado
“semi-integrado”; devido às escalas menores, as usinas que usam este processo foram chamadas
de mini-mills105, responsáveis por reduzir as barreiras à entrada e a mobilidade do capital
internacional no setor106 e principal base produtiva da Gerdau. Em 2011, cerca de 70% da
produção global de aço ocorria em processo integrado; no Brasil, o valor era de 75%. No lado da
inovação de produto, ao contrário do processo, há maior apropriabilidade das inovações
(capacidade de uma empresa reter os benefícios de uma inovação), especialmente existentes no
desenvolvimento de aços especiais e no relacionamento com clientes, para produção de materiais
e soluções sob demanda.
Para se compreender o padrão de negócio siderúrgico da Gerdau, é preciso
caracterizar três aspectos: seus principais produtos, sua base produtiva e seus mercados
consumidores. No que diz respeito aos produtos, a Gerdau é especializada na produção de aços
longos, comuns (vergalhões, barras e perfis) – destinados à construção civil e manufatura – e
trefilados (arames, arame galvanizado, cercas, telas para reforço de concreto, pregos e grampos) –
destinados à manufatura, construção civil e setor agrícola. Ela ainda possui operações de aços
longos e aços especiais, estes mais elaborados, de maior valor agregado e com principal
consumidor a produção de veículos automotores.
Quanto à base produtiva, a Gerdau é uma empresa concentrada no processo produtivo
semi-integrado. As mini-mills, que respondem por 89% da capacidade produtiva da empresa,
possuem menor escala e, por dependerem da sucata de aço para produzir o aço, estão próximas de
centros urbanos com grande consumo de bens a base de aço ou com indústria manufatureira,
produtora de restos de aço aproveitáveis. Este perfil também teve influência das origens da
expansão da empresa pelo Brasil, já que as longas distâncias desencorajam a mobilidade tanto de
matérias-primas como de produtos finais107.
Por fim e como decorrência do ponto anterior, a Gerdau se desenvolveu inicialmente
como uma empresa que tinha como principal consumidor o mercado interno. Este perfil se
modificou não apenas para a Gerdau, mas para a siderurgia brasileira em geral nas duas últimas

105
Para uma análise que enxerga as mini-mills como caso de inovação disruptiva, ver Christensen e Raynor (2003).
106
Cf. Andrade, Cunha e Gandra (2000).
107
Cf. Gerdau (2012a: pp. 17-18)
92
décadas, quando se consolidou uma grande diferença entre a produção e o consumo aparente108.
A partir do Brasil, a Gerdau exporta em média 28% (2008-2012) da produção física, oscilando de
acordo com o desempenho do mercado interno. Esta média cai significativamente para 14% ( no
mesmo período) para a empresa em geral (operações em todos os países), já que nos demais
países as vendas são fortemente vinculadas aos mercados domésticos. No Brasil, um dos seus
diferenciais é o controle de um grande canal de comercialização de aço, inclusive de outros
produtores, além dos serviços de corte e dobra de vergalhões para construção, através da empresa
controlada Comercial Gerdau.
Para entender o perfil da companhia na entrada dos anos 2000 e a sua estratégia de
crescimento, é preciso voltar décadas atrás. Quando deixou de ser uma empresa limitada à região
sul e se tornou uma empresa nacional a partir dos anos 1960, a Gerdau cresceu principalmente
adquirindo usinas nas outras regiões que estivessem com problemas econômicos e que pudessem
ser saneadas. Este foi seu padrão de crescimento durante duas décadas, com exceção da
construção, em parceria com a alemã Thyssen, da Cosigua, no Rio de Janeiro, até hoje é a maior
mini-mill da América Latina109.
A partir dos anos 1980, seu crescimento caminhou por duas vias: a primeira, no plano
interno, a Gerdau passou vinte anos sem construir novas usinas e se concentrou em aquisições,
em especial do parque siderúrgico estatal que foi privatizado (três usinas comuns, uma de aços
longos – a Aço Minas – e uma de aços especiais – a Aços Finos Piratini)110; com a abertura dos
anos 1990, se concentrou na unificação das unidades em torno da Gerdau S.A. e a abertura de
capital em Nova Iorque em 1999. No plano externo, a Gerdau iniciou seu processo de
internacionalização com a aquisição de usina no Uruguai, no Canadá, no Chile, na Argentina e
por fim a compra da Ameristeel em 1999-2000, que a fez quase dobrar suas vendas em dois anos
e mudar de 26% de produção física no exterior em 1999 (era 9% em 1994) para 42% em 2000111.
A internacionalização foi amplamente motivada pela crise pela qual ingressou o país nos anos
1980 e o aproveitamento de oportunidades de adquirir empresas deficitárias, além dos novos

108
Cf. Gerdau (2012a: pp.23-24). Em 2012, a exportação representava 32% das vendas brasileiras. As exportações
corresponderam, na média dos últimos cinco anos (2008-2012), a 26% da produção física.
109
Cf. Gerdau (2012a). No final dos anos 1970, a Gerdau adquiriu a parte da Thyssen na Cosigua.
110
Cf. Athia e Dalla Costa (2009).
111
Cf. Goulart e Paula (2010). Para os dados, ver Gerdau (2001)
93
determinantes de competitividade internacional do setor112. Assim, a aquisição de unidades em
outros mercados internacionais ou dentro do Brasil quando um bom negócio (caso das
privatizações) foi uma alternativa mais cômoda para utilizar da capacidade de acumulação e
continuar a ganhar espaço. No Brasil, ao final da consolidação dos anos 1990, permitida pelas
privatizações e pela entrada das transnacionais no país113, a Gerdau era a líder de um duopólio
com a empresa Belgo Mineira no setor de aços longos e a maior siderúrgica do país em produção
de aço bruto114.
Os anos 2000 são marcados, no setor siderúrgico mundial, pela ascensão da China ao
patamar de maior produtor siderúrgico mundial – com crescente indústria manufatureira.

Gráfico 4. Produção Mundial de Aço Bruto (inclui todos os tipos), em mil ton.

Fonte: World Steel Association – Steel Statistical Yearbook (elaboração própria)

O crescimento chinês repercutiu de duas formas: em um primeiro momento,


estimulou o aumento dos preços e as exportações de outros países, enquanto o país asiático ainda

112
Athia e Dalla Costa (2009: pp. 136-137) destacam não apenas a instabiidade monetária, mas os desdobramentos
na indústria e no comércio exterior da crise econômica brasileira. Goulart e Paula (2010: pp. 88-89) apontam uma
pressão do governo nos anos 1980 para que a Gerdau não ampliasse sua fatia do mercado, por um lado, e a busca de
oportunidades em mercados com produtores pouco competitivos, como o Uruguai (por onde iniciou a
internacionalização) ou, de empresas deficitárias, como no Canadá (segundo país de destino).
113
Cf. BNDES (2001)
114
Cf. Anuário Estatístico do Setor Metalúrgico (MME, 2004).
94
era importador líquido; no segundo momento, a partir de 2006, quando se tornou exportador
líquido e particularmente após a crise eclodir em 2008, a China concorre para haver uma
gigantesca capacidade ociosa e um encarecimento mundial dos insumos (minério de ferro,
carvão, sucata de aço etc.), fatos que pressionaram para baixo as margens da siderurgia em plano
mundial115.

Gráfico 5. Distribuição do valor dentro da cadeia – integrada (Hot-Rolled Cold Steel)


Legenda: Iron Ore: Minério de Ferro; Coking Coal: Carvão; Steel making: Fabricação do aço

Fonte: Aço Brasil (2013)

Os problemas são que a capacidade produtiva está muito além da demanda, não
recuperada da crise, há uma resistência enorme dos países em permitir que sua siderurgia
simplesmente feche frente a um cenário adverso, há custos muito altos de saída do ramo, e a
siderurgia chinesa possui uma série de incentivos para prosseguir116.

115
Cf. OCDE (2012a) e McKinsey (2013).
116
Cf. Euler Hermes (2013).
95
Gráfico 6. Capacidade produtiva (efetiva) e demanda mundiais por aço

Fonte: OCDE (2012b)

Tudo indica que a condição estrutural do setor será de ampla competitividade nos
próximos anos. Sem perspectivas de grandes inovações, a disputa se dará em torno de custos
(insumos metálicos e energéticos, força de trabalho) e do controle de mercados consumidores. A
redução dos custos de frete transoceânicos aponta para a criação de um mercado mundial de aço,
acirrando a competição entre os países. Os países ou empresas capazes de ter acesso a fontes de
vantagens competitivas espúrias (baixo custo energético, baixas exigências ambientais, força de
trabalho barata), canais políticos que garantam mercados e base financeira que permita atravessar
os ciclos terão condições de liderança.
Neste contexto, a tendência é que o setor siderúrgico brasileiro tenha poucas chances
de disputar mercados externos (a despeito da importante fatia exportada), se restringindo ao
interno, conforme aponta um especialista no setor117. O problema é que a siderurgia brasileira é
pressionada pelos custos dos insumos118, o que reduz o peso dos salários119, custo da energia
elétrica que impacta as usinas a forno elétrico, redução dos custos do frete, que reduzem o peso
relativo da proximidade a fontes de minério de ferro. Um outro problema se refere às importações
117
Cf. Ribeiro (2012).
118
A despeito da disponibilidade da oferta e qualidade do minério de ferro brasileiro, o seu preço internacional é o
que conta na contabilidade. Isso fez várias siderúrgicas incorporarem ou aprofundarem operações de mineração,
inclusive exportando minério de ferro, como faz a Gerdau. Além disso, o carvão é todo importado, além de outros
insumos necessários.
119
Com tal indicação, podemos inferir da análise do professor Germano de Paula (RIBEIRO, 2012) que os custos
salariais são ou foram um diferencial competitivo para o Brasil no setor.
96
indiretas de aço através da importação de manufaturas a base de aço, que atinge o patamar de
dois milhões de toneladas (quase um terço das exportações líquidas de aço do Brasil em 2012),
especialmente no setor de automóveis120.
Ao longo dos anos 2000, o mercado siderúrgico brasileiro passou por algumas
modificações. Em primeiro lugar, sua produção física aumentou abaixo da média mundial,
diminuindo a fatia do país no total. Em segundo lugar, prosseguiu um processo de consolidação e
internacionalização do setor, com a criação de algumas poucas novas companhias121. Em terceiro
lugar, com relação ao uso final (interno) do aço brasileiro, houve o crescimento do setor de
construção civil, autopeças e automóveis, ambos setores que tiveram fortes incentivos
governamentais no período (o primeiro em especial com os programas de infraestrutura e
construção residencial, além dos “megaeventos”).

Gráfico 7. Aço – Vendas internas por setor - maiores setores, exceto distribuidores (%)

Fonte: Ministério de Minas e Energia - Anuário Estatístico do Setor Metalúrgico (elaboração própria)

A Gerdau prosseguiu nos anos 2000 com sua estratégia de crescimento, inclusive com
sua internacionalização, através, prioritariamente, de aquisições122, conduzida pelo

120
Cf. Guaraná, Molajoni e Szewczyk (2013).
121
Partiram: em 2010, a CSA (RJ), da ThyssenKrupp em parceria com a Vale, voltada para exportações, e 2009 a
Sinobras (PA), do Grupo Aço Cearense, voltada para material de construção.
122
Cf. Athia e Dalla Costa (2009 ).
97
endividamento principalmente em dólares no mercado internacional. No mercado interno,
prosseguiu as aquisições e voltou a construir usinas novas, além de dar grande importância para a
Gerdau Açominas, sua grande usina de aços planos, uma das mais competitivas para exportações
e com operações integradas de mineração – inclusive exportação de minério de ferro. Em um
plano geral, buscou o segmento de aços especiais com operações no Brasil, EUA, Espanha e
Índia (no Brasil seu maior mercado é o automobilístico). Embora difícil de precisar devido à falta
ou descontinuidade de dados da empresa, os mercados que aparecem mais recorrentemente como
os principais da Gerdau em seus relatórios foram a construção em primeiro lugar e depois a
indústria, em particular máquinas e equipamentos agrícolas e bens de capital e veículos; também
constam as vendas diretas para a agropecuária. Nos últimos dois anos, o mercado brasileiro da
Gerdau tem ênfase nas obras de infraestrutura, programas residenciais e os “megaeventos”123.
Do ponto de vista do financiamento, a Gerdau é dependente do financiamento do
capital internacional para viabilização de sua principal estratégia de crescimento: as aquisições de
outras usinas124. Como a empresa compra se endividando e os credores exigem o controle do
endividamento, a Gerdau possui uma capacidade limitada de expansão125. Para melhorar as
condições de alavancagem, a empresa busca tomar empréstimos nas moedas com que paga as
aquisições, utiliza forma escriturais de aquisição, como a troca das ações da empresa adquirida
por ações da própria Gerdau, e busca financiamento com menores juros – Bolsa de Nova Iorque
no estrangeiro e BNDES no Brasil. O BNDES além de acionista126, é fonte de uma parcela
razoável de empréstimos à empresa127. De uma maneira geral, a Gerdau usa também o mercado

123
“A Gerdau continuará fornecendo aço para a construção de estádios de futebol e também de obras de
infraestrutura, como Bus Rapid Transit(bRTs), ferrovias, usinas eólicas, portos e estradas. Em 2012, o setor da
construção civil deverá ser impulsionado pela aceleração das obras para a Copa do Mundo de 2014 e pela
continuidade do programa governamental Minha Casa, Minha Vida”. (GERDAU, 2011b: p. 22). “As obras para a
Copa do Mundo em 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016 estão em pleno andamento e deverão seguir um ritmo
mais acelerado durante 2013. Nesse sentido, a Gerdau seguirá fornecendo aço para a construção e a renovação de
estádios de futebol, assim como para obras de mobilidade urbana e de infraestrutura, como aeroportos, ferrovias,
portos e estradas, as quais serão executadas em ritmo mais lento que a expectativa. Dentro desse cenário de expansão
da demanda por aço, a Gerdau está preparada para atender plenamente o mercado”. (GERDAU, 2012b: p. 14).
124
Mais de 90% do endividamento da Gerdau é em moeda estrangeira (GERDAU, 2012a).
125
Cf. Vieira (2007).
126
O BNDESPar é detentor de 7% das ações ordinárias e 2% das preferenciais da Gerdau S.A. pelo menos desde
2001.
127
Do BNDES foram R$ 1,75 bi entre 1999 e 2006 (SOARES, 2006), R$ 345,4 milhões em 2007 (BNDES, 2006),
até R$ 1,5 bi em crédito em 2009 (BNDES, 2009) e enfim até R$ 776,6 milhões em 2012-13 (LISBOA, 2012),
equivalente a cerca de R$ 4,4 bi no período.
98
acionário para se capitalizar, sendo que o controlador (Metalúrgica Gerdau, de propriedade da
família) possui três quartos das ações ordinárias, mas menos de 30% das preferenciais.

Gráfico 8. Gerdau – Endividamento bruto e endividamento líquido (US$ mi)

Fonte: Gerdau, F-20-F, diversos anos (elaboração própria).

Frente a algumas outras siderúrgicas brasileiras (CSN e Usiminas), ela possui


algumas vantagens que tornam sua posição menos frágil: a produção em mini-mills imobiliza
menos capital e dá mais flexibilidade em períodos de crise; possui margens um pouco melhores
atribuídas a capacidades de gestão128; os canais comerciais e os serviços para construção
(diferencial frente à concorrência129); possui posição oligopsonista no mercado de sucata de aço,
ainda relativamente desorganizado no Brasil130; ativos de alta rentabilidade, como a usina de
Ouro Branco (ex-Açominas), inclusive com a capacidade de exportação de minério de ferro; uma
dependência menor de clientes da indústria manufatureira e uma possibilidade maior de usufruir
da demanda construída pelo Estado (construção), potencializada pelas boas relações políticas dos
dirigentes do grupo com os governos petistas131 – ou seja, há espaço para criação de negócios,

128
Cf. Macadar (2009) e Vieira (2007).
129
A Comercial Gerdau comercializa aços planos, que está começando a fabricar, de outras siderúrgicas.
130
Cf. GO Associados (2013).
131
Os dirigentes da Gerdau possuem relações estreitas com o ex-presidente Lula e a presidente Dilma, sendo o
presidente do Conselho de Administração, Jorge Gerdau, conselheiro do governo para questões de gestão.
99
independente da sua vinculação orgânica com o mercado interno ou com uma economia nacional
mais integrada.
Ainda assim, o período pós-crise (últimos cinco anos), os resultados da Gerdau foram
condizentes com o panorama descrito para o setor mundialmente: crescimento menor, redução
das margens e ampliação do endividamento. A empresa sofre as consequências, ainda que em
menor escala, do processo de desindustrialização, já que uma parcela menor da produção ainda é
destinada à indústria de transformação; possui uma forte dependência de financiamentos
externos, em moeda estrangeira; e o setor siderúrgico mundial, estimulado pela capacidade ociosa
e custos de frete em redução, está criando um espaço para concorrência com aços longos comuns
importados no Brasil132.

Gráfico 9. Gerdau – Indicadores de margem (%)

Fonte: Gerdau, Formulário 20-F, diversos anos (elaboração própria)

A empresa depende de mercado gerado pelo Estado, vinculado a setores sob pressão
de grandes negócios internacionais – como negócios de comércio internacional demandantes de
infraestrutura para escoamento, ou o mercado imobiliário, crescentemente dominado por uma
lógica financeira133. Os mercados nacionais em que atua não são os mais dinâmicos do mundo, o

132
“A Companhia vem sofrendo a concorrência das importações de aços longos comuns,principalmente oriundos da
Turquia, com mais intensidade a partir de 2010. A Companhia acredita que a diversificação de seus produtos, o
desenvolvimento de soluções por meio de suas unidades de corte e dobra e a descentralização de seus negócios
proporcionam uma vantagem competitiva sobre seus principais concorrentes” (GERDAU, 2012a: p. 34).
133
Cf. Fix (2011).
100
que nos leva a crer que sua expansão tem mais a ver com conquista de market-share e
aproveitamento de oportunidades de acumulação pelo controle de mercados cativos do que com
uma lógica mais agressiva de disputa com concorrentes. Além disso, como a tecnologia é dada, a
capacidade de a Gerdau ou outra empresa adquirir lucros extraordinários a partir de inovações
radicais é baixa; aliás, a própria Gerdau se contenta com baixo P&D e com a aquisição da
tecnologia necessária no mercado134. Por fim, apesar da conduta prudente com operações
financeiras, a Gerdau não possui uma base própria de acumulação que permita financiar sua
expansão e por isso é dependente de financiamento estatal no Brasil e especialmente do
financiamento no mercado internacional de capitais, que a expõe a um risco macroeconômico.
Sua proporção de dívida em moeda estrangeira é superior à proporção de receitas em moedas
estrangeiras e seus indicadores de endividamento – que são condicionantes para contratar
empréstimos e lançar títulos de dívida – estão deteriorados em 2012 e as condições do setor não
apresentam cenário de melhora extraordinária. Por tudo isso, a Gerdau é uma empresa grande,
mas uma “campeã” que não controla os elos estratégicos da indústria siderúrgica.
Em suma, a Gerdau possui uma posição relativamente melhor dentro de uma
siderurgia em um país subdesenvolvido. Seu mercado está mais vinculado a decisões políticas
(onde tem boas relações) e grandes negócios do mercado de construção, voltadas para a provisão
de insumos energéticos, corredores de exportação ou especulação (mercado imobiliário), do que à
indústria de transformação que está sendo desestruturada. Isto significa que a Gerdau possui
espaço para crescimento no Brasil. Mas, apesar de algumas vantagens do ponto de vista do
vínculo com os mercados consumidores, acesso a Energia e insumos baratos, ela está
crescentemente suscetível à sua fonte de financiamento originada no capital financeiro
internacional – o que expõe a crises de estrangulamento cambial –, e suscetível também à
concorrência internacional, que está se iniciando em alguns de seus produtos. Desprovida de base
financeira própria e de inovação, fará parte de um setor de concorrência agressiva, em que serão
decisivos a escala de acumulação de capital e de poder político (envolvido no planejamento e
garantia de mercado para a produção) muito acima das possibilidades do Brasil – ou da Gerdau.

134
Na companhia, os gastos com Pesquisa e Desenvolvimento são baixos e a empresa considera que a tecnologia de
que precisa pode ser adquirida no mercado (CHEVARRIA & VIEIRA, 2007).
101
4.4. JBS

A JBS é um grupo que atua dentro do segmento de agronegócio e que cresceu


especialmente através de aquisições, fortemente financiado pelo Estado brasileiro. É a partir do
processo de internacionalização, iniciado em 2005 e acelerado em 2007, que se torna a empresa
com projeção internacional. Sua estratégia consiste em adquirir e sanear empresas concorrentes
com dificuldades financeiras e operacionais. No entanto, tanto a posição da empresa na cadeia
produtiva quanto o custo do endividamento necessário para as aquisições implicam baixas
margens e um pequeno raio de manobra da empresa. O decisivo é que, além de não ter a base
financeira necessária para executar sua estratégia, a JBS atua em um segmento da cadeia de
carnes que é comandado por outros segmentos. Sua tecnologia é básica, suas margens são
pequenas, a eficiência exige escalas muito altas e ela não controla os canais mais importantes da
cadeia, no varejo ou na incorporação de progresso técnico na criação dos animais. Desta forma,
apesar de atuar como uma empresa transnacional, sua condição não a torna uma líder real do
setor. O fortalecimento da JBS fortalece o agronegócio no Brasil, a dependência tecnológica e de
mercados externo, o padrão de uso da terra baseado no latifúndio e o financiamento do Estado
para gerar grandes negócios privados.

Tabela 16. JBS – Posição no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (por receita)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
200 grupos - - ND* - - 69º 31º 17º 5º 5º 9º
25 ind. priv. nacional - - ND* - - 14º 6º 5º 1º 2º 3º
Receitas (R$ milhões) - - - - - 4.749 14.727 31.106 55.224 57.107 64.239

*ND: Dado não encontrado


Fonte: Elaboração própria com dados do anuário Valor Grandes Grupos.

O segmento de atuação da JBS é o setor de carnes e derivados. Trata-se de um setor


dirigido pela demanda – que, por sua vez, é movida pela renda135 – e dividido em quatro grandes

135
Cf. OCDE/FAO (2009: p. 168).
102
grupos por origem animal: suíno, aves ou frango (poultry136), bovino e ovino, sendo o segmento
bovino a origem e especialidade do grupo JBS. De uma maneira geral, o segmento tem como
fonte de crescimento a ampliação do consumo em países “emergentes”, que transitam das fontes
vegetais de proteínas para as animais na medida em que há um aumento de renda correspondente
a processos de crescimento econômico e urbanização137. Os países desenvolvidos já têm um
consumo per capita de proteína animal mais alto e a modificação dos padrões de consumo diz
respeito a busca por alimentação mais prática e saudável. Um fator que motiva ambos os
mercados são os preços mais baixos e a praticidade de preparo das carnes de frango 138, o que fez
a produção desta carne ser a que mais cresce no mundo. A carne de porco ainda é a mais
consumida no mundo e a carne bovina é a terceira, especialmente por causa dos preços muito
acima das outras duas.

Gráfico 10. Oferta mundial de carne por tipo (bilhões de toneladas)

Fonte: FAOSTAT (Elaboração própria)

Uma característica importante do mercado de carnes, particularmente aplicável à


carne bovina, é que seus preços oscilam menos e, durante o processo de alta dos preços das

136
A denominação poultry ou aves corresponde a um segmento um pouco mais amplo que o de frangos (incluindo,
por exemplo, o peru). Contudo, devido à predominância absoluta de frangos na oferta de carne de aves, o setor de
aves também é tratado simplesmente como setor de frangos.
137
Cf. OCDE/FAO (2009: p. 168).
138
Cf. OCDE/FAO (2008: p. 125).
103
commodities, eles aumentaram em proporção menor do que de outros produtos139. Isso se explica
pela conjunção de alguns fatores: as carnes são parte menor da alimentação básica, o que as
tornam menos suscetíveis à ampliação da demanda por alimentos em geral; devido à sua
perecibilidade, é um produto menos estocável e por isso menos influenciado por especulação com
estoques; ainda há fatores técnicos, mas aplicáveis à carne bovina, que diz respeito ao tempo que
os produtores têm para reagir a mudanças nos preços dos insumos alimentícios, já que o ciclo de
criação ao abate dura meses até anos140.

Gráfico 11. Preços mundiais de carnes (termos reais) – em US$/ton.

Fonte: OCDE/FAO (2012)

Uma questão importante diz respeito à dinâmica do comércio internacional de carnes.


Apesar de uma parte pequena, ainda que crescente, da produção mundial ser destinada às

139
Segundo dados da OCDE/FAO (2013), considerando índices de preços (nominais) com base em 2002
(2002=100), a carne bovina chegou a 183 em 2012, a de porco atinge 175 em 2012 (pico de 189 no ano anterior), a
ovina atinge 263 e a carne de frango, exceção, atinge 318 em 2012 (pico de 347 no ano anterior). A efeito de
comparação, no mesmo período e com mesmo índice, o etanol atingiu 303, o açúcar chegou a 271, o arroz a 231 e as
oleaginosas a 264.
140
“Unlike cereals, oilseeds and dairy markets, meat prices did not show a spectacular development in 2008. This is
partially explained by the relatively limited role meat plays as a staple and the limited storage capacities, that make
panic-buying unlikely. High cereals prices translate into high feed costs in production systems where cereals play an
important role as feed. However, producers have only limited ability to respond to suddenly increasing feed costs as
production decisions are taken in the beginning of the production cycle and cannot respond quickly to price signals.
These two factors are probably the most relevant in explaining why meat prices remained rather stable during the
recent turbulent period” (OCDE/FAO, 2009: p. 168).
104
exportações141, a dinâmica comercial tem grandes efeitos sobre os países exportadores142.
Primeiro, no comércio internacional ficam explícitos os requisitos que dão ao demandante poder
sobre o ofertante, pois os requisitos de qualidade, de saúde animal, rastreamento da produção etc.,
requisitos religiosos143 e a política comercial (com a imposição de cotas e tarifas) são grandes
determinantes da quantidade, dos preços e das regiões que conseguem exportar em determinado
momento144. Isso é particularmente importante para grandes exportadores (o caso da JBS), dado
que uma proibição ou limitação à importação de suas carnes leva à execução de uma parte da
produção no mercado interno, derrubando os preços.

Tabela 17. Principais Exportadores e Importadores de carne bovina


Exportadores 2000 2006 2012 Importadores 2000 2006 2012
Brasil 8,3% 29,3% 18,7% Rússia 9,3% 17,6% 15,4%
Índia 6,2% 9,6% 17,3% EUA 26,8% 26,2% 15,2%
Austrália 22,6% 20,1% 17,3% Japão 20,7% 12,7% 11,1%
EUA 18,9% 7,3% 13,7% Hong Kong 0,0% 1,8% 3,6%
Nova Zelândia 8,5% 7,5% 6,3% China 0,0% 0,0% 1,5%
Ururguai 4,0% 6,5% 4,4% Coreia do Sul 6,3% 5,6% 5,6%
Canadá 8,8% 6,7% 4,1% União europeia 8,8% 13,4% 5,3%
Paraguai 0,0% 0,0% 3,1% Canadá 5,1% 3,4% 4,5%
União Europeia 10,9% 3,0% 3,6% México 8,2% 7,2% 3,2%
Argentina 6,0% 7,8% 2,0% Egito 4,6% 5,5% 3,8%
México 0,0% 0,5% 2,5% Venezuela 0,0% 0,0% 3,3%
Subtotal 94,3% 98,3% 92,0% Subtotal 89,9% 93,4% 72,6%
Fonte: USDA (elaboração própria)

Segundo, há uma grande divisão entre dois tipos de mercados: os fidelizados por
requisitos de saúde animal, que importam de países com histórico livre de doenças, em particular
a febre aftosa, e os que compram de produtores onde há recorrência desta doença145. Essa
segmentação surge por barreiras impostas pelos compradores, geralmente países desenvolvidos

141
Segundo dados compilados do USDA, a parcela exportada (exportações/produção total) de carnes é pequena, mas
crescente: sai de 7,5% em 2000 para 16,4% em 2012 para carnes bovinas; de 4,2% em 2000 para 6,9% em 2012 para
carnes de porco; e de 9,7% em 2000 para 12,1% em 2012 para carnes de aves.
142
Como o comércio de carnes ainda é muito local ou regional e pouco internacional, em geral apenas grandes
produtores possuem excedentes exportáveis.
143
Por exemplo: a exportação para país predominantemente muçulmanos exige uma preparação especial em várias
fases do processo – o abate Halal. Somente com o certificado Halal é possível vender para estes mercados (onde o
Brasil tem crescido nos últimos anos).
144
OCDE/FAO (2011: pp. 137-141).
145
Cf. OCDE/FAO (2009: p. 168).
105
com critérios mais rigorosos para alimentação (Europa, Japão, Coreia do Sul). Disto decorre uma
dificuldade de alguns produtores, dentre eles o Brasil, de conseguir atingir o mercado brasileiro.
O Brasil tem como principais destinos a Rússia, o grupo de países chamado de “MENA”
(“Middle East, North Africa”, isto é, Oriente Médio e Norte da África), alguns países da Europa e
América do Sul146. Como veremos, as aquisições da JBS nos EUA e na Austrália abrem as portas
da companhia para os mercados mais valorizados.

Figura 1. Bovinos - Fluxos de Comércio, inclusive vivos (2011-2012)

Fonte: GIRA Consultancy and Research (2012)

É neste ambiente de mercado que despontou o grupo JBS em 2007. Originário de


uma empresa familiar no ramo de abate e carne industrializada147 que tinha como antigo nome
“Friboi” (que hoje ainda é uma marca da empresa), a JBS é um frigorífico especializado em carne
bovina in natura, com operações com outros tipos de carne. Embora fosse já uma grande empresa
brasileira nos anos 2000, a JBS só adquiriu este nome e ganhou destaque no Brasil e no Mundo

146
Cf. ABIEC (2013).
147
Para mais detalhes do Histórico, ver: Lethbridge e Juliboni (2009) e Gruley e Kassaj (2013).
106
em 2007, após iniciar um conjunto de aquisições de empresas estrangeiras do mesmo ramo,
tornando-se em alguns anos a maior empresa de proteína animal do mundo.

Gráfico 12. JBS - Receitas líquidas, Resultados e Lucro/Prejuízo (em R$ bilhões)


(Eixo da direita para Receita Líquida)

Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

Na realidade, a estratégia de aquisições e internacionalização da JBS se iniciou pouco


antes, ainda nos anos 1990. Nesta década, a então Friboi cresceu adquirindo plantas de abate de
empresas em dificuldades e mesmo de frigoríficos estrangeiros que saíam do país devido à
sonegação fiscal dos concorrentes nacionais148. Também foi aí que a empresa iniciou o processo
de exportações, em um cenário de dificuldades para o mercado de carnes, sob competição da
carne de frango e problemas operacionais do setor149. Mas o decisivo foi o conjunto de
aquisições iniciado ainda com um pequeno passo, a Swift Armour da Argentina, em 2005, por
US$ 210 mi. Na sequência, vieram, para citar as mais importantes: a Swift Foods Co. dos EUA,
por US$ 1,5 bilhões, em 2007; aquisição de 50% da italiana Inalca, por US$ 331 milhões, do
Tasman Group da Austrália, por US$ 150 milhões e do Smithfield Beef dos EUA por US$ 565
milhões em 2008; e a aquisição da Pilgrim’s Pride dos EUA por US$ 800 milhões em 2009150.
Também ocorreu a fusão com o grupo brasileiro concorrente, Bertin, aquisição feita em troca de
148
Cf. Salomão, Ribeiro e Todeschini (2009).
149
Cf. Zucchi e Caixeta-Filho (2010).
150
Cf. Macedo e Lima (2012).
107
controle acionário da JBS. O conjunto de aquisições não apenas levou a JBS a outros países como
a outros tipos de carnes, passando a produzir suínos, ovinos e aves.

Tabela 18. JBS – Capacidade de abate diário por segmento e região (%)
Bovinos 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total 51.400 65.700 90.290 86.000 87.100 83.991
Brasil ou JBS Mercosul 18.900 ND ND 53.000 42.550
Argentina 6.700 ND ND ND 1.730
Paraguai - ND ND ND 521
Uruguai - ND ND ND 900
EUA ou JBS EUA 28.600 ND ND 34.100 26.025
Austrália 8.500 ND ND ND 7.765
Canadá - ND ND ND 4.500
Outros 3.000 ND ND ND -

Aves 2007 2008 2009 2010 2011 2012


Total 0 0 7.600.000 7.600.000 7.200.000 8.950.000
Brasil - - - - 1.450.000
JBS USA (EUA, Mex. Porto Rico) - 7.600.000 ND 7.200.000 7.500.000

Suínos 2007 2008 2009 2010 2011 2012


Total 47.900 47.900 48.500 48.500 50.100 51.300
JBS USA (EUA) 47.900 47.900 48.500 ND 50.100 51.300

Ovinos 2007 2008 2009 2010 2011 2012


Total 0 20.500 27.500 27.500 28.300 24.900
EUA 4.000 ND ND ND 2.800
Austrália 16.500 ND ND ND 22.100

Couros (peças) 2007 2008 2009 2010 2011 2012


Total ND ND 55.600 ND ND 73.800
Brasil 55.600 71.600
China - - - 2200
Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

Embora o grupo JBS e boa parte da cobertura jornalística e dos estudos acadêmicos
enfatizem bastante o que seria um diferencial gerencial151 da JBS que permitiu adquirir e

151
A JBS carrega consigo uma curiosa característica de um grupo de gestão ainda familiar: a simplificação dos
processos e o conhecimento operacional do negócio. Como se trata de um mercado de grande competitividade e
baixas margens, onde o processo de criação e alimentação dos animais e os processos de embalagem e distribuição
não possuem grande diferenciação, o processo de abate e corte é um dos diferenciais (FAO, 2009; SCHNEPF, 2013;
LEAHY, 2013). A presença quase folclórica dos filhos do fundador no comando direto da companhia – e seu
“modelo” de gestão “Frog”, ou “From Goiás” – é o que, aparentemente, viabilizou sucesso na empreitada de
internacionalização e recuperação de gigantes adquiridas, como a Swift e a Pilgrim’s Pride nos EUA, como foi
coberto pela imprensa e academia internacional: estudo da Harvard Business School/HBS (BELL & ROSS, 2008) e
108
recuperar várias unidades deficitárias, este não foi o decisivo no crescimento da JBS. O fato
básico que permitiu tamanho salto foi um significativo financiamento estatal através do BNDES.
Não apenas por empréstimos, mas principalmente através da participação acionária. Desde 2007,
quando a Friboi se tornou JBS S.A. e abriu o capital na Bovespa, o BNDESPar é o maior
acionista minoritário declarado nos relatórios. Neste período, o BNDES fez aportes significativos
em paralelo a todas as aquisições significativas mencionadas, como a capitalização de R$ 1.115
milhões em 2007 e a capitalização dos créditos das debêntures da JBS no valor de R$ 3.477
milhões.

Tabela 19. JBS - Composição do Controle Acionário


Acionistas 2007 2008 2009 2010 2011 2012
J&F Participações S.A. 55,4% 44,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
FB Participações S.A. 0,0% 0,0% 59,1% 54,5% 43,2% 44,0%
Banco Original (J&F) 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 2,5% 3,3%
Administradores 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
ZMF Fundo de Invests. Parts. 8,2% 6,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
Ações em Tesouraria 0,0% 2,4% 1,9% 2,9% 3,2% 0,0%
Ações em circulação (total) 36,4% 47,5% 39,0% 42,6% 51,1% 0,0%
BNDES Participações S/A 12,9% 13,0% 18,5% 17,0% 30,4% 19,9%
FRDT-FP/PROT-FIP 0,0% 14,3% 8,7% 8,0% 6,7% 0,0%
Caixa Econômica Federal 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 10,1%
Minoritários 23,5% 20,2% 11,9% 17,5% 14,0% 22,8%
TOTAL DE AÇÕES (mi) 1.077 1.438 2.367 2.567 3.061 2.944
Capital Social (R$ mi) 1.945,6 4.495,6 16.483,5 18.083,5 21.561,1 21.506,2
Parcela BNDESPar* (R$ mi) 251,9 584,2 3.043,3 3.078,7 6.557,3 4.269,8
(*) Avaliada em cima do percentual sobre o capital social e não sobre o valor de mercado
Fonte: JBS – Relatórios de Administração, diversos anos (elaboração própria).

No fundo, a construção do que ficou conhecido como “campeãs nacionais”, grandes


empresas brasileiras com atuação multinacionais, foi parte de um plano maior de fortalecimento
de setores onde o Brasil tem grande atuação. Esta política pode ser vista no diagnóstico dos
setores líderes152 da política industrial do segundo governo Lula, a Política de Desenvolvimento

reportagens da Businessweek (GRULEY & KASSAJ, 2013) e do Financial Times (LEAHY, 2013), além do The
Washington Post (FORERO, 2011); na mesma linha, a reportagem da EXAME (LETHBRIDGE & JULIBONI,
2009) e da Época Negócios (Salomão et alli, 2009).
152
Os setores são: complexo aeronáutico, petróleo, gás e petroquímica, bioetanol, carnes, celulose e papel, siderurgia
e mineração. Não à toa, em quase todos os casos há uma correlação com setores muito oligopolizados ou uma
atenção especial para os grupos maiores. Para mencionar os de controle brasileiro, que compões a lista dos maiores,
109
Produtivo (PDP). Segundo o relatório final da PDP, havia o objetivo de tornar o Brasil o maior
exportador mundial de carnes e de torná-las o segmento mais exportado do agronegócio brasileiro
(mas não superior à mineração), ou seja, está vinculado ao fortalecimento da balança comercial.
Uma dos resultados conquistados segundo o relatório foi a constituição de “players
internacionais” (JBS, Marfrig e BRFoods) e que as metas futuras buscavam enfrentar questões
sanitárias e de rastreamento – fundamentalmente fortalecer a posição de exportador153.
O tamanho e os recordes da empresa não revelam, contudo, uma questão decisiva: a
posição do frigorífico na cadeia produtiva das carnes, em especial a bovina. A JBS atua
particularmente na Indústria de 1ª transformação (abate e corte em peças) e menos no segmento
de 2ª transformação (industrialização propriamente dita). Secundariamente opera ainda nos
segmentos de atacado e exportação154. Este segmento é conhecido pela tecnologia tradicional, de
uso generalizado e relativamente livre, isto é, não há muita diferenciação entre produtores
nacionais e estrangeiros. A questão reside no fato de que o frigorífico não atua nem no setor que
incorpora progresso técnico, a produção da matéria-prima (animais), nem no setor que comanda a
cadeia, o varejo e o “food-service”. No segmento de criação de animais, além da disponibilidade
de terras ou ração animal básica, há uma série de tecnologia que incorporam boa parte do valor,
mas que estão sob controle do capital internacional, como os aditivos alimentares, a farmacêutica
veterinária e o setor de melhoramento genético155. Na outra ponta, estão os grandes varejistas
(como redes de supermercados) ou varejistas em alianças com frigoríficos, que são capazes de
comandar a cadeia, ou liderar a “governança” da cadeia, dirigindo a demanda (tipos e
quantidades) e se apropriando de uma parcela maior do valor final156. Como resultado, os
frigoríficos acabam se apropriando de parcelas menores do valor agregado ao longo da cadeia 157,
resultado que se expressa no cenário internacional e no brasileiro158.

temos: Embraer, Petrobras, usinas como a Cosan, os frigoríficos JBS, Marfrig, Minerva, Bertin, Fibria, Suzano,
siderúrgicas como Gerdau, Usiminas e CSN, além da Vale.
153
Cf. Brasil (2010).
154
Para o esquema completo da cadeia, consultar MAPA (2007).
155
Para o cenário geral, ver Martinelli et alli (2011). Para o segmento de aditivos alimentares, ver MDIC (2012).
Para a farmacêutica, ver Capanema et alli (2007) e sobre vacinas, ver Fernandes et alli (2013). Sobre o
melhoramento genético, ver Espíndola (2005).
156
Ver Gereffi e Lee (2009) e Lundstrom (2007). Para tendências do segmento, ver MAPA (2007: pp. 55-56).
157
Para dados de 2000 no Brasil, o estudo de Perez et alli (2002) estimou dados para duas empresas da participação
no preço final da carne bovina (cortes tradicionais) em 22,4% e 26,1%, sendo que em ambos os casos a maior parte
da agregação (52,6% e 64,1%) ficavam com o pecuarista. No estudo do IPARDES e GEPAI (2002: p. 168) para o
110
Gráfico 13. JBS – Margens Operacional, EBITDA e Líquida (%)

Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

Do ponto de vista estrito da empresa, a situação não é simples. Ainda que ela tenha
contornado o problema do acesso aos mercados consumidores dinâmicos, com a aquisição de
operações nos EUA e Austrália, e ainda que esteja posicionada em um país com consumo
crescente de carnes (e carnes bovinas), sua posição na cadeia é desfavorável. Além disso, a JBS
passa por dificuldades de conciliar o crescimento rápido, a aquisição de unidades deficitárias, as
margens reduzidas e o custos financeiros da sua dívida, a tal ponto de passar dois anos sem
distribuir dividendos aos acionistas (dentre eles o BNDES)159. Seu endividamento é considerado
alto pelos próprios critérios expressos nos relatórios anuais, fortemente vinculados ao processo de
aquisição.

setor de carnes no Paraná, foram apurados os seguintes valores para o valor adicionado pela indústria: em 1995, no
setor de carne suína era de 8,01%, no de bovina 7,24% e no de aves, 28,81%; em 2000, no de suína era de 14,43%,
no de bovina, 6,45%, e no de aves, 48,65%. Já o estudo de Viana e Silveira (2007: p. 1126) chega ao resultado de
7,61% da participação da indústria no setor de carnes do Rio Grande do Sul com venda em Santa Maria em 2005. Os
dados o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA/Economic Research Service) mostram valores
compatíveis, em torno de 8.0%.
158
Cf. Sehnem et alli (2012)
159
O pagamento de dividendos como percentual do lucro líquido foi 18,5% em 2004, 37,7% em 2005, 7,1% em
2006, -10,1% em 2007 (com prejuízo líquido), 54,6% em 2008, 27,9% em 2009, 0,0% em 2010e 2011 e 22,4% em
2012. Além de não recuperar o patamar, a margem líquida também diminui, minorando os efeitos das altas receitas.
111
Gráfico 14. JBS – Dívida Bruta (R$ mi) e razão Dívidas Bruta e Líquida/EBITDA (%)

Fonte: JBS, Relatórios Anuais, diversos anos (elaboração própria)

Desta forma, a transnacionalização da JBS, que reduz seus vínculos com o mercado
interno, ainda que ele continue a ser importante mercado consumidor, reforça características
regressivas do agronegócio: o uso intensivo de recursos naturais e da terra; o custo do suporte
estatal ao setor; a busca por atender a mercados externos – e a correspondente vulnerabilidade aos
choques de demanda típicos do setor primário; a busca pelo diferencial em atividades de gestão e
não na incorporação de progresso técnico ou criação de novas mercados; a constituição da
empresa em mais uma peça das estratégias globais do capital que podem desestruturar economias
nacionais com mudanças de planos produtivos e financeiros, exacerbando as tendências à
reversão neocolonial.

5. Discussão

O estudo dos quatro grupos controlados por brasileiros realizado nessa pesquisa
pretende contribuir para o entendimento da natureza da burguesia brasileira, fornecendo
elementos empíricos para elucidar as estratégias de acumulação e o caráter dos nexos destas
frações de capital com o espaço econômico nacional, a economia internacional, o grande capital
internacional e o Estado brasileiro – elementos essenciais para a compreensão do padrão de
exploração do trabalho que fundamenta em última instância o processo de valorização do capital
desses grupos. O trabalho é, evidentemente, apenas o início de uma investigação e certamente
não autoriza conclusões definitivas. No entanto, pela posição de liderança desses grupos em seus
112
respectivos setores e pela relevância dos setores na economia brasileira, acreditamos que o
conhecimento da sua forma de atuação constitui informação importante para a identificação de
padrões e tendências de comportamento que são fundamentais para uma melhor caracterização
sobre as potencialidades e debilidades da burguesia brasileira. Nesta conclusão, arriscaremos uma
síntese mais geral sobre os resultados da investigação, ressaltando as características comuns e as
particularidades dos quatro grupos.
Do ponto de vista tecnológico, a base produtiva dos grupos estudados é muito simples
e com uso de tecnologias acessíveis no mercado. Mesmo quando exigem certa imobilização de
capital (siderúrgicas), são segmentos de atividade em que conta muito pouco a inovação
disruptiva e mais as inovações incrementais, quando possíveis. São setores muito intensivos em
recursos naturais, energia elétrica e força de trabalho barata. De uma maneira geral, os grupos
revelaram baixa capacidade de incorporação de progresso técnico e, em consequência, alta
dependência tecnológica e financeira em relação ao grande capital internacional. O resultado,
como veremos, é o condicionamento destes grupos a se apoiarem em outros fatores para competir
que não a elevação da produtividade pela técnica.
De maneira geral, os segmentos de atividade, e as empresas estudadas dentro deles,
têm sua dinâmica ditada pelo crescimento da demanda final (alimentos e combustível ou gás
natural para consumidor final, minérios para siderurgia, aço para construção ou indústria), de tal
forma que o ritmo de expansão e os preços são em geral pouco influenciados pelas empresas
produtoras.
Do ponto de vista da força relativa destes grupos dentro das cadeias produtivas, pode-
se enxergar uma posição em geral subordinada e que corresponde a parcelas menores sobre o
valor agregado. Este padrão é mais acentuado nos ramos do agronegócio, em que pesam os
insumos e, principalmente, as empresas que controlam a intermediação - tradings, distribuidoras
de combustíveis, redes de supermercados etc. É relevante também a dependência de critérios de
compras de países importadores no setor de carnes ou as pressões de custos à medida em que se
intensifica o progresso técnico na criação animal. No caso da Vale, a posição é um pouco
diferente por estar no início da cadeia com os produtos minerais valorizados. Na siderurgia, a
Gerdau possui controle de canais comerciais estratégicos: a compra de sucata de aço e a
distribuição de aço, apesar de não controlar o patamar dos preços.
113
Os mercados internos e externos são importantes para todas as quatro empresas, mas
é possível notar um claro viés para o aproveitamento de oportunidades de exportação. Os
mercados externos têm maior peso relativo para a Vale, em que o dinamismo do produto –
quantidades e preços – é todo explicado pela demanda asiática, enquanto que as vendas físicas no
mercado brasileiro estagnaram e participação relativa do país nestas vendas caíram. Dinâmica
semelhante se estabelece para a Cosan no mercado de açúcar ou nas operações de transporte para
exportações (Rumo Logística), bem como para a JBS, que tem cerca de metade das receitas em
exportações nas operações do Brasil e que também atinge mercados externos a partir de
operações estrangeiras. Os mercados regionais das Américas são relevantes para a Gerdau, em
particular a partir das operações brasileiras, estruturalmente dependente das vendas externas dado
a diferença entre a produção e a absorção interna.
O mercado interno é relevante para estes grupos sob duas formas. A primeira é a
existência de um mercado cativo em que os grupos tenham algum controle. A Gerdau participa
de um duopólio nos aços longos, possui vantagens comerciais (compra do insumo e venda do
produto) e influência política para conquistar a dinamização da demanda (construção e
automóveis). A JBS detém fatia importante em um mercado de alto consumo de carnes, ainda que
o crescimento dependa da continuidade do crescimento econômico e da renda. A Cosan produz
etanol que possui uma demanda atrelada ao aumento da frota de veículos, mesmo quando o
combustível não é competitivo (vai misturado à gasolina). A segunda forma é a intermediação
comercial. No caso da Cosan, é um negócio muito importante, que ocorre tanto na distribuição de
combustíveis como nos serviços de distribuição de gás natural e na revenda de lubrificantes. Por
fim, vale mencionar as operações no mercado imobiliário da Cosan, onde o especulativismo
aparece na sua forma pura.
A estratégia de expansão dos quatro grupos possui um denominador comum: as
aquisições de operações já existentes. É o que explica, inclusive, a possibilidade do crescimento
de empresas como a JBS, a Gerdau ou a Cosan. Este padrão se concretiza em experiências que
vão desde a Gerdau e JBS que usam a expansão para conquista de market-share – nas aquisições
nos EUA, América Latina e outros –, passam pelo aproveitamento do momento bom de um ciclo
de alta de preços, como ocorreu com a Vale – aquisição de operações de níquel, mas também de
fertilizantes e carvão – e mesmo com a Cosan, mas que chega ao máximo da operação de
114
especulação na criação da joint-venture Raízen da Cosan com a Shell, onde ao capital
transnacional é oferecida toda sorte de benefícios para concretizar a venda – o que é na prática.
Em um polo, compra-se para “reformar” (para usar as palavras do proprietário da JBS), em outro,
compra-se para vender.
O financiamento das empresas, condição fundamental para a execução do intenso e
acelerado processo de aquisições das empresas, teve como base duas fontes: o capital
internacional e o Estado. O capital internacional, até onde a pesquisa conseguiu chegar, é a
principal fonte de financiamento dos grupos estudados. Não à toa, os capitais estrangeiros
buscaram antes e mesmo depois da crise ativos com diferenciais de retorno, o que foi enxergado
nas ações e títulos de dívidas de empresas ligadas aos setores de commodities agropecuárias,
minerais e industriais. Apesar de tais empresas terem receitas em dólar, o desequilíbrio
patrimonial revelado no momento mais agudo da crise demonstra quão vulneráveis estão estas
empresas ao estrangulamento cambial promovido com a fuga de capitais. Isto é, as empresas
brasileiras são ao mesmo tempo beneficiadas pelo movimento de entrada no ciclo especulativo
como ficam fragilizadas no movimento de saída, da mesma forma que a economia brasileira em
conjunto. O outro pilar de financiamento, o Estado, teve participação em todos os grupos com
importâncias distintas, seja como acionista (BNDESPar na Vale, Gerdau e JBS), seja como banco
para todos os grupos em distintos momentos, chegando ao limite de representar o fator decisivo
responsável pela constituição da JBS.
A expansão destes grupos ainda tem como pressuposto e resultado o controle e
aprofundamento do uso de fatores que dão vantagens absolutas: a exploração do trabalho barato e
de recursos naturais (solo, subsolo, energia). Seus negócios supõem, portanto, a presença de uma
ampla abundância de força de trabalho barata e a depredação do meio ambiente.
O Estado, diga-se de passagem, é mobilizado não apenas, como já vimos, no
financiamento, mas também através da criação de uma série de condições que viabilizam os
negócios. A política de setores líderes e “campeãs nacionais” surge do vínculo estratégico dos
setores, e das empresas dentro dos setores, para o Estado, expresso como a possibilidade e a
necessidade de expansão de exportações e consolidação do grande capital no país. Para tanto, são
mobilizadas infraestrutura, a diplomacia para abrir oportunidades de exportações e investimentos,
subsídios e incentivos diversos para o aprofundamento de tais negócios. Cabe lembrar ainda a
115
contribuição dada no momento anterior ao período aqui estudado, quando as privatizações foram
responsáveis pela liquidação do patrimônio público em favorecimento destes negócios de grandes
capitalistas brasileiros e estrangeiros, processo que aparece nesta pesquisa desde algumas
unidades produtivas, no caso da Gerdau, até a empresa inteira e tudo o que ela carregou junto, no
caso da Vale.
O caráter tributário e associado destes ramos de atividade, ainda que diferenciado
entre eles, aparece no surgimento e no aproveitamento das oportunidades de negócios abertas por
condições externas ao país – mudanças na divisão internacional do trabalho, especulação
comercial e financeira do capital financeiro internacional. Os negócios são fonte ao mesmo
tempo de oportunidades de ganho na alta do ciclo, como de vulnerabilidade e derrocada na baixa
do ciclo. Elas surgem nas associações diretas da Cosan com a Shell e a ExxonMobil, na
dependência do comportamento de mercados externos para a Vale, no crescimento da siderurgia
chinesa e de outros países para a Gerdau ou na importância crescente de mercados consumidores
com poder de barganha para a JBS. Nos quatro casos assistimos a momentos de ascensão e queda
dentro mesmo dos anos 2000, revelando a atualidade do alerta de Caio Prado Jr. sobre a
importância – hoje crescente – do ciclo de acumulação internacional para a criação de negócios
de empresas brasileiras, bem como sua vulnerabilidade às crises de reversão exatamente pela
natureza do processo cíclico de acumulação e pela posição periférica do Brasil perante a ele.
Os grupos pesquisados nesta dissertação permitem materializar de que forma uma
parte da burguesia brasileira se insere no processo da globalização, uma vez decidida pela
integração acelerada em um contexto de nova lógica transnacional e mudança na divisão
internacional do trabalho. A esta burguesia cabe o comando de setores especializados em
atividades primárias ou de baixa intensidade tecnológica, considerada a defasagem gritante entra
sua base técnica e a das grandes corporações e dos países imperialistas. Desta forma, o uso
crescente das condições socioeconômicas internas, que são as variáveis que dão alguma
competitividade à burguesia e que podem ser manejados com relativa ampla liberdade, passa a
ser o pilar da viabilidade econômica de muitos dos negócios aqui analisados. Dentre estas
condições não estão somente aquelas que dizem respeito às vantagens competitivas estáticas,
certamente muito relevantes, mas também a disponibilidade de mercados cativos, um diferencial
importante e ainda não de todo corroído pela competição internacional, pelo menos não para
116
todos os setores ou empresas da burguesia brasileira. Por outro lado, o que interessa é que tais
setores e grupos empresariais são crescentemente polarizados por condições externas ao Estado e
à economia brasileira e estão mais vinculados com as estratégias globais de grandes empresas ou
países na disputa pelo controle tecnológico, de mercados e de recursos estratégicos, além da
disputa pela capacidade de extrair os melhores e maiores ganhos na especulação e no rentismo
mundial. É precisamente dentro deste contexto geral que operam, no fundo e muitas vezes na
mais explícita realidade dos fatos, os grandes capitais aqui estudados: no aproveitamento de
oportunidades possíveis abertas pelo grande capital estrangeiro no comércio internacional, na
especulação com ativos financeiros e com o patrimônio estatal e dos próprios grupos, no caso
extremo. É este padrão de participação na totalidade do sistema que permite enquadrar a
burguesia estudada nesta pesquisa como aquilo que foi chamado anteriormente de “burguesia de
negócios”. Ou seja, é este o caráter da burguesia dependente brasileira correspondente ao período
histórico de processo de reversão neocolonial.

117
Considerações finais

Este trabalho surgiu da preocupação com o entendimento do movimento concreto de


transformação da burguesia brasileira neste novo século e a sua relação com a economia
brasileira. Diante da imensa quantidade de leituras que postulavam um suposto
neodesenvolvimentismo no Brasil, surgidas no final da década de 2000, uma grande inquietação
surgiu: se há um novo desenvolvimentismo, onde está a burguesia que o protagoniza? Para além
da muita propaganda e apologia que se fez e se faz na mídia, no Estado e na academia acerca das
“campeãs nacionais” ou das “multinacionais brasileiras”, muito pouco foi exposto além da
superfície dos dados sobre elas. Ao mesmo tempo, como seria possível pensar em
desenvolvimento se o Brasil era rapidamente reposicionado na divisão internacional do trabalho,
processo explícito através da mudança na composição da balança comercial e da desestruturação
das cadeias produtivas que anunciavam o aprofundamento da desindustrialização? Como pensar
que uma nova fase da História brasileira se abria se os problemas históricos da desigualdade, da
exploração, da autocracia e da submissão aos desígnios do grande capital internacional
prosseguiam firmes a despeito da algumas mudanças quantitativas? Seguindo os ensinamentos do
maior economista brasileiro, Celso Furtado, compreendia não ser possível pensar em
desenvolvimento sem industrialização, integração nacional e um sistema econômico voltado para
o mercado interno.
Diante dessa contradição e da motivação de explicá-la, surgiu o projeto de estudo dos
grandes grupos econômicos como uma forma de iniciar um longo caminho de pesquisa para dar
contribuições ao debate, sem a pretensão de esgotá-lo. Tratava-se de entrar no campo dos atores
do desenvolvimento, de compreender seus limites e potencialidades e o sentido da sua ação
histórica. Nenhuma classe em estudo poderia condensar tantas relações e ajudar a explicar tanto
sobre o sentido da História brasileira quanto a nossa burguesia.
A conclusão a que chegamos, a partir de uma pequena, porém representativa, seleção
de grupos econômicos, joga luz e novas hipóteses para trabalhos futuros. Se é verdade que temos
uma “burguesia dos negócios” no Brasil e que é possível definir desta maneira a fração do capital
estudada nesta pesquisa, ainda existe um grande caminho a ser trilhado, tanto no aprofundamento
desta caracterização como na expansão dos grupos e setores a serem compreendidos.
119
Duas indicações de estudos futuros saem desta pesquisa. A primeira é a busca por
mais setores representativos de grandes negócios, sejam eles claramente identificados com o
padrão encontrado nessas empresas, como outros setores do agronegócio ou de commodities
industriais e indústria básica, ou mesmo, por outro caminho, as empreiteiras, sejam eles
considerados a ponta de lança da tecnologia brasileira, como os grupos do setor aeronáutico. A
segunda indicação é dos caminhos a se percorrer na investigação dos grupos brasileiros. Fica
claro que a simples comparação de um grupo brasileiro com seus congêneres de outros países não
é capaz de revelar a natureza de seus nexos com a economia brasileira e a mundial, sua estratégia
de acumulação, sua maneira de se relacionar com o trabalho e a natureza. Uma das pistas
encontradas – e trilhada de forma apenas incipiente – nesta dissertação foi a busca pela posição
relativa das empresas brasileiras nas cadeias de valor de seus setores. É esta força relativa que é
capaz de explicar como grandes empresas podem ser apenas a reposição de uma burguesia
dependente em outros níveis.
O senhor de engenho brasileiro do século XVI ou XVII participava de uma das
cadeias produtivas mais dinâmicas, vendia para os mais importantes mercados consumidores, era
financiado pelas maiores casas financeiras e comerciais europeias, operava uma das tecnologias
mais modernas de sua época e estava no centro das rotas comerciais mais promissoras. Mesmo
assim, sua margem de manobra e sua participação no excedente econômico eram mínimas e tudo
o que controlava estava da porteira para dentro: suas terras, que soube utilizar até a exaustão, e
seus escravos, que soube explorar até a morte. Não seria um retrato de nossa moderna burguesia
dos negócios?
Este trabalho buscou dar sua pequena contribuição – e provocação – para uma
pesquisa e um debate mais amplos, que ajudem a responder se um futuro diferente para o nosso
país pode estar nas mãos da burguesia brasileira ou se será preciso colocá-lo em outras mãos.

120
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128
ANEXOS

129
ANEXO A: Grupo Cosan

“O mercado de açúcar e álcool é uma montanha-russa”


(Rubens Ometto, controlador e presidente do conselho de administração da Cosan)

177
1. Introdução

O grupo Cosan é um grupo econômico de controle brasileiro originário do setor


sucroalcooleiro, onde cresceu rapidamente ao longos dos anos 2000 através de aquisições,
alavancado pelo capital internacional. Frente à crise aparentemente estrutural pela qual passa o
setor, em particular o segmento de etanol, a Cosan fez movimentos abruptos de saída do ramo
para entrada em negócios mais estáveis e de rendimento garantido: entrou no ramo de
distribuição de combustíveis; negociou metade de suas operações sucroalcooleiras e de
combustíveis com a Shell, na constituição da joint-venture Raízen, onde a empresa estrangeira
possui opção de compra da parte da brasileira; vendeu as operações em alimentos; partiu para
fortalecer sua posição como intermediário e especulador no ramo de transporte (logística em
especial para exportação) de commodities, especulação imobiliária e concessões em distribuição
de gás natural.
Para compreendê-lo, é preciso analisar o funcionamento do setor de origem, o
sucroalcooleiro, e como sua estratégia de aquisições dentro do setor se tornou uma estratégia de
saída do setor, sempre amparado no financiamento ou associação com o capital internacional e
com alguma ajuda do Estado no período recente, mais agudo de crise sucroalcooleira.

2. Histórico

A Cosan tem como origem os negócios de uma tradicional família do setor


sucroalcooleiro do interior de São Paulo, os Ometto. Apoiado em uma única usina em Piracicaba
(fundada em 1936) durante 50 anos, passou a se expandir adquirindo a partir de 1986 outras
usinas: Santa Helena, São Francisco e Ipaussu.
Em 1996, a empresa iniciou suas operações de carregamento portuário no Porto de
Santos, associado a uma empresa britânica tradicional do ramo de açúcar, Tate & Lyle. Já em
2000, se constituiu como Cosan S.A. e fez outra associação, desta vez com as empresas
estrangeiras Tereos e Sucden na aquisição de novas usinas através da companhia Franco-
Brasileira Açúcar e Álcool S.A. (FBA). Em 2002 adquiriu a maior usina de açúcar e etanol do
mundo, a Usina da Barra.
178
Em 2005, o grupo formalizou uma aliança com o grupo asiático Kuok, especializado
em commodities, que se tornou acionista da Cosan. Em seguida, ele formou ainda a empresa
Terminal de Exportação de Álcool de Santos, TEAS, em parceria com outras grandes empresas
como Cargill, Crystalserv, Nova América. Neste mesmo ano, ele conseguiu financiamento no
IFC, braço de negócios empresariais do Banco Mundial, abriu capital na Bovespa e adquiriu o
controle da FBA.
No ranking dos maiores 200 grupos econômicos brasileiros, o grupo aparece desde 2001,
em 138º lugar com receita de R$1,0 bi. Desponta entre os 25 maiores grupos brasileiros privados
da indústria em 2004 (111º no geral, com receita de R$2,0 bi) e entra lista dos 10 maiores
brasileiros da indústria em 2009 (na 33ª posição geral com R$16,7 bi em receitas). Em 2010 era o
27º dentre os 200 grupos e em 2011, o 22º, com receitas de R$25,9 bi. Assim como a JBS e a
Marfrig, a Cosan é um grupo que cresceu muito rapidamente nos anos 2000, principalmente
através de operações de aquisição e impulsionado por um setor exportador em forte crescimento –
no caso, o do açúcar.

Tabela A.1. Posição da Cosan no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
200 grupos 138º 109º ND* 111º 100º 82º 107º 53º 33º 27º 22º
25 maiores indústria - - - 22º 20º 17º 22º 12º 6º 7º 7º
Brasil
*ND: Dado não encontrado
Fonte: Elaboração própria com dados do anuário Valor Grandes Grupos.

Baseada em uma estratégia de aquisições alavancadas pelo capital internacional, a


Cosan chegou à segunda metade dos anos 2000 como a maior empresa brasileira no setor,
aproveitando oportunidades de aquisição e o bom momento dos dois principais produtos da
empresa, açúcar e etanol. Este cenário mudaria desde o final da década e exporia a Cosan às
instabilidades e problemas que a levaram a se afastar do ramo de origem e buscar negócios mais
rentáveis e seguros.

179
3. Mercados principais

Apresentamos nesta sessão o panorama dos principais setores de atuação da Cosan (e


da Raízen): o sucroalcooleiro e a distribuição de combustíveis. São os setores que representaram
a maior parte dos negócios da Cosan até período recente e sua análise ajudará a entender as
estratégias da empresa.
Os demais setores serão tratados nos tópicos seguintes, como parte da carteira de
negócios da empresa, isto é, oportunidades de negócios que foram sendo agregadas, sejam em
áreas correlatas – como é o caso da logística e do setor imobiliário rural –, ou simplesmente
diversificações radicais – como é o caso da produção e comercialização de lubrificantes ou o
segmento de distribuição de gás natural.

3.1. Açúcar e Etanol

Açúcar e etanol são os dois principais produtos do chamado setor sucroalcooleiro,


cujo grande insumo é a cana-de-açúcar. Como são produtos que podem ser obtidos da mesma
matéria-prima em proporções variáveis de acordo com a conveniência de mercado, devem ser
estudados conjuntamente, ainda que tenham dinâmicas distintas. A plantação da cana para
produção – e em especial a exportação – do açúcar é historicamente um grande negócio brasileiro
e continua atrelado, principalmente, ao mercado externo. Já o etanol só se tornou
economicamente viável com o suporte estatal durante o período do Proálcool (iniciado em 1975 e
finalizado no início dos 1990s) e quando se tornou substituto da gasolina com alto preço do
petróleo repassado ao seu derivado. Diferentemente do açúcar, o etanol ainda tem como destino
principal o mercado interno. Veremos como se comportou a posição do Brasil nesses mercados e
algumas questões-chave para se entender a nossa posição dentro deles e a crise que tomou conta
do setor sucroalcooleiro no final da década de 2000.

Cana-de-açúcar
Sob o dinamismo que tomou a demanda e os preços do açúcar e etanol nos anos 2000,
a produção de cana-de-açúcar cresceu no Brasil muito acima do ritmo mundial.
180
Tabela A.2. Cana-de-Açúcar – Produção Mundial, em milhões de toneladas
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Brasil 254,9 293 321,7 349,6 374,7 382,3 428,3 495,5 552,8 622,6 627,3
Índia 299,3 296 297,2 287,4 233,9 237,1 281,2 355,5 348,2 285 277,8
China 69,3 78 92,2 92 91 87,6 93,3 113,7 124,9 116,3 111,5
Tailândia 54,1 49,6 60 74,3 65 49,6 47,7 64,4 73,5 66,8 68,8
México 44,1 47,3 45,6 47,5 48,7 51,6 50,7 52,1 51,1 49,5 50,4
Paquistão 46,3 43,6 48 52,1 53,8 47,2 44,7 54,7 63,9 50 49,4
Demais 489,5 459,3 470 475,7 473,9 466,1 476,2 484,7 519,7 477,8 500,2
Mundo 1257,5 1266,8 1334,7 1378,6 1341 1321,5 1422,1 1620,6 1734,1 1668 1685,4
Fonte: FAO (elaboração própria)
O resultado do ritmo de produção acima da média é que a fatia brasileira no total
mundial passou de 20% em 2000 para 37% em 2010.

Gráfico A.1. Cana-de-Açúcar – Produção Mundial – Países selecionados (%)

Fonte: FAO e Ministério da Agicultura (MAPA), elaboração própria.

A produção de cana-de-açúcar no Brasil ficou ainda mais concentrada no Centro-Sul


do país. Na safra 2000/2001, o Norte-Nordeste possuía ainda 20% da produção; entre as safras
2009/2010 e 2011/2012, sua parcela oscilou entre 10% e 12%. No Centro-Sul, o estado de São
Paulo continuou com o maior produtor (pequena redução ao longo da década). O destaque,
contudo, foi o aumento relevante da participação dos estados próximos, como Minas Gerais,
Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná. Essa relevância das regiões em torno do estado de São
Paulo é importante, pois esta é a área de origem (SP) e de expansão prioritária (GO, MS) da
Cosan.

181
Gráfico A.2. Cana-de-Açúcar – Produção brasileira – estados selecionados (%)

Fonte: elaboração própria com dados da Unicadata.

Açúcar
Um dos principais estímulos à produção de cana foi sem dúvida o dinamismo da
demanda e dos preços internacionais do açúcar. Enquanto o etanol não é ainda um produto da
cana tão importante como é no Brasil, o principal uso que se faz da planta é o açúcar. Os seus
preços em termos reais tiveram uma grande recuperação entre meados da década de 2000 e o
início da de 2010. Os preços, segundo a estimativa da OCDE com a FAO, devem declinar, mas
permanecer acima dos patamares do início dos 2000.

182
Gráfico A.3. Açúcar – preços reais (1992-2012) e projeções (2013-2022), em US$/ton.

Fonte: OCDE-FAO Agricultural Outlook 2011-2020.

Os preços do açúcar são bastante voláteis, influenciados tanto por fatores de oferta
(safras, problemas climáticos, custos de produção, alternativas de uso da cana, como o etanol
etc.) como fatores de demanda e diferenças entre produção e consumo e a disponibilidade de
estoques (MCCONNELL, DOHLMAN & HALEY, 2010; RUMÁNKOVÁ & SMUTKA, 2013).
O comércio mundial do açúcar tem se caracterizado pela concentração da exportação
em poucos países – em geral os maiores produtores, como o Brasil e a Índia. Mas além disso, o
mercado é controlado por poucas empresas compradoras e comerciantes. Segundo um estudo de
2013 da FAIRTRADE FOUNDATION (2013: pp. 8-9), dois terços do mercado mundial são
controlados por 6 grandes companhias (traders): Czarnikow, sediada na Inglaterra, que controla
cerca de 18% do comércio mundial e 30% do açúcar e etanol brasileiros; Sucden, sediada na
França, que controla cerca de 10% do mercado mundial; Louis Dreyfus, sediada na França, que
também é uma das maiores traders de commodities; Cargill, estadunidense; ED&F Man,
sediada na Inglaterra; e Bunge, dos EUA, que adquiriu em 2009 o área de negócios de açúcar da
inglesa Tate & Lyle’s.

183
Gráfico A.4. Açúcar – Produção e exportações mundiais por país (%) – 2010

Fonte: USDA – U.S. Department of Agriculture (elaboração própria)

O Brasil não é apenas o maior produtor, como é também o maior exportador.


Enquanto que entre as safras de 1999-2000 e a de 2012/2013 a produção cresceu 28%, o consumo
cresceu 29% e as exportações cresceram 41%. Isso revela o dinamismo do comércio
internacional, que cresceu acima da produção e do consumo. O Brasil entrou nesse movimento e
ampliou sua participação na produção e nas exportações totais, crescendo, respectivamente, de
15% e 27% na safra de 1999-2000 para 21% e 43% na safra 2011-2012, sendo que chegou a 47%
das exportações mundiais em 2009-2010.

184
Gráfico A.5. Açúcar – Brasil na produção, consumo e exportações mundiais (%)

Fonte: Elaboração própria com dados do USDA (U.S. Department of Agriculture)

Para ter uma dimensão do negócio, o valor médio das exportações por tonelada no
Brasil partiu de um patamar inferior a US$200/ton. e chegou a mais de US$500/ton em 2011-
2012. Embora tenha crescido menos que as exportações, a variação de valor médio ao exportador
chega a 2,5.

Tabela A.3. Açúcar – Exportações Brasileiras (Índice: 2000=100)


2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Quant.
(mil ton.) 6.502 11.173 13.354 12.914 15.764 18.147 18.870 19.359 19.472 24.294 28.000 25.357 24.342
US$(FOB) 1.199 2.279 2.094 2.140 2.640 3.919 6.167 5.100 5.483 8.378 12.762 14.940 12.845
US$/ton 184 204 157 166 167 216 327 263 282 345 456 589 528
Quantidade 100 172 205 199 242 279 290 298 299 374 431 390 374
Exportações 100 190 175 178 220 327 514 425 457 699 1064 1246 1071
US$/ton 100 111 85 90 91 117 177 143 153 187 247 319 286

Fonte: Unicadata (elaboração própria)

Etanol
Em contraposição, no setor de etanol, o Brasil perdeu participação no total. Embora
seu crescimento na produção física do setor tenha sido persistente ao longo da década, o Brasil
185
perdeu sua posição de maior produtor mundial para os EUA, caindo de 36% da produção mundial
em 2013 para 49% em 2012. Ao longo da década, diversos países implementaram e apontam a
continuidade da implementação de políticas de incentivo à produção ou ao consumo de fontes de
energia renovável, dentre elas os biocombustíveis como o etanol160. O caso dos EUA é
paradigmático, pois implementaram uma série de incentivos na segunda metade da década de
2000 para estimular o setor, o que explica seu crescimento. O Brasil, herdando o legado do
Proálcool (base técnica e produtiva preexistente) despontou em 2006-2007 como grande
produtor, mas o setor recaiu em uma nova crise, como veremos adiante.

Gráfico A.6. Etanol – Produção mundial (milhões de litros)

Fonte: OCDE-FAO Agricultural Outlook 2011-2020 (elaboração própria)

A produção de etanol foi crescente, tendo uma queda no final da década por
problemas climáticos, alta dos preços do açúcar, preços baixos do etanol e as baixas margens ao
produtor. A queda na demanda pelo etanol como combustível (etanol hidratado) pode ser vista
pela queda na sua produção, permanecendo estável a produção do etanol misturado à gasolina
(etanol anidro) – ver gráfico abaixo. O gráfico seguinte mostra as vendas de etanol (incluindo
etanol hidratado mais o anidro adicionado à gasolina C) e as de gasolina automotiva, revelando a
reversão, entre 2009 e 2010, da tendência de maior consumo do etanol como combustível.

160
Ver o World Energy Outlook de 2012, capítulo 7, “Renewable energy outlook” (IEA, 2012).
186
Gráfico A.7. Etanol – Produção brasileira, 2002-2011 (milhões de m³)

Fonte: Anuário Estatístico ANP, 2012.

Gráfico A.8. Vendas de etanol1 e gasolina automotiva2 no Brasil (mil m³)


(1): Inclui o etanol anidro adicionado à gasolina C; (2) Exclui o etanol anidro adicionado à gasolina C;

Fonte: Anuário Estatístico ANP, 2012.

187
A queda na produção levou a um resultado espantoso no final da década. O país, que
sempre foi um dos maiores exportadores do mundo, passou a importar etanol em 2011. O saldo,
que chegou a mais de 5 milhões de m³ em 2008, chegou a menos de 1 milhão em 2011.

Gráfico A.9. Etanol – Balança Comercial Brasileira (em milhões de m³)

Fonte: Elaboração própria com dados da ANP.

A crise no setor
Desde 2009 está em debate entre os produtores e os analistas do setor a avaliação de
uma crise persistente no setor sucroalcooleiro, em particular no ramo do etanol. Dentre as
diversas leituras, citamos: o estudo da CONAB (2010), que aponta a existência de custos
crescentes do capital de giro para formação de estoques, uma muito baixa taxa de remuneração
nas safras 2007-2008 e 2008-2009 e uma posição passiva dos produtores frente aos
distribuidores, que impõe pequena participação na margem obtida no preço ao consumidor final.
Vários fatores concorrem para o problema, como a crise mundial, que reduziu a liquidez e
ampliou os juros, o sobre-endividamento de várias empresas, a queda de preços originada pela
liquidação desordenada da produção e estoque por algumas empresas e os erros de previsão que
levaram em conta um otimismo quanto ao futuro do setor.
Duas reportagens – na Revista Exame (BRANDÃO, 2012) e na BBC Brasil
(BARBA, 2013) – apontaram outros fatores causadores da crise: a) falta de planejamento a longo

188
prazo do setor, que o torna vítima das flutuações de curto prazo (como a mudança da prioridade
do governo do etanol para o petróleo, após a descoberta do Pré-Sal); b) a contenção do preço da
gasolina pelo governo, como forma de limitar a inflação (mesmo a despeito das necessidades de
financiamento da Petrobrás para arcar com a gigantesca carteira de investimentos); desde 2009 o
etanol possui preço maior que 70% do preço da gasolina (proporção em que os combustíveis
teriam rendimentos equivalentes); c) queda de produtividade devido à crise de crédito, à transição
para a colheita mecanizada, às pressões de custos, inadequação de variedades de plantas às
diferentes regiões. Os dados indicam queda de produtividade física de 90 ton./hectare em 2009
para 69 ton./hectare em 2011, ou ainda 86,6 ton./hectare em 2006 para 74,7 em 2012 (Exame e
BBC, respectivamente); d) questões climáticas; e) ampliação da produção de etanol anidro,
misturado à gasolina, impondo a redução da produção de etanol hidratado (cf. BRANDÃO, 2012;
BARBA, 2013).
Para o setor de etanol ter se revitalizado, o decisivo parece ser quando o combustível
se torna competitivo frente à gasolina. Durante a vigência do Proálcool, havia incentivos
governamentais tanto na oferta (plantação e usineiros) como na demanda (automóveis movidos à
etanol). O importante, nesse caso, foi a existência de uma segmentação entre veículos movidos a
etanol e os movidos a gasolina. Desde os anos 1990, a demanda por etanol caiu junto com a
produção e o combustível só passou a der novamente demandado nos anos 2000, quando a
novidade tecnológica que representou o motor flex fuel deu novo impulso. Contudo, em sendo
substituto da gasolina, o etanol necessita para ser competitivo que os preços do petróleo e seus
derivados estejam relativamente altos. Na ausência desse diferencial – que existiu nos anos 2000
com uma alta extraordinária do preço do petróleo –, o etanol tem dificuldades para ser
competitivo. Isso pode ocorrer quando os preços dos derivados não sofrem variação
correspondente ao preço internacional de demanda do petróleo, por objetivos de política
econômica (como ocorre no Brasil). O controle de preços inviabiliza ou dificulta o setor etanol,
enquanto que o aumento dos preços dos derivados significa um subsídio indireto ao setor161.

161
No últimos anos, existe um forte lobby para que o preço dos derivados tenha o repasse dos preços internacionais
do petróleo. O problema é que, pelo menos no Brasil, os custos de produção dos derivados não são unicamente, nem
talvez majoritariamente, vinculados ao dólar, tampouco ao preço internacional do petróleo. O repasse de preços faz
sentido quando custos externos precisam ser repassados ou do ponto de vista do resultado econômico da empresa
produtora (no caso brasileiro, a Petrobras produz petróleo e o refina) e dos seus acionistas. Com este comentário não
189
Gráfico A.10. Razão entre preços do etanol e da gasolina por regiões (2006-2013)

Fonte: ANP (Elaboração própria)

Em suma, o setor está atado a uma série de fatores que apontam para um cenário de
alta incerteza. No início de 2013, o governo federal anunciou um pacote de apoio ao setor,
incluindo o aumento da parte de etanol anidro adicionado à gasolina (de 20% para 25%), criação
de créditos no PIS e na Cofins e redução das taxas de juros de linhas do BNDES. Como era de se
esperar, a burguesia sucroalcooleira elogiou o suporte, mas demandou uma saída mais
duradoura162. Enquanto não há mudança de cenário, o setor usufrui das linhas criadas pelo
BNDES – cujos desembolsos ao setor atingiram R$ 6,9 bi em 2013 (estimado), contra R$ 4,2 em
2012 (BATISTA, 2014). A persistência da crise indica que a competitividade do etanol a longo
prazo exige um compromisso do governo com o setor, o que significa a manutenção permanente
de apoios diretos ou indiretos – o que certa forma o próprio setor admite (SILVA, 2013). Sem o
suporte estatal, o setor entra em crise, o que poder visto nas projeções do próprio BNDES para os
investimentos no setor, que despencaram, como se vê no gráfico abaixo.

se objetiva entrar a fundo em uma questão conjuntural, nem avaliar se há acerto ou erro do governo, mas unicamente
de mostrar que a viabilidade do etanol é ligada a decisões políticas.
162
Anúncio do pacote: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/noticias-de-governo/governo-anuncia-medidas-de-
incentivo-para-setor-sucroalcooleiro-e-industria-quimica. Para a posição da UNICA:
http://www.unica.com.br/noticia/38837884920338370133/unica-ve-pontos-positivos-em-decisoes-anunciadas-pelo-
governo-por-cento2C-e-ressalta-importancia-de-busca-permanente-por-medidas-de-longo-prazo/
190
Tabela A.4. Projeção de investimentos em diversos setores para o período 2013-2016

Fonte: BNDES (2013)

3.2. Distribuição de Combustíveis

A apresentação deste setor focará apenas os dados principais que podem mostrar a
importância e a dinâmica que o setor de distribuição de combustíveis terá para o grupo Cosan. O
fato mais importante do setor é que ele movimentou um volume crescente em ritmo muito
acelerado, acompanhando o consumo de veículos automotores. Entre 2002 e 2011, o consumo de
derivados de petróleo cresceu ao ano em média 2,8%, sendo que a gasolina C cresceu mais, cerca
de 4,6% ao ano em média.

Tabela A.5. Vendas Nacionais pelas distribuidoras - principais derivados de petróleo

Fonte: ANP (2012).


191
Já o segmento de etanol se divide em dois. O Etanol anidro, misturado à gasolina, tem
aumento de vendas proporcional ao da Gasolina C (4,6%). Já o Etanol Hidratado, vendido como
Etanol Combustível (Álcool), cresceu 11,1% ao ano em média, sendo que houve uma queda
muito grande entre 2009 e 2011 – a taxa de 2001 até 2009 teria sido 20,2% ao ano.

Tabela A.6. Vendas Nacionais pelas distribuidoras – etanol hidratado

Fonte: ANP (2012).

Trata-se de um negócio relativamente seguro, uma posição de intermediário. O que


mede a capacidade de uma empresa obter mais ganhos no negócio é o seu tamanho e eficiência
operacional, já que as margens não são altas. Ainda assim, o setor se comporta como
oligopsonista frente ao mercado de etanol (no mercado de derivados do petróleo, só há um
vendedor, a Petrobras). Na tabela abaixo, vemos como o mercado é concentrado e como
ocorreram aquisições e fusões (destaque para a compra dos ativos da Esso pela Cosan e a união
da Shell e Cosan no ano seguinte, que originou a Raízen).

Tabela A.7. Mercado de distribuição de combustíveis no Brasil – principais empresas


(*) Na rubrica “Outros” no item “Postos revendedores” estão incluídos postos “bandeira branca”

Óleo Diesel Gasolina C Etanol Hidratado Postos Revendedores


2009 2010 2011 2009 2010 2011 2009 2010 2011 2009 2010 2011
BR 34,9% 40,6% 40,2% 26,0% 29,7% 29,8% 19,3% 21,2% 21,3% 17,0% 19,9% 19,9%
Ipiranga 18,0% 22,3% 23,0% 13,2% 19,6% 20,0% 11,5% 16,5% 16,4% 10,7% 13,4% 13,8%
Raízen 0,0% 0,0% 14,7% 0,0% 0,0% 17,5% 0,0% 0,0% 18,0% 0,0% 0,0% 9,5%
Shell 9,6% 9,7% 0,0% 11,2% 11,2% 0,0% 12,4% 13,2% 0,0% 5,5% 5,8% 0,0%
Cosan 0,0% 5,8% 0,0% 0,0% 6,7% 0,0% 0,0% 5,1% 0,0% 0,0% 4,0% 0,0%
Esso 4,5% 0,0% 0,0% 6,9% 0,0% 0,0% 4,9% 0,0% 0,0% 4,0% 0,0% 0,0%
Chevron 8,2% 0,0% 0,0% 8,9% 0,0% 0,0% 6,8% 0,0% 0,0% 5,5% 0,0% 0,0%
Alesat 3,0% 3,0% 2,9% 5,9% 5,7% 5,3% ND 2,2% 2,2% 2,9% 3,6% 3,6%
Outras(*) 21,8% 18,6% 19,2% 27,9% 27,1% 27,4% 45,1% 41,8% 42,1% 54,4% 53,3% 53,2%
Fonte: ANP, diversos anos (elaboração própria)

192
4. Crescimento e transformações

A trajetória do grupo Cosan nos anos 2000 pode ser descrita em duas fases: o período
de crescimento dentro do setor sucroalcooleiro e atividades correlatas, através da aquisição –
alavancada – de usinas concorrentes; e o período de diversificação para outros setores muito
distintos até a formação da joint-venture Raízen com a Shell, representando a incapacidade
mesmo do líder do ramo de açúcar e etanol se manter no negócio sem outros suportes, que são o
grande capital internacional e o Estado. O paradoxo é como uma empresa que foi a maior do
mundo no ramo e se tornou a primeira integrada com distribuição de etanol (e demais
combustíveis) fez uma operação de associação que representa uma potencial venda futura do
negócio, sua saída do mesmo ramo, considerado uma “montanha-russa” nas palavras do
controlador da Cosan163. O resultado é uma fuga para setores mais estáveis.
As características técnicas do setor sucroalcooleiro (ver mais detalhes no item “Base
produtiva”) implicam uma dificuldade de aumentar a escala produtiva das usinas, o que exige
que, para se crescer no setor, sejam construídas novas usinas ou adquiridas usinas existentes. A
segunda opção foi o caminho estratégico da Cosan para se tornar a maior no ramo, aproveitando a
possibilidade de tirar proveito de ganhos de escala gerenciais e logísticos.
Ao longo da década de 2000, só para mencionar os exemplos mais relevantes, a
Cosan adquiriu as Usinas Rafard, Gasa, Univalem, Dois Córregos, da Barra e Junqueira (2000-
2004), Mundial e Destivale (2005), Bom Retiro, Tamoio e Bonfim (2006), Santa Luiza (2007) e
Benálcool (2008). Em 2009, adquiriu o grupo NovAmérica S.A. Agroenergia em 2009 com 3
usinas, 1 projeto greenfield em Caarapó (MS), duas refinarias de açúcar, quatro empacotadoras de
açúcar e as marcas União, Dolce, Neve e Duçula. Além disso, inaugurou 1 nova usina em Jataí
(GO) em 2009 como uma das mais modernas do mundo).
Para se ter uma noção da importância que as aquisições têm para o resultado final da
Cosan no setor, analisemos sua capacidade física. Tomemos como indicador de produção física a
capacidade diária de moagem de cana que, em 2009, era de 310,9 mil toneladas/dia 164. Desta
capacidade total: (i) apenas 75,4 mil ton./dia (24,3%) correspondem à capacidade (em 2009) de

163
Cf. Onaga (2013)
164
Cálculo realizado com base nos dados do Relatório Anual da Cosan de 2009.
193
usinas que a Cosan possuía antes dos anos 2000; o restante corresponde à capacidade de usinas
adquiridas ou novas; e (ii) somente 9,4% correspondem à capacidade das usinas (duas) novas
construídas pela empresa (greenfield) na década de 2000. Portanto, 66,4% da capacidade
diária de moagem da companhia em 2009 correspondia à capacidade de usinas adquiridas ao
longo dos anos 2000.
Os dados para análise da Cosan são baseados em Relatórios que começaram a ser
publicados em 2007, quando a companhia abriu capital. Portanto, os dados iniciais, referentes a
2006, já representam uma boa parte das aquisições feitas na primeira metade da década. No final
da década, a Cosan já colecionada títulos de liderança no setor165.

Gráfico A.11. Cosan – Receita Operacional Líquida (ROL) por atividade no segmento
Açúcar e Etanol (R$ milhões)

Fonte: Elaboração própria com dados dos Relatórios Anuais e de Administração da Cosan.

165
A Cosan já era em 2009 a maior exportadora mundial de açúcar, maior produtora de etanol a partir da cana-de-
açúcar e maior geradora de energia a partir do bagaço da cana-de-açúcar. Em 2011/12, já era a maior empresa do
setor de energia renovável, uma das maiores distribuidoras de combustíveis do Brasil; maior produtora de cana-de-
açúcar, etanol e cogeração de energia do Brasil, uma das maiores do mundo; maior transportadora e operadora
portuária de açúcar no mundo; e foi líder de mercado varejista de açúcar no Brasil (30% de market-share), negócio
vendido em 2012.
194
Como foi explicado no item anterior “Mercados”, o padrão de vendas dos mercados é
marcado pela proeminência dos mercados externos para o açúcar e dos internos para o etanol.
Como se vê na tabela abaixo, é exatamente este o padrão de vendas da Cosan no setor
sucroalcooleiro. Além dos dois principais produtos, as usinas passaram a apostar pesado na
produção de energia elétrica a partir de termoelétricas movidas pela queima do bagaço da cana-
de-açúcar, obtendo rendimentos adicionais expressivos economizando gastos com, energia e
chegando a vender seu excedente (a atividade chegou a 3,2% da Receita operacional líquida no
ramo em 2012). Do ponto de vista das subdivisões do ROL, a há forte estabilidade na proporção
entre açúcar e etanol e entre mercado interno e externo.

Tabela A.8. Cosan - Receita Operacional Líquida do setor Açúcar e Álcool (%)
2006 2007 2008 2009 2010(*) 2011(*) 2012(*)
Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Açúcar 60,1% 61,4% 52,2% 56,7% 62,8% 60,3% 54,0%
.Mercado Interno 11,8% 9,4% 9,0% 7,3% 19,7% 21,7% 16,8%
.Mercado Externo 48,3% 51,9% 43,2% 49,4% 43,0% 38,6% 37,2%
Etanol 34,6% 32,9% 40,9% 36,9% 32,5% 34,5% 39,6%
.Mercado Interno 28,6% 24,6% 29,6% 24,3% 24,6% 30,7% 31,0%
.Mercado Externo 6,0% 8,2% 11,3% 12,6% 7,8% 3,8% 8,6%
Cogeração 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 1,7% 2,9% 3,2%
Outros Produtos e Serviços AA 5,3% 5,7% 6,9% 6,4% 3,0% 2,3% 3,1%
Mercado Interno 45,7% 39,8% 45,5% 38,0% 49,1% 57,6% 54,2%
Mercado Externo 54,3% 60,2% 54,5% 62,0% 50,9% 42,4% 45,8%

Observações: (*) Dados da Raízen


Fonte: Elaboração própria com dados dos Relatórios Anuais e de Administração da Cosan.

Apesar da posição de liderança em números absolutos166, a Cosan opera em um


segmento (produção) que se mostra um elo frágil da cadeia. Em ambos os produtos, o usineiro

166
No setor açúcar, a Cosan está assim localizada: no plano internacional, ela saiu de 2,9% das exportações
(2002/2003) para chegar a 5,6% (2008/2009/2010) e depois 4,9% (2012/2013); chegou a 2,6% da produção mundial
em 2010/2011; e no plano nacional, chega a produzir perto de 11% de toda a produção em 2010/2011. Já no setor
etanol, a Cosan também é relevante no mercado brasileiro, produzindo entre 8% e 10% do etanol entre 2010 e 2011;
sua produção equivale a mais de 2,0% de todo o etanol produzido no mundo no mesmo período.
195
depende da demanda e basicamente mobiliza apenas seus custos de produção (terras, salários,
capital fixo, energia e cana-de-açúcar) e se depara com as condições desfavoráveis de barganha
na venda. Como visto no item “Mercados”, os fatores de oferta do setor são corresponsáveis pela
crise atual, em especial safras ruins, mudança para a mecanização da colheita (ainda menos
produtiva que a manual) etc., além dos custos financeiros. E também foi visto que ambos os
mercados são concentrados nas mãos de poucas empresas – e com a Cosan não é diferente,
conforme dados da própria empresa:

Tabela A.9. Cosan – Principais compradores de Açúcar (%)


Açúcar 2006 2007 2008 2010-2011
Externo Sucres et Denrées (Sucden) 33,7% 33,3% 23,6% 33,4%
Coimex Trading Ltd 11,3% 11,5% 6,9% 12,6%
S.A. Fluxo 0,8% 9,5% 11,2% -
Tate & Lyle International 10,0% 5,3% 9,2% 5,3%
Cane International Corporation 12,8% 2,2% 7,2% -
Cargill International S.A. - - - 4,8%
Total Externo 68,6% 61,8% 58,1% 56,1%

Fonte: Elaboração própria com dados dos Relatórios Anuais e de Administração da Cosan.

196
Tabela A.10. Cosan – Principais compradores de Etanol (%)
Etanol 2006 2007 2008 2010-2011
Externo Vertical UK LPP 9,3% 11,6% 13,6% 8,0%
Kolmar Petrochemicals 0,3% 6,2% - -
Vitol Inc. - - 3,5% -
Morgan Stanley Capital Group - - 2,9% -
Alcotra S.A. 5,8% - - -
Mitsubishi Corporation - - - 2,0%
Total Externo 15,4% 17,8% 20,0% 10,0%
Interno Shell Brasil Ltda. 27,8% 14,8% 20,1% 15,0%
Petrobrás Distribuidora S.A. 12,0% 9,2% 8,0% 17,0%
Manancial Distribuidora de Petróleo Ltda. 2,3% 8,2% - -
Euro Petróleo do Brasil Ltda. - - 14,3% 7,0%
Cia Brasileira de Petróleo Ipiranga - - 6,1% 15,0%
Tux Distribuidora de Combustíveis Ltda - - 5,7% -
Cosan Combustíveis e Lubrificantes S.A. - - - 5,0%
Braskem S.A. - - - 4,0%
Total Interno 42,1% 32,2% 54,2% 63,0%
TOTAL 57,5% 50,0% 74,2% 73,0%
Fonte: Elaboração própria com dados dos Relatórios Anuais e de Administração da Cosan.

A organização da empresa no ano de 2007 mostra bem o que era a Cosan ainda
baseada no setor sucroalcooleiro, o primeiro período de análise. Além do setor base, a empresa já
possuía atividades logísticas (terminais portuários) que dariam origem à controlada Rumo
Logística (ver adiante em “Base produtiva”).

197
Figura A.1. Organograma das atividades da Cosan em 2007

Fonte: Cosan, Relatório Anual de Desempenho, 2007.

A mudança de perfil da Cosan se iniciou em dezembro de 2008, quando adquiriu os


ativos da Esso no Brasil, que incluíam a distribuição de combustíveis e a produção e distribuição
de lubrificantes. Em 2009, primeiro ano em que os dados relativos à distribuição de combustíveis
entraram nos balanços, a Cosan passou a ter metade das receitas líquidas neste novo segmento,
fatia que só cresceu adiante, após a constituição da Raízen.

198
Tabela A.11. Cosan - Receita Operacional Líquida (ROL) por segmento (%)167
Obs.: a) Não inclui ativos de Combust./Lubrif.; (b) Inclui 100% da ROL Raízen; (c) Inclui 50% da ROL Raízen.
2006 2007 2008(a) 2009 2010 2011 2012(b) 2012(c)
Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Açúcar 60,1% 61,4% 52,2% 28,8% 22,0% 21,3% 8,5% 7,9%
Etanol 34,6% 32,9% 40,9% 18,8% 11,4% 12,2% 6,3% 5,8%
Cogeração 0,0% 0,0% 0,0% 0,2% 0,6% 1,1% 0,5% 0,5%
Outros AA 0,0% 0,0% 6,9% 2,1% 1,0% 0,8% 0,5% 0,5%
Venda de Combustível 0,0% 0,0% 0,0% 46,2% 61,5% 60,4% 76,4% 70,8%
Venda de Lubrificantes 0,0% 0,0% 0,0% 3,0% 0,4% 4,6% 2,2% 4,1%
Outros CL 0,0% 0,0% 0,0% 0,4% 0,5% 0,4% 2,2% 4,1%
Logística 0,0% 0,0% 0,0% 0,9% 1,0% 2,5% 1,2% 2,3%
Alimentos 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 4,9% 2,0% 3,8%
Outros 5,3% 5,7% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,1% 0,2%
Elimin. de consolidação 0,0% 0,0% 0,0% -0,3% -2,3% -3,2% 0,0% 0,0%

Fonte: Relatórios Anuais e de Administração da Cosan (Elaboração própria).

Em tese, um dos problemas típicos do usineiro, a posição desfavorável no setor mais


problemático, o de etanol, estaria parcialmente resolvida na Cosan, uma vez que a integração com
a distribuição compensaria os baixos preços obtidos juntos aos distribuidores em geral. Quando o
salto para uma possível gigante do setor despontava como possiblidade, ocorreu a formação da
Raízen.
Em 2010, a Cosan e a Shell constituíram uma joint-venture chamada Raízen, unindo
os seus ativos no setor sucroalcooleiro (somente Cosan) e no setor de distribuição de
combustíveis, com percentuais do capital (50%) iguais para os dois lados. Foram criadas duas
subdivisões, a Raízen Energia (sucroalcooleira), com 51% do capital da Cosan, e a Raízen
Combustíveis, com 51% do capital para a Shell. O mais importante, contudo, são os termos da
constituição da empresa: o Acordo Vinculante para criação da Joint-Venture, de 25/08/2010,
garante à Shell a possibilidade de compra da participação da Cosan em 2020, embora o contrário

167
Note-se que ainda não foram incluídos aí as receitas da Comgás. Se adicionássemos a Comgás e retirássemos a
Cosan Alimentos do total, a ROL da Comgás significaria 19% em 2011 e 18% em 2012 da ROL total, próximo do
negócio da Raízen Energia (Açúcar e Etanol).
199
possa ocorrer em 2025 (caso a Shell não compre integralmente a participação da Cosan) 168. Em
reportagem da Revista Exame em 16/05/2012 sobre o grupo Cosan, é citado o analista Salim
Morsy, da Bloomberg New Energy Finance, que afirma que “[o] acordo parece mais uma
operação de aquisição do que uma joint-venture” (ONAGA, 2012).
Trata-se de um marco divisor da estratégia do grupo que nos anos seguintes só faz
progredir: a busca por estabilidade e segurança. Após um período de crescimento em cima da
especulação no setor sucroalcooleiro, apoiado em crescentes empréstimos no mercado
internacional (ver “Base financeira” adiante), a Cosan não sobrevive à crise instaurada no setor e
se apoia no grande capital internacional. Aparentemente, o setor sucroalcooleiro, ou pelo menos o
segmento do etanol, não possui uma capacidade de existência própria sem um largo suporte do
Estado, como ocorreu no período do Proálcool. O peso das oscilações do negócio seria demais
para um capital brasileiro, mas não para um grupo do porte da Shell – que tem poder financeiro
para suportar uma série de pequenos negócios (para seu tamanho) de energia alternativa, dos
quais possa se livrar no futuro, se assim achar melhor. Para a Cosan, o ramo de açúcar e álcool é
uma “montanha-russa” (ONAGA, 2012).
Em consonância com a estratégia de segurança, a Cosan:
 Retirou-se do setor de alimentos. Nele, ela possuía cerca de 40% do mercado de
varejo de açúcar em 2011 e grandes marcas (União e Da Barra). Em outubro de 2012,
ela sai do negócio, inicialmente (maio/2012) por uma troca do controle da Cosan
Alimentos por dinheiro mais uma participação minoritária na Camil, e em seguida
(outubro), a Cosan decidiu alienar completamente suas atividades no varejo de
alimentos por R$ 463,8 mi para focar em energia e infraestrutura.
 Entra no ramo de distribuição de gás: em novembro de 2012, com a aprovação da
compra de 60,1% da participação da British Gas (BG) na Comgás pelo valor de R$
3,4 bi. A empresa é o maior distribuidor do país, atendendo a 1 milhão de
consumidores no estado de São Paulo. O outro grande controlador é a Shell.

168
“A Cosan e a Shell concederão uma a outras opções de compra recíprocas. No 10º aniversário do Fechamento, a
Shell terá uma opção para compra de metade ou da totalidade da participação da Cosan na Joint Venture proposta.
Caso a Shell opte por exercer tal opção, a Cosan terá o direito de decidir se irá vender metade ou a totalidade de sua
participação na JV proposta. No 15º aniversário do Fechamento, uma parte terá o direito de comprar a totalidade ou
uma parcela da participação da outra companhia na Joint Venture proposta.” (Fato Relevante da Cosan de
25/08/2010).
200
 Busca reforçar sua posição na área de logística ligada à distribuição e exportação de
commodities: através da Rumo Logística, controlada criada em 2008 para reunir
atividades de transporte ferroviário, dutoviário hidroviário e portuário de açúcar,
álcool e outros produtos. Em 2013 tentou adquirir controle da América Latina
Logística – ALL, importante concessionária de ferrovias no Brasil, inicialmente sem
sucesso, mas com um horizonte positivo para breve após a intervenção do governo na
questão169.

Observando as margens brutas de cada um dos segmentos em que passou a atuar, é


possível entender as razões da diversificação radical da Cosan:

Tabela A.12. Cosan – Margem Bruta por segmento


2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total do Grupo 30,5% 31,2% 12,8% 12,7% 13,9% 10,9% 10,7%
Açúcar ND ND 12,7% 27,3% 37,4% 32,3% 28,4%
Etanol ND ND 10,9% 7,4% 0,1% 8,5% 14,5%
Combustíveis e Lubrificantes ND ND ND 6,1% 7,6% ND ND
Venda de Combustível ND ND 5,0% 3,9% ND 4,3% 5,6%
Venda de Lubrificantes ND ND 39,1% 27,5% ND ND ND
Logística ND ND ND 25,6% 27,0% 29,4% 31,1%
Alimentos ND ND ND ND ND 23,6% 20,1%
Distribuição de Gás Natural ND ND ND ND ND 27,0% 26,5%
Fonte: Relatórios Anuais e de Administração da Cosan (Elaboração própria).

Em suma, os movimentos da segunda fase da Cosan mostram uma opção estratégica


pelo agronegócio mais simples ou “bruto” – a produção e comercialização de açúcar sem passar
por processamento de alimentos; associação ao capital internacional no setor sucroalcooleiro,
“alugando” suas operações e projetando sua venda futura; exploração de transporte de
commodities para exportação (especialmente, ainda que não só). Além disso, a Cosan busca

169
Uma disputa pelo controle da ALL e uma briga judicial por causa de contratos da ALL com a Rumo Logística
poderá chegar ao fim através da intervenção do governo Dilma. No início de 2014, o governo, em busca de
intensificar os investimentos em concessões e ferrovias, passou a operar a entrada da Cosan no bloco controlador da
ALL e mesmo a sua tomada do controle da empresa (BITENCOURT & RITTNER, 2014).
201
aproveitar oportunidades de ativos com alta rentabilidade e absoluta segurança, como é o caso da
intermediação (distribuição) de combustíveis e de gás (Comgás).
No fim, a estrutura de controle da Cosan ficou como a figura abaixo, retirando-se o
setor de alimentação e adicionando-se o de gás natural:

Figura A.2. Organograma das atividades da Cosan em 2011(*)

Fonte: Cosan, Relatório Anual de Desempenho, 2011.

5. Base Produtiva

Além do setor sucroalcooleiro e da distribuição de combustíveis, a Cosan opera


também em outros quatro setores diferentes: lubrificantes, imobiliário rural, logística para açúcar,
etanol e outras commodities e distribuição de gás natural, que serão mais detalhados neste item.
Adiante, estão os organogramas da Cosan, representando os ramos de atividade em que atua, que
serão melhor explicados nos itens a seguir.

202
Figura A.3. Organograma de atividades do grupo Cosan em 2008

Fonte: Cosan, Relatório Anual de Desempenho 2008.

203
Figura A.4. Organograma de atividades do grupo Cosan em 2011

Fonte: Cosan, Relatório Anual de Desempenho 2011.

5.1. Setor sucroalcooleiro

Do ponto de vista técnico, o setor sucroalcooleiro é relativamente simples. Depende,


fundamentalmente, da localização das unidades produtivas, o que deve incluir tanto o acesso à
infraestrutura de escoamento (rodovias, ferrovias ou dutovias), bem como – e especialmente – o
acesso à cana-de-açúcar produzida em terras próprias ou de terceiros. Como o acesso à produção
de terceiros é disputada entre usinas concorrentes, é fundamental que o acesso à produção, e

204
portanto à terra, seja coordenado ou comandado pela usina. Portanto, o acesso à terra é o ativo
mais importante no negócio, o que não é trivial no Brasil. Junto com a terra, é decisivo o
acesso à força de trabalho barata para o trabalho de colheita (embora haja diminuição com a
progressiva mecanização) e operária (sendo parte com alguma qualificação) nas usinas. A
tecnologia para plantio e colheita e para construção e operação das usinas é relativamente livre,
passível de aquisição no mercado de empresas de engenharia, fornecedores de máquinas e
equipamentos e sistemas. Do ponto de vista dos recursos aplicados, um termômetro é o custo de
nova unidade: uma nova usina moderna (alto nível de mecanização) custa por volta de US$ 300
milhões (Usina Jataí em Goiás, da Cosan170). Por fim, certamente há ganhos de escala na
atividade administrativa e de suporte aos negócios, do ponto de vista técnico, comercial e
financeiro – algo que o grupo Cosan conseguiu explorar bem.
O negócio central da Cosan até 2009 é, devido à base agrícola e sazonal da produção
da matéria-prima, estruturalmente instável171. As característica técnicas do setor
sucroalcooleiro impõem uma dispersão das unidades produtivas – e consequentemente da
estrutura de propriedade das unidades (em 2010/2011, a Cosan atingiu somente 11% da produção
brasileira e foi a maior empresa do setor). Isso impede os ganhos de escala e a concentração do
capital. Tais características também implicam dificuldades logísticas (espaço e ao longo do
tempo) e financeiras para o abastecimento de matérias-primas e para a estocagem dos produtos.
As únicas novidades surgidas no setor foram a consolidação das vendas líquidas de energia
elétrica obtidas via cogeração (usinas termelétricas movidas com a queima do bagaço da cana) e,
ainda iniciando em escala comercial, o etanol de 2ª geração (aumento da produtividade do
processo produtivo com o uso do bagaço na produção de mais produto).
Em 2009, a Cosan possuía 21 usinas produtoras no estado de São Paulo (principal
produtor nacional de cana-de-açúcar), uma usina em Goiás e uma no Mato Grosso do Sul,
totalizando 23 unidades.
Como mostrado em tabela anterior, a Cosan vende mais açúcar para o mercado
externo e mais etanol no mercado interno. Esta divisão é mais acentuada quando se tratam de
vendas físicas:

170
Vide formulário 20-F da Cosan de 2009.
171
Vide CONAB (2010).
205
Tabela A.13. Cosan – Vendas físicas por mercado (%)
Açúcar 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2010/11 2011/12
Doméstico 3,0% 17,0% 15,0% 15,0% 17,0% 13,5% 15,4% 11,7% 25,5% 28,9% 28,3%
Exportações 97,0% 83,0% 85,0% 85,0% 83,0% 86,5% 84,6% 88,3% 74,5% 71,1% 71,7%
Etanol 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2010/11 2011/12
Doméstico 80,0% 83,0% 83,0% 64,0% 77,0% 79,2% 73,5% 69,5% 72,6% 88,5% 79,9%
Exportações 20,0% 17,0% 17,0% 36,0% 23,0% 20,8% 26,5% 30,5% 27,4% 11,5% 20,1%

Fonte: Elaboração própria com dados dos Relatórios Anuais e de Administração da Cosan.

5.2. Distribuição de combustíveis

No setor de distribuição de combustíveis, a Cosan, antes mera produtora de etanol


submetida ao pequeno grupo de distribuidores que comandam as compras no mercado, passou a
participar do setor. Primeiro com a constituição da Cosan Combustíveis e Lubrificantes com a
compra dos ativos da Esso, depois com a constituição da Raízen, com a Shell. A receita
operacional líquida de 2009 do grupo Cosan (com a consolidação de apenas 4 meses do negócio)
praticamente dobrou, com o setor de combustível e lubrificantes representando metade disso. A
ROL foi de R$ 2,9 bi em 2009 a R$ 10,9 bi em 2010. Com o ingresso dos ativos da Shell, o ROL
total da Raízen foi de R$ 35,1 bi. Trata-se de um negócio bastante estável e, mesmo com a
margem bruta reduzida, é fonte de uma massa de lucros considerável em se tratando dos grandes
distribuidores. E as tendências para o futuro são de continuidade de expansão da frota brasileira:
projeções da CNI e da Anfavea (CNI, 2012) apontam que o número de veículos produzidos
saltará de 3,8 milhões em 2012 para 6,3 milhões em 2020.
A Cosan participou de um processo de centralização dos ativos do setor de
distribuição de combustíveis no Brasil. Em 2008, além da venda dos ativos da Esso para a Cosan,
a Chevron (Texaco) vendeu seus ativos para o grupo Ultra (controlador do distribuidor Ipiranga).
Em 2011, foi a vez da Shell juntar os ativos com os da Cosan na constituição da Raízen.
Atualmente, há três grandes distribuidores no brasil, na ordem: BR Distribuidora, Ipiranga e
Raízen. Em seguida não há nenhum grupo sozinho que sequer chegue perto de 10% do mercado.

206
Tabela A.14. Distribuição de combustíveis –
parcela do grupo Cosan e posição no mercado
2008: Esso 2010: Cosan 2011: Raízen
Óleo Diesel 4,5% (5º) 5,8% (4º) 14,7% (3º)
Gasolina C 6,9% (5º) 6,7% (4º) 17,5% (3º)
Óleo Combustível 0,9% (5º) 0,8% (4º) 10,9%*(2º)
QAV 10,8% (3º) 0,0%** (-) 35,4%* (2º)
Etanol Hidratado 4,9% (5º) 5,1% (4º) 18,0% (2º)
(*) Refere-se à participação da Shell; (**) Vendeu para a Shell.
Fonte: Anuário Estatístico ANP, 2012.

Como no ramo de açúcar e etanol, no de distribuição de combustíveis a proeminência


da Cosan tem limites, quando a Shell puder fazer uso da opção de compra das ações da empresa
em 2020. Ainda assim, o grupo pode permanecer um acionista minoritário da Shell e receber
dividendos do negócio.

5.3. Lubrificantes

No setor de lubrificantes, a Cosan opera através da sua empresa Cosan Lubrificantes e


Especialidades, ou somente COSAN LE. Atuação iniciada no final de 2008 com a aquisição dos
ativos da Esso (ExxonMobil), inicialmente estava abrigada sob a Cosan Combustíveis e
Lubrificantes, tendo sido desmembrada posteriormente devido à união dos ativos de distribuição
de combustíveis da Cosan com os da Shell para a formação da Raízen. Hoje, a Cosan LE se
destaca no grupo Cosan como o primeiro ramo que logrou êxito na internacionalização produtiva
e representa 2,2% a 4,1% da receita operacional líquida com margens brutas altas (pelos menos
nos dados iniciais, 2009-2010, são relativamente bastante altas frente ao outros negócios).
A Cosan importa e distribui óleos básicos da Mobil, possui uma fábrica de
lubrificantes e graxas localizada no Rio de Janeiro e a licença para uso da marca Mobil e de suas
formulações por 10 anos, renováveis por mais 10. A marca Mobil detinha cerca de 14,1% do
mercado de lubrificantes no Brasil em 2011-2012, a segunda maior. Também fabrica, além da
Mobil, lubrificantes de parceiros, como Toyota, John Deere, Caterpillar, Honda e SKF, de
207
aplicações industriais. Em 2011, a Cosan assumiu a distribuição de óleos básicos da ExxonMobil
no Brasil.
A internacionalização se deu por duas vias. Na primeira, a Cosan assumiu a
distribuição exclusiva de lubrificantes da ExxonMobil na Bolívia, Paraguai e Uruguai,
representando um aumento de 5% no volume de vendas da empresa. Na segunda, a Cosan LE
adquiriu a Comma Oil & Chemicals, produtora e distribuidora de óleos lubrificantes localizada na
Inglaterra.

5.4. Logística para açúcar, etanol e outras commodities

No setor de logística para açúcar e etanol, A Cosan opera um negócio muito lucrativo
(ver margens de lucro) com transporte, armazenagem e embarque portuário através da empresa
Rumo Logística (fundada em 2008 através da fusão da Cosan Portuária e da Teaçu Armazéns
Gerais). Este negócio é totalmente relacionado ao desempenho geral dos produtos exportados,
que também inclui outras commodities agrícolas.
No ramo de transporte e armazenagem, 60% do volume transportado é proveniente da
Raízen Energia; o restante é de outras empresas, inclusive de outros produtos agrícolas como
soja, farelo e grãos. Possui locomotivas e vagões próprios e acordo com a América Latina
Logística (ALL) para uso das suas ferrovias. Investe atualmente também na construção de um
alcoolduto com outras companhias produtoras de etanol para ampliar a competitividade do
produto no mercado interno e externo.

208
Figura A.5. Mapa das principais operações da Rumo Logísitca em São Paulo

Fonte: Relatórios Anuais da Cosan.

Na área portuária, possui os antigos terminais da Cosan e da NovAmérica. Em 2009,


adquiriu o controle do TEAS (Terminal Exportador de Álcool de Santos S.A.) comprando a parte
da Rezende Barbosa (que ganhou 11% de participação na Cosan em troca); estima-se que a Rumo
movimentou 46% do açúcar exportado por Santos e 31% da produção total brasileira da safra
2011-2012. Trata-se de um negócio profundamente vinculado à exportação de commodities.

Tabela A.15. Rumo Logística – Receita Operacional Líquida (R$ MM)


2010 2011 2012
Elevação 140,1 118,1 141,0
Transporte 16,1 305,9 413,4
Outros - 24,1 17,6
Total 156,3 448,1 572,0
Fonte: elaboração própria com dados dos Relatórios Anuais da Cosan

5.5. Imobiliário Rural

A atuação organizada do grupo no setor imobiliário rural iniciou em 2008, com a


criação da empresa Radar. Seu objetivo é prospectar terras com alto potencial de exploração
agrícola, principalmente para a produção de cana-de-açúcar, soja, milho, algodão e eucalipto – no
209
fundo, especulação imobiliária. Para isso, utiliza conhecimento adquirido pelo grupo no setor
agrícola, em especial o sistema de monitoramento via satélite, para identificar as áreas e associá-
las a cada cultivo.
Identificadas a oportunidades, a empresa adquire as terras e as arrenda para grandes
operadores ou as vende com grande valorização. Segundo os dados do Relatório Anual de 2011, a
empresa já investiu US$ 400 milhões e administrava, naquele ano, 70 mil hectares de terras. O
Relatório de Administração de 2013 informa que a empresa já administrava um portfólio de R$
2,5 bilhões e área total de 107,5 mil hectares em seis estados. Em 2012-2013, teve receita
operacional líquida de R$ 86,9 milhões, sendo R$ 22,1 milhões em vendas e R$ 64,9 milhões
com arrendamento, obtendo uma margem bruta de 76,9%.

5.6. Distribuição de gás natural

A atuação da Cosan no setor de distribuição de gás é muito recente: em novembro de


2012 o grupo adquiriu 60,1% da Comgás (pertencente ao grupo BG) e com isso o controle da
companhia, que também tem como acionista a Shell, por meio da Shell Brazil Holding (6,3%) e
da controlada Integral Investments BV (11,9%), além de 21,8% pulverizados no mercado.
A Comgás tem origem mais remota nos serviços de iluminação pública de São Paulo,
ainda no século XIX, como uma empresa inglesa chamada São Paulo Gas Company. Em 1912,
ela foi adquirida pela canadense Light e em 1959 foi estatizada e chamada de Companhia Paulista
de Serviços de Gás. Em 1968, seu controle foi repassado para o município de São Paulo
(tornando-se Companhia Municipal de Gás, Comgás) e em 1984 seu controle foi assumido pela
CESP, estatal do estado de São Paulo. A Comgás foi privatizada em 1999, adquirida pelos grupos
Shell e BG (British Gas). Hoje, ela é a concessionária do serviço de distribuição de gás natural no
estado de São Paulo, com contrato desde 1999 até 2029, com possibilidade de renovação por
mais 20 anos. Tem uma carteira de 1,2 milhão de clientes e distribuiu 5,2 bilhões de metros
cúbicos de gás natural em 2012.
Para avaliar a dimensão do negócio, tomemos como base os dados da Cosan
mostrados a seguir. A receita líquida da Cosan foi de R$ 23,4 bi e R$ 30,0 bi em 2012 e 2013,
respectivamente; a da Comgás foi de R$ 4,1 bi e R$ 5,3 bi, respectivamente. O lucro líquido
210
ajustado (excluindo-se os efeitos da formação da Raízen) da Cosan foi de R$ 421,9 mi e R$ 638,2
mi em 2012 e 2013, enquanto que o da Comgás foi de R$ 236 mi e R$ 367 mi. Desta forma, os
resultados da Comgás, que serão absorvidos parcialmente pela Cosan na proporção do seu
controle, serão ainda assim significativos para o crescimento do grupo e, principalmente, de
forma estável.

Gráfico A.12. Resultados da Comgás (2009-2012)

Fonte: Relatório anual Comgás, 2012.

6. Base Financeira

Formalmente, existem 2 empresas Cosan: a primeira é a Cosan S.A. uma empresa


brasileira de capital aberto desde 2005, quando fez seu IPO na Bovespa. Essa é a empresa que
detêm diretamente as participações na Raízen, Rumo, Radar, Comgás e Cosan Lubrificantes e
Especialidades. O controlador majoritário da Cosan S.A. é a companhia Cosan Ltd., sediada nas
Bermudas, que abriu capital na NYSE/EUA em 2007. Seu principal acionista é um conjunto de
companhias que, agrupadas, é chamado de “grupo controlador”, de propriedade de Rubens
Ometto. A criação da Cosan Ltd. Foi uma maneira de o grupo controlador manter o controle com
um capital menor aplicado à empresa (SALOMÃO, 2007).

211
Tabela A.16. Cosan – acionistas da Cosan S.A.

Acionista 2006 2007 2008 2009 2012


Cosan Limited - - 62,8% 68,9% 62,3%
Grupo de Controle 58,4% 51,0% - - 0,0%
Grupo Kuok - 6,0% - 1,7% -
Sucden - 2,3% - 1,1% -
Rezende Barbosa - - - - 10,9%
Administradores - - - - 0,1%
Ações em
Tesouraria - - - - 0,7%
Outros - - 28,3% -
Free Float 41,6% 40,7% 37,2% - 25,9%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: elaboração própria com dados de Relatórios Anuais e da Administração da Cosan.

Tabela A.17. Cosan – acionistas da Cosan Ltd.

2008 2009 2011 2012


Acionista Total Votante Total Votante Total Votante Total Votante

Grupo de Controle 48,7% 90,1% 41,5% 86,1% 41,3% 86,0% 39,3% 85,6%
Gávea Investimentos - - 14,6% 14,6% - 14,6% 3,5%
Capital World Investments - - 3,6% -
Janus Capital Management - - 6,3% 6,3% - - -
FMR LLC - - 6,1% -
Skagen Funds - - - 3,1% - - -
Ações em Tesouraria - - - - - 2,0% 0,5%
Free Float 51,3% 9,9% 29,0% 13,9% 34,7% 14,0% 44,2% 10,5%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: elaboração própria com dados de Relatórios Anuais e da Administração da Cosan.

O perfil de endividamento é uma marca da estratégia de crescimento relativamente


vertiginoso da Cosan. O Passivo aumentou quase três vezes de 2007 a 2011, em sua maioria por
contribuição do Patrimônio Líquido e depois do Passivo Não-Circulante.

212
Gráfico A.13. Cosan S.A. – Passivo em R$ milhões

Fonte: Relatórios Anuais e da Administração da Cosan (elaboração própria)

Nos primeiros anos analisados no gráfico, em especial em em 2008-09, há uma


variação muito grande do passivo circulante, ou seja, a dívida de curto prazo. Nos anos seguintes,
o perfil de endividamento se alonga, com uma troca das dívidas por dívidas de prazo maior, em
especial os títulos e bônus emitidos pela empresa.

Gráfico A.14. Cosan S.A. - Contribuição de cada item do passivo (%)

Fonte: Relatórios Anuais e da Administração da Cosan (elaboração própria)

213
A Cosan tem como estratégia um forte acesso ao mercado internacional de capitais,
através da emissão de bônus de prazos variados. Um percentual que girou ao longo da década
entre 60% a 80% da sua dívida é denominada em moeda estrangeira, especialmente através das
suas Senior Notes e do Bônus Perpétuos. No final do período, o crédito oficial via BNDES e linha
Finame do BNDES passa a constar fortemente no balanço, com cerca de 30% a 40% do
endividamento da companhia em 2009-10 e 2010-11, respectivamente.

Gráfico A.15. Dívida da Cosan por moeda

Fonte: elaboração própria com dados de Relatórios Anuais e da Administração da Cosan.

214
Tabela A.18. Cosan – endividamento por tipo (%)
2004-05 2005-06 2006-07 2008-09 2009-10 2010-11
Senior Notes 2009 44,7% 18,5% 13,8% 2,3% 0,0% 0,0%
Senior Notes 2017 0,0% 0,0% 27,5% 24,9% 13,5% 10,1%
Senior Notes 2014 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 11,8% 8,9%
Bônus Perpétuos 0,0% 40,7% 31,0% 28,1% 15,2% 19,0%
Resolução 2471 (Pesa) 20,2% 20,3% 16,7% 0,0% 0,0% 0,0%
Finame 3,5% 0,7% 0,3% 1,2% 3,7% 10,8%
Capital de Giro 2,9% 1,7% 1,1% 0,7% 0,0% 0,0%
IFC 0,0% 5,9% 4,6% 3,0% 0,0% 0,0%
Debêntures 0,0% 2,4% 1,8% 0,0% 0,0% 0,0%
Adiantamento de clientes 23,0% 7,0% 3,3% 0,0% 0,0% 0,0%
Notas Promissórias 5,4% 2,9% 0,0% 30,9% 0,0% 0,0%
Empresas ligadas 0,2% 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
Pré-pagamento de exportações 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 18,4% 11,3%
Adiantamente do contratos de câmbio 0,2% 0,0% 0,0% 3,8% 5,6% 3,5%
BNDES 0,0% 0,0% 0,0% 6,1% 19,8% 24,4%
Outros 0,0% 0,0% 0,0% -1,1% 12,0% 12,1%
Endividamento Bruto (R$ milhões) 1170,1 2363,1 3015,3 3755,0 5333,8 6516,8
Disponibilidades R$ (milhões) 180,7 1124,2 1606,9 719,4 1078,4 1254,1
Dívida Líquida (R$ milhões) 989,4 1238,8 1408,3 3035,6 4255,4 5262,7
Fonte: elaboração própria com dados de Relatórios Anuais e da Administração da Cosan.

7. Síntese

O grupo Cosan teve como origem e base de seu crescimento espetacular ao longo dos
anos 2000 o setor sucroalcooleiro. A lógica de acumulação combinou, por um lado, a aquisição
de ativos produtivos no setor (usinas concorrentes) com a valorização dos produtos determinada
por fatores exógenos ao setor; por outro lado, foi financiada pela inversão dos lucros dos
proprietários, endividamento no setor privado, especialmente externo, através de ações e bônus, e
no setor público, via BNDES, no período mais recente.
No que diz respeito à base produtiva no setor de origem, o sucroalcooleiro, a Cosan
está em um segmento da indústria relativamente simples, de tecnologia livre e acessível. O
sucesso no negócio depende em especial do acesso a terras e a mão-de-obra, em especial nos
períodos de colheita (processo em transição para a mecanização), além de infraestrutura para
215
escoamento. O fato de ser um setor de base agrícola expõe a empresa às instabilidades inerentes
da dependência de matéria-prima agrícola, com a agravante da queda de produtividade da cana à
medida que ela foi cortada, o que torna a relação com os fornecedores ainda mais crucial – e
complexa. A Cosan detém especificamente alguma capacidade gerencial, herdada do histórico no
setor e da escala de negócios maior que qualquer concorrente.
A Cosan, no seu segmento de origem, depende basicamente da demanda e ela não
controla os mercados e os preços dos produtos que fabrica. Suas margens são dadas pela sua
capacidade de enfrentar os custos (na ausência de aumentos de produtividade, os salários) e a
barganha frente aos compradores, que são poucos e controlam parte expressiva dos mercados
relevantes (internacional do açúcar e nacional do etanol). Particularmente o mercado do etanol
depende de uma conjunção de preços do petróleo (devem ser altos) e do repasse desses preços ao
mercado interno de derivados. A empresa possui baixas margens neste segmento produtivo, em
especial no etanol.
A condição de pequena margem de manobra, estrutural para o produtor, mesmo que
seja dos maiores, é fonte permanente de instabilidade. Isso piorou com o fim do Proálcool no
início dos 1990s e até hoje não está resolvida. A crise mundial que eclodiu em 2008 agravou a
situação do setor, com encarecimento do crédito e redução dos preços do petróleo e do
dinamismo de seus mercados. Assim, a burguesia sucroalcooleira depende da regulação ou de
incentivos externos (estatais) para garantir uma estabilidade e rentabilidade mínima que o proteja
dos impactos desestabilizantes dos ciclos econômicos.
Decorrência da natureza e do ciclo de negócios do setor entre as décadas de 2000 e
2010, a lógica de acumulação da Cosan teve como base, até 2009, a aquisição de usinas
concorrentes, sendo fonte de dois terços da sua capacidade produtiva no final da década.
Embora não consigamos mensurar o impacto – e o rendimento – dos ganhos com o
acúmulo de know-how do negócio172 e com o compartilhamento de logística (escoamento e
exportação) devem dar algumas vantagens à Cosan frente aos demais (menores) concorrentes
no negócio. Isso, contudo, não diminui as debilidades da empresa dentro da cadeia do

172
Como, por exemplo, prospecção de terras, planejamento da produção e da colheita, infraestrutura de transporte,
tecnologia de processo, estocagem, comercialização, financiamento etc.
216
negócio, apenas amplia sua vantagem relativa frente às demais companhias, o que as coloca
como potenciais alvos de aquisições.
Como o setor sucroalcooleiro é instável, com dificuldade de haver ganhos de escala e
de produtividade e é muito dependente de determinantes externos, a estratégia de crescimento
rápido da Cosan foi a compra de outras usinas no Brasil, em especial no estado de São Paulo e
construção nas novas fronteiras da cana-de-açúcar (Goiás e Mato Grosso do Sul). Foi isso que a
permitiu ganhar uma parcela maior do excedente gerado no ramo; a outra maneira foi entrar em
atividades correlatas: logística de exportação e especulação de terras para agronegócio.
O padrão de financiamento da companhia foi fundamentalmente a reinversão de
recursos próprios dos acionistas via ampliação do patrimônio líquido e o endividamento com o
setor privados, tanto pela abertura do capital pela emissão de títulos próprios de dívida. A maior
parcela do endividamento corresponde a financiamento externo, em dólar. Recentemente o setor
recebeu aportes de linhas específicas do BNDES destinadas ao setor, que atingiu o intervalo de
30% a 40% do endividamento total da empresa.
A virada decisiva da lógica de acumulação da Cosan corresponde ao seu processo de
diversificação e, em especial, ao acordo de venda futura dos ativos no setor sucroalcooleiro com a
constituição da joint-venture Raízen com a Shell. O primeiro passo foi a aquisição dos ativos da
Esso de distribuição de combustíveis e produção e distribuição de lubrificantes, no final de 2008.
Essa aquisição modificou radicalmente a composição dos negócios do grupo.
 Ao mesmo tempo em que elevou o status da empresa para primeira e maior empresa
integrada de energia de base renovável e permitiu compensar uma das debilidades
estruturais – margem dos atacadistas de combustível –, foi o passo decisivo para a
aquisição dos ativos da Esso.
 Entra em novo tipo de negócio (intermediação). Potencialmente reduz a exposição da
companhia no negócio sucroalcooleiro. Em verdade, prepara a venda futura dos
ativos no setor sucroalcooleiro e de combustíveis para o capital internacional.
 A transição para outros ramos continua com a venda da Cosan Alimentos e a
aquisição do controle da Comgás.
 O movimento se expressa na tentativa de entrada no bloco de controle da ALL –
América Latina Logística, em negociação com suporte estatal a partir de 2014.
217
 O grupo se torna crescentemente um capital voltado para setores intermediários –
logística para agronegócio, distribuição de combustíveis e gás -, para setores
especuladores – terras para agronegócio – e apoiado em concessões estatais –
distribuição de gás, ferrovias.

Em síntese, o grupo Cosan tem como base o agronegócio, produção ou serviços para
exportação, e a intermediação comercial de diferentes ramos no mercado interno, como
combustíveis e gás natural. Sua estratégia de crescimento é baseada em aquisições, financiada e
associada ao capital internacional, em um padrão especulativo. A constituição da joint-venture
Raízen com a Shell teve este significado: um longo processo de especulação com ativos no setor
sucroalcooleiro e na distribuição de combustíveis que foi posto à venda futura para uma grande
transnacional, que detém a opção de comprar ou vender a empresa de acordo com sua
conveniência. Esse mesmo padrão se revela na operação em setores vinculados a negócios
internacionais, como a especulação de terras e os serviços logísticos de exportação de
commodities, ou mesmo na produção e distribuição de lubrificantes da ExxonMobil. É um grupo
oportunista que busca ganhos em quaisquer negócios, contribuindo para o aprofundamento dos
laços da economia brasileira com o capital internacional e com os mercados externos.

8. Referências Bibliográficas

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Fontes de dados:

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 Formulário 20-F da Cosan para a NYSE: Disponíveis em: <www.cosan.com.br>.
 Relatórios anuais da administração da Cosan. Dados divulgados pela CVM através
dos softwares DIVEXT e EmpresasNet. Disponíveis em: <www.cvm.gov.br>.
 Relatórios anuais da Comgás. Disponíveis em: <www.comgas.com.br>.
 Unicadata: http://www.unicadata.com.br/.
 Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, da Agência
Nacional do Petróleo (ANP). Disponíveis em:
<http://www.anp.gov.br/?pg=62402&m=&t1=&t2=&t3=&t4=&ar=&ps=&cachebust=137442
9973558>.
 Anuário estatístico da Agroenergia do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA). Disponível em:
<http://www.agricultura.gov.br/desenvolvimento-
sustentavel/agroenergia/publicacoes>.
 OECD-FAO (OCDE-FAO) Agricultural Outlook. Disponível em: <
http://www.oecd.org/site/oecd-faoagriculturaloutlook/>.
 United States Department of Agriculture (USDA) (Departamento de Agricultura dos
Estados Unidos). Dados sobre Açúcar. Disponível em: <
http://www.ers.usda.gov/topics/crops/sugar-sweeteners/#.UewiItJvOVU>.

220
ANEXO B: Grupo Vale

“Estamos envolvidos em exploração mineral,


o que é altamente especulativo por natureza"
(VALE, Relatório Anual 2012)

221
1. Introdução

O grupo Vale é um produtor e exportador de minérios. Também fatura nos serviços


logísticos relacionados ao seu negócio central. É um dos maiores grupos econômicos brasileiros e
o segundo maior da indústria sob controle brasileiro, atrás apenas da Petrobras.

Tabela B.1. Posição da Vale no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
200 grupos 15º 12º ND* 5º 5º 5º 3º 5º 6º 4º 5º
Maiores indústria 3º 1º 1º 1º 1º 1º 1º 1º 2º 1º 1º
privados do Brasil

*ND: Dado não encontrado


Fonte: Anuário Valor Grandes Grupos (elaboração própria).

A empresa nos anos 2000 deixou de ser apenas uma grande mineradora – em 1998-1999
já era a maior exportadora transoceânica de minério de ferro – para ser uma das maiores mundo –
já em 2006 era a segunda mineradora em valor de mercado. Seu dinamismo se deu
fundamentalmente pela expansão do mercado asiático para o seu maior produto – o minério de
ferro –, tanto no que diz respeito à quantidade, quanto nos preços. Seus compradores principais
deixaram de ser o Brasil e a Europa (em 2001-2002, 31,5% e 30,7% das receitas em média,
respectivamente) para se tornarem os países da Ásia (em 2011, 52,8% das receitas).
A estratégia da Vale no período pode ser descrita como um combinado de: a) progressiva
especialização nos produtos principais (minério de ferro, pelotas) e outros produtos que tivessem
sinergias com as operações existentes ou relacionadas ao seu núcleo de atividades; b) busca por
oportunidades de aquisição de ativos vinculados ao negócio principal ou com alto potencial de
rentabilidade dentro do ramo de mineração; c) internacionalização crescente dos mercados
consumidores e salto de internacionalização das operações – onde o salto aconteceu com a
aquisição da canadense Inco em 2006; d) ampliação da capacidade de endividamento
correspondente às necessidades de expansão da empresa, em especial e também a partir de 2006,
baseada principalmente no capital internacional.

222
2. Histórico

A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) foi durante a maior parte de sua história uma
empresa estatal. Herdeira das reservas da antiga Itabira Iron Ore Company de Percival Farquhar
e da Estrada de Ferro Vitória-Minas, a CVRD foi fundada por Getúlio Vargas em 1942 como
parte dos esforços de adesão do Brasil aos Aliados na II Guerra Mundial (OSAWA, 2011). A
companhia iniciou cedo sua internacionalização, sempre exportando uma parcela majoritária da
sua produção: em média 67%, segundo Mello e Paula (2000). Nos anos 1950, iniciou os
embarques para o Japão e em 1954 passou a contatar diretamente os clientes siderúrgicos sem
intermediação de traders. Nos anos 1960, a CVRD deu passos decisivos para se tornar a gigante
de hoje: iniciou contratos de longo prazo de fornecimento ao Japão e à Europa e criou sua própria
empresa de transporte, a Docenave. A partir dos anos 1970, iniciou sua participação no que viria
a ser o Projeto Ferro Carajás, que partiu em 1985 com a inauguração da Estrada de Ferro Carajás.
Em 1974 já respondia por 16% do mercado transoceânico de minério de ferro (OSAWA, 2011) e
em 1999 já era a líder, com 20% de um mercado em que dezesseis firmas controlavam 80%
(MELLO & PAULA, 2000).
Em 1995, a CVRD foi incluída no Programa Nacional de Desestatização, iniciado no
governo Collor. Em 1997, foi a leilão e privatizada por US$3,3 bilhões (por 41,7% das ações
ordinárias). Segundo Biondi (1999), sua venda ao setor privado foi uma capitalização subsidiada
aos grupos que a adquiriram, devido à forma de avaliação do preço da companhia, que
desprezava o valor das reservas minerais à disposição da companhia e ao crédito do BNDES
utilizado para financiar os consórcios que disputavam o leilão. A tabela a seguir mostra a
composição do capital controlador antes e depois das privatizações.

223
Tabela B.2. Controladores da Vale – antes e depois da privatização (1997)
Acionistas do Capital Ordinário Anterior Posterior Composição do Valepar %
Tesouro Nacional 51,2% 15,9% CSN 25,0%
BNDES 24,8% 15,9% Litel Participações S.A. 39,0%
Fundos de Pensão 15,0% 5,0% Eletron S.A. 17,0%
BNDESPAR/FPS 5,0% 5,0% Sweet River Invests. Ltd. 9,0%
Investvale 0,0% 4,0% BNDESPAR 9,0%
SPE (Valepar) -- 52,2% Investvale 1,0%
Fonte: BIONDI (1999).

Como, após a privatização, a companhia iniciou um processo muito forte de crescimento,


com aquisições e valorização dos preços dos produtos minerais, a comparação entre a Vale estatal
e a mesma empresa após a privatização é um processo complexo. Apesar de muito que se fala
sobre o papel da privatização da empresa sobre o resultado posterior, no que diz respeito a ganhos
de eficiência etc.173, este trabalho aponta para outros fatores. O fato é que, pelo menos do ponto
de vista dos resultados decompostos na demanda física por minérios e nos preços, o desempenho
que levou a empresa a ser uma das maiores do mundo teve como principal motor o ciclo movido
pela economia chinesa nos anos 2000, como se mostrado adiante.

3. Mercados

Os principais ramos de atividade da Vale (base 2012) são a mineração de: (a) minério
de ferro e pelotas (principal, responsável por dois terços da receita operacional bruta
- ROB); (b) níquel (8,9% da ROB); (c) fertilizantes (8,1% da ROB)174.(d) carvão (metalúrgico e
térmico). Desta forma, serão abordados brevemente os diferentes tipos de minerais, seus usos,
seus mercado e preços, para se ter uma noção de a quais tipos de negócios está vinculada a Vale.

173
É muito provável, como mostram alguns estudos, que a empresa tenha obtido ganhos de eficiência após a
privatização. A questão é que isso ocorreu dentro de um grande processo que atingiu grandes empresas, mesmo as
não privatizadas, como foi o caso da Petrobras. Há uma dificuldade objetiva de avaliar o quanto a privatização
contribuiu para o resultado da companhia e muito do que existe é uma tentativa de justificar ex post o sucesso das
privatizações. Um exemplo é o estudo de Carrasco e Mello (2011), que tentam avaliar o ganho através do retorno das
ações, supondo que o mercado de capitais seja eficiente para avaliar os ganhos de eficiência da empresa.
174
Ainda são muito importantes mas não serão tratados aqui: Cobre, com 4,7% da ROB de 2012, Carvão
(metalúrgico e térmico), com 2,4%, e os Serviços Logísticos, que responderam por 3,5% da ROB em 2012. Até 2010
224
3.1. Minério de Ferro e Pelotas
O minério de ferro (junto com as pelotas de ferro) é o principal negócio da Vale e tem
como destino básico a siderurgia, servindo de matéria-prima para a produção de aço. O minério
de ferro corresponde a vários tipos de rocha a partir das quais pode ser obtido o ferro metálico. Já
as pelotas são materiais derivados do minério de ferro, concentrados duros de minério em
formato esférico já preparados para consumo em unidades siderúrgicas de redução (alto-fornos).
O mercado de minério de ferro é caracterizado pela alta concentração das reservas e
da produção em alguns países:

Tabela B.3. Minério de Ferro – Reservas, por país (% do total)


Países 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Brasil 6% 7% 6% 7% 7% 7% 7% 10% 11% 13% 11%
China 17% 16% 14% 14% 12% 12% 12% 14% 13% 14% 13%
Austrália 13% 13% 12% 12% 11% 11% 11% 13% 13% 13% 13%
Índia 2% 2% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 4% 4%
Rússia 15% 18% 17% 17% 15% 15% 15% 16% 16% 16% 14%
Ucrânia 17% 16% 21% 21% 18% 18% 18% 20% 19% 19% 17%
Outros países 30% 28% 27% 27% 33% 33% 34% 24% 24% 23% 28%
Fonte: USGS (elaboração própria)

Devido ao fato de os minérios de ferro existentes na natureza diferirem em


composição química e concentração de ferro, há minérios de melhor qualidade que outros. Essa
diferença justifica preços diferenciados de acordo com a origem do minério. O Brasil, por
exemplo, é conhecido por ter minas de minério de ferro de ótima qualidade, e dentre elas a de
Carajás, que seria a melhor do mundo.
O mercado mundial é atualmente (dados de 2011) dominado pela produção de
minério de ferro da China (42%), Austrália (17%), Brasil (14%), Índia (9%), Rússia (4%) e
Ucrânia (3%). O destaque é a China, cuja produção disparou em meados dos anos 2000 em
resposta ao crescimento da sua produção siderúrgica. A produção de minério de ferro mundial
saiu de 1,03 bilhões de toneladas em 2000 para 2,8 bilhões de toneladas em 2011.

o alumínio fazia parte da carteira da Vale, chegando a 8,6% da receita operacional bruta em 2009, mas suas
operações foram vendidas, não contando mais para o negócio.
225
Gráfico B.1. Minério de Ferro – produção mundial, países selecionados (milhões ton.)

Fonte: USGS (elaboração própria)

Gráfico B.2. Minério de Ferro – produção mundial, países selecionados (% do total)

Fonte: USGS (elaboração própria)

Segundo o U.S. Geological Survey Minerals Yearbook de 2011, os maiores


exportadores de minério de ferro em 2011 eram: Austrália (38%), Brasil (30%), Índia (6,8%),
África do Sul (4,5%) e Ucrânia (3,0%). Ainda segundo o USGS, os maiores importadores de
minério de ferro do mundo são grandes países de produção siderúrgica: China, Alemanha, Japão

226
e Coreia do Sul. Juntos totalizaram 62% das importações mundiais em 2002, chegando a 82% em
2011. Os percentuais de 2002 e 2011 para os países são: China, 21% para 61%; Alemanha, 8,4%
para 3,7%; Japão, 24% para 11%; e Coreia do Sul, 8% para 6%.
A China, apesar de maior produtor, não dispõe de minério em quantidade e qualidade
suficiente, sendo dependente de importações, que se constituem como o principal fator de
dinamismo no mercado internacional. Os principais fornecedores para a China são: Austrália
(45%), Brasil (21%), Índia (11%), África do Sul (6%) e Irã (2%) (mineral não aglomerado); e
Brasil (25%), Canadá (17%), Rússia (13%) e Ucrânia (11%) (pelotas).
Segundo Warel (2013), até recentemente, no final dos anos 2000, os preços de
minério de ferro eram estabelecidos em negociação entre grandes produtores e grandes
demandantes em contratos de um ano (“preços do produtor”). A partir de 2009 os preços
começaram a ser negociados em mercados spot, particularmente os grandes volume vendidos
para a Ásia, passando a ser desde 2010 o único sistema adotado pelos maiores produtores (Vale,
Rio Tinto e BHP Billiton). Segundo a autora, após esta mudança, os preços ficaram mais voláteis
e mesmo o patamar dos preços foi afetado, por um lado, pela própria instituição do novo sistema
e, por outro, – e em especial, segundo ela – devido à sensibilidade às grandes variações de preço
nos fretes (que aumentaram após a instituição do novo sistema). A variável de longo prazo que
influencia no preço é o PIB da China.
No gráfico abaixo estão algumas séries de preços relevantes para este estudo,
demonstrando as mudanças no sistema de precificação e o patamar de variação dos preços, que
saem de cerca de US$ 25/ton. para oscilar entre US$ 100 e US$ 150/ton. nos últimos anos.

227
Gráfico B.3. Minério de Ferro – Preços, diversos indicadores (US$/ton)

Fonte: UNCTADSTAT

O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) disponibiliza os preços dos


produtos de minério de ferro no Brasil, para o mercado nacional e para exportação, que são
interessantes para se entender o impacto das variações de preço ao produtor interno:

Tabela B.4. Minério de Ferro – preços ao produtor brasileiro – vários itens


Preços 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Unidades
Minérios (3) 18,3 20,0 20,0 37,4 55,1 61,1 69,3 62,7 90,9 89,0 150,6 299,8 (R$/t)
Minérios (4) 15,9 15,6 15,3 16,7 19,3 25,06 29,2 32,4 47,7 44,9 82,5 115,9 (US$-FOB/t)
Pelotas (4) 29,7 30,6 29,6 32,3 36,3 60,6 70,1 68,8 109,7 88,1 145,0 177,9 (US$-FOB/t)
Lump (4) 18,5 19,3 19,7 21,7 24,6 49,8 59,0 52,5 46,3 56,0 81,6 106,3 (US$-FOB/t)
Sinter-Feed (4) 16,2 16,8 17,2 17,6 18,9 38,4 41,9 42,2 46,1 59,2 88,3 113,6 (US$-FOB/t)
Pellet-Feed (4) 12,94 14,0 14,3 15,4 17,6 35,7 39,1 46,3 49,7 57,7 115,4 164,5 (US$-FOB/t)
Obs: (3) preço médio FOB-mina, minério beneficiado; (4) preço médio FOB - exportação;
Fonte: DNPM

228
3.2. Níquel

O níquel é um metal duro e maleável, especialmente útil pela resistência à corrosão.


Segundo o USGS, 65% do níquel do mundo é utilizado para fabricação de aço inox, 12% para
fabricação de superligas de níquel (cujo maior demandante é a indústria aeroespacial para
lâminas de turbinas e partes de motores) e o restante com diversas aplicações (dentre elas, ligas
de aço, baterias recarregáveis, catalisadores e produtos químicos). O níquel é extraído de dois
tipos de minerais, os lateríticos (70% das reservas mundiais, 40% da produção de níquel é daí
extraída) e os sulfetados (30% das reservas, produzindo 60% do níquel). O metal é
comercializado principalmente na forma de metal refinado (pó, catodo, briquete) ou na forma de
ferroníquel.
Ao contrário do minério de ferro, cuja produção mais do que dobrou nos anos 2000, a
produção de níquel aumento cerca de 50% no mesmo período, de 1,25 bilhões de toneladas em
2000 para 1,80 bilhões de toneladas em 2011. Sua produção também é menos concentrada, apesar
dos seis maiores produtores permaneceram com cerca de 70% da oferta mundial: Rússia,
Indonésia, Filipinas, Canadá, Austrália e Nova Caledônia (um território francês especial, a leste
da Austrália), com destaque para o aumento de Indonésia e Filipinas no período.

229
Gráfico B.5. Níquel – maiores produtoes (% total)
Países 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Rússia 21,6% 24,4% 23,1% 22,5% 22,5% 21,1% 20,3% 16,9% 17,6% 18,7% 16,9% 15,6%
Indonésia 7,9% 7,7% 9,1% 10,2% 9,5% 10,7% 8,9% 13,8% 12,3% 14,5% 14,6% 12,8%
Filipinas 1,9% 2,1% 2,0% 1,5% 1,2% 1,8% 3,7% 4,8% 5,3% 9,8% 10,9% 12,8%
Canadá 15,3% 14,5% 13,3% 11,6% 13,4% 13,3% 14,7% 15,4% 16,6% 9,8% 9,9% 11,1%
Austrália 13,5% 14,8% 15,7% 15,0% 12,7% 12,7% 11,7% 9,7% 12,7% 11,8% 10,7% 10,0%
Nova Caledônia 10,2% 8,8% 7,4% 8,0% 8,4% 7,5% 6,5% 7,5% 6,6% 6,6% 8,2% 7,8%
Brasil 3,6% 3,4% 3,4% 3,2% 3,2% 3,5% 5,2% 4,5% 3,7% 3,9% 3,7% 4,6%
China 4,1% 3,9% 4,1% 4,3% 4,6% 5,2% 5,2% 5,1% 4,4% 5,7% 5,0% 4,4%
Cuba 5,5% 5,3% 5,4% 5,3% 5,2% 4,8% 4,7% 4,5% 4,3% 4,8% 4,4% 4,1%
Colômbia 4,7% 4,0% 4,3% 5,1% 5,4% 6,0% 6,0% 6,1% 4,9% 5,1% 4,5% 4,0%
África do Sul 2,9% 2,7% 2,9% 2,9% 2,9% 2,9% 2,6% 2,3% 2,0% 2,5% 2,5% 2,3%
Botswana 2,8% 2,0% 1,5% 2,3% 2,4% 1,9% 2,4% 2,3% 2,4% 2,0% 1,8% 1,8%
Madagascar 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,9% 1,4%
Rep. Dominicana 3,2% 2,3% 2,9% 3,2% 3,4% 3,1% 2,9% 2,8% 2,0% 0,0% 0,0% 0,8%
Outros 3,0% 4,0% 4,8% 4,8% 5,4% 5,6% 5,1% 4,3% 5,2% 4,8% 6,0% 6,6%
Fonte: USGS (elaboração própria)

As maiores reservas pertencem aos países produtores, mas não na mesma ordem: em
2011, a Austrália detinha 30% das reservas estimadas, enquanto a Nova Caledônia tinha 15%, o
Brasil, 10,9%, a Rússia, 7,5%, Cuba, 6,9%, Indonésia, 4,9%, África do Sul, 4,6%, Canadá, 4,1%,
China, 3,8%, e Madasgacar, 2,0%, totalizando 90% das reservas mundiais.
A demanda global tem sido puxada principalmente pelo consumo chinês para sua
indústria siderúrgica – a China foi o maior consumidor de níquel primário, 521 mil toneladas em
2011 contra 211 mil toneladas da União Europeia. Em valor, os principais importadores são
China, Finlândia, Canadá, Japão, Macedônia, Coreia do Sul e Ucrânia; em quantidade, China,
Japão, Macedônia e Coreia do Sul. A China foi de importadora de 1% do total para 76% do total
em uma década.

230
Tabela A.6. Níquel – maiores importadores – por valor importado (%)
Importadores 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total (US$ mi) 4.343 6.304 11.181 12.795 17.362 49.646 39.540 19.487 36.091 69.718 68.666
China 1% 1% 3% 14% 25% 49% 52% 54% 54% 70% 76%
Finlândia 29% 24% 26% 13% 28% 23% 24% 11% 10% 8% 6%
Canadá 19% 22% 25% 20% 8% 5% 1% 10% 11% 6% 5%
Japão 33% 27% 26% 27% 20% 13% 12% 12% 10% 5% 5%
Macedônia 0% 0% 0% 1% 2% 3% 0% 0% 3% 2% 2%
Coreia do Sul 0% 0% 0% 0% 0% 0% 1% 5% 5% 2% 2%
Ucrânia 0% 0% 2% 2% 3% 1% 2% 3% 2% 1% 1%
Outros 18% 26% 17% 22% 14% 6% 9% 5% 5% 6% 1%
Fonte: International Trade Centre

Os maiores exportadores por valor são, em 2012: Indonésia (34%), Austrália (30%),
Filipinas (15%), Zimbábue (8%), Nova Caledônia (6%), Brasil (3%), Finlândia (2%), Espanha
(1%). Em quantidades: Indonésia, Filipinas, Nova Caledônica, Austrália Turquia, Guatemala e
Zimbábue. As empresas que mais produziram foram: Norislk (Rússia), Vale (Brasil e Canadá),
BHP Billiton (Austrália e Reino Unido), e PT Aneka Tambang Tbk. (Indonésia).
Os preços do Níquel são cotados em bolsa de valores – principal é a London Metals
Exchange (LME). Os preços tiveram um pico em 2007 e depois recuaram para um patamar
inferior (ainda assim superior ao do início dos anos 2000). Foi durante este período (novembro de
2006) que a Vale comprou a Inco, segunda maior mineradora de Níquel do mundo.

231
Gráfico B.4. Níquel – preços do metal e do catodo (US$/ton.)

Fonte: UNCTADSTAT

3.3. Fertilizantes

Os fertilizantes que interessam a este estudo – produtos da Vale – são as três fontes
básicas: nitrogênio, potássio e fosfatos, sendo que os fosfatados são a maior fonte de renda da
Vale neste setor. Estes produtos estão vinculados às atividades agrícolas e são fortemente
demandados pelos principais países do agronegócio, dentre eles o Brasil. Seu consumo tem
subido de forma persistente e em proporções semelhantes, já que seu uso combinado é uma
condição da fertilização.

232
Gráfico B.5. Uso mundial de fertilizantes (milhões de toneladas de nutrientes)

Fonte: Fertecon, IFA, PotashCorp.

Rocha Fosfática. Os fertilizantes fosfatados são provenientes de rocha fosfática.


Segundo o USGS Mineral Commodity Summary de 2011, os maiores produtores em 2010 eram
China, EUA, Marrocos e Rússia.

Tabela A.7. Rocha Fosfática – principais produtores (mi ton.)


2007 2008 2009 2010 2011e % 2012
China 45.400 50.700 60.200 68.000 81.000 41%
EUA 29.700 30.200 26.400 25.800 28.100 14%
Marrocos 27.800 24.500 18.400 26.600 28.000 14%
Rússia 11.400 10.400 9.500 11.000 11.200 6%
Jordânia 5.552 6.265 5.281 6.529 6.500 3%
Brasil 6.185 6.727 6.084 6.192 6.200 3%
Tunísia 8.005 7.623 7.398 7.281 5.000 3%
Egito 3.890 5.523 6.627 3.435 3.500 2%
Israel 3.069 3.088 2.697 3.135 3.105 2%
Síria 3.678 3.221 2.466 3.765 3.100 2%
Outros 15.321 17.753 16.947 19.263 22.295 11%
Total 160.000 166.000 162.000 181.000 198.000 100%
Fonte: USGS

Os maiores exportadores são os países do norte da África (Marrocos, Egito, Jordânia)


e Peru, com uma base agrícola menor (China, EUA e Rússia consomem sua produção), sendo que
o mercado transoceânico corresponde a apenas 17% do total (um mercado de base regional).
233
Pode-se ver que as importações são bem distribuídas em regiões do globo de que possuem forte
produção agrícola, sendo que as regiões sem produção própria são obrigadas a importar.

Gráfico B.6. Rocha Fosfática – Exportação e Importação, 2011 (milhões de toneladas)

Fonte: Fertecon

Potássio. O potássio é encontrado na forma de sal presente em vários tipos de rocha.


Cerca de 90% do consumo do potássio no mundo se refere a produtos fertilizantes e por isso seu
consumo e as importações estão altamente associados a países com grande produção agrícola.
China, Estados Unidos, Índia e Brasil correspondem a 59% do consumo mundial e só o Brasil
responde por 16% - o país importa 93% do potássio consumido.
Segundo o Relatório Anual da Vale, é um mercado muito restrito, onde poucos países
controlam as reservas mundiais e o seu comércio.

234
Tabela B.8. Potássio – países produtores (%) e produção total (mil ton.)
2007 2008 2009 2010 2011
Canadá 32% 31% 21% 29% 30%
Rússia 18% 18% 18% 18% 18%
Bielorrúsia 14% 15% 12% 15% 15%
China 7% 8% 15% 10% 10%
Alemanha 10% 10% 9% 9% 8%
Israel 6% 6% 9% 6% 5%
Jordânia 3% 4% 3% 3% 4%
EUA 3% 3% 3% 3% 3%
Chile 1% 2% 3% 3% 3%
Brasil 1% 1% 2% 1% 1%
Reino Unido 1% 1% 2% 1% 1%
Espanha 1% 1% 2% 1% 1%
Total 34.900 33.700 20.800 34.100 36.400
Fonte: USGS

É um recurso bastante escasso e a produção não teve muita variação nos anos 2000,
partindo de 2,9 milhões de toneladas para 3,6 milhões de toneladas (crescimento de 21% no
período), com um ano de crise aguda no setor em 2009, no imediato pós-crise, quando os
produtores agrícolas cortaram as compras aguardando queda de preços.
Os importadores de Potássio são países ou regiões semelhantes à de rocha fosfática.
Contudo, está aí inclusa a China, que, ao contrário da rocha fosfática, não possui reservas de
potássio.

235
Gráfico B.7. Potássio – embarques mundiais (milhões de ton. KCl)

Fonte: Fertecon

Abaixo estão os preços de dois dos três principais fertilizantes. Os dois produtos não
tiveram trajetória de alta antes do pico entre 2008 e 2009. Após uma queda brusca, se recuperam
em patamares superiores ao pré-2008, mas tiveram declínio no final do período devido às
incertezas na recuperação mundial.

Gráfico B.8. Potássio (esq.) e Rocha fosfática (dir.) – preços (US$/ton)

236
Fonte: infomine.com

Nitrogenados. Já os fertilizantes a base de nitrogênio costumam ser obtidos da


amônia, que é produzida a partir do nitrogênio no ar ou no gás natural, por processos químicos;
devido ao seu alto custo de transporte, o mercado é muito regionalizado e apenas 12% da amônia
é comercializada internacionalmente.

Gráfico B.9. Produção e exportação de amônia – mi ton. – 2011

Fonte: Fertecon

4. Crescimento e transformações

Em 2000, a Vale, então Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), privatizada três anos
antes, já era uma mineradora relevante, líder na exportação transoceânica de minério de ferro
(MELLO & PAULA, 2000). Entre o início e o final da década, o salto da companhia em termos
de tamanho e internacionalização é muito grande. Para usar os destaques da própria companhia
segundo seu relatório anual, a companhia em 2012 detinha as seguintes marcas:
 Maior produtor mundial de minério de ferro e pelotas;
 Segundo maior produtor mundial de níquel;

237
 Produtor de minério de manganês, ferroligas, carvão, cobre, metais do grupo da
platina (“PGMs”), ouro, prata, cobalto, potássio, fosfatados e outros fertilizantes; até
2010 estava no ramo de bauxita e alumínio;
 Operação de mineração em 15 países do mundo;
 Operação logística ferroviária, portuária e em terminais marítimos em todo o mundo.
Também possui um portfólio de ativos de frete marítimo para minério de ferro.
 Possui investimentos em energia e aço, diretamente ou através de afiliadas ou joint-
ventures (VALE, 2012).

A análise do crescimento da receita bruta a companhia em dólares mostra o tamanho


deste salto:

Gráfico B.10. Vale – Receita bruta por produto (em US$ mi correntes)

Fonte: Relatórios Anuais Vale – elaboração própria.


238
Duas informações se destacam do gráfico: 1) a tendência crescente da receita bruta
em dólares, interrompida bruscamente em 2008 e em 2012; 2) o “mix” de produtos em que a
companhia tem especialidade: minerais ferrosos (em especial minério de ferro e pelotas), níquel
(a partir de 2006), carvão (a partir de 2007), cobre, alumínio (setor que a empresa deixou em
2011) e fertilizantes (a partir de 2010, especialmente), além de uma fatia sempre razoável de
serviços logísticos. Vamos explicar esses dois aspectos separadamente.
O primeiro aspecto diz respeito à profunda vinculação dos resultados da
companhia ao ciclo de negócios internacional, particularmente as efeitos da demanda asiática,
em especial chinesa, sobre a quantidade demandada e sobre os preços. O crescimento da receita
bruta é facilmente explicável por esse motivo: cerca de 58% do aumento da receita bruta em US$
entre 2001 e 2012 foi devido a vendas para a Ásia (esse percentual é de 59% entre 2003 e 2012,
sendo que 39% são devido à China). No mesmo período, o Brasil respondeu por 18% do aumento
da receita bruta175 e a Europa, por 16%. Resultado: a Ásia passa a responder por 53% das vendas
em 2012 (em vez de 22% em 2001), enquanto que o Brasil cai de 32% para 20% e a Europa de
27% para 18%; somente a China responde por 34% (quase Brasil e Europa juntos). Do principal
produto da Vale – o minério de ferro e as pelotas (68% da receita bruta em 2012) –, a Ásia
respondeu por 92,7% do aumento das vendas físicas entre 2001 e 2011, sendo só a China
responsável por 74% do total do aumento.

175
Como houve valorização do real frente ao dólar, é de se esperar que as vendas ao Brasil tenham caído mais do que
o que se apresenta.
239
Gráfico B.11. Vale – Receita bruta por país ou região (em US$ mi correntes)

Fonte: Relatórios Anuais Vale – elaboração própria.

Tabela B.9. Vale – exportações de minério de ferro, por região (milhões de ton.)
2001 2006 2007 2008 2009 2010 2011 ∆01-11 %∆
Ásia 42,5 127,0 145,3 152,6 184,9 187,7 191,5 149,0 86%
China 14,9 77,9 96,2 93,2 144,0 133,3 134,0 119,1 69%
Restante da Ásia 27,6 49,1 49,1 59,4 40,9 54,4 57,5 29,9 17%
Europa 34,4 71,3 74,6 74,2 34,6 59,0 58,6 24,2 14%
Brasil 39,9 46,6 45,8 45,4 22,2 32,1 33,8 - 6,1 -3%
EUA 2,9 4,5 4,0 2,6 0,2 0,5 0,6 - 2,3 -1%
Oriente Médio - - - - - - 6,9 6,9 4%
Resto do Mundo 10,2 23,3 21,8 20,4 11,6 11,8 12,3 2,1 1%
Total 129,9 272,7 291,5 295,1 253,5 297,3 303,7 173,8 100%
Fonte: Vale, Relatório 20-F, diversos anos (elaboração própria)

É importante notar que as receitas baseadas em reais – vendas ao mercado brasileiro –


caem aproximadamente 10 pontos percentuais (de 30% para 20%) no período, apesar da
importância das operações brasileiras (minério de ferro).
O aumento da demanda, especialmente pela dinamização dos mercados asiáticos
emergentes e em particular da China, levou também a um efeito sobre os preços. Esse efeito foi
também fundamental para explicar a magnitude do aumento das receitas brutas no período, como
se pode ver no gráfico abaixo.
240
Gráfico B.12. Evolução dos preços de produtos básicos – 2000-2012 (2000=100)

Fonte: CEPAL (2012)

De fato, conforme explicado pelo estudo da CEPAL (2012), a China foi o principal
motor do processo de alta da demanda e dos preços de produtos básicos desde 2000. Esta
influência é clara para dois dos principais produtos da Vale, o minério de ferro e o cobre. A China
é a maior produtora mundial de minério de ferro (55,3% em 2010) e também o maior importador
(65,3% em 2010); e a China consumia em 2010 38,8% do cobre mundial e era responsável por
37,6% da importação total. A própria Vale reconhece em seu Relatório Anual 2012 que o seu
ramo de atividade tem como principal fator de risco a ciclicidade da atividade econômica, em
particular a chinesa, dado que o país responde por dois terços da demanda global transoceânica
por minério de ferro. Depende, portanto, do desempenho dos produtores de aço e aço inox ou de
commodities agrícolas que usem fertilizantes; que, por sua vez, dependem do desempenho de
seus clientes.
Observando o comportamento de quantidades e preços – e do valor deles derivado –
de minério de ferro e pelotas para a Vale, observamos uma proeminência dos preços. Tomando
2001 como base, as quantidades de minério de ferro e pelotas vendidas em 2011 duplicam, mas
241
os preços se multiplicam por 7,4 para o minério de ferro e por 5,8 para as pelotas. Ou seja, o fator
fundamental, apesar do extraordinário aumento da produção física, é o preço.

Tabela B.10. Minério de Ferro e Pelotas – índice de quantidades e preços para a Vale
(2001=100)
Minério 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Físico 100 108 113 158 177 198 208 210 188 205 208
Preço 100 98 107 123 160 187 207 305 287 527 741
Valor 100 105 121 195 283 369 431 641 539 1.079 1.541

Pelotas 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Físico 100 63 80 149 148 129 155 158 101 191 201
Preço 100 97 106 119 198 229 225 359 288 475 582
Valor 100 61 84 178 294 297 350 568 291 908 1.168
Fonte: Vale, Relatório 20-F, diversos anos (elaboração própria)

O segundo aspecto é explicado pela estratégia da Vale, que se baseou em uma longa
depuração da sua carteira de ativos, com o aprofundamento da liderança no seu principal negócio
– o minério de ferro e pelotas – com o aproveitamento de oportunidades de aquisição em ramos
atraentes, com preços e demanda promissores – como o caso do níquel, através da aquisiação da
canadense Inco em 2006, e dos fertilizantes, com a ampliação da presença via duas aquisições em
2010 (Fosfértil e ativos da Bunge) – e com a venda de ativos de menor centralidade, como foi o
caso dos ativos de alumínio, caulim e as participações acionárias em siderúgicas e metalúrgicas.
A tabela a seguir mostra o processo de especialização da companhia:

242
Tabela B.11. Vale – Participação de cada produto na receita bruta (%)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Minerais Ferrosos 70,1% 72,5% 69,4% 68,9% 75,0% 48,9% 46,9% 61,5% 61,6% 72,5% 72,7% 69,5%
Minério de Ferro 49,1% 50,1% 48,0% 47,1% 55,2% 39,0% 36,0% 46,2% 53,6% 56,8% 58,0% 53,8%
Serviço de oper. usinas 0,0% 0,8% 0,8% 0,6% 0,5% 0,3% 0,3% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,0%
Pelotas 14,6% 14,9% 14,3% 12,9% 15,0% 7,4% 8,0% 11,0% 5,6% 13,7% 13,4% 14,4%
Manganês e Ferro-ligas 6,4% 6,6% 19,8% 7,8% 3,9% 2,0% 2,2% 3,5% 2,1% 1,9% 1,2% 1,3%
Outros 0,0% 0,0% 0,5% 0,4% 0,3% 0,2% 0,5% 0,7% 0,3% 0,1% 0,0% 0,0%
Carvão 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,5% 1,5% 2,1% 1,7% 1,8% 2,4%
Níquel 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 25,6% 30,3% 15,5% 13,6% 8,3% 9,5% 8,9%
Cobre 0,0% 0,0% 0,0% 2,4% 2,9% 7,1% 6,0% 5,3% 4,7% 3,5% 4,2% 4,7%
Caulim 1,0% 1,1% 1,7% 1,9% 1,3% 0,8% 0,7% 0,5% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
PGMs 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 1,1% 1,0% 1,0% 0,6% 0,2% 0,8% 0,8%
Metais Preciosos 3,4% 2,4% 0,0% 0,0% 0,0% 0,3% 0,3% 0,3% 0,3% 0,2% 0,6% 0,8%
Cobalto 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,2% 0,4% 0,5% 0,2% 0,1% 0,2% 0,1%
Alumínio 27,4% 10,8% 15,4% 14,7% 10,5% 9,3% 8,2% 7,9% 8,6% 5,5% 0,0% 0,0%
Outros 0,0% 0,0% 0,4% 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,6% 0,1%
Fertilizantes 1,7% 2,1% 1,7% 1,5% 1,1% 0,6% 0,5% 0,8% 1,7% 4,0% 5,9% 8,1%
Serviços de logística 3,5% 10,7% 10,9% 10,3% 9,1% 5,4% 4,6% 4,2% 4,6% 3,1% 2,9% 3,5%
Outros 1,8% 0,5% 0,9% 0,2% 0,1% 0,9% 0,6% 0,9% 2,1% 1,1% 0,9% 1,2%

Fonte: Relatórios Anuais Vale – elaboração própria.

Qualquer análise da estratégia da Vale ao longo de sua história e nos anos 2000 exige
considerar o seu processo intensificado de internacionalização e integração de suas atividades
(DALLA COSTA, 2009). Como se verá adiante (item “Base produtiva”), a operação de quase
todos os principais produtos da companhia ocorre também – e às vezes exclusivamente – fora do
Brasil. A companhia não só adquiriu empresas ou concessões, como tem desenvolvido projetos
de investimento em outros países, como as operações de carvão na Austrália e Moçambique, de
Níquel no Canadá e Potássio na Argentina e no Peru (VALE, 2013).
Quanto às aquisições, se destacam as de companhias de minério de ferro no Brasil no
início dos anos 2000; a compra da canadense Inco em 2006 (maior compra da Vale, ela deu
acesso ao ramo de níquel); e a de ativos de fertilizantes em 2010 (que colocou o negócio com
grande importância nos últimos anos). Os destaques das vendas são: as participações em
empresas do ramo siderúrgico (CST, CSN, Usiminas, Gerdau, Siderar), boa parte participações

243
acionárias cruzadas herdadas do período de privatização; os ativos de papel e celulose em 2001,
os de caulim em 2010-2012 e os de alumínio em 2011, dentro da estratégia de especialização em
alguns produtos.

Tabela B.12. Vale – Aquisições da companhia nos anos 2000


EMPRESA NEGÓCIO DATA Preço (US$ mi)
Socoimex Minério de ferro mai/00 48
Samitri / Samarco Minério de ferro & Pelotas mai/00 710
GIIC Pelotas out/00 91
Ferteco Minério de ferro & Pelotas abr/01 566
Sossego Cobre out/01 43
Caemi Minério de ferro & Caulim Dez-01/Mar-03 705
Caemi ² Minério de ferro & Caulim mai/06 2.552
Salobo Cobre mai/02 51
Alunorte Alumina jun/02 42
MVC Bauxita jul/02 2
Rana Ferro-ligas fev/03 18
CST Aço mar/03 60
FCA Ferrovia set/03 67
Canico Níquel dez/05 800
Valesul Alumínio jul/06 28
Rio Verde Minério de ferro jan/06 47
Inco Níquel nov/06 18.243
AMCI HA Carvão abr/07 656
EBM / MBR Minério de ferro mai/07 231
Belvedere Carvão jul/07 90
Apolo Minério de ferro mai/08 128
Teal Cobre mar/09 65
Rio Colorado/Regina Potássio Jan-2009 857
Argos Carvão abr/09 306
Corumbá Minério de ferro set/09 814
Fertilizantes assets4 Fertilizantes Jan-10/Dez-2010 5.829
Belvedere5 Carvão jul/10 92
Simandou3 Minério de ferro Set-2010 500
SDNC Logística set/10 21
Ferrovia Norte Sul Logística dez/10 893
Biopalma Energia Feb-2011 174
Norte Energia S.A.6 Energia Abr-2011 1.400
Terminal Ultrafertil - TUF7 Logística Jun-2011 95
Vale Fertilizantes8 Fertilizantes Dez-2011 1.217
Carborough Downs Carvão Fev-2012 69
EBM9 Minério de ferro Jun-2012 437
Total US$ 37,9 bilhões

244
Notas: (1) não inclui valor da dívida líquida do ativo adquirido; (2) troca de ações; (3) primeira de do total de US$ 2,5 bilhões; (4) inclui
aquisições de 78,92% da Fosfertil; (5) aquisição da participação de 24,5%; (6) aquisição da participação de 9%; (7) aquisição da participação de
51% na joint venture; (8) participação das ações em circulação; (9) aquisição da participação adicional de 10,5%.

Fonte: www.vale.com.

Tabela B.13. Vale – Desinvestimentos da companhia nos anos 2000


EMPRESA NEGÓCIO DATA Valor (US$ mi)
Açominas Aço dez/00 10
CSN Aço dez/00 249
Bahia Sul Papel & Celulose fev/01 318
Cenibra Celulose jul/01 671
Rio Doce Pasha Logística ago/01 10
Docenave Ships Navegação set/01 60,5
Florestas Rio Doce Florestas mai/02 59
Fazenda Brasileiro Ouro ago/03 21
Sepetiba Tecon /CFN Porto/Ferrovia set/03 7,4
Fosfértil Fertilizante out/03 84
CST Aço Jun-2004 580
NES Ferro-ligas Fev-2006 14
Foz do Chapecó Energia fev/06 4
GIIC Pelotas mai/06 418
Usiminas Aço Nov-2006/Mai- 904
Gerdau Aço 2007
out/06 67
Siderar Aço dez/06 108
Log-In Logística Logística jun/07 203,5
Jubilee Niquel Fev-2008 130
Usiminas Aço Abr-2009 273
PTI Níquel Ago-2009 88
Valesul Alumínio Jan-2010 31,2
PPSA Caulim jun/10 74
Bayovar's minority holdings Fertilizantes jun/10 660
Oman's minority holding Pelotas jun/10 125
Alunorte, Albras, CAP e Paragominas Alumínio Fev-2011 503
CADAM Caulim Mai-2012 30
Ativos de carvão térmico na Colômbia Carvão térmico Mai-2012 407
Total US$ 6,1 bilhões
Fonte: www.vale.com.

Dentre as empresas de maior internacionalização do Brasil176, somente três aparecem


na listagem de maiores empresas transnacionais de países emergentes da UNCTAD (2007),

176
A internacionalização tem sido medida na maioria dos estudos recentes pelo Índice de Internacionalização (I.I.),
média dos índices de internacionalização de ativos, receitas e empregos da companhia. Cada índice corresponde ao
245
medidos por ativos: Petrobras, Vale e Gerdau (a JBS entrará no grupo mais recentemente). As
demais empresas, apesar de terem altos índices de internacionalização, não possuem a
envergadura para serem consideradas grandes transnacionais (ver pesquisas da Fundação Dom
Cabral e da Valor/SOBEET publicadas desde meados dos anos 2000). Para se ter uma noção do
tamanho da internacionalização da Vale, a tabela abaixo mostra a evolução da posição da
empresa no ranking de empresas mais internacionalizadas e o seu respectivo Índice de
Internacionalização (I.I.). Notar que o índice representa atividades fora do país e não inclui as
exportações feitas do Brasil.

Tabela B.14. VALE – Evolução da Internacionalização – 2006-2010


Posição no Ranking Índice de Internacionalização
2010 2009 2008 2007 2006 2010 2009 2008 2007 2006
8º 8º 11º 6º 6º 41,2% 31,5% 29,0% 36,2% 28,7%
Fonte: Valor Multinacionais Brasileiras – Pesquisa SOBEET/Valor.

5. Base produtiva

Para apresentar a base produtiva da Vale de forma bastante sintética, foi montada uma
tabela mostrando a posição da Vale em 2012 para seus principais produtos: onde está operando,
quais são os mercados e quais os fatores que influenciam a dinâmica do mercado (concorrentes,
qualidade de produto etc.). Esta tabela também mostra quais empresas são controladas ou
coligadas com a Vale.
Em consonância com os dados já mostrados para as receitas, as vendas físicas da Vale
são destinadas em sua maioria para mercados externos. Revela que a estratégia do grupo não é o
vínculo da produção com uma demanda local, mas com a demanda internacional que estiver
polarizando o mercado no momento. Controlar estoques e produções passa a ser o decisivo para
ter maior posição de barganha.

percentual do indicador (ativos, receitas ou empregos) que a empresa possui fora do país de origem sobre o total. O
I.I. corresponde, portanto, a um percentual.
246
Tabela B.15. Vale – Perfil da Produção por produto (Minério de Ferro, Pelotas e Carvão Metalúrgico e Térmico), por país e por empresa
e do Mercado, por região e concorrentes (2012) – (continua)
Produção Física Mercados e Concorrência
Produto %
Empresa % Total Local Mercado Concorrentes Vantagens Desvantagens
Total
Vale 96,3% Brasil (PA, BHP Biliton, Rio Tinto e Fortescue MF de melhor Distância (custo
Ásia (China:
MG, MS) 66,2%a Metals Group (FMG) qualidade e distinto do de frete).
49%) australiano (misturas).
Minério de a
Samarco 3,4% Brasil (MG) Europa 17,1% Kumba Iron Ore, LKAB, SNIM, Iguais às da Ásia mais a
Ferro
IOC (Rio Tinto). proximidade.
(53,8% da a
Brasil 11,7% Pequenos: Anglo Ferrous Brazil, Sistema de transporte Preço nem
Receita Bruta MMX, Ferrous Resources, Bahia integrado, qualidade e sempre é inferior
em 2012) Mineração. Siderúrgicas: Gerdau, confiabilidade. ao das outras
CSN, V&M, Usiminas, produtoras.
Arcelormittal
Vale 72,3% Brasil (ES, LKAB, Cliff Natural Resources, Ver Minério de Ferro,
MG, MA), Arcelor Mittal Mines Canada, IOC, acima
Pelotas
Omã Gulf Industrial Revestments
(14,4% da Ver Minério de Ferro,
Hispanobras 7,7% Brasil (ES)
Receita Bruta Samarco 19,2% Brasil (ES) acima
em 2012) Zhuhua YPM 0,2% China
Anyang 0,2% China
Carvão Vale Aus (CM) 50,8% CM Austrália Ásia Oriental Principal BHP Biliton, Mitshbishi Alliance Localização estratégica
(2,4% da R.B. Vale Moç (CM) 49,2% CM Moçambique Américas (BMA), Xstrata, Anglo Coal, rio e custos de produção.
Vale Aus (CT) 36,6% CT Austrália Europa Tinto, Teck Cominco, Peabody, Mercado altamente
em 2012) Shenhua Group.
Vale Moç (CT) 63,4% CT Moçambique Índia competitivo.
Carvão
Longyu (CM e Particip. China
Metalúrgico CT) Minoritária
(CM) e Carvão Yankuang (Coque Particip. China
Térmico (CT) metalúrgico) Minoritária
Fonte: Relatório Anual Vale (2012) – elaboração própria.
(a) Representa o percentual frente às vendas totais de minério de ferro e pelotas,
247
248
Tabela B.15. Vale – Perfil da Produção por produto (Minério de Manganês e Ferroligas, Níquel), por país e por empresa e do Mercado,
por região e concorrentes (2012) – (continuação)
Produção Física Mercados e Concorrência
Produto %
Empresa % Total Local Mercado Concorrentes Vantagens Desvantagens
Total
Vale Mina do Azul 79,2% Brasil (PA) Mn alto teor: - África do Sul, Gabão, Austrália. Mercado altamente
Minério de (Mn) Transoceânico competitivo.
Manganês e Vale Manganês 8,3% (Mn) Brasil (MG) Mn baixo teor: - Ucrânia, China, Gana, Cazaquistão, Mercado altamente
Regional Índia, México. competitivo.
Ferroligas
MCR 12,5% Brasil (MS) Produtores independentes ou Mercado altamente
(1,3% da (Mn) integrados, em países produtores de competitivo.
Receita Bruta minério de manganês ou de aço.
em 2012) Vale Manganês 100% (FL) Brasil (MG e
BA)
Vale Canadá/ 27,6% Canadá Ásia 51,0% Norilsk, Jinchuan, BHP Biliton, Minas de Longa vida, Qualidade,
Sudbury Xstrata. Vale representa 14% do baixos custos de confiabilidade e
Vale Canadá/ 10,2% Canadá América do 28,0% consumo mundial e Vale com estas produção, tecnologia de preço. Por
Thompson Norte empresas, representa 49% da exploração e exclusão: a
Vale 26,1% Canadá Europa 19,0% produção mundial de níquel processamento, confiabilidade.
Newfoundland & primário refinado. portfólio de produtos
Níquel (8,9% diversificados
Labrador
da RB em Vale Indonésia/ 29,1% Indonésia Outros 2,0%
2012) Sorowako
Vale Calédonie 2,5% Nova
Caledônia
Vale (Onça Puma) 1,9% Brasil
Externo (outros 2,5% Diversos
produtores)
Fonte: Relatório Anual Vale (2012) – elaboração própria.
Tabela B.15. Vale – Perfil da Produção por produto (Cobre, Fertilizantes), por país e por empresa e do Mercado, por região e
concorrentes (2012) – (continuação).
Produção Física Mercados e Concorrência
Produto %
Empresa % Total Local Mercado Concorrentes Vantagens Desvantagens
Total
Vale 42,3% Brasil (PA) América do Sul ND Catodo de Cobre: Codelco, Aurubis
AG, Freeport McMoRan, Jiangxi
Copper Corporation Ltd. e Xstrata.
Participação da Vale é marginal no
Mercado de cobre.
Cobre
Vale Canadá 52,6% Canadá Europa ND Cobre em concentrado: BHP
(4,7% da
(Sudbury e Biliton, Freeport McMoRan,
Receita Bruta Voisey) Antofagasta plc., Anglo American,
em 2012) Rio Tinto, Xstrata. A fatia da Vale
equivaleu a 4% do total em 2012.
Subsidiária 4,8% Chile Ásia ND Anodo/blíster de Cobre: Codelco,
Anglo American, Xstrata.
Subsidiária 0,3% Zâmbia
Vale Fertilizantes 59,8% (P) Brasil (GO, Brasil (34,% do ND Fosfatados: China, Marrocos, EUA,
MG, SP, mercado) Argélia e Tunísia com 76% da
Fertilizantes PR) produção mundial.
Fosfatados, MVM (Peru) 40,2% (P) Peru Outros ND
Vale Fertilizantes 100% (N) Brasil Nitrogenados: América Centra,
Nitrogenados
Rússia, Europa Oriental e Oriente
e Potássicos Médio. Mas o perfil é regional.
(7,3% da RB Vale Fertilizantes 100% (K) Brasil (SE) Brasil (6,9% do ND Potássio: Canadá, Rússia, Belarus,
em 2012) mercado) todos com poucos produtores. 10
produtores possuem 94% da
capacidade mundial.
Fonte: Relatório Anual Vale (2012) – elaboração própria.
249
Integração – logística e energia. Para a implementação da estratégia de crescimento
global, a companhia depende do sucesso das operações logísticas e energéticas que garantam
algum nível de competitividade e minimizem a exposição a imprevistos.
As operações logísticas sob controle da Vale são:
 Estradas de ferro: Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), Estrada de Ferro Carajás
(EFC), Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), Ferrovia Norte-Sul (FNS) e participação na
empresa MRS (controle dividido com Usiminas, CSN e Gerdau). Na Argentina, está em
fase de obtenção de cessão parcial de ferrovia para apoio ao projeto Colorado
(fertilizantes); em Moçambique e Malaui está investindo na reabilitação de ferrovia para
apoio às operações de carvão;
 Portos e Terminais Marítimos: no Brasil está no Porto de Tubarão (ES), Terminal
Marítimo Ponta da Madeira (MA), Terminal Marítimo de Itaguaí (RJ), Terminal Marítimo
de Ilha Guaíba (RJ), Terminal Marítimo Inácio Barbosa (SE) e Terminal Marítimo de
Santos (SP); na Argentina, no porto de San Nicolas (província de Buenos Aires); na
Indonésia, opera dois portos; e na Nova Caledônia, um porto.
 Navegação: a Vale possuía, no final de 2012, 25 navios em funcionamento e mais 10
afretados; além disso, possuíam também uma estação de transferência flutuante nas
Filipinas, crucial para desembarcar os navios de grande porte e distribuir produto na Ásia
em navios menores, garantindo a competição pelos mercados da região.
Para garantia de algum nível de autonomia energética, a empresa tem investido em plantas
hidrelétricas no Brasil, Canadá e Indonésia. No Brasil, a Vale detém 9% do capital social da
Norte Energia S.A., empresa que está implementando e operará a Usina de Belo Monte.

6. Base financeira

A base financeira da Vale é constituída pelo fluxo de caixa operacional e os empréstimos.


Os resultados quase sempre crescentes ao longo da década de 2000 mostram como a companhia
conseguiu financiar as operações e principalmente os investimentos com base no caixa. O
endividamento foi a segunda perna, sempre viabilizada pelo lançamento de títulos de dívida
diversos no mercado internacional. Um fator de risco é que a capacidade de financiamento está
250
fortemente atrelada aos preços internacionais, podendo variar em números absolutos de forma
extrema, como aconteceu nos anos de 2009 e 2012. Um fator compensador é que a Vale possui
receitas majoritariamente em dólares, de modo a minimizar os efeitos de oscilações cambiais.
Particularmente, no Brasil, alguns custos são vinculados ao Real, de modo que quando ocorre
desvalorização do Real, a Vale se beneficia – muito embora a tendência à apreciação do Real
tenha sido prevalecente ao longo dos anos 2000.
O endividamento foi mais importante durante períodos de fortes aquisições, como foi o caso
de 2006, quando da compra da Inco. De 2005 para 2006, o passivo aumentou 130%, sendo que o
Exigível a Longo Prazo foi responsável por 66,8% do aumento (53,2% foram empréstimos e
Financiamento) e o Patrimônio Líquido, por 21,7% (destes, só 7,9% do capital social realizado e
as Reservas de Lucro responderam por 13,8% do total). Após esse ano, contudo, a tendência foi
de ampliação da participação do Patrimônio Líquido no passivo.

Tabela B.16 – Vale – Estrutura do Passivo


2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Passivo Circulante 19,0% 19,7% 15,6% 14,7% 12,0% 13,1% 9,0% 9,0% 13,9%
Passivo de Longo Prazo 9,7% 10,5% 11,9% 10,6% 16,5% 17,2% 12,7% 12,4% 13,3%
Dívida de Longo Prazo (Passivo) 29,7% 24,2% 20,5% 16,4% 34,7% 23,0% 21,9% 19,5% 16,7%
PASSIVOS TOTAIS 58,3% 54,4% 48,0% 41,7% 63,1% 53,3% 43,7% 40,9% 43,9%

PARTICIPAÇÕES MINORITÁRIAS 0,3% 2,9% 5,0% 5,4% 4,6% 3,3% 3,1% 3,5% 2,7%

PLE - Capital por Ações 30,7% 25,1% 20,4% 25,9% 13,3% 16,0% 29,8% 23,3% 18,4%
PLE - Capital Adicional Pago 6,3% 4,4% 3,2% 2,2% 0,8% 0,6% 0,5% 0,4% 1,7%
PLE - Títulos conversíveis obrig. - ADSs ord. - - - - - 1,7% 1,6% 1,5% 0,2%
PLE - Títulos conversíveis obrig. - ADSs pref. - - - - - 0,8% 0,7% 1,2% 0,5%
PLE - Reservas e Lucros Retidos 4,3% 13,3% 23,4% 24,8% 18,1% 24,2% 20,6% 29,2% 32,6%
PATRIMÔNIO LÍQUIDO DA EMPRESA 41,3% 42,7% 47,0% 52,9% 32,3% 43,4% 53,2% 55,7% 53,4%
Fonte: Relatórios Anuais da Vale (diversos anos)

Seguindo a linha de raciocínio acima, o endividamento cresceu rapidamente em 2006,


para financiar a sua maior operação de aquisição, e chega a 37% do passivo. Nos anos seguinte,
apesar do aumento absoluto do endividamento, o prazo aumenta e ele diminui como proporção do
passivo para o patamar de 20%.
251
Um fato importante é o aumento da capacidade de captação de dívidas em moeda
nacional. O percentual da dívida denominada em reais saiu de 14%-15% em 2002-2003, saltou
para 27% em 2007 e prosseguiu aumentando até a casa dos 35%-24% em 2011-2012. Do ponto
de vista de uma empresa transnacionalizada, o aumento do endividamento em reais enquanto o
real esteve valorizando (sentido geral da década) significa a capacidade de captar um ativo que
esteve valorizando frente ao dólar, ou seja, uma especulação bem-sucedida.

Tabela B.17. Vale – Endividamento Geral e algumas categorias (US$ mi)


Em USD mi 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total 3.331 4.028 4.088 5.010 22.581 19.030 18.245 22.880 24.553 23.055 30.267
Longo Prazo 2.366 2.771 3.232 3.715 21.122 17.608 18.168 22.831 24.414 23.033 30.267
Curto Prazo 965 1.257 856 1.295 1.459 1.422 0 49 139 22 0
% Curto Prazo 29% 31% 21% 26% 6% 7% 0% 0% 1% 0% 0%
Prazo Médio (anos) ND ND ND ND 8,36 10,70 9,28 9,17 9,92 9,81 10,14
Categorias principais 3.024 3.662 3.834 4.816 21.644 18.540 18.069 22.544 24.071 22.700 29.842
% Total 91% 91% 94% 96% 96% 97% 99% 99% 98% 98% 99%
Empréstimos e Financiamentos em USD 1.465 1.621 1.555 2.442 10.814 6.139 6.115 5.875 4.914 3.189 3.981
Títulos de Renda Fixa em USD 800 900 913 1.213 6.897 6.680 6.510 8.481 10.242 10.483 13.581
Emprést.garant. recebíveis de export. (USD) 300 525 480 427 345 550 204 150 0 0 0
Títulos de Renda Fixa em EUR 0 0 0 0 0 0 0 0 1.003 970 1.979
Debêntures não-conversíveis em BRL 0 0 0 0 2.774 3.340 2.774 3.453 2.767 2.505 2.336
Títulos perpétuos 63 65 65 75 86 87 83 78 78 0 0
Outras dívidas/dívidas em moeda local 396 551 821 659 728 1.744 2.383 4.507 5.067 5.553 7.965
Fonte: VALE, Relatórios 20-F, diversos anos (elaboração própria)

Além dos dados expostos, a Vale declara entre 2010 e 2012 o valor de algumas linha
de crédito e o valor sacado. Destes, o BNDES respondeu por linhas de crédito e empréstimos no
valor de US$ 4,3 bi em 2010, US$ 4,5 bi em 2011 e US$ 4,0 bi em 2012. Destes, foram sacados
em US$ 11,2 bi em 2010, US$ 1,8 bi e US$ 2,2 bi. Para uma dimensão, os sacados equivalem aos
seguintes percentuais da dívida total: 5% em 2010, 8% em 2011 e 7% em 2012.
Grupo controlador. Apesar da privatização, a Vale ainda é formalmente influenciada
pelo Estado, ainda que indiretamente. A propriedade da maioria das ações ordinárias está com o
Valepar (o controlador), com 52,7%; o BNDESPar possui 6,3%. Mas os entes estatais ou sob
comando estatal possuem maioria do Valepar: o fundo Litel Participações (49,0%), controlado
pela Previ (fundo de pensão dos trabalhadores do Banco do Brasil, mas com dirigentes indicados
pelo banco), e o BNDESPar (11,5%). Apesar da maioria formal, no entanto, as decisões ainda
252
passam por um acordo entre os acionistas, em especial os que compõem o Valepar. Além disso, o
Valepar possui apenas 1,0% das ações preferenciais, enquanto que o BNDESPar só possui 3,2%.
Em sua maioria, são ações pulverizadas na bolsa de valores de São Paulo e de Nova Iorque.
Portanto, um dos principais benefícios do controle que é a participação nos dividendos de uma
companhia que desfruta de um excedente econômico extraordinário devido ao ciclo foram
privatizados e em boa parte para o grande capital financeiro internacional.

Tabela B.18 – Vale – Controladores diretos e composição do Valepar - 2012

Fonte: Vale, Relatório 20F, 2012.

7. Síntese

A Vale pode ser resumida pela maneira como ela mesma define o ramo de mineração:
“especulativo por natureza”. A Vale é um fornecedor de minérios que despontou nos anos 2000
pelo incremento da demanda internacional por minérios, em especial os de ferro, e pelo
incremento mais do que proporcional dos preços, que veio junto. O motor principal é o
crescimento da produção manufatureira chinesa, particularmente a Siderúrgica, para seus
principais produtos (minério de ferro e pelotas, níquel e carvão). Ao ingressar no mercado de
Fertilizantes no final do período estudado, a Vale também se conectou com o agronegócio,
inclusive o brasileiro, da qual a companhia é grande fornecedor.
As vantagens competitivas da mineração estão mais ligadas às vantagens
comparativas que dizem respeito à qualidade dos minerais e ao posicionamento geográfico
253
(relativamente ao custo do transporte) com relação aos compradores. A Vale (e a Vale no Brasil)
se posiciona principalmente no primeiro polo, devido à qualidade de alguns produtos, como o
minério de ferro brasileiro, que o torna competitivo frente a outros produtores mais próximos da
Ásia, como a Austrália. Obviamente há alguma base técnica da produção e da distribuição
(importância da logística, tanto em termos de custos, como em termos de tempo para atendimento
dos clientes), já que o negócio possui preços comandados por bolsas de mercadorias e não pelos
custos e as margens podem ser afetadas. Mas o setor, como ofertante de insumos em mercados
aquecidos, é uma das pontas que mais ganha pelos preços, além das quantidades.
A Vale sai dos anos 2000 mais vinculada a mercados externos ao Brasil do que
entrou, e com uma base produtiva mais internacionalizada também. Portanto, o sucesso da
empresa não significa necessariamente uma oportunidade para o Brasil, já que está desvinculada
da demanda brasileira, com a estagnação relativa da siderurgia brasileira e mesmo com as
estratégias de integração vertical das siderúrgicas operando no país. Ela é, por natureza da
atividade, um ramo com baixos encadeamentos para trás e, se não estiver vinculada a uma
demanda industrial, acaba por operar em um padrão de enclave.
A outra maneira de se apropriar dos ganhos da Vale seria através da redistribuição
direta da renda em prol de objetivos nacionais. No entanto, após a privatização, os benefícios dos
dividendos e do pagamento de juros são privados e em boa medida estrangeiros, que recebem
uma boa fatia dos rendimentos do negócio pela propriedade de ações preferenciais ou pelo
fornecimento de empréstimos (que funcionam como uma aplicação para o grande capital). A
única fatia que ficaria seria a dos diferentes tipos de impostos aplicados, sendo mais bem
aplicados na parte dos negócios da empresa presentes no país.
A estratégia de se intensificar na produção de seu principal ramo, o minério de ferro,
é uma opção estratégica pela dependência da companhia e do Brasil na demanda da China e no
ciclo econômico internacional. Ativos que teriam alguma importância estratégica para o país,
como a produção de alumínio, foram vendidos sem grandes consequências, coerentemente com
uma estratégia corporativa descolada das necessidades do país.
A potência econômica que significa estar na produção mineral onde está a Vale hoje
dá à empresa algumas vantagens não comuns para empresas brasileiras. Uma delas é, apesar da
importância que há do financiamento estrangeiro e mesmo nacional (e do BNDES), a maior parte
254
da ampliação do passivo da empresa foi pelo crescimento do patrimônio líquido, em grande
medida pela reinversão dos lucros obtidos nos anos anteriores. Significa que o excedente
econômico está destinado ao crescimento da empresa, o aprofundamento de suas operações e à
estratégia de crescimento via aquisições.
Em resumo, a Vale como companhia privada representa uma gigantesca transferência
de riqueza, em parte para a burguesia brasileira que a controla, e em parte para o grande capital
internacional que participa do controle e a financia. É uma transnacional de base brasileira, cujo
principal negócio se inicia no Brasil a partir de vantagens comparativas inegáveis, mas cujo ciclo
termina na siderurgia e na manufatura asiática e europeia.

8. Referências Bibliográficas

BIONDI, Aloysio (1999). O Brasil Privatizado – um balanço do desmonte do Estado. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 1999.
CARRASCO, Vinicius; MELLO, João Manoel Pinho de (2011). Valeu a pena privatizar a Vale?
Disponível em: <http://www.brasil-economia-governo.org.br/2011/04/06/valeu-a-pena-
privatizar-a-vale>. Acesso em: <10/08/2013>.
DALLA COSTA, Armando ( 2009). A Vale no novo contexto de internacionalização de empresas
brasileiras. Disponível em: <www.empresas.ufpr.br/vale.pdf>. Acesso em: 12/02/2012.
MELLO, Ediméia Maria Ribeiro de; PAULA, Germano Mendes de (2000). Mineração de Ferro e
Enclave – Estudo de Caso da Companhia Vale do Rio Doce. In: Anais do IX seminário de
Economia Mineira, 2000. Vol. 1, PP. 613-636.
OLIVEIRA, Thaís Regina Spanazzi de (2005). Estratégias Empresariais Comparadas: o caso de
três mineradoras latino-americanas. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Economia,
Universidade Federal de Uberlândia, 2005.
OSAWA, José Luis Tamekichi (2011). Siderurgia Nacional e Companhia Vale do Rio Doce:
aspectos históricos e de mercado. Revista Lumen et Virtus. Vol. II, nº 5, setembro/2011.
RODRIGUES, Paulo Roberto Ambrosio (2001). A cultura empresarial brasileira e a Companhia
Vale do Rio Doce. Revista de Administração Pública. 35(6): 23-32, Nov./Dez. 2001.
255
TAHUATA, Tatiana L.; MACEDO-SOARES, T. Diana L. v. A. de (2004). Redes e alianças
estratégicas no Brasil: o caso CVRD. RAE-Eletrônica, v. 3, n. 1, Art. 4, jan./jun. 2004.
UNCTAD (2007). World Investment Report 2007:transnational corporations, extractive
industries and development. New York; Geneva: United Nations, 2007.
VALE (2013). Relatório CAPEX 2013 – Vale: orçamento de investimentos e P&D de US$16,3
bilhões para 2013. Disponível em:
<http://www.vale.com/PT/investors/investments/Capex/Capex/120312Capex2013_p.pdf>.
Acesso em: <05/05/2013>.
WARELL, Linda (2013). Quantitative analysis of iron ore prices. In: Aachen International
Mining Simposia: 4th International Conference: Mineral Resources and Mine Development. 22
May 2013, p. 531-546.

Fontes de dados:
 Relatórios anuais de desempenho da Vale. Disponíveis em: <www.vale.com.br>.
 Formulário 20-F da Vale para a NYSE: Disponíveis em: <www.cosan.com.br>.
 USGS - United States Geoglogical Survey – Mineral Commodity Summary (diversos
anos);
 DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral – Sumário Mineral (Diversos
Anos);
 British Geological Survey – World Mineral Statistics (diversos anos).

256
ANEXO C: Grupo Gerdau

“A Companhia atual é o resultado de uma


série de aquisições corporativas, fusões e outras
transações.” (GERDAU, Formulário 20-F, 2001)

257
1. Introdução

A Gerdau é uma siderúrgica de controle brasileiro mas de operação transnacional,


herdeira de um negócio familiar controlado pela família Gerdau Johannpeter desde 1901. Seu
negócio principal é a produção de aços longos a partir de usinas semi-integradas, conhecidas por
mini-mills a partir e principalmente para os mercados domésticos do Brasil, América do Norte e
América Latina. É uma empresa que atua num setor sem grandes inovações tecnológicas, com
tecnologia relativamente livre, com escalas médias a grandes e longo período de amortização dos
investimentos. A grande questão do ramo siderúrgico hoje é a presença de grande capacidade
produtiva ociosa, de um grande produtor mundial de aço e de manufaturas de aço – a China -,
margens estreitas para os produtores e uma demanda que se recupera muito lentamente no pós-
crise de 2008. O setor está marcado por alta competitividade e comércio internacional crescente,
o que será um desafio para todos os grandes produtores e mercados, incluindo o da Gerdau e o do
Brasil. A Gerdau, nesse sentido, está estruturalmente condicionada à criação de mercado para
seus produtos principais, os aços longos – a construção –, e em menor medida ao processo de
desindustrialização que compromete parte dos seus mercados, além de se apoiar no acesso
financiamento dos mercados de capital internacional e nacional (em menor medida) e do BNDES
para prosseguir sua expansão, cujo ritmo foi duramente desacelerado nos últimos anos.
Neste Anexo C, serão apresentados o Histórico breve da empresa, o cenário do
mercado siderúrgico, quais foram as principais transformações da empresa ao longo do período
estudado, caracterizaremos a sua base produtiva e financeira e, por fim, será feita uma síntese e
uma discussão acerca dos resultados dessa pesquisa.

2. Histórico

A história177 da Gerdau se resume em um conjunto de aquisições de empresas


siderúrgicas que foram sendo reunidas sob o controle da família Gerdau Johannpeter: “A

177
Seção elaborada a partir dos dados disponibilizados pela Gerdau (Relatório Anual 2012, Formulários 20-F de
2001 e 2012) e no artigo de Athia e Dalla Costa (2009).
258
Companhia atual é o resultado de uma série de aquisições corporativas, fusões e outras transações
realizadas a partir de 1901” (GERDAU, F20F, 2012: p.17).
O grupo Gerdau tem como origem os negócios do imigrante alemão Johann Gerdau,
conhecido como João Gerdau, que adquiriu em 1901 a Fábrica de Pregos Pontas de Paris em
Porto Alegre. A empresa passou a ser conduzida pelo seu filho, Hugo Gerdau, desde 1903 até
1946. Neste período, a companhia produzia com matéria-prima importada e tinha como mercado
principal a região sul, apesar de vender também para outras regiões. Ainda sob o comando de
Hugo, a empresa construiu nova unidade em Passo Fundo (RS) em 1933.
A partir de 1946 assume o comando da empresa o genro de Hugo, Curt Johannpeter.
É nesta fase que a Gerdau se torna uma empresa de aço, ao adquirir em 1948 a Usina Siderúrgica
Riograndense devido a uma necessidade de garantir insumos e permitir a expansão do negócio e
passou a operá-la sob a base produtiva do que se chamaria depois de mini-mills (pequenas usinas
baseadas a forno de arco elétrico usando sucata de aço como insumo). Em 1957, a Gerdau
construiu uma nova siderúrgica em Sapucaia do Sul (RS) e em 1962, construiu uma nova fábrica
de pregos em Passo Fundo.
Foram nas décadas de 1960 e 1970 que a Gerdau se tornou uma empresa de atuação
nacional, já sob o comando dos filhos de Curt: Germano, Claus, Jorge e Frederico desde 1964.
Primeiro, adquiriu a Fábrica de Arames São Judas Tadeu (pregos e arames), em São Paulo, em
1967. Embora a fábrica tenha fechado, ela deu base para montar a Comercial Gerdau (1971),
braço importante do grupo até hoje. Em 1969, adquiriu a Siderúrgica Açonorte, em Pernambuco,
e em 1971, a Siderúrgica Guaíra, no Paraná, ambas produtoras de aços longos e o começo da
especialização da companhia nesse tipo de produto. Ainda em 1971, iniciou a construção da
Companhia Siderúrgica da Guanabara (Cosigua) em parceria com o grupo alemão Thyssen e
assumiu seu controle completo em 1979. Esta usina é até 2012 a maior usina semi-integrada
(mini-mill) da América Latina e deu base para a constituição da Gerdau S.A.
Em 1981, parte a Companhia Siderúrgica do Alagoas e, em 1982, a Usina Cearense
em Maracanaú (CE). No final dos anos 1980, a Gerdau participa do processo de aquisição das
empresas privatizadas178: usina Barão de Cocais (MG) em 1988, Usiba (BA) em 1989, Cosinor

178
A privatização foi a base da formação de grandes grupos privados siderúrgicos brasileiros, como a Usiminas e a
CSN. A siderurgia era majoritariamente estatal (em aços planos havia monopólio) até o início das privatizações em
259
(1991), Aços Finos Piratini (1992), uma fabricante de aços especiais, e a Açominas, usina
integrada em Minas Gerais, da qual se torna acionista em 1997 e controladora em 2001. Também
adquiriu a Siderúrgica Pains (MG) em 1994. Por fim, na segunda metade dos anos 1990, a
empresa iniciou um processo de integração para tornar a companhia mais atraente no mercado de
capitais179. Assim, o conjunto de empresas sob controle do grupo foi reunido sob a Gerdau S.A. e
em 1999 a empresa, que já tinha capital aberto desde os anos 1980 no Brasil, lança suas ações na
Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE).
Nos anos 1980, a Gerdau iniciou seu processo de internacionalização, durante o
período agudo da crise econômica brasileira. Em 1981, foi adquirida a Siderúrgica Laisa S.A.,
única produtora de aços longos no Uruguai. Em 1989 foi a vez da Courtice Steel Inc., no Canadá;
em 1992 comprou a Siderúrgica Aza S.A. no Chile e, em 1995, a Manitoba Rolling Mills, no
Canadá. Na Argentina, adquiriu a SIPSA em 1997 e a SIPAR em 1998. Por fim, a Gerdau fez sua
aquisição mais importante em 1999: comprou 88% da Ameristeel (os 12% restantes vieram no
ano seguinte), com quatro usinas na Costa Leste dos Estados Unidos.
Na virada dos anos 2000, a Gerdau já era a maior produtora de aços longos das Américas.
Possuía em 2001 28% da sua capacidade produtiva na América do Norte e 15% na América
Latina, sendo o restante no Brasil. No mesmo ano, era a maior produtora de aços longos do
Brasil, a maior comerciante de aço, além de quarta maior em produção de aço bruto. Mais da
metade da produção se destinava à construção civil, de onde vinha a maior parte do seu lucro. No
ramo do comércio, um de seus diferenciais frente a outros produtores, detinha 70 filiais da
Comercial Gerdau e chegando a 200 pontos com comerciantes credenciados.

1988, quando se iniciou a privatização do sistema Siderbrás por usinas menores, e em especial com o Programa
Nacional de Desestatização no início dos anos 1990. A privatização também foi acompanhada por um processo de
desnacionalização da propriedade (BNDES, 2001).
179
“No início de 1995, foi iniciado um programa de reestruturação para simplificar a complexa estrutura
organizacional, resultado do processo de expansão e desenvolvimento através da aquisição e fundação de
companhias. Os principais objetivos deste projeto eram: melhorar a transparência das operações; alcançar maior
aceitação nos modernos mercados de capitais brasileiros; e melhorar as condições de acesso a os mercados de
capitais internacionais” (GERDAU, Formulário 20-F, 2001: p.11).
260
3. Mercado

A Gerdau é uma empresa siderúrgica que atua principalmente no segmento de aços


planos, operando através de usinas semi-integradas, conhecidas por mini-mills, unidades menores
e operando mais próximas às regiões industriais e consumidoras de aço. Sua área de atuação é,
especialmente, o continente americano, em especial Brasil, EUA e Canadá (América do Norte),
também presente na Espanha e na Índia. Devido à base técnica e aos mercados em que atua,
fornece principalmente para mercados domésticos, tendo pequena participação em negócios de
exportação.
Para compreender como funcionam os mercados em que a Gerdau atua, em especial o
brasileiro, será preciso apresentar no primeiro item um panorama do mercado siderúrgico
mundial, polarizado pela ascensão da China como maior demandante e ofertante. No item
seguinte, serão apresentados sumariamente os processos produtivos e produtos principais do aço.
Na sequência, serão apresentados o comportamento dos preços e dos custos do aço no período
dos anos 2000 e, no tópico seguinte, como a capacidade ociosa gerada tem impacto as empresas
em todo o mundo. Por fim, será apresentado em linhas gerais o mercado brasileiro.

3.1. Panorama da produção e consumo mundiais

Desde 1997, a produção anual global de aço saltou de 777 milhões de toneladas para
1.548 milhões de toneladas em 2012, um aumento anual médio de 4,7% (GERDAU F20-F,
2012). O elemento dinâmico do setor siderúrgico tem sido desde 1993 pelo aumento do consumo
e da produção da China (GERDAU F20F, 2001). Como se pode ver na figura abaixo, a produção
da China sozinha apresenta uma espetacular ampliação nos anos 2000:

261
Gráfico C.1. Produção Mundial de Aço Bruto (inclui todos os tipos), em mil ton.

Fonte: World Steel Association – Steel Statistical Yearbook (elaboração própria)

Para se ter uma dimensão, em 1999, a China já produzia mais do que os Estados Unidos e
passou a produção da União Europeia (EU-27) em 2003 e, em 2012, a China correspondia a
46,4% de toda a produção mundial. Se considerarmos o aumento de produção física entre 2000
(848 milhões de toneladas) e 2012 (1.545 milhões, com dados da World Steel Association),
97,5% corresponde à Ásia e 84,5% corresponde somente à China. Neste período, somente a
produção de países como a Índia e regiões como o Oriente Médio e o grupo “Outros Europa”
(marcadamente a Turquia) ultrapassaram a média mundial, permitindo aumentar a fatia no total.
Demais produtores tradicionais viram sua fatia do mercado mundial se reduzir no período.

262
Tabela C.1. Produção mundial de aço por região e países (selecionados), variação da
produção e taxas de crescimento (2000-2012)
% da
% da Produção Mundial Produção Física (mil ton) Var. Crescim. Tx cresc.
00-12 média
2000 2006 2012 2000 2012 ∆ 2000-12 ∆ 00-12 (%) (a.a)
União Europeia (27) 22,8% 16,6% 10,9% 193.387 168.592 -24.795 -3,6% -12,8% -1,1%
.Alemanha 5,5% 3,8% 2,8% 46.376 42.661 -3.715 -0,5% -8,0% -0,7%
Europa - outros 2,0% 2,3% 2,6% 17.014 39.923 22.909 3,3% 134,6% 7,4%
CES 11,6% 9,6% 7,2% 98.489 110.956 12.467 1,8% 12,7% 1,0%
.Rússia 7,0% 5,7% 4,6% 59.136 70.426 11.290 1,6% 19,1% 1,5%
.Ucrânia 3,7% 3,3% 2,1% 31.767 32.975 1.208 0,2% 3,8% 0,3%
América do Norte 15,9% 10,5% 7,9% 135.353 121.608 -13.745 -2,0% -10,2% -0,9%
.Estados Unidos 12,0% 7,9% 5,7% 101.803 88.695 -13.108 -1,9% -12,9% -1,1%
América do Sul 4,6% 3,6% 3,0% 39.110 46.379 7.269 1,0% 18,6% 1,4%
.Brasil 3,3% 2,5% 2,2% 27.865 34.524 6.659 1,0% 23,9% 1,8%
.América do Sul Outros 1,3% 1,1% 0,8% 11.245 11.855 610 0,1% 5,4% 0,4%
África 1,6% 1,5% 1,0% 13.827 15.337 1.510 0,2% 10,9% 0,9%
Oriente Médio 1,3% 1,2% 1,6% 10.780 24.679 13.899 2,0% 128,9% 7,1%
Ásia 39,2% 54,0% 65,5% 333.144 1.011.732 678.588 97,5% 203,7% 9,7%
.China 15,1% 33,7% 46,4% 128.500 716.542 588.042 84,5% 457,6% 15,4%
.Índia 3,2% 4,0% 5,0% 26.924 77.561 50.637 7,3% 188,1% 9,2%
.Japão 12,5% 9,3% 6,9% 106.444 107.232 788 0,1% 0,7% 0,1%
.Coreia do Sul 5,1% 3,9% 4,5% 43.107 69.073 25.966 3,7% 60,2% 4,0%
.Ásia - Outros 3,3% 3,2% 2,7% 28.169 41.324 13.155 1,9% 46,7% 3,2%
Oceania 0,9% 0,7% 0,4% 7.832 5.805 -2.027 -0,3% -25,9% -2,5%
Mundo 100% 100% 100% 848.934 1.545.011 696.077 100,0% 82,0% 5,1%
Fonte: World Steel Association – Steel Statistical Yearbook (elaboração própria)

O crescimento Chinês, tanto da demanda como da oferta, decorre do processo acelerado


de industrialização e implementação de projetos de infraestrutura. Nos primeiros anos, a China
ofereceu um grande dinamismo para o mercado mundial de aço, dado que era um gigantesco
importador líquido. Em 1999, o país já tinha maior consumo aparente que os EUA e em 2002
passou a União Europeia, exercendo uma pressão violenta na oferta e nos preços, tanto dos bens
finais como das matérias-primas (minério de ferro e sucata de aço). Este cenário mudou à medida
que ela conseguiu consolidar a posição de maior produtor até o ponto em que, a partir de 2006,
torna-se exportador líquido.

263
Gráfico C.2. Saldo comercial de aço bruto (produção – consumo aparente), em mil ton

Fonte: World Steel Association – Steel Statistical Yearbook (elaboração própria)

Desde a eclosão da crise mundial em 2008, o setor vem se caracterizando por um excesso
de capacidade produtiva e baixas margens financeiras, pressionadas por altos custos de insumos e
baixo preço. A incapacidade de resolução rápida do problema, que passaria por uma consolidação
do setor, envolvendo o fechamento e/ou aquisição de empresas e plantas menos eficientes, tem
sido retardada por políticas nacionais de defesa de setores estratégicos e de empregos. As
previsões mais otimistas mostram uma solução para a crise de capacidade ociosa em cinco anos
(OCDE, 2012b). Até lá, o cenário é de dificuldades no setor, com cenários diferenciados entre os
tradicionais (EUA, União Europeia e Japão) e os novos gigantes do setor (China e Índia). Na
China, o governo manteve projetos de infraestrutura para segurar o setor e, apesar de estimular a
consolidação, aposta na ampliação da exportação de manufaturados, o que é a segunda face da
concorrência no mercado de aço, por via indireta (RIBEIRO, 2012).

3.2. Processos e produtos do aço

A siderurgia é um setor puxado pela demanda, tanto no que diz respeito à quantidade
quanto aos tipos de produtos. De Paula (2012) explica que não são frequentes inovações radicais
no setor, a fronteira tecnológica se desloca lentamente, apesar do largo espaço melhorias na
tecnologia de processo (inovações incrementais). No último século, houve apenas duas inovações
radicais no setor: (a) a aciaria básica a oxigênio (conversor LD) a ferro-gusa, dos anos 1950; e (b)
O lingotamento contínuo (processo de solidificação). Na parte da aciaria, o autor cita ainda como

264
destaque a aciaria elétrica, base das mini-mills180, alimentadas com sucata de aço. Recentemente,
tem se destacado duas tecnologias de compactação de processos que servem às usinas
tradicionais integradas a coque (método tradicional): thin-slab-casting e processos alternativos de
produção de ferro primário (DE PAULA, 2012: p. 46-49). No lado da inovação de produto, ao
contrário do processo, há maior apropriabilidade das inovações (capacidade de uma empresa reter
os benefícios de uma inovação), especialmente existentes no desenvolvimento de aços especiais e
no relacionamento com clientes, para produção de materiais e soluções sob demanda. BOM
Atualmente, o mercado é dividido em dois processos produtivos, basicamente:
 Usinas Siderúrgicas Integradas, a partir de óxido de ferro, que é obtido pela fundição do
minério de ferro em alto-fornos, refinando o ferro em aço por fornos básicos a oxigênio
ou, menos frequentemente, por fornos elétricos a arco. Os alto-fornos são conhecido em
inglês pela sigla BF (Blast Furnace) e os fornos básicos a oxigênio, pela sigla BOF (Basic
Oxygen Furnaces), sendo o processo conhecido por BF/BOF. É um processo menos
dependente de energia elétrica que o das mini-mills (ver abaixo).
 Usinas Siderúrgicas Não-integradas, conhecidas por “mini-mills”, a partir de sucata de
aço, que é fundida em fornos elétricos a arco, ocasionalmente completadas com outros
metais. Os fornos elétricos a arco são conhecidos em inglês pela sigla EAF (Electric Arc
Furnace). Neste processo também pode ser usado o ferro-gusa como matéria-prima, caso
das usinas da Gerdau no Brasil.

180
Para uma análise que enxerga as mini-mills como caso de inovação disruptiva, ver CHRISTENSEN e RAYNOR
(2003).
265
Tabela C.2. Produção global e divisão entre processos produtivos (2011)
Produção de Produção,
aços brutos por processo (%)
País (em mi ton) Mini-Mills Integradas
Global 1.514 29,3% 70,7%
China 684 10,4% 89,6%
Japão 108 23,1% 76,9%
EUA 86 60,3% 39,7%
Índia 71 61,9% 38,1%
Rússia 69 26,9% 73,1%
Coréia do Sul 69 38,6% 61,4%
Alemanha 44 32,1% 67,9%
Ucrânia 35 4,5% 95,5%
Brasil 35 25,0% 75,0%
Fonte: Gerdau, F20-F 2012

A produção semi-integrada, foco da Gerdau, tem como diferencial a necessidade de uma


oferta de sucatas de aço em quantidade e em regularidade suficiente para suprir as usinas. Essa
oferta é uma característica de países em que o uso difundido do aço já é consolidado a tempo
suficiente para haver a obsolescência permanente de uma quantidade relevante de bens de aço
(como automóveis, latas, linha branca etc.) ou um fluxo permanente restos provenientes da
indústria. Na tabela acima, fica claro que o processo via mini-mills é muito importante nos EUA,
importante local de expansão da Gerdau; no Brasil, não é desprezível (25% do total), sendo a
maior parte ligada à Gerdau.
Além disso, as mini-mills têm escala produtiva eficiente mínima muito menor, o que
possibilita um menor capital investido e mais flexibilidade às necessidades e flutuações de
mercado181. Uma pequena revolução no processo produtivo consolidada somente nos anos 1960
nos EUA, a produção semi-integrada modificou o paradigma da indústria, associada a altos

181
“As mini- mills são unidades menores que oferece mvárias vantagens sobre as grandes produtoras integradas de
aço, incluindo: (i) custos de capital mais baixos; (ii) menores riscos operacionais, uma vez que se evita uma
concentração de capital e da capacidade de produção em uma única unidade de produção; (iii) proximidade das
unidades de produção com as fontes de matéria -prima; (iv) proximidade dos mercados locais e facilidade para
ajustes nos níveis de produção; (v) custos de matéria-prima mais baixos, principalmente devi do ao uso de sucata em
vez de minério de ferro e coque, que são empregados pelas usinas integradas; e (vi) estrutura administrativa mais
eficiente devido à relativa simplicidade do processo de produção e menor necessidade de mão-de-obra” (GERDAU,
F-20F, 2001: p.18).
266
custos de capital, reduziu drasticamente as barreiras à entrada e viabilizou a internacionalização
de grupos siderúrgicos ao reduzir o valor necessário do investimento em plantas novas ou na
aquisição de existentes. (ANDRADE, CUNHA & GANDRA, 2000).
O mercado é dividido em alguns produtos:
 Aços longos, cujos usos principais são: construção civil (vergalhões, barras, pregos e
telas), manufatura (produtos para maquinários e equipamentos agrícolas, ferramentas
e outros), entre outros;
 Aços planos, como placas, chapas, blocos, tarugos e bobinas.
 Aços especiais, desenvolvidos sob demanda para usos industriais.

3.3. Custos e Preços na Siderurgia

Os preços do aço, bem como de outras commodities que tiveram os mercados rápida e
intensamente aquecidos, subiram substancialmente. O preço do aço (em seus diversos mercados e
tipos) tem um comportamento típico desde o início dos anos 2000: se amplia firmemente e tem
um pico extremo em 2008, cai abaixo do patamar dos anos 2006-2007 e volta a subir.
Selecionamos para exemplificar um preço de tarugos exportador para o leste europeu, usado pela
Gerdau como referência de preços (não os praticados no Brasil ou nos EUA, mas como preço do
produto de exportação em mercados mais dinâmicos).

267
Gráfico C.3. Preço médio dos tarugos exportados para os países do leste europeu (CIS) no
Mar Negro/Mar Báltico (US$/ton)
(Preço tomado como referência para a Gerdau)

Fonte: GERDAU, F20-F, 2012.

Patamar de US$ 150/tonelada em 2001 para um patamar de 300 em meados da década


(dobro), atingindo um patamar de mais de 400 em 2007 e um pico pré-crise de 1200. Voltou a
menos de 400 após a eclosão, atingindo um patamar de 600 em 2011-2012 e voltando a cerca de
500. Ou seja, mesmo após a atual queda, os preços ainda estão em um patamar que em termos
reais deve se aproximar de três vezes maior que o do começo da década.
Este aumento seria um tremendo impulso à rentabilidade e à ampliação do setor se não
fosse o concomitante aumento dos preços das principais matérias-primas: minério de ferro,
carvão, sucata de aço. A tendência nos últimos anos tem sido não apenas de ampliação dos preços
dos insumos em linha com os do aço, mas especialmente a ampliação destes preços acima dos
preços do produto final. O resultado é um aumento da participação dos custos com insumos no
preço final do aço.

268
Gráfico C.4.Custo do minério de ferro e do carvão de coque como percentual do preço do
aço HRC (Hot-Rolling Cold)

Fonte: OCDE (2012)

A oscilação dos preços da sucata de aço também seguiu as tendências das matérias-primas
fundamentais das usinas integradas, pressionando também as usinas baseadas nos fornos de arco
elétrico. A sucata de aço em seus vários tipos já virou uma commodity e possui um mercado
mundial polarizado pelas exportações dos EUA – a Gerdau neste país possui somente usinas
mini-mills a sucata.

Gráfico C.5. Preços da Sucata de Aço (AMM #1 HMS Composite) nos EUA (US$/mi ton)

Fonte: concreteconstruction.net

269
O gráfico a seguir pode ser usado como uma aproximação para se entender o que ocorre
com a distribuição do valor dentro da cadeia de produção do aço. A intensa demanda,
acompanhada de uma capacidade produtiva de aço que cresceu em ritmo superior, faz com que os
insumos tenham um papel crescente no valor distribuído. As projeções são de continuidade do
patamar atingido em 2011 para os anos seguintes.

Gráfico C.6. Distribuição do valor dentro da cadeia – planos (Hot-Rolled Cold Steel)
Legenda: Iron Ore: Minério de Ferro; Coking Coal: Carvão; Steel making :Fabricação do aço

Fonte: Aço Brasil (2013)

3.4. A capacidade ociosa e a queda na rentabilidade

A consultoria Euler Hermes elaborou uma síntese para o problema do setor


siderúrgico que ajuda a entender as tendências futuras. Na ausência de maiores freios, a
capacidade produtiva chinesa, mesmo em unidades menos eficientes e com enorme capacidade
ociosa, deve prosseguir crescendo:
“The massive scale of production in China, which consumes 60% of seaborne iron ore,
means that the country essentially dictates the pricing for steel raw material inputs.
While the recent slowdown in China is alleviating raw materials costs, prices remain
well above historical norms. It is estimated that roughly 50% of China’s steel production
is unprofitable at current prices. Despite this there has been no slowdown in production
as the steel industry is a major source of employment in the country and is heavily
subsidized by the government” (EULER HERMES, 2013)
270
Portanto, o problema mais visível do setor hoje é a capacidade ociosa. O principal motor
de aumento da demanda, a China, desacelerou bastante após a eclosão da crise em 2008 e, com
ela, a economia mundial e os principais setores compradores da siderurgia: indústria
manufatureira e construção. Isso é enxergado primeiro pela enorme capacidade ociosa 182 em
âmbito mundial, que gira em torno de 25% (75% de capacidade produtiva em uso):

Gráfico C.7. Grau de utilização da capacidade produtiva global (%)

Fonte: OCDE (2012b)

A seguir, o gráfico mostra uma estimativa da capacidade ociosa absoluta, que gira em
torno de 300 a 350 milhões de toneladas entre 2011 e 2012 (estimado). Para se ter uma ideia, esse
número equivale a dez vezes a produção total brasileira em 2012.

182
No estudo da OCDE (2012b), é indicado que a capacidade produtiva máxima é na verdade de 90% a 95% da
capacidade nominal das usinas. Este valor inferior seria o limite dentro do qual as usinas siderúrgicas conseguiriam
operam sem ter fortes deseconomias de escala, ou seja, seria uma capacidade máxima do ponto de vista técnico e
econômico.
271
Gráfico C.8. Capacidade produtiva (efetiva) e demanda mundiais por aço

Fonte: OCDE (2012b)

Nos Estados Unidos, um dos mercados prioritários da Gerdau, o patamar de utilização da


capacidade gira em torno da mesma magnitude – em torno de 75%. Note-se que a lucratividade
após impostos não excede os 10% desde 2008.

Gráfico C.9. Utilização da capacidade e impacto na lucratividade - EUA

Fonte: Euler Hermes (2013)


A situação da capacidade ociosa no Brasil é ainda mais grave. Segundo os dados da Aço
Brasil, as médias de utilização da capacidade no país têm sido sistematicamente inferiores às
272
mundiais desde 2005 (com exceção de 2008, quando andou em linha). Os dados de 2013
apresentavam, até o primeiro semestre, capacidade utilizada de 69,# contra 77,0% no mundo.

Gráfico C. 10. Nível de utilização da capacidade instalada no Brasil e no Mundo

Fonte: Aço Brasil (2013)

A persistência da capacidade ociosa implica uma redução da rentabilidade do setor


siderúrgico. De um modo geral, a pressão dos custos, por um lado, e a enorme competitividade na
siderurgia, por outro, levam o setor a um impasse. O setor é marcado por enormes barreiras à
saída, suscetibilidade a políticas comerciais e ao interesse estratégico dos países, entre outros
fatores que impedem uma saída “pura” de mercado. Logo, são pequenas as perspectivas de saída
no curto prazo (OCDE, 2012b), com um horizonte médio de 5 anos para retorno do dinamismo.
Até lá, pode-se esperar a continuidade dos resultados medíocres no setor.

273
Gráfico C.11. Fluxo consolidado de caixa livre após juros - empresas de aço (US$ bi)
Percentual das empresas com fluxo de caixa negativo;

Taxa (média) Dívida líquida/EBITDA

Fonte: McKinsey (2013)

O gráfico anterior mostra como se deterioram o fluxo de caixa e os indicadores de


endividamento. O gráfico a seguir mostra como a margem EBITDA está comprometida e as
empresas estão abaixo da margem de 16%, considerada pela consultoria McKinsey o mínimo
para garantia de sustentabilidade a longo prazo na siderurgia. O gráfico destaca o fato de que a
indústria só ultrapassou esse valor na média durante um período marcado pela bolha de crédito na
economia mundial.

274
Gráfico C.12. Margem EBITDA para grandes empresas de aço (% das vendas)
Amostra com 42 companhias. Margem de 16% considerada sustentável para o setor a longo prazo

Fonte: McKinsey (2013)

Abaixo, a série das margens EBITDA de Usiminas e Gerdau. Note-se que as empresas
apresentam resultados médios acima do mundial, mas acompanham a tendência até o final. A
Gerdau nos últimos anos mantém uma margem na média, ultrapassando-a no final do período.

Gráfico C.13. Margem EBITDA da Usiminas e da Gerdau (%)


e câmbio real efetivo (dez.2003=100)

Fonte: Aço Brasil (2013)

275
Este cenário exigirá um longo processo de digestão da capacidade ociosa, que pode
redundar em nova rodada de concentração do capital (intensificação) e centralização (da
propriedade em empresas e da produção em países). Será preciso verificar se a China continuará
com capacidade produtiva superior à demanda e se o seu aço será um desafio aos mercados
nacionais, dentre os quais o dos EUA e do Brasil.

3.5. O mercado brasileiro

Historicamente, o mercado brasileiro de aço é um subproduto do processo de substituição


de importações e, como tal, esteve sempre vinculado às necessidades do mercado interno.
Portanto, a produção esteve muito vinculada ao esforço estatal na produção de insumos
industriais e aos diferentes ciclos da economia, em particular sua crise desde o final dos anos
1970. Os anos 1990 foram uma importante transição, em que ocorreu um processo total de
privatização do setor, desnacionalização de parte dele e grande centralização da propriedade,
além de uma modernização estimulada pela concorrência e a moeda doméstica apreciada. Como
desde então o país passou por uma intensa rodada de desindustrialização nos anos 1990 e passa
por outra desde o final dos anos 2000, o setor siderúrgico tem como principal característica a
dificuldade de garantir o mercado interno. Este é um problema estrutural desde os anos 1980 (ver
gráfico abaixo) e, como resultado, o setor de aço tem como desafio exportar seu excedente. Nos
últimos cinco anos, as exportações estão comprometidas pela alta competitividade e o baixo
crescimento, há imensa capacidade ociosa e o setor manufatureiro não responde, restando algum
mercado apenas nos mercados puxados pelas obras de infraestrutura e construção residencial em
ciclo organizado pelo Estado. Como já foi visto, o Brasil também perdeu participação na
produção mundial, de 3,3% em 2000 para 2,2% do total em 2012, ainda que sua produção física
tenha aumentado (o que não foi o caso de todos os países ou regiões).

276
Gráfico C.14. Produção de aço bruto e consumo aparente de laminados (Mt)

Fonte: Aço Brasil, 2013.

Nos últimos anos, como se pode ver no gráfico abaixo, tirando o setor de comerciantes
(Distribuidores), as vendas diretas do setor foram dinamizadas especialmente para a construção e,
dentro da indústria, para autopeças e automobilística. Os setores mostrados correspondem a
51,4% das vendas físicas e os Distribuidores correspondiam a 34,9% (sem conseguirmos saber
para quais setores eles venderam).

Gráfico C.15. Distribuição setorial das vendas internas - maiores setores, exceto
Distribuidores (%)

Fonte: Ministério de Minas e Energia - Anuário Estatístico do Setor Metalúrgico – vários anos (elaboração própria)

277
Durante os anos 2000, o perfil de produção de aços permaneceu quase o mesmo,
pendendo levemente (3 pontos percentuais) para os aços longos. Os aços especiais permaneceram
5% do total. Isto ajuda a explicar, como veremos, a liderança da Gerdau como mais siderúrgica
dentre as brasileiras.

Tabela C.3. Produção brasileira de aço por tipos (%)


EMPRESAS 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
1. Produtos Planos 60% 62% 59% 60% 63% 62% 63% 61% 61% 58% 59% 60% 57%
1.1. Aço carbono 58% 59% 59% 60% 60% 59% 60% 59% 58% 56% 56% 57% 54%
1.2. Aços especiais ligados 2% 2% 3% 3% 3% 3% 3% 3% 2% 2% 2% 2% 2%
2. Produtos Longos 40% 38% 41% 40% 37% 38% 37% 39% 39% 42% 41% 40% 43%
2.1. Aço carbono 37% 35% 38% 37% 34% 34% 34% 36% 35% 38% 39% 37% 40%
2.2. Aços especiais ligados 3% 3% 3% 3% 4% 4% 3% 3% 4% 4% 3% 3% 3%
Fonte: Ministério de Minas e Energia - Anuário Estatístico do Setor Metalúrgico – vários anos
(elaboração própria)

Resultado direto do processo de longa crise no setor e de privatização, o setor se


consolidou fortemente desde os anos 1980 e o processo prosseguiu nos 2000. A Gerdau foi de
22,5% do total em 1999 para 24,9% em 2011; no setor de Aços Longos, ela atingiu 52,2% em
2012, sendo 50,8% nos Longos de aço carbono e 68,2% nos Longos especiais. Seus concorrentes
diretos são a ArcelorMittal Aços Longos (adquiriu a Belgo Mineira), Votorantim Siderurgia,
Sinobras, V&M do Brasil e Villares Metals (os dois últimos particularmente no ramo de aços
longos especiais).

278
Tabela C.4. Produção brasileira de aço bruto – por empresa (mil ton)
EMPRESAS 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Aperam 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 771 739
ArcelorMittal Inox 0 0 0 0 0 0 0 0 797 770 607 0 0
Acesita 786 856 786 709 749 835 753 810 0 0 0 0 0
ArcelorMittal Aços Longos 0 0 0 0 3.250 3.272 3.569 3.739 3.502 3.171 3.394 3.538
BelgoMineira 2.300 2.571 2.668 2.827 2.889 0 0 0 0 0 0 0 0
ArcelorMittal Tubarão 4.414 4.752 4.784 4.904 4.812 4.958 4.850 5.136 5.692 6.177 5.334 5.956 5.405
CSA 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 478 3.147
CSN 4.851 4.782 4.048 5.107 5.318 5.518 5.201 3.499 5.323 4.985 4.375 4.902 4.874
Gerdau 5.614 6.116 5.826 5.999 6.976 7.284 6.889 6.994 8.111 8.711 6.105 8.177 8.777
Aços Villares 632 660 508 595 661 816 680 704 0 0 0 0 0
Villares Metals 0 0 94 105 113 122 133 122 135 140 92 119 137
Sinobras 0 0 0 0 0 0 0 0 0 42 181 239 243
Usiminas 2.980 4.438 4.620 4.574 4.524 8.951 8.661 8.770 8.675 8.022 5.637 7.298 6.698
Cosipa 2.593 2.746 2.460 3.873 4.097 0 0 0 0 0 0 0 0
V&M do Brasil 365 519 500 500 551 611 592 659 686 655 387 573 573
VSB 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3
Votorantim Siderurgia 0 0 0 0 0 0 0 0 0 712 617 1.041 1.086
Barra Mansa 390 393 392 387 421 564 579 638 624 0 0 0 0
CBAço 40 8 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
MWL Brasil 31 24 31 24 36 0 0 0 0 0 0 0 0
TOTAL 24.966 27.865 26.717 29.604 31.147 32.909 31.610 30.901 33.782 33.716 26.506 32.948 35.220
Fonte: Min. de Minas e Energia - Anuário Estat. Setor Metalúrgico (elaboração própria)

Segundo entrevista com um especialista no setor, o prof. Germano de Paula, da UFU, o


setor siderúrgico brasileiro tem, no cenário internacional, pouca chance de disputar mercados
externos e tende a se restringir ao mercado interno (RIBEIRO, 2012). O que dificulta o processo
é que a concorrência está acirrada e vários fatores tem contribuído para dificultar a já
comprometida posição brasileira no processo industrial: a valorização do real, o aumento do peso
dos insumos (que diminui o peso relativo dos salários183), a redução do custo do frete que barateia
o minério de ferro para outros produtores (reduz a vantagem da proximidade do Brasil com fontes
de qualidade) e barateia a vinda de aço para o Brasil; o alto custo da energia elétrica impacta as
usinas baseadas em fornos de arco elétrico; e o aumento do custo dos investimentos. Para uma

183
Com tal indicação, podemos inferir da análise do professor Germano de Paula que os custos salariais são ou foram
um diferencial positivo para o Brasil no setor.
279
agenda completa da burguesia do setor para políticas de defesa de seus interesses, ver Aço Brasil
(2013), focada na questão dos tributos, câmbio, salários, energia e infraestrutura (o “custo
Brasil”).
Além da competição no setor de aço, estritamente, há um outro processo mais profundo
dentro do qual o setor está inserido, que são as importações indiretas de aço, embutidas em
produtos diversos feitos com o material. Esta tendência representa uma ameaça à produção
siderúrgica em geral. Para a Gerdau, como veremos, devido ao seu perfil de produto, não há uma
ameaça mais imediata, mas significa um impacto em parte dos seus demandantes.
O gráfico abaixo mostra o desempenho acelerado, nos últimos anos de déficit no
comércio indireto de aço (quase metade das importações se referem à Ásia e 23% à Europa, com
14% para NAFTA e 14% para a América do Sul). Nas estimativas do Instituto Aço Brasil, as
importações indiretas poderiam chegar a até 6 milhões de toneladas de aço, o equivalente à
capacidade produtiva da CSN (RIBEIRO, 2013).

Gráfico C.16. Comércio indireto de aço - Brasil

Fonte: GUARANÁ, MOLAJONI e SZEWCZYK (2013)

4. Crescimento/Transformações

280
A estratégia da companhia pode ser sintetizada pelo seguinte trecho do
relatório/formulário 20-F de 2012:
“A estratégia de operação da Companhia baseia-se na aquisição ou construção de usinas
siderúrgicas localizadas nas proximidades de seus clientes e das fontes de matérias-
primas necessárias para a produção de aço, como sucata metálica, ferro-gusa e
minério de ferro. Por essa razão, historicamente, a maior parte da produção tem sido
direcionada para abastecer os mercados locais onde possui operações. No entanto, a
Companhia também exporta uma parcela de sua produção para outros países”
(GERDAU, F20-F, 2012: p. 27).
Originalmente, enquanto foi uma empresa fundamentalmente brasileira, sua estratégia
decorreu de características próprias do mercado nacional: grandes dimensões territoriais,
dispersão e infraestrutura de transportes – um fator de custo relevante no setor – muito
precária184. Daí a concentração em usinas semi-integradas do tipo mini-mills (ver tópico
seguinte), mais adequadas para este tipo de estratégia e necessidade. A partir dos anos 1970 e
particularmente a partir do processo de internacionalização, iniciado nos anos 1980, voltou-se
para a aquisição de usinas tipo mini-mills com dificuldades operacionais ou financeiras, uma
oportunidade de recuperar ativos com o know-how gerencial e pouco investimento em capital185.
A partir dos anos 1990, o processo de consolidação do setor se tornou o padrão de crescimento
das companhias, dado que se manteve uma grande capacidade ociosa e o principal mercado de
expansão da produção, a China, tem o setor controlado pelo Estado.
Condizente com esta estratégia, a principal fonte de mudança/crescimento da Gerdau ao
longo dos anos 2000 foram as aquisições de usinas e investimentos em aumento de eficiência. Ao
longo de sua história foram dezenas de aquisições no Brasil e no exterior:

184
“O principal foco dos negócios da Gerdau é a produção descentralizada de aços longos utilizando fornos elétricos
a arco (EAF), mini-mills e tecnologia de lingotamento contínuo. As fábricas são localizadas e dimensionadas para
que se adaptem à economia local e tenham acesso eficiente aos mercados. Essa estratégia foi uma resposta às
dimensões geográficas do Brasil, sua infra-estrutura limitada e elevados custos de frete, que motivaram o
crescimento de um negócio focado na venda de produtos onde as matérias-primas pudessem ser facilmente obtidas”
(GERDAU, F20-F 2001: p. 12).
185
“A partir da metade da década de 1970, até o começo dos anos 1990, a Gerdau concentrou-se em aumentar sua
participação demercado no Brasil medianteuma combinação de aumento da capacidade de produção das instalações
existentes e de aquisições estratégicas, tipicamente de mini-mills que estivessem enfrentando problemas, n as quais
a contribuição principal da empresa estaria relacionada a técnicas gerenciais , ao invés de capital” (GERDAU, F20-F
2001: p. 12).
281
Tabela C.4. Ano de fundação e/ou aquisição e localização das empresas do grupo Gerdau no
Brasil – 1901-2006

Fonte: ATHIA & DALLA COSTA (2009, p. 135).

282
Tabela C.5. Ano de aquisição e/ou formação de Joint-Venture e localização das empresas do
Grupo Gerdau no mercado internacional – 1980-2008

Fonte: ATHIA & DALLA COSTA (2009, p. 139).

Adicionalmente às aquisições listadas, somam-se:


 2009: Maco Metalúrgica (Brasil);
 2010: Finaliza aquisição das ações ordinárias da Gerdau Ameristeel; aquisição da Tamco
(EUA);
 2011 e 2012: nenhuma aquisição;

O conjunto das aquisições e investimentos incrementais na fábricas próprias, antigas e


recém-adquiridas, levou a um aumento considerável na capacidade produtiva da Gerdau,
especialmente até 2007. Atingiu a marca de líder na produção de aços longos nas Américas e no
Brasil, segunda nos Estados Unidos.

283
Tabela C.6. Gerdau - capacidade produtiva das unidades da empresa (mil ton./ano)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Ferro-gusa e ferro-esponja 1.356 1.356 4.380 4.390 4.643 4.010 5.860 5.850 5.890 5.890 5.890 5.890
Aço bruto 7.304 13.691 13.973 15.692 17.202 18.645 24.805 25.500 25.600 25.310 25.310 25.725
Produtos laminados 6.979 10.829 10.683 12.191 13.547 16.440 20.980 22.440 22.360 21.260 21.260 21.195
Produtos trefilados 897 897 830 535 ND ND ND ND ND - - -
Fonte: 20F anos 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Fonte: Gerdau, Relatórios 20-F, diversos anos (elaboração própria)

O resultado da empresa expressa esse crescimento baseado especialmente em aquisições.


Quando, após a eclosão da crise, a empresa reviu seu ritmo de compras e o mercado se contraiu,
as vendas pararam de crescer no mesmo ritmo (e mesmo decrescem depois da recuperação de
2010), enquanto custos aumentam mais que proporcionalmente e lucros se reduzem.

Gráfico C.17. Gerdau – Resultados (em US$ milhões)


(Os dados se diferencial entre US GAAP e UFRS devido à mudança no padrão contábil)

Fonte: Gerdau, Formulário 20-F, diversos anos (elaboração própria)

Embora tenha tido um crescimento da ordem de dez vezes nas receitas entre o final dos
anos 1990 e o início dos anos 2010, a Gerdau, como o padrão do setor siderúrgico, viu suas
margens reduzidas ao longo do período.

284
Gráfico C.18. Gerdau – Indicadores de margem (%)

Fonte: Gerdau, Formulário 20-F, diversos anos (elaboração própria)

Dentre as empresas brasileiras, a Gerdau foi a que mais se destacou individualmente.


Dentro do ranking da World Steel Association, ela conseguiu ampliar a participação na produção
total e subir posições entre 2000 e 2012. Enquanto isso, as outras duas grandes, CSN e Usiminas,
foram perdendo posições, reflexo da situação do mercado de aços planos no Brasil e das suas
exportações (CST e Cosipa foram adquiridas por outras empresas).

Tabela C.4. Participação de empresas brasileiras no ranking de maiores do mundo –


posição e participação na produção total (%)
2000 2006 2012
Posição % Total Posição % Total Posição % Total
Gerdau 25 1,2% 14 1,8% 14 2,1%
Usiminas 44 0,8% 32 1,0% 50 0,8%
CSN 41 0,8% 75 0,4% - -
CST 42 0,8% - - - -
Cosipa 74 0,5% - - - -
Total 4,1% 3,2% 2,9%
Nº de empresas 80 80 50
Fonte: World Steel Association (elaboração própria)

Quanto á sua posição no ranking dos 200 maiores grupos do Brasil, a posição é de
presença entre os grandes (Vale, JBS, Odebrecht, Votorantim) desde o início da série. Sua
285
posição relativa na lista dos maiores grupos em geral é que oscila muito após a crise,
reverberando em uma queda brusca em 2009, não plenamente recuperada nos anos seguintes.

Tabela C.5. Posição da Gerdau no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas).
(*ND: Dado não encontrado)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
200 grupos 30º 21º ND* 10º 10º 11º 10º 8º 19º 16º 16º
25 maiores indústria 5º 5º ND* 2º 2º 3º 3º 2º 4º 4º 4º
Brasil

Fonte: Elaboração própria com dados do anuário Valor Grandes Grupos.

Para fazer uma análise da estratégia da empresa Gerdau, recorremos à síntese de Fabio
Vieira, que estudou o padrão de gestão da empresa em longo período:
“Apesar do constante investimento em atualização tecnológica, muitos deles de forma
pioneira no Brasil, não se pode dizer que a Gerdau seja uma empresa de tecnologia. A
Gerdau tem conquistado destaque e bom desempenho pela sua competência gerencial”
(VIEIRA, 2007: p. 238).
Ao longo da história, a empresa, cujo comando permanece fortemente vinculado aos
Gerdau Johannpeter, a empresa desenvolveu um padrão estratégico voltado para o que a área de
administração chama de “polo de autoperpetuação”, isto é, com projetos de ampliação com
muito conservadorismo e cautela em cada salto – como foi o caso da internacionalização e na
estratégia de endividamento (VIEIRA, 2007: p. 240). De um lado, representa uma parte das
visões que colocam peso nas competências gerenciais da Gerdau – que são excessivamente
valorizadas frentes aos condicionantes estruturais. Por outro, pode ser entendido como uma
estratégia que só comporta pequenos saltos feitos à base de aquisições para garantir controle de
market-share, sem qualquer diferencial realmente competitivo.
Para o objetivo desta pesquisa, trata-se de enfatizar que a empresa vive em um setor
ultracompetitivo e não dispõe de diferenciais inovativos que a permitam deslocar concorrentes.
Pelo contrário, os gastos com Pesquisa e Desenvolvimento são baixos e a empresa considera que
a tecnologia de que precisa pode ser adquirida no mercado (CHEVARRIA & VIEIRA, 2007). O
diferencial da Gerdau seriam outros:

286
1) A base produtiva fundada em mini-mills, de escala menor e mais flexível frente às
variações de demanda, em especial no momento de baixa como o atual (que não é um
atributo exclusivo da companhia, mas é uma vantagem na siderurgia em geral);
2) A capacidade de gestão (MACADAR, 2009) que lhe conferiu a capacidade de
aumentar a eficiência das unidades próprias e adquiridas (o que lhe tem conferido a
capacidade de resistir melhor às adversidades);
3) O controle de um poderoso canal comercial estabelecido no Brasil, através da
controlada Comercial Gerdau, o que aumenta sua participação na cadeia e diminui
(não se pode dizer se compensará no longo prazo) sua desvantagem frente às
importações de aços longos (mais baratos);
4) O know-how do mercado de aquisição de sucata de aço (onde a Gerdau participa como
oligopsonista), fundamental para prover as mini-mills;
5) A propriedade de alguns ativos com rentabilidade superior à sua média, como é o caso
da usina de Ouro Branco, adquirida da antiga Açominas, de alta produtividade e a
partir da qual a Gerdau entrará no mercado de Aços Planos em 2013, minas de
minério de ferro que proveem sua usinas integradas no Brasil e a partir do qual a
Gerdau passa a exportar excedentes (negócio mais rentável que o aço) e as unidades
de aços especiais que permitem maior valor agregado.
Apesar dos diferenciais, que ajudam a explicar a situação menos desconfortável da
Gerdau com relação às outras empresas brasileiras (CSN e Usiminas), a empresa está
absolutamente inserida na crise do setor siderúrgico mundial e brasileiro em específico: como
mostram os resultados, a Gerdau está com os indicadores de resultado, margens e endividamento
(ver tópico sobre base financeira) comprometidos; a concorrência com produtos importados
poderá ser contida, minorada ou atrasada com o uso das relações com os clientes obtidas pela
ampla rede comercial e de serviços que a empresa possui no Brasil e EUA, principais mercados,
mas é incapaz de tirar os diferenciais de preço; seu principal mercado, aços longos, depende da
dinamização das obras de infraestrutura e construção, que dependem por sua vez de
investimentos públicos e privatizações via concessões em curso (potencialmente um mercado
promissor, mas ainda cheio de incertezas); ela dá uma cartada no Brasil para entrar no segmento
de aços planos, disputando com outras grandes (Usiminas, CSN, ArcelorMittal) no mesmo
287
mercado; e inicia um processo de exportação de minério de ferro direto, como forma de
aproveitar a oportunidade de vender um ativo valorizado que não pode ser explorado pela
transformação dada a situação da indústria.
Um exemplo mostra bem os limites dados à atuação da empresa pelos mercados que a
cercam: o caso da produção de trilhos para ferrovias no Brasil. Perguntado se a Gerdau estaria
disponível para montar uma fábrica de trilhos para ferrovias no país, após o anúncio das
concessões de dez mil quilômetros de novas ferrovias, sem contar os vinte mil já existentes, Jorge
Gerdau respondeu que a escala mínima para um laminador moderno e competitivo seria três vez
maior que a demanda futura no país (BORGES, 2013). Havendo capacidade ociosa em outras
fábricas do mundo, a tendência seria de continuar as importações; as medidas que obrigariam as
concessionárias a adquirir trilhos no mercado nacional seriam de nenhuma utilidade, dada a
inexistência de oferta interna. Ou seja, os problemas do setor passam muito além da capacidade
de financiamento, do domínio técnico ou de gestão, mas por uma escala de acumulação de capital
e de poder político (envolvido no planejamento e garantia de mercado para a produção) muito
acima das possibilidades do Brasil – ou da Gerdau.

5. Base produtiva

As características mais importantes da base produtiva da Gerdau são: primeira, sua


predominância no ramo de mini-mills (74% da capacidade produtiva), o que faz com tenha
unidades menores e mais próximas das fontes de matérias-primas e dos consumidores; segunda,
sua distribuição geográfica é baseada nas Américas (95% da capacidade produtiva); e terceira,
decorrente das duas primeiras, é que ela tem uma produção muito voltada para os mercados
domésticos em que atua, exportando pequenas parcelas de sua produção (em torno de 17% em
2010 e 13% em 2012); quarta: sua produção é concentrada em aços longos, na qual é líder nas
Américas e no Brasil, produto voltado especialmente para a construção.
Quanto à primeira característica, a tabela abaixo pode mostra como a empresa é
concentrada no ramo de mini-mills, uma opção estratégica da companhia, como já discutido.

288
Tabela C.6. Gerdau – capacidade produtiva por tipo de usina (mil ton./ano)
2001 2012
OPERAÇÃO BRASIL 3.864 100% 9.100 100%
Mini-mill com Forno elétrico a arco 3.034 79% 3.200 35%
Usina Integrada 830 21% 5.900 65%
Misto 0 0% 0 0%
OPERAÇÃO AMÉRICA DO NORTE 2.040 100% 9.870 100%
Mini-mill com Forno elétrico a arco 2.040 100% 9.870 100%
Usina Integrada 0 0% 0 0%
Misto 0 0% 0 0%
OPERAÇÃO AMÉRICA LATINA 1.090 100% 2.750 100%
Mini-mill com Forno elétrico a arco 1.090 100% 2.100 76%
Usina Integrada 0 0% 0 0%
Misto 0 0% 650 24%
OPERAÇÃO AÇOS ESPECIAIS 310 100% 4.005 100%
Mini-mill com Forno elétrico a arco 310 100% 3.755 94%
Usina Integrada 0 0% 250 6%
Misto 0 0% 0 0%
GERDAU TOTAL 7.304 100% 25.725 100%
Mini-mill com Forno elétrico a arco 6.474 89% 18.925 74%
Usina Integrada 830 11% 6.150 24%
Misto 0 0% 650 3%
Fonte: Gerdau, Relatórios 20-F, diversos anos (elaboração própria)
O crescimento do percentual da capacidade produtiva relativo a Usinas Integradas (são 4
que a Gerdau possui) cabe basicamente à consolidação, em 2002, da Açominas, da qual a Gerdau
era sócia desde 1997, além da aquisição de outra usina no Peru (2006). A Gerdau Açominas ou
Usina de Ouro Branco é a grande usina integrada da Gerdau, uma das mais eficientes do
mundo186 e exporta cerca de 70% da sua produção. Sem a Ouro Branco, 70% da produção no
Brasil seria feita em mini-mills, e esse percentual se elevaria para 89% no total da companhia. Em
suma, é uma companhia baseada em mini-mills com algumas exceções.
Sua base produtiva implica os seguintes insumos principais: (a) sucata de aço (equivalente
a 19% do custo das mercadorias vendidas pela Gerdau S.A. em 2001), cujos preços são
determinados pelo mercado americano, mas há uma variação regional no Brasil; (b) Ferro-gusa,

186
“A usina de Ouro Branco é a maior unidade integrada que a Companhia opera. Apesar de produzir aço
em alto-forno, essa usina tem algumas das vantagens de uma mini-mill, pois está muito próxima a seus
fornecedores principais e aos portos a partir dos quais a Companhia exporta a maior parte de sua produção”
(GERDAU, F20-F, 2012: p. 32).
289
usado como substituto da sucata, sendo que a Gerdau produz ferro-gusa e o Brasil é um
exportador; (c) Carvão mineral, imprescindível e do qual o Brasil é um importador (todo o carvão
é importado, exceto quando é usado, marginalmente, o carvão vegetal em alguns processos); (d)
Energia elétrica, fundamental para as mini-mills; (e) Minério de Ferro, para as usinas integradas
como a Ouro Branco, sendo que a Gerdau se tornou no último anos exportadora de minério de
minas próprias, partindo para adquirir rendimentos em um setor mais rentável que o aço.

Gráfico C.19. Gerdau - Composição dos custos de produção (2012)

Fonte: GERDAU, F20F, 2012

A segunda característica mencionada diz respeito à distribuição territorial da Gerdau,


concentrada nas Américas. Como se vê na Tabela abaixo, que mostra os dados referentes à
capacidade produtiva (e não à produção corrente), a Gerdau já possui a maior parte da sua
capacidade produtiva fora do Brasil. Em 2001, primeiro ano mostrado, ela já havia feito a
aquisição da Ameristeel e a América do Norte representava 28%. Na sequência das aquisições e
investimentos, ela não mudou excessivamente seu perfil, dado que apenas apresenta 5% da
capacidade fora das Américas, na Espanha e na Índia (aços especiais).

290
Tabela C.7. Gerdau – Distribuição territorial da capacidade produtiva (%)
Inclui unidades de aços especiais

2001 2006 2012


Total 7.304 100% 18.645 100% 25.725 100%
Brasil 4.174 57% 8.870 48% 10.525 41%
Am. do Norte 2.040 28% 7.160 38% 11.225 44%
Am. Latina (sem Brasil) 1.090 15% 1.640 9% 2.750 11%
Espanha 0 0% 975 5% 975 4%
Índia 0 0% 0 0% 250 1%
Fonte: Gerdau F20-F – vários anos (elaboração própria)

Uma terceira característica que decorre das duas primeiras, diz respeito à vinculação da
companhia com os mercados domésticos de onde opera. Como é baseada em mini-mills, a Gerdau
busca atingir a demanda local com matérias-primas que são refugos da atividade industrial
passada ou presente. Por isso, depende dos mercados brasileiro, estadunidense ou latino-
americano, o que, como se viu anteriormente, é um problema, já que a indústria
manufatureira e o crescimento estão comprometidos no médio prazo nesses países, restando
os setores construção e infraestrutura. A atuação em mercado de aços especiais, que saltaram
de 4% para 16% da capacidade total, revela a busca por alguma diferenciação de produto.

Tabela C.8. Gerdau – exportações (mil ton e % produção total) e destinos (%)
2008 2009 2010 2011 2012
Exportações (mil ton) 2.315 1.858 2.907 3.071 2.413
Export./Total(%) 12% 13% 17% 16% 13%
África 5% 19% 3% 7% 1%
Am. Central 4% 2% 9% 12% 12%
Am. Norte 7% 7% 19% 19% 28%
Am. Sul 23% 19% 26% 23% 29%
Ásia 54% 40% 34% 31% 21%
Europa 6% 13% 5% 7% 5%
Oriente Médio 0% 0% 4% 1% 4%
Oceania 1% 0% 0% 0% 0%
Fonte: Gerdau, F20-F, diversos anos (elaboração própria)

291
A última característica da base produtiva é a concentração da Gerdau no segmento de aços
longos. Os produtos da Gerdau são assim divididos: (a) aço bruto (tarugos, blocos e placas), de
baixo valor agregado, principal produto da Usina de Ouro Branco; (b) aços longos comuns
(vergalhões, barras e perfis), usados em especial na construção a na indústria manufatureira; (c)
trefilados (arame liso, farpado e galvanizado, cercas, tela de reforço para concreto, pregos e
grampos) com destino à manufatura, construção e indústria agrícola; (d) aços especiais e
inoxidáveis com certo grau de customização e maior valor agregado; (e) produtos planos (placas
que podem ser transformadas em produtos planos) produzidos por Ouro Branco, distribuídos pela
Comercial Gerdau e também Gallatin (EUA), empresa de controle compartilhado com
ArcelorMittal. Na tabela abaixo, pode ser vista a participação da Gerdau no mercado brasileiro de
aços longos:

Tabela C.9. Gerdau – Participação nas vendas internas de laminados, por tipo (%)
GERDAU 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Total Brasil 19,1% 18,3% 19,8% 19,3% 18,5% 18,6% 19,5% 19,6% 21,1% 23,2% 21,0% 20,5% 22,7%
Longos 48,2% 47,7% 48,2% 48,2% 49,4% 48,6% 52,3% 50,8% 53,8% 55,3% 50,8% 51,0% 52,2%
.Aço Carbono 49,6% 48,8% 49,1% 49,1% 50,6% 49,5% 51,2% 50,2% 52,0% 53,9% 49,5% 49,5% 50,8%
.Aços Especiais Ligados 30,5% 35,6% 38,4% 37,9% 37,2% 40,7% 64,7% 58,8% 70,0% 69,5% 69,3% 68,2% 68,2%
Fonte: Min. de Minas e Energia - Anuário Est. Setor Metalúrgico (elaboração própria)

6. Base Financeira

A Gerdau é uma empresa de capital aberto, mas de controle estrito da família Gerdau. Seu
controlador principal é a Metalúrgica Gerdau, que por sua vez é controlada pelos irmão Gerdau
Johannpeter. Destaca-se nesta lista de controladores o BNDESPar, com 7% do controle e 2% das
ações preferenciais, uma participação presente pelo menos desde o começo da década, mas
inferior à importância obtida pelo banco em outras empresas (como no caso JBS).

292
Tabela C.10. Gerdau – Proprietários das ações ordinárias e preferenciais
Ações Ordinárias 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Metalúrgica Gerdau 83% 83% 83% 76% 76% 76% 75% 76% 76% 77% 77% 77%
BNDESPar 7% 7% 7% 0% 7% 7% 7% 7% 7% 7% 7% 7%
Outros 10% 9% 9% 24% 17% 17% 18% 16% 16% 17% 17% 17%
Ações Preferenciais 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Metalúrgica Gerdau 28% 24% 23% 26% 25% 25% 25% 29% 29% 22% 22% 22%
BNDESPar 0% 0% 2% 0% 1% 1% 1% 2% 2% 2% 2% 2%
Outros 72% 76% 75% 74% 73% 73% 73% 69% 69% 75% 76% 76%
Fonte: Gerdau, F-20-F, diversos anos (elaboração própria).

A partir da Gerdau S.A., o grupo controla as operações na América Latina, América do


Norte, Europa (Espanha) e Ásia (Índia). Destaque para os três segmentos de atuação no Brasil:
Gerdau Açominas, Gerdau Aços Longos e Gerdau Aços Especiais, além do Gerdau Comercial de
Aços.

293
Figura C.1. Gerdau – Estrutura Organizacional e controle de subsidiárias (2012)

Fonte: Gerdau, Formulário 20-F, 2012.

Para sustentar o processo longo de aquisições e de investimentos incrementais, a Gerdau


possui uma estratégia de endividamento: (i) manutenção de patamares baixos de endividamento,
correspondentes somente às necessidades de investimento – o que limita a capacidade de realizar
grandes aquisições (VIEIRA, 2007) –; (ii) tomada de empréstimos nos mercados onde serão
feitos os investimentos, de modo a garantir uma proteção cambial em cima das próprias vendas
(CHEVARRIA & VIEIRA, 2007); (iii) utilização de formas escriturais de aquisição, como a
aquisição em troca de uma parcela do controle da empresa controladora (holding) (IDEM, 2007);
(iv) acesso aos melhores mercados de capital estrangeiros a partir das suas operações externas – a
Gerdau possui ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque – e em moeda doméstica, o BNDES.
Quanto ao BNDES, é importante lembrar que, sendo acionista da companhia, o Banco está

294
vinculado às atividades da empresa187, o que facilita a tomada de empréstimos e financiamentos –
foram R$ 1,75 bi entre 1999 e 2006 (SOARES, 2006), R$ 345,4 milhões em 2007 (BNDES,
2006), até R$ 1,5 bi em crédito em 2009 (BNDES, 2009) e enfim até R$ 776,6 milhões em 2012-
13 (LISBOA, 2012), equivalente a cerca de R$ 4,4 bi no período.
Olhando diretamente os resultados, observa-se primeiramente um aumento extraordinário
do endividamento bruto e líquido, que acompanhou o crescimento da empresa, a aquisição de
empresas com dívidas e o choque de liquidez e custo do crédito pós-2008. A favor da Gerdau o
alongamento dos prazos – a dívida de curto prazo correspondia a 45% do total em 2001 e passou
para 18% em 2012. Pesa contra a Gerdau a parcela da dívida excessivamente concentrada em
moedas estrangeiras, em proporção superior às receitas na mesma moeda (cerca de 95% entre
2011 e 2012).
Para efeitos de tomada de crédito junto a credores internacionais e mesmo junto ao
BNDES, a Gerdau toma alguns limites para certos indicadores de crédito, mostrados na tabela
abaixo. Nota-se que, apesar da Gerdau estar dentro das referências adequadas, os indicadores
vem piorando nos últimos anos. Resultado do cenários geral do setor siderúrgico ao qual a
empresa não passou imune.

Tabela C.11. Gerdau - Indicadores de endividamento e níveis de referência para crédito


2008 2009 2010 2011 2012 Referência
Nível de cobertura da desp. financeira EBITDA/Desp. Financeira 9,0 2,7 4,6 4,3 3,9 Maior que 3,0
EBITDA/Desp. Fin. Líquidas ND 5,8 ND 7,4 5,6 Maior que 3,0
Nível de cobertura da dívida Dívida Bruta/EBITDA 2,3 3,2 2,8 2,9 3,5 Até 4,0
Dívida Líquida/EBITDA ND 2,5 2,4 2,0 2,9 Até 4,0
Índice de liquidez corrente Liquidez Corrente (AC/PC) 5,0 3,0 2,6 2,6 1,8 Maior que 0,8
Fonte: Gerdau, F-20-F, diversos anos (elaboração própria).

7. Síntese

187
Não apenas como acionista, mas os Gerdau possuem ótima relação com ex-presidente Lula e a presidente Dilma,
sendo que o presidente do conselho de administração, Jorge Gerdau, é conselheiro do governo para assuntos de
gestão.
295
O estudo da Gerdau apresenta dois planos de análise: o dos potencias e limites da
empresa, como representante do capital de controle brasileiro no setor siderúrgico, e as relações
do setor siderúrgico nas transformações em curso no Brasil atual.
Do ponto de vista da empresa, o que aparece na superfície dos fatos e o que é enfatizado
pela maioria da cobertura da imprensa de negócios e dos estudos acadêmicos é a Gerdau como
uma grande empresa internacionalizada com forte gestão e capacidade de crescimento e
perpetuação. É uma empresa líder em um segmento – aços planos – no continente americano,
fornecendo para mercados grandes de construção e indústria e possui nas mini-mills uma base
eficiente, de menor escala e por isso mesmo mais flexível. São todos fatos inegáveis, mostrados
pelos fatos apresentados aqui.
Contudo, o que é importante buscar são os condicionantes mais gerais de operação e em
que medida a empresa é capaz de gerar e controlar a tecnologia, a demanda e os preços deste
mercado e em que medida ela possui base financeira própria ou acesso seguro a uma base
financeira capaz de financiar sua expansão. Como foi visto, o mercado siderúrgico é movido pelo
ritmo de expansão e diferenciação da indústria manufatureira e da indústria de construção. Está
em consolidação um mercado mundial devido à queda do custos dos fretes e o barateamento de
algumas linhas de aço. Este mercado hoje é pautado, em primeiro lugar, pela retração causada
pela crise econômica de 2008, da qual o mundo ainda não se recuperou e que impôs uma queda
da demanda e uma baixo crescimento. Em segundo lugar, do ponto de visto da produção, a China
polariza tanto o mercado produtor de aço (da qual é líder) quanto o mercado manufatureiro de
produtos de aço (onde é uma das lideres e maiores exportadoras)188. O crescimento chinês impôs
ao mesmo tempo insumos encarecidos e preços baixos pelo excesso de capacidade existente. Por
ter condições de produção subsidiadas e baseadas em força de trabalho barata, a China cria um
ambiente de alta competição mundial, ainda que os mercados tenham especificidades locais e
ainda sejam em parte compartimentados. Como há poucos avanços tecnológicos no setor, que
vive há cerca de 50 anos com inovações incrementais, o setor deverá ser pautado especialmente
pela conquista e manutenção de mercados, pela capacidade de melhorar marginalmente a

188
Não se trata aqui de entrar na questão de quem ou quais processos comandam a industrialização na China e o
papel desempenhado pelo capital chinês e pelas transnacionais no país, mas de enfatizar que o país polariza o
segmento siderúrgico pela produção que crescentemente comanda.
296
eficiência operacional e econômica e pela disponibilidade de financiamento para suportar os
ciclos e garantir aquisições em uma nova rodada de consolidação.
Neste contexto, a Gerdau está relativamente bem posicionada no curto prazo e a longo
prazo não tem a sua existência comprometida: tem diferenciais de base produtiva, gestão
operacional e financeira. Mas seus mercados principais enfrentam problemas estruturais
relacionadas com a crise de processo de industrialização. No Brasil, como pode-se ver no balanço
comercial indireto de aço, o peso da desindustrialização põe em risco também o setor siderúrgico;
a concorrência direta com importados já é uma realidade nos anos 2010; e existe uma
dependência estrutural do Estado para criar negócios no setor de construção, em particular no de
infraestrutura. Nos EUA, apesar da potência econômica, a transferência do parque produtivo para
fora do território implica problemas a longo prazo para o setor siderúrgico. Os mercados
consumidores de aço da Gerdau não são os mais dinâmicos – e talvez nem os mais estratégicos –
do mundo (pelo menos para aços comuns) e não há expectativa que o venham a ser, ainda que
sejam grandes e passíveis de dinamização cíclica. Além disso, como a tecnologia é dada, a
capacidade de a Gerdau ou outra empresa adquirir lucros extraordinários a partir de inovações
radicais é baixa; aliás, a própria Gerdau se contenta com baixo P&D e com a aquisição da
tecnologia necessária no mercado. Por fim, apesar da conduta prudente com operações
financeiras, a Gerdau não possui uma base própria de acumulação que permita financiar sua
expansão e por isso é dependente de financiamento estatal no Brasil e especialmente
financiamento no mercado internacional de capitais. Sua proporção de dívida em moeda
estrangeira é superior à proporção de receitas em moedas estrangeiras e seus indicadores de
endividamento – que são condicionantes para contratar empréstimos e lançar títulos de dívida –
estão deteriorados em 2012 e as condições do setor não apresentam cenário de melhora
extraordinária. Por tudo isso, a Gerdau é uma empresa grande, mas uma “campeã” que não
controla os elos estratégicos da indústria siderúrgica. Depende fundamentalmente do Estado para
dinamizar os negócios de construção civil, como em infraestrutura e construção residencial, para
prosseguir crescendo.
Em suma, a Gerdau possui uma posição relativamente melhor dentro de uma
siderurgia em um país subdesenvolvido. Seu mercado está mais vinculado a decisões políticas
(onde tem boas relações) e grandes negócios do mercado de construção, voltadas para a provisão
297
de insumos energéticos, corredores de exportação ou especulação (mercado imobiliário), do que à
indústria de transformação que está sendo desestruturada. Isto significa que a Gerdau possui
espaço para crescimento no Brasil. Mas, apesar de algumas vantagens do ponto de vista do
vínculo com os mercados consumidores, acesso a Energia e insumos baratos, ela está
crescentemente suscetível à sua fonte de financiamento originada no capital financeiro
internacional – o que expõe a crises de estrangulamento cambial –, e suscetível também à
concorrência internacional, que está se iniciando em alguns de seus produtos. Desprovida de base
financeira própria e de inovação, fará parte de um setor de concorrência agressiva, em que serão
decisivos a escala de acumulação de capital e de poder político (envolvido no planejamento e
garantia de mercado para a produção) muito acima das possibilidades do Brasil – ou da Gerdau.

8. Referência Bibliográficas

AÇO BRASIL (2013) A indústria do aço no Brasil e no Mundo (apresentação). Instituto Aço
Brasil, 2013. Disponível em: <www.acobrasil.org.br>. Acesso em: 25/11/2013.
AÇO BRASIL; BOOZ&CO (2012). Análise comparativa da carga tributária na cadeia de aço
(apresentação). Instituto Aço Brasil, outubro de 2012. Disponível em: <www.acobrasil.org.br>.
Acesso em: 25/11/2013.
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300
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 Steel Statistical Yearbook (diversos anos), World Steel Association. Disponíveis em:
<http://www.worldsteel.org/statistics/statistics-archive/yearbook-archive.html>;
 Revista do Aço (diversos números), Editora Revista do Aço. Disponível em:
<www.revistadoaco.com.br>.

301
ANEXO D: Grupo JBS

“Não somos construtores. Reformamos”


(Joesley Batista, presidente da JBS)

303
1. Introdução

A JBS, antiga Friboi, é uma empresa brasileira do ramo de carnes, que se tornou a maior
do mundo ao levar ao máximo sua estratégia de aquisição de concorrentes em dificuldades
operacionais e econômicas. Esta estratégia, que implicou a internacionalização do grupo desde
2005 – o mais internacionalizado das empresas brasileiras - só foi possível devido aos aportes do
BNDES na empresa, financiando boa parte das muitas aquisições feitas no setor. Contudo, esta
empresa, ao atuar no ramo do abate e venda de carne in natura, principalmente, se apropria de
uma parcela menor do valor agregado, em um setor com margens deprimidas e orientado pela
demanda – doméstica dos países produtores, mas também de alguns mercados importadores que
são responsáveis por barreiras sanitárias e comerciais que recorrentemente impactam o mercado.
Além disso, a JBS convive com endividamento considerado alto devido às aquisições seguidas e
é pressionada por custos crescentes e pela liderança do varejo dentro da cadeia.
Para compreender o quadro em que opera a JBS, será exposta em primeiro lugar a
qualificação do mercado de carnes, buscando mostrar em especial quem são os produtores,
exportadores e importadores, como se comportaram preços e em especial qual é a posição relativa
dos frigoríficos dentro da cadeia das carnes. Em seguida virá a exposição sobre a empresa, com
descrição da estratégia e análise de suas bases produtiva e financeira, finalizando com a síntese.
Observação: Este relatório incorpora das informações dos Relatórios Anuais e de
Administração da JBS desde 2006. Contudo, como o nível de exigência das informações é
pequeno – a JBS não possui ações diretamente negociadas na NYSE como as outras três desta
pesquisa –, alguns dados importantes não estão disponíveis e parte das séries históricas está
incompleta.

2. Histórico

O grupo JBS é uma empresa de origem familiar oriunda do frigorífico Friboi, que
remonta aos negócios iniciados pelo patriarca da família Batista, nos anos 1950 em Goiás. Ao
longo de décadas, o negócio cresceu e a Friboi se tornou um dos maiores frigoríficos brasileiros
na virada do século. O salto da empresa, que por causa disso se torna objeto de estudo, é o
304
processo de internacionalização por aquisição de concorrentes iniciado em 2005, que levou a
empresa, rebatizada JBS S.A. em 2007, a se tornar a maior empresa no ramo de proteína animal
do mundo.
A JBS-Friboi ainda hoje está principalmente no seu negócio de origem: o abate de bois e
venda de carne bovina in natura ou industrializada. Segundo as informações oficiais da JBS, o
fundador da empresa José Batista Sobrinho (daí o nome recente, JBS), ou “Zé Mineiro”, iniciou a
atividade com o açougue Casa de Carne Mineira, em Anápolis-GO, em 1953 (LETHBRIDGE &
JULIBONI, 2009). Ao vender gado próprio para o abate, o fundador percebeu a importância de
controlar o processo do abate e resolveu fundar o próprio negócio (GRULEY & KASSAJ, 2013),
iniciado com capacidade de 5 cabeças por dia e que logo controlou o negócio na cidade. O
negócio chegou a operar na Brasília em obras, quando Juscelino Kubitschek ofereceu isenção
tributária para fornecedores na capital, mas voltou atrás quando Jânio Quadros cancelou a
isenção. Em 1968, adquiriu a primeira planta de abate em Planaltina (DF) e dois anos depois sua
capacidade de abate diário chega a 500 cabeças ao adquirir planta de abate em Luziânia (GO).
Segundo as poucas informações disponíveis, nas três décadas que se seguiram, a empresa
cresceu comprando concorrentes e melhorando a eficiência das plantas adquiridas189. Em 2002, a
capacidade de abate chegou a 5,8 mil, mais de dez vezes a de 1970 (Relatório Anual de 2008).
Nos anos 1990, o setor foi marcado pela saída de grandes multinacionais que se queixavam da
sonegação de impostos por frigoríficos locais; a Friboi aproveitou para adquirir vários ativos das
empresas que partiam (SALOMÃO, RIBEIRO & TODESCHINI, 2009). Também é do período o
início das exportações da empresa, o primeiro salto para a internacionalização, em um período
em que o mercado para carnes bovinas era corroído pela competição com a carne de frango e as
dificuldades operacionais do setor (ZUCCHI & CAIXETA-FILHO, 2010).
Até o ano de 2005, quando se iniciaram os investimentos no estrangeiro, foram adquiridas
uma dúzia de empresas e a Friboi atingiu o meio da década com uma margem EBITDA de 9,6%

189
A reportagem da Época Negócios resume assim o período: “No comando, [José Batista] Júnior [o filho mais
velho] consolidou ao longo da década de 90 a estratégia de crescimento baseado em aquisições, que marca o grupo.
Foram incorporados mais de uma dúzia de frigoríficos. Parte deles andava em dificuldades financeiras por
deficiências na gestão, mas com infraestrutura azeitada. Os Batista barganhavam o preço, assumiam as dívidas e
arrumavam a casa. Em pouco tempo, o frigorífico voltava a ser rentável. Tornaram-se especialistas na recuperação e
na integração de empresas deficitárias. Quando visualizavam oportunidades em negócios nos quais não tinham
experiência, não sentiam constrangimento – encontravam alguém capaz e passavam a tarefa adiante” (SALOMÃO,
RIBEIRO & TODESCHINI, 2009).
305
em 2005 e 14,2% em 2006. Atingiu a liderança do mercado brasileiro mesmo antes do processo
de internacionalização via estratégia de aquisição de concorrentes. Em entrevista, o presidente
Wesley Batista resume esse padrão: “Época Negócios: A JBS cresceu por aquisição. Por quê?
Wesley: É curioso isso. Cerca de 90% do nosso crescimento foi por aquisição. Mas não sei a
razão. Acho que não somos construtores. Reformamos. Se não posso adicionar valor, não
compro” (SALOMÃO, RIBEIRO & TODESCHINI, 2009).

Figura D.1. JBS – Aquisições (1953-2005)

Fonte: SALOMÃO, RIBEIRO e TODESCHINI (2009)

Embora a Friboi já fosse uma grande empresa antes mesmo de iniciar sua
internacionalização, não tinha nem parte do status que adquiriu após a grande aquisição da Swift
em 2007. O capital era fechado (nenhum frigorífico ainda tinha lançado ações) e o grupo não
constava na lista dos maiores grupos brasileiros do anuário “Valor Grande Grupos”,
provavelmente por falta de informações públicas. Foi somente após a capitalização da empresa
pelo BNDES, em consonância com os setor líderes eleitos para serem reforçados pelo governo, e
as aquisições que vieram em seguida que a Friboi, já JBS, virou uma “campeã nacional”.

3. Mercado

306
Nesta seção será apresentado, de uma maneira geral, o funcionamento do mercado
mundial de carnes, em que a JBS atua. Sua primeira parte objetiva mostrar uma visão geral do
mercado, quais são suas subdivisões e tendências. Em seguida, apresentaremos a dinâmica dos
preços dos anos 2000 e na sequência a dinâmica do mercado mundial, destacando quais são os
grandes produtores e consumidores. Apresentaremos um pouco mais, por fim, do principal
mercado da JBS, o de carne bovina.

3.1. Visão geral do mercado

A JBS é uma empresa que atua hoje no setor de proteína animal em geral, não apenas
mais no setor de carne bovina (ainda que seja o principal), mas também no de suína e de aves
(frango). Este mercado é composto, então, por quatro tipos principais: suína, aves/frango
(poultry), bovina e ovina. A seguir, podem ser vistos os dados com uma série que remonta a 1980
e permite enxergar a mudança na composição da oferta total.

Gráfico D.1. Oferta mundial de carne por tipo (bilhões de toneladas)

Fonte: FAOSTAT (Elaboração própria)

Deste gráfico se depreendem três fatos principais: (a) ao longo do período de quase três
décadas, a carne suína foi e permaneceu a mais produzida – e consumida –; (b) a carne bovina

307
perdeu o posto de segundo mercado para a carne de frango; (c) o crescimento do consumo de
carne de frango é muito forte e prossegue até os dias de hoje, embora tenda a desacelerar –
conforme mostram os estudos da OCDE/FAO (2012).
Uma quarta informação se obtém da observação da tabela abaixo: a produção total destes
4 tipos de carnes mais que dobrou entre 1980 e 2007, enquanto que a população aumentou em um
terço apenas. Consequentemente, o consumo per capita de carnes tem aumentado
consideravelmente. Como o consumo de carne per capita em países desenvolvidos é muito
estável, pois atingiu um patamar alto, o principal do aumento do consumo vem dos países da
periferia, chamados “emergentes”.

Tabela D.1. Produção mundial de carne (1980-2009) por tipo (%) e total (em ton. bi)
1980 1985 1990 1995 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Bovino 36% 34% 31% 28% 26% 25% 25% 25% 24% 24% 24% 24% 24% 23%
Ovino e caprino 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5% 5%
Suíno 40% 40% 40% 40% 40% 40% 40% 40% 39% 39% 39% 38% 38% 39%
Aves 19% 21% 23% 27% 30% 30% 31% 31% 31% 31% 32% 33% 33% 33%
Total (bi ton) 13,1 14,7 17,2 19,7 22,5 22,6 23,3 23,8 24,3 24,9 25,5 26,1 26,9 27,3
Pop. mundo (bi) 4,44 4,84 5,28 5,70 6,10 6,18 6,26 6,34 6,41 6,49 6,57 6,65 6,73 6,81
Prod. per capita 2,94 3,04 3,26 3,45 3,68 3,66 3,73 3,76 3,78 3,83 3,88 3,92 3,99 4,01
Fonte: FAOSTAT e Banco Mundial (Elaboração própria)

O mesmo conjunto de dados pode ser visto abaixo para um período mais próximo do
período de estudo, com dados atualizados até 2011. Estes dados podem ser considerados o estado
do mercado mundial com o qual se defrontou o grupo JBS no período relevante de estudo (a
partir de 2006).

308
Tabela D. 2. Consumo mundial de carnes (2005-2011) por tipo
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Aves 66.163 67.221 72.018 74.647 75.378 78.179 80.254
Suíno 89.877 91.584 90.034 93.249 96.010 98.556 96.820
Ovino 7.757 8.020 8.545 8.447 8.369 8.269 8.171
Bovino 52.561 53.591 52.680 51.547 51.422 51.335 50.788
Soma 216.358 220.416 223.277 227.890 231.179 236.339 236.033
Fonte: GIRA Consultancy and Research (elaboração própria)

As tendências para o setor, como já mostrado, são:


 suíno: estável (pequena queda percentual);
 aves: em alta (absoluta e relativamente);
 ovino e bovino: declínio percentual e, para o caso da carne bovina, absoluto.

Gráfico D.2. Consumo mundial de carnes (2005-2011) por tipo (%)

Fonte: GIRA Consultancy and Research (elaboração própria)

Para efeitos de comparação entre os quatro tipos principais, vale observar as taxas médias
de variação anual na produção, exportação e consumo per capita de cada uma delas, conforme os
dados da ODCE/FAO:

309
Tabela D. 3. Variação anual média da produção, da exportação e do consumo per capita de
carnes, por tipo (%)
Consumo
Produção Exportação
per capita
2003-2012 2003-2012 2003-2012
Todas 2,3 4,3 1,3
Bovino 1,2 1,7 0,2
Porco 1,8 4,8 0,7
Aves 3,7 6,7 2,5
Ovelha 2,1 0,3 1,0
Fonte: OCDE/FAO (2012)

Segundo o anuário OECD-FAO Agricultural Outlook, os fatores decisivos do mercado de


carne são os de demanda, e o decisivo nos últimos anos é o crescimento da demanda de países
“em desenvolvimento”, devido ao seu crescimento econômico e populacional e à sua
urbanização:
“In the medium term, increasing world population along with economic growth
and urbanisation are key factors driving global meat consumption. Once income growth
rates recover, consumer preferences will continue to shift away from food of vegetable
origin to food of animal origin. This trend is naturally most relevant for developing and
emerging economies, and to a much smaller extent for OECD countries. In developing
countries, increases in demand for food of animal origins have mostly been met through
poultry, eggs, pigmeat, and to a lesser extent, by bovine meat consumption. Higher retail
price of beef compared to pigmeat and poultry mostly explains this phenomenon. This
trend is expected to continue over the next 10 years. In OECD countries, growth in meat
consumption is limited by small population growth and with already high consumption
levels, the incentive to consume more meat driven by increased income is limited”.
(OCDE/FAO, 2009, p. 168).

Em continuidade às tendências atuais, o mercado de carnes continuará dinamizado por


países “em desenvolvimento”, responsáveis por 77% do aumento na produção contra 23% dos
países desenvolvidos, e setorialmente, pelo aumento da carne de frango, de até 20,68% em uma
década contra 17,61% de suínos e 10,87% de bovinos.

310
Gráfico D.3. Crescimento da Produção de Carnes, por região e por tipo de carne (previsão
2012-2021), em milhares de toneladas

Fonte: OCDE/FAO (2012)

O mercado de carnes é caracterizado por não ser dominado pelo comércio internacional.
Ou seja, a maior parte da produção mundial não é exportada, mas consumida no âmbito nacional
ou regional. Há uma tendência de aumento do comércio no período de estudo, como se vê na
tabela abaixo.

Tabela D. 4. Parcela exportada da produção mundial de carnes, por tipo (%)


1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Bovina 7,4% 7,5% 10,8% 12,2% 15,7% 20,2% 21,5% 23,1% 23,5% 20,0% 17,9% 17,1% 14,8% 16,4%
Porco 4,0% 4,2% 4,3% 4,7% 4,6% 5,1% 5,2% 5,3% 5,5% 6,3% 5,6% 5,8% 6,8% 6,9%
Frango 9,4% 9,7% 10,8% 10,9% 10,8% 10,6% 11,3% 10,6% 10,6% 11,5% 11,4% 11,3% 11,7% 12,1%
Fonte: USDA (elaboração própria)

É a produção local, ou no máximo regional, o principal elemento de oferta. Isso faz com
que os países ou regiões produtores sejam os que mais consomem carne, de acordo com os tipos
produzidos e preferidos em cada lugar. Uma comparação feita para o setor de carne bovina, o
principal da JBS, mostra a correlação existente entre os grandes países produtores – incluindo
aqui a União Europeia, agregando diversos países – e os grandes consumidores. Os poucos

311
países, incluindo a U.E., são responsáveis por mais de 80% da produção e do consumo de carne
bovina.

Tabela D. 5. Carne Bovina – principais produtores e consumidores (% do total)


Produção 1999 2006 2012 Consumo 1999 2006 2012
EUA 24,4% 22,3% 20,6% EAU 24,9% 24,7% 21,0%
Brasil 12,6% 16,8% 16,2% Brasil 11,9% 13,4% 14,0%
União Europeia 15,3% 15,0% 13,4% União Europeia 15,0% 16,5% 13,9%
China 10,2% 13,9% 9,6% China 10,1% 14,3% 10,0%
Índia 3,3% 4,4% 6,0% Índia 2,9% 3,3% 3,6%
Argentina 5,7% 5,8% 4,6% Argentina 5,1% 4,9% 4,4%
Austrália 3,9% 4,1% 3,7% Austrália ND ND ND
México 3,8% 4,0% 3,2% México 4,6% 4,9% 3,3%
Rússia 3,8% 2,7% 2,4% Rússia 5,5% 4,5% 4,3%
Canadá 2,5% 2,6% 1,8% Canadá 2,0% 2,1% 1,8%
Paquistão ND ND 2,7% Paquistão ND ND 2,7%
África do Sul 1,2% 1,3% 0,0% Japão 3,1% 2,2% 2,2%
Demais 13,1% 7,1% 15,8% Demais 14,9% 9,2% 18,9%
Fonte: USDA (elaboração própria)

3.2. Comércio internacional

Como se mostrou na visão geral do mercado, o comércio internacional


(exportações/produção total) de carnes é ainda muito pequeno: partiu de 7,5% em 2000 para
16,4% em 2012 para carnes bovinas; de 4,2% em 2000 para 6,9% em 2012 para carnes de porco;
e de 9,7% em 2000 para 12,1% para carnes de aves. Sendo muito pequeno e como as carnes são
itens menos suscetíveis à especulação (veremos no item seguinte), sua importância fundamental é
nos impactos que cria nos países exportadores quando há bloqueios à venda (choques de
demanda). E isso é muito importante em países onde a JBS atua (Brasil, EUA, Austrália).
Na tabela abaixo, pode-se ver como as exportações e as importações de carne bovina são
concentradas em um conjunto pequeno de países (exceto a União Europeia responde por um
mercado regional com muitos países). O comportamento dos mercados é similar para outras
carnes.

312
Tabela D.6. Principais Exportadores e Importadores de carne bovina
Exportações 2000 2006 2012 Importações 2000 2006 2012
Brasil 8,3% 29,3% 18,7% Rússia 9,3% 17,6% 15,4%
Índia 6,2% 9,6% 17,3% EUA 26,8% 26,2% 15,2%
Austrália 22,6% 20,1% 17,3% Japão 20,7% 12,7% 11,1%
EUA 18,9% 7,3% 13,7% Hong Kong 0,0% 1,8% 3,6%
Nova Zelândia 8,5% 7,5% 6,3% China 0,0% 0,0% 1,5%
Uruguai 4,0% 6,5% 4,4% Coreia do Sul 6,3% 5,6% 5,6%
Canadá 8,8% 6,7% 4,1% União europeia 8,8% 13,4% 5,3%
Paraguai 0,0% 0,0% 3,1% Canadá 5,1% 3,4% 4,5%
União Europeia 10,9% 3,0% 3,6% México 8,2% 7,2% 3,2%
Argentina 6,0% 7,8% 2,0% Egito 4,6% 5,5% 3,8%
México 0,0% 0,5% 2,5% Venezuela 0,0% 0,0% 3,3%
Subtotal 94,3% 98,3% 92,0% Subtotal 89,9% 93,4% 72,6%
Fonte: USDA (elaboração própria)

Há outro traço importante do mercado internacional: ele é dividido entre relações


comerciais estáveis e duradouras e entre relações fortuitas e mais recentes. Este dado se explica
especialmente pelas barreiras sanitárias e exigências de qualidade dos principais países
importadores (OCDE/FAO, 2009: p. 168), que acaba criando uma “fidelização” nas aquisições
feitas. Periodicamente, doenças animais surgem e são anunciadas barreiras parciais ou absolutas à
importação de carnes de algum tipo de países inteiros. Além de barreiras sanitárias, o comércio
também é impactado por uma grande quantidade de políticas agrícolas, como subsídios, impostos
e quotas de importação.
A preocupação dos grandes produtores exportadores com o controle de saúde dos animais
tem ampliado nos últimos anos (o Brasil é um exemplo disso), de modo a conquistar mercados
mais tradicionais de países desenvolvidos. Países em que o consumo de carnes crescente é mais
recente possuem menores barreiras sanitárias, criando mercados para produtores com menos
padrões e controles. Estas relações podem ser vistas nas três figuras abaixo, que ilustram os
principais fluxos de comércio, por pais/região, para carnes bovina, suína e de aves. Pode-se
observar a concentração do comércio e a existência de relações estáveis entre exportadores de
países desenvolvidos (EUA, Austrália, União Europeia) e os importadores destes países
(incluindo, além dos produtores, os países ricos da Ásia).

313
Figura D. 2. Bovinos - Fluxos de Comércio, inclusive vivos (2011-2012)

Fonte: GIRA Consultancy and Research (2012)

314
Figura D. 3. Suínos - Fluxos de Comércio (2010, com tendência até 2015)

Fonte: GIRA Consultancy and Research (2008)

Figura D. 4. Frango - Fluxos de Comércio (2010, com tendência até 2015)

Fonte: GIRA Consultancy and Research (2009)

315
O Brasil fornece carne bovina especialmente para Rússia, MENA (Middle East, North
Africa, Oriente Médio e Norte da África) e Europa em menor quantidade. As exportações
brasileiras de carne de porco têm como destino principal a Rússia. O segmento de carne de frango
é o que possui mais aceitação em mercados ricos, como Europa e Japão; a Rússia e a MENA
continuam sendo importantes compradores do produto nacional.

3.3. Dinâmica dos preços

O primeiro e mais importante elemento que chama a atenção no que tange aos preços das
carnes durante os anos 2000 é que o seu patamar de crescimento foi menor do que o de outros
alimentos ou commodities. Com a exceção da carne de frango, que teve um aumento relevante –
um dos maiores dentre as commodites agrícolas –, as demais carnes variaram muito menos que os
outros itens.

316
Tabela D.7. Índice de preços (nominais) de commodities agrícolas (2002=100)
(Ordenado pela média do valor no período)
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Butter 100 129 172 204 170 281 349 225 387 429 316
Poultry 100 129 140 169 175 228 247 230 251 347 318
Ethanol 100 120 111 166 216 194 218 207 284 411 303
Raw sugar 100 89 125 204 141 161 205 288 390 315 271
Whole milk powder 100 128 147 165 159 303 285 176 252 282 252
Skim milk powder 100 127 148 163 162 316 244 167 228 268 232
White sugar 100 102 124 182 148 155 188 264 325 276 239
Cheese 100 111 154 167 158 236 275 174 235 254 224
Rice 100 98 120 136 142 167 328 231 223 270 231
Protein meals 100 140 117 109 143 242 196 195 215 238 275
Fish oils 100 96 117 122 138 171 268 134 191 261 322
Fishmeal 100 101 107 115 166 182 176 191 261 238 241
Maize 100 109 92 100 146 205 163 153 259 268 276
Oilseeds 100 128 109 106 138 233 163 170 228 228 264
Veg oils 100 115 105 111 149 248 149 173 249 231 230
Sheep 100 113 126 140 110 121 122 159 172 251 263
Wheat 100 97 97 106 131 218 174 136 188 191 207
Pigmeat 100 113 150 143 135 135 137 118 158 189 175
Beef 100 126 126 130 127 137 138 124 142 171 183
Cotton 100 123 94 101 106 131 109 139 248 180 145
Biodiesel 100 100 101 100 109 124 179 133 145 193 172
Fish 100 106 110 114 118 124 134 126 135 151 152
Fonte: OECD/FAO Agricultural Outlook 2013 (Elaboração própria)

A relativa estabilidade dos preços das carnes se explica, segundo os estudos da


OCDE/FAO pela menor proporção que as carnes ocupam dentro do conjunto de alimentos que
compõem as refeições básicas (em inglês, staple food), o que torna relativamente menos sensível
ao aumento da demanda por alimentos (ainda que o consumo per capita esteja aumentando), e
pela sua perecibilidade maior, que impede que as carnes sejam fartamente estocadas – o que faz
com que impede o “panic buying” de estoques. Outro fator técnico diz respeito ao ciclo de
produção, que equivale ao ciclo de vida dos animais e que é mais longo do que seria para as
decisões de produção incorporarem significativamente o ciclo de variações de preços das rações e
aditivos alimentares.
Apesar do percentual de aumento maior que as outras carnes, as carnes de aves (frango
em especial) têm, pelo menos nas últimas duas décadas, o menor preço por unidade de massa
dentre os quatro tipos. A carne de carneiro foi a que atingiu o maior valor dentre os quatro,
317
ultrapassando a carne bovina no período. São estas duas carnes mais caras as que têm hoje a
menor parte no mercado e são as cuja produção cresceu menos nos anos 2000, respondendo
parcialmente aos seus preços – chegaram a custar o dobro da carne de porco ou três vezes a carne
de frango em 2012.

Gráfico D.4. Preços mundiais de carnes (termos reais) – em US$/ton.

Fonte: OCDE/FAO (2012)

No gráfico abaixo, pode-se ver de forma mais clara a evolução dos preços das carnes
no atacado para os anos 2000, nosso período de estudo. Embora haja elevação de preços em todos
os setores – em 2012 atinge aumento de 100% frente aos preços do ano 2000 –, ele é bem
desigual e possui efeitos distintos. Como apresentado no gráfico em unidades monetárias, no
gráfico de índice de preços, a carne ovina foi a que mais cresceu, mas é a carne de aves que puxa
o índice para cima, pois o índice é ponderado pelo consumo.

318
Gráfico D.5. Índice de Preços de Carnes da FAO (2000 = 100)

Fonte: FAO Meat Price Index

Além dos fatores gerais que influenciam no preço das carnes, há uma diferenciação dentro
dos mercados nacionais. Apesar de relativamente restrito, o comércio internacional afeta
diretamente os grandes mercados produtores pelo diferencial que pode se obter nos preços das
exportações e quando há choques de demanda provocados por barreiras sanitárias – o que
simplesmente faz com haja uma sobra importante que derruba os preços internos.

3.4. A cadeia da carne bovina

Para explicar melhor a natureza do negócio da JBS, é fundamental apresentar como


funciona a cadeia produtiva de carnes. Nesta análise, usaremos o exemplo da cadeia de carne
bovina no Brasil, que é representativa para o estudo da empresa:

319
Figura D.5. Estrutura da cadeia da carne bovina no Brasil

Fonte: MAPA (2007)

Segundo o estudo do Ministério da Agricultura (MAPA), os segmentos da cadeia podem


ser assim descritos:

Tabela D.8. Segmentos da cadeia da carne bovina no Brasil


Subsistema de apoio: Os agentes fornecedores de insumos básicos e os agentes transportadores.

Subsistema de produção Empresas rurais que geram, criam e engordam os animais para o atendimento das
da matéria-prima necessidades das indústrias de primeira transformação; podem estar integradas em um único
(produção agropecuária): empreendimento ou dissociadas em empreendimentos diversos.
Indústrias de primeira transformação: abatem os animais e obtêm as peças de carne,
Subsistema de conforme as condições de utilização necessárias para os demais agentes da cadeia;
industrialização: Indústrias de segunda transformação: incorporam a carne em seus produtos ou agregam
valor a ela.
Atacadistas ou exportadores: efetuam o papel de agentes de estocagem e/ou de entrega,
simplificando o processo de comercialização;
Varejistas: efetuam a venda direta da carne bovina ao consumidor final, tais como
Subsistema de
supermercados e açougues;
comercialização
Empresas de alimentação coletiva/mercado institucional ou aquelas que utilizam a carne
como produto facilitador, como restaurantes, hotéis, hospitais, escolas, presídios e empresas de
fast food.
Consumidores finais, responsáveis pela aquisição, pelo preparo e pela utilização do produto
Subsistema de consumo final. Determinam as características desejadas no produto, influenciando os sistemas de
produção de todos os agentes da cadeia produtiva.
Fonte: MAPA (2007)

Para se entender a importância do estudo desta segmentação, veremos adiante que a JBS
se posiciona fundamentalmente no subsistema de industrialização, na indústria de primeira

320
transformação (ofertando carne in natura), e no subsistema de comercialização como atacadista e
exportador. Isto determina a capacidade que o frigorífico possui de se apropriar do valor
distribuído ao longo da cadeia.
A primeira questão a se abordar é quanto do valor adicionado ao longo da cadeia é
apropriado pelas partes, em especial pelo processador/frigorífico. Para dados de 2000 no Brasil, o
estudo de Perez et alli (2002) estimou dados para duas empresas da participação no preço final da
carne bovina (cortes tradicionais) em 22,4% e 26,1%, sendo que em ambos os casos a maior parte
da agregação (52,6% e 64,1%) ficavam com o pecuarista. No estudo do IPARDES e GEPAI
(2002: p. 168) para o setor de carnes no Paraná, foram apurados os seguintes valores para o valor
adicionado pela indústria: em 1995, no setor de carne suína era de 8,01%, no de bovina 7,24% e
no de aves, 28,81%; em 2000, no de suína era de 14,43%, no de bovina, 6,45%, e no de aves,
48,65%. Já o estudo de Viana e Silveira (2007: p. 1126) chega ao resultado de 7,61% da
participação da indústria no setor de carnes do Rio Grande do Sul com venda em Santa Maria em
2005. Os dados o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) mostram valores
compatíveis com os dados brasileiros citados:

321
Tabela D.9. Valores e distribuição da participação dos preços de carnes bovina e suína dos
EUA (médias anuais), 2007-2012.
CARNE SUÍNA Distribuição do preço da carne suína Participação sobre o preço de varejo
Valor de Total Atac. até Faz. até Atac.- Fazend.- Fazendeiro
Varejo Varej. Atac. Varej. Atacado.
Centavos por libra de equivalente de varejo Percentual
2007 287,1 205,1 165,6 39,5 57,7 13,8 28,6
2008 293,7 211,2 169,3 41,9 57,6 14,3 28,1
2009 292,0 220,5 180,7 39,8 61,9 13,6 24,5
2010 311,4 215,7 170,2 45,5 54,7 14,6 30,7
2011 343,4 229,4 184,6 44,8 53,8 13,0 33,2
2012 346,7 241,8 199,5 42,3 57,5 12,2 30,3

CARNE BOVINA Distribuição do preço da carne bovina Participação sobre o preço de varejo
Valor de Total Atac. até Faz. até Atac.- Fazend.- Fazendeiro
Varejo Varej. Atac. Varej. Atacado.
Centavos por libra de equivalente de varejo Percentual
2007 415,8 218,0 184,8 33,2 44,4% 8,0% 47,6%
2008 432,6 235,6 197,9 37,7 45,7% 8,7% 45,5%
2009 425,8 244,8 208,6 36,2 49,0% 8,5% 42,5%
2010 438,4 234,5 197,3 37,2 45,0% 8,5% 46,5%
2011 480,7 239,9 205,0 34,9 42,6% 7,3% 50,1%
2012 498,6 238,5 208,0 30,5 41,7% 6,1% 52,2%
Fonte: USDA – Economic Research Service (adaptado)

O que os dados apresentam é que, ao menos para o setor de carnes bovinas, que a
participação do agroindustrial do processamento da carne no valor total é muito pequeno. Sabe-se
que os setores de carnes suína e de aves são conhecidos por apresentarem, ao nível do
processamento, margens melhores que a do de carne bovina.
No estudo do MAPA (2007), afirma-se que o segmento em que mais se pode incorporar e
difundir tecnologia é o da produção agropecuária. Particularmente isso ocorre naqueles
segmentos que buscam ampliar a produtividade da produção de carne por animal – melhoramento
genético, alimentação, saúde dos animais, confinamento etc. – e naqueles voltados para o
aumento da produção por área – pastejo rotacionado, adubação, irrigação etc. –, sendo o primeiro
grupo o mais intensivo em tecnologia.
Não é o foco deste estudo aprofundar nestes outros segmentos da cadeia, mas cabe se
deter brevemente na incorporação de tecnologia, uma área nobre da cadeia. Alguns dados obtidos

322
para os mercados de aditivos à indústria de alimentação animal190, farmacêutica veterinária191 e
de melhoramento genético192 mostram como é grande a presença de empresas transnacionais.
Como há o controle deste largo mercado brasileiro por empresas estrangeiras (MARTINELLI,
ROHENKOHL & MURAKAMI, 2011), com produção local ou não, ocorre um apreciável custo
de importação (de insumos ou produtos finais) ou remuneração ao capital estrangeiro (como
remessas de lucros, pagamentos por royalties ou patentes etc.). Para exemplificar, o déficit de
produto farmoquímicos usados na alimentação é de aproximadamente US$ 200 milhões em 2005
e 2011 (MDIC, 2012: p. 15), enquanto o déficit no comércio de vacinas é de US$ 118 milhões
(FERNANDES et alli, 2013: p. 3). Apesar de algum crescimento de empresas de controle
brasileiro registrado na indústria farmacêutica de saúde animal, de 10% para 19% do mercado
entre 2005 e 2012, ou a longa tradição de sucesso da Embrapa no desenvolvimento de tecnologia
nacional, o patamar geral ainda é de controle das estrangeiras em um padrão altamente
competitivo. Embora não esteja no escopo deste trabalho calcular o peso que os custos destes
insumos podem impor sobre os criadores de animais e sobre o restante da cadeia, não seria
surpreendente se tal peso fosse apreciável sobre o preço do animal que vai ao abate.
Ainda segundo o estudo do MAPA (2007), a tecnologia utilizada nos segmentos de abate
e processamento é considerada tradicional, de uso generalizado e relativamente livre. Desta
forma, afirma o documento, não há defasagem considerável entre frigoríficos estrangeiros e
nacionais. O que está a seu alcance, no caso das carnes bovinas, é “agregar valor às suas

190
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior fez um estudo em 2012 para apresentar um
horizonte de investimentos no setor de aditivos à alimentação animal. A principal preocupação é que o Brasil é um
imenso consumidor que, dada as limitações de oferta local, importa muitos insumos para venda direta ou
processamento local. O fato de a maior parte do setor estar sob o controle de transnacionais (60% do mercado
mundial é controlado por 10 empresas) impede que a decisões de investimento caminhem no sentido da integração
produtiva no país. Para mais, ver MDIC (2012).
191
Segundo estudo de pesquisadores do BNDES (CAPANEMA et alli, 2007), a indústria farmacêutica veterinária
brasileira é divida entre as multinacionais, de grande porte e líderes mundiais, e as nacionais, menores e com atuação
localizada e com foco em nichos. Dentre as empresas líderes em 2005, apenas 10% do mercado corresponderia a
empresas nacionais (Vallée e Ouro Fino).
192
A despeito dos progressos feitos no Brasil em inseminação artificial e melhoramento genético, a abertura dos anos
1990 implicou entrada das transnacionais no setor, com aquisição de empresas brasileiras e concentração
(ESPÍNDOLA, 2005). Martinelli Jr. et alli (2011) afirmam: “A capacitação brasileira [na genética bovina] está
assentada quase que exclusivamente na inseminação artificial. Existem dois tipos básicos desse tipo de atividade de
melhoramento genético. O primeiro tipo diz respeito àquelas atividades realizadas com o uso de tecnologias mais
avançadas e com criadores especializados em selecionar animais da mais alta estirpe e criar matrizes de alto valor
econômico em função de suas qualidades reprodutoras. Nessa categoria estão principalmente as filiais de grandes
empresas com atuação global (...).” (p. 11).
323
atividades pelo desenvolvimento de produtos de conveniência, que não apresentem perda de
qualidades organolépticas e nutricionais” (MAPA, 2007: p. 55).
Por fim, a realidade é distinta no final da cadeia, nos ramos de comercialização. Alguns
estudos mostram que o segmento de carnes seria comandado (dentro do que se convencionou
chamar de governança da cadeia) pelos elos finais da cadeia, os varejistas, em geral grandes
redes de supermercados, ou pelos varejistas em alianças estratégicas com frigoríficos, como pode
ser visto nos estudos de Gereffi e Lee (2009) e Lundström (2007). Está ocorrendo uma razoável
transição do simples varejista que vende pedaços em açougues para um padrão de produto ditado
pelas exportações e linhas de vendas de grandes varejistas. O MAPA (2007) explica as
tendências no setor de varejo:
“A evolução do mercado varejista, marcada pela concentração das grandes cadeias de
supermercados em busca de economias de escala e escopo e pela busca de estratégias
diferentes dessas por lojas independentes, tem impulsionado a modernização tecnológica
desse setor. A tecnologia da informação, por exemplo, passou a ser amplamente
utilizada, interligando e automatizando, em tempo real, as transações de compra e
controle de estoques entre produtores/fornecedores e pontos de venda.
Os demais avanços tecnológicos observados nos países desenvolvidos, principalmente
voltados à área de embalagens e conservação (incluindo a cadeia do frio) são
incorporados de forma rápida e direta, visto que as grandes empresas varejistas nacionais
são, em grande parte, controladas por redes internacionais, principalmente dos Estados
Unidos e França.
Ainda na parte de comercialização, os segmentos de hotéis, restaurantes e fast-food
possuem comportamentos similares aos das grandes empresas varejistas nacionais,
especialmente os direcionados à população com melhores condições de renda. A
tendência da “cozinha de montagem” (cozinha responsável pela preparação de refeições
coletivas e que utilizam pratos pré-preparados como forma de diminuir custos de
matérias-primas e preparação) exige produtos mais adequados, com cortes de carne e
embalagens específicas a essas atividades. A tendência do aumento de importância dos
food services nos hábitos alimentares dos brasileiros pode se refletir em oportunidades
importantes de mercado para as indústrias que se disponham a fabricar e distribuir
produtos com as características demandadas por esse setor” (MAPA, 2007: pp. 55-56).

Desta forma, há uma hierarquização dentro da cadeia desfavorável para a posição dos
frigoríficos. Aquelas empresas que não possuem ramos mais verticalizados terminam por sofrer
os problemas de instabilidade de margens advindas desta posição.

4. Crescimento/Transformações

324
A estratégia de crescimento do grupo JBS pode ser resumida pelas aquisições. A
síntese feita pelo presidente da empresa – expressa na frase em que diz “não construímos,
reformamos” – é excelente para mostrar qual é o negócio principal: adquirir unidades produtivas
e aumentar sua eficiência operacional e econômica num segmento da cadeia caracterizado por
baixas margens. Considerando que a empresa tenha a capacidade de sanear outras empresas em
dificuldades, a questão da implementação da estratégia se desloca para o financiamento das
aquisições. A envergadura das aquisições feitas pela JBS desde 2005, em especial as maiores, só
pode ser enfrentada com os aportes feitos pelo BNDES, sem o qual a internacionalização e o
status de maior do mundo jamais seriam possíveis. A despeito da posição de líder mundial no
setor de proteína animal, a JBS persiste em um elo menos forte da cadeia, o frigorífico – abate e
atacado –, com margens limitadas e dependente de mercados externos para seus excedentes.
Para entender a trajetória da empresa nos anos 2000, é preciso ver em primeiro lugar
a evolução das receitas. A receita de 2012, comparada à de 2004, antes das aquisições, portanto,
revela um crescimento de mais de 20 vezes. Parte desse crescimento, obviamente, corresponde à
transformação de receitas em dólares em receitas em reais, com tendência geral de apreciação do
Real (já que parcela apreciável das vendas passou a ser feita em dólares).

Gráfico D.6. JBS – Receitas Líquidas (em R$ mil)

Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

Um dado que revela a descontinuidade do crescimento da JBS é a sua participação no


ranking dos 200 maiores grupos do Brasil segundo a publicação anual do jornal Valor
Econômico. O grupo só aparece na listagem a partir de 2006, mas não exatamente por ter receitas

325
menores do que o necessário para constar (estaria em 2004 ou 2005 na mesma posição que em
2006, aproximadamente), mas provavelmente pela falta de informações públicas da companhia,
que não possuía nem de longe a projeção que veio a ter e que só lançou relatórios anuais a partir
de 2006 (na CVM).

Tabela D.10. JBS – Posição no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (por receita)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
200 grupos - - ND* - - 69º 31º 17º 5º 5º 9º
25 maiores indústria - - ND* - - 14º 6º 5º 1º 2º 3º
Brasil

*ND: Dado não encontrado


Fonte: Elaboração própria com dados do anuário Valor Grandes Grupos.

Como afirmamos, este crescimento só foi possível pela agressiva estratégia de


aquisições, concentrada em um espaço de cinco anos:

326
Tabela D.11. JBS – Principais Investimentos

Fonte: MACEDO & LIMA, 2012.


327
A explicação da empresa, segundo a versão oficial dos relatórios da empresa de 2006
até 2012, seria o binômio adquirir e melhorar a eficiência.
“A tudo isso é somado o contínuo esforço de reduzir custos e aumentar eficiências
operacionais, que é o foco desde a fundação da Companhia, visando sempre aumentar a
produção e produtividade. A Companhia pretende continuar a ser um dos produtores de
carne bovina com uma das menores estruturas de custo do mundo (...)” (JBS, RADM
2006: p. 2).
“O grupo opera em regiões de alta competitividade, com rígido controle de custos, e
promove há mais de duas décadas sua expansão por meio de aquisições e participações
societárias. Analisa constantemente novas oportunidades de negócios, ampliando sua
atuação em novos mercados e permitindo ganhos de escala e sinergias operacionais, com
foco no retorno sobre o capital investido. também são diferenciais de sua plataforma de
produção o constante aumento da eficiência operacional, o investimento em tecnologia
da informação e a qualificação profissional de seus colaboradores” (JBS, RA 2012: p.
24).
O processo de aquisições internacionais aparece como uma oportunidade
possibilitada momentaneamente pela apreciação do Real frente ao dólar na maior parte do
período e pela disponibilidade de grandes empresas em dificuldades no período, como a Swift e a
Pilgrim’s Pride. Internamente, a maior aquisição, do grupo Bertin, foi possível por um acordo de
troca das ações do frigorífico adquirido por parte (minoritária) do controle da JBS.
Contudo, antes que pareça que o grande mérito no processo foi das competências
gerenciais da companhia, exaltadas pela mídia especializada e por inúmeros trabalhos
acadêmicos193, é preciso pontuar o fator decisivo para a execução da estratégia: o financiamento
do BNDES. O BNDES fez grandes aportes (ver em detalhes no tópico “Base financeira” adiante)
que cobriram a maior parte do valor das mais importantes compras como da Swift dos EUA e da
Pilgrim’s Pride (MACEDO & LIMA, 2012). Além disso, ele o fez como acionista através do
BNDESPar e não como Banco, tendo como contrapartida dividendos incertos (sem nenhum

193
A JBS carrega consigo uma curiosa característica de um grupo de gestão ainda familiar: a simplificação dos
processos e o conhecimento operacional do negócio. Como se trata de um mercado de grande competitividade e
baixas margens, onde o processo de criação e alimentação dos animais e os processos de embalagem e distribuição
não possuem grande diferenciação, o processo de abate e corte é um dos diferenciais (FAO, 2009; SCHNEPF, 2013;
LEAHY, 2013). A presença quase folclórica dos filhos do fundador no comando direto da companhia – e seu
“modelo” de gestão “Frog”, ou “From Goiás” – é o que, aparentemente, viabilizou sucesso na empreitada de
internacionalização e recuperação de gigantes adquiridas, como a Swift e a Pilgrim’s Pride nos EUA, como foi
coberto pela imprensa e academia internacional: estudo da Harvard Business School/HBS (BELL & ROSS, 2008) e
reportagens da Businessweek (GRULEY & KASSAJ, 2013) e do Financial Times (LEAHY, 2013), além do The
Washington Post (FORERO, 2011); na mesma linha, a reportagem da EXAME (LETHBRIDGE & JULIBONI,
2009) e da Época Negócios (Salomão et alli, 2009).
328
pagamento em 2010 e 2011). Tornar líderes alguns grupos em setores especiais foi estratégia do
governo, coerentemente com o Política de Desenvolvimento Produtivo (2008-2010), a política
industrial do segundo governo Lula. No PDP, estão elencados sete setores prioritários194, em que
se buscava consolidar uma posição de liderança, dentre os quais o de carnes. O relatório de
conclusão da Política (BRASIL, 2010) menciona que o objetivo no segmento era tornar o Brasil o
maior exportador mundial e as carnes o produto mais exportado do agronegócio brasileiro (não
superior à mineração), ou seja, está vinculado ao fortalecimento da balança comercial. Uma dos
resultados conquistados segundo o relatório foi a constituição de “players internacionais” (JBS,
Marfrig e BRFoods) e que as metas futuras buscavam enfrentar questões sanitárias e de
rastreamento – fundamentalmente fortalecer a posição de exportador.
Nos últimos anos, a movimentação mais interessante foi a entrada no mercado de
carnes de frango. Trata-se, como já foi visto, do mercado mais dinâmico no setor de carnes e a
JBS acabou incorporando-se através da aquisição da americana Pilgrim’s Pride e do
arrendamento da Frangosul em 2012 e, mais recentemente, em 2013, da aquisição da Seara
Brasil, antiga propriedade do grupo Marfrig. Representa de certa forma a busca por
oportunidades mais rentáveis ainda sob a estratégia da aquisição para saneamento econômico-
operacional.
Desta estratégia acima descrita, resultam duas modificações importantes: a JBS
entrou em outros segmentos de carnes e internacionalizou a produção (não somente exportações),
com as operações estrangeiras passando a contar mais nas receitas do que as operações brasileiras
ou da América do Sul. A primeira grande modificação pode ser vista no gráfico adiante: de 92%
das receitas com em 2006, a JBS passa a ter apenas 64% em 2011, com 10% em carne suína e
20% em carne de frango.

194
Os setores são: complexo aeronáutico, petróleo, gás e petroquímica, bioetanol, carnes, celulose e papel, siderurgia
e mineração. Não à toa, em quase todos os casos há uma correlação com setores muito oligopolizados ou uma
atenção especial para os grupos maiores. Para mencionar os de controle brasileiro, que compões a lista dos maiores,
temos: Embraer, Petrobras, usinas como a Cosan, os frigoríficos JBS, Marfrig, Minerva, Bertin, Fibria, Suzano,
siderúrgicas como Gerdau, Usiminas e CSN, além da Vale.
329
Gráfico D.7. Receita Líquida por segmento de atividade (%)

Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

Com as operações estrangeiras, as receitas vindas de operações estrangeiras passam a


ser majoritárias na empresa:

Tabela D.12. Receita Líquida por divisão (em US$ mi)


RECEITA LÍQUIDA 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total 14.142,0 30.340,0 23.339,2 30.524,3 36.385,2 38.316,8
JBS USA Carne Bovina 8.626,6 19.417,6 11.232,3 13.103,5 16.459,6 17.477,6
JBS USA Carne Suína 2.545,6 4.247,6 2.245,0 2.956,7 3.472,6 3.501,1
JBS USA Frango 0,0 0,0 6.813,8 6.881,7 7.535,7 8.121,4
JBS Mercosul 2.969,8 6.674,8 3.048,1 7.582,4 8.917,3 9.216,7
Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

De acordo com o padrão mundial do setor de carnes, as exportações da JBS são uma
parte pequena das suas vendas totais. Este padrão, contudo, só se desenhou com a
internacionalização da JBS, em que o destino principal de suas maiores operações (EUA) é o
próprio mercado doméstico. Os anos iniciais mostrados na Tabela abaixo servem como uma
aproximação do mercado da JBS nas operações Brasil ou Mercosul: metade da produção é
exportada, aproximadamente (não temos dados mais recentes). A julgar pelos objetivos da
política brasileira para o setor, as exportações serão sempre um objetivo a se alcançar, apesar do
crescimento do consumo de carnes no Brasil também oferecer um mercado promissor.

330
Tabela D.13. JBS – Receitas Líquidas – doméstico (operações) x exportações (%)
Receitas líquidas por segmento 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Doméstico 52% 44% ND 68% 76% 77% 76% 75%
Exportações 48% 56% ND 32% 24% 23% 24% 25%
Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

Apesar da redução do percentual exportado, o volume de exportações aumentou com


o aumento da companhia. Em especial, o acesso à bases produtivas de países desenvolvidos como
EUA e Austrália criou o canal para que a JBS pudesse atingir mercados importadores mais
nobres, independente das barreiras sanitárias impostas ao Brasil. Revela-se alguma divisão entre
o que está ao alcance da empresa – mercados mais nobres – e o que está ao alcance do Brasil –
ainda limitado pelas questões sanitárias.
O crescimento não representou, contudo, um resultado proporcional do ponto de vista
financeiro. No gráfico abaixo pode-se ver que as Receitas Líquidas não foram acompanhadas
pelo Resultado antes do resultado financeiro e dos tributos, pelo Resultado antes da Tributação e
Participações e pelo Lucro Líquido/Prejuízo. Destaca-se a queda que o resultado financeiro leva
ao Resultado.

Gráfico D.8. JBS - Receitas líquidas, Resultados e Lucro/Prejuízo (em R$ bilhões)


(Eixo da direita para Receita Líquida)

Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

331
O resultado é a redução das margens da companhia, conforme se vê no gráfico
abaixo. Não se trata, contudo, de um cenário atípico para o setor de frigoríficos como um todo.
Por outro lado, demonstra que poder financeiro dispõe a empresa estando no setor de
processamento, particularmente o setor de carnes in natura. Este, além da base financeira
dependente do Estado e da base produtiva ainda sujeita a limitações sanitárias, é um dos
principais problemas da JBS dentro do seu negócio. A sua posição de líder mundial se refere aos
dados absolutos – receitas, vendas físicas –, mas não mostram qual a posição do setor de
frigoríficos na cadeia: como visto no item 3.4. “A cadeia da carne bovina”, é limitada.

Gráfico D.9. JBS – Margens Operacional, EBITDA e Líquida (%)

Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

As perspectivas que estão desenhadas para a JBS no futuro próximo revelam a


continuidade das aquisições, mas com foco no mercado brasileiro. Segundo o presidente da
companhia Wesley Batista, em entrevista em meados de 2012 (KPMG, 2012), o mercado
brasileiro passou a ser mais atraente para aquisições do que os externo (EUA, Austrália ou
México), devido à capacidade de expansão da produção intensificando a produção por área. A
aquisição da Seara revela essa preferência pelo Brasil, ainda que seja em setor diverso do bovino.
Outro desafio diz respeito à posição do frigorífico enquanto tal. As campanhas
publicitárias ocorridas em 2013 para fortalecer a marca “Friboi” como opção direta do

332
consumidor no varejo buscam diminuir a condição de commodity que as carnes possuem, em
especial a bovina195.
Um último será o endividamento. Apesar dos aportes públicos, a empresa continua
bastante alavancada e sua posição piorou depois que adquiriu a Seara Brasil da Marfrig e assumiu
suas dívidas (ver adiante “Base financeira”).

5. Base produtiva

A JBS é a maior produtora de proteínas do mundo. Embora atue nos quatro tipos de
carnes, sua especialidade é a carne bovina, tendo entrado nos outros segmentos apenas nos
últimos seis anos. Sua atividade principal é o processamento de carnes e seu produto principal é
carne in natura, embora atue ainda no ramo de carnes industrializadas e no processamento de
couros. Atua ainda, em menor medida, em áreas correlatas, como a comercialização de produtos
de higiene e limpeza, colágeno, embalagens metálicas, biodiesel e outros. Após o conjunto de
aquisições internacionais, a JBS se tornou uma empresa maior proporção de receitas fora do que
dentro do Brasil, sendo a mais internacionalizada do país.
O frigorífico JBS se tornou o maior do mundo após o conjunto de aquisições
internacionais e nacionais feitas. No gráfico abaixo fica claro, observando a sua capacidade de
abate, como ocorrem os saltos na capacidade de bovinos a partir de 2006, ano de aquisição da
Swift argentina, e 2007, ano de aquisição da Swift americana, além da entrada em outros ramos
em que não tinha atuação.

195
Recente campanha do frigorífico Minerva oferecendo nova linha de cortes (“Carnes Nova Mesa”) prontos para
preparo responde ao mesmo problema.
333
Gráfico D.10. JBS – Capacidade de abate diário – por segmento de atividade

Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

Outra característica fundamental para se compreender a posição da JBS é a divisão de


suas atividades entre produção in natura, industrialização da carne (aquilo que o Ministério da
Agriculta chamou de “indústrias de segunda transformação”) e outras atividades. Curiosamente,
ao adquirir grandes empresas estrangeiras, a tendência da JBS foi aprofundar sua especialização
em atividades mais simples: a produção in natura, que consiste apenas no corte e
acondicionamento/embalagem para venda. Curiosamente, após comprar operações em países
desenvolvidos, sua produção se “primarizou” em geral.

334
Gráfico D.11. JBS – Produção por segmento (%)

Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

A distribuição geográfica da JBS pode ser entendida pela separação das unidades
organizacionais entre JBS Mercosul (Brasil, Argentina e demais) e JBS USA (dividida em três
segmentos: bovina, suína e frangos), englobando EUA, Canadá, Austrália e outros menores. No
que diz respeito ao seu principal negócio, a maior capacidade produtiva de abate de bovinos
ainda é o Brasil/Mercosul, ainda que as receitas de bovinos sejam maiores no mercado da JBS
USA.

335
Tabela D.14. JBS – Capacidade de abate diário por segmento e região (%)
Bovinos 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total 51.400 65.700 90.290 86.000 87.100 83.991
Brasil ou JBS Mercosul 18.900 ND ND 53.000 42.550
Argentina 6.700 ND ND ND 1.730
Paraguai - ND ND ND 521
Uruguai - ND ND ND 900
EUA ou JBS EUA 28.600 ND ND 34.100 26.025
Austrália 8.500 ND ND ND 7.765
Canadá - ND ND ND 4.500
Outros 3.000 ND ND ND -

Aves 2007 2008 2009 2010 2011 2012


Total 0 0 7.600.000 7.600.000 7.200.000 8.950.000
Brasil - - - - 1.450.000
JBS USA (EUA, Mex. Porto Rico) - 7.600.000 ND 7.200.000 7.500.000

Suínos 2007 2008 2009 2010 2011 2012


Total 47.900 47.900 48.500 48.500 50.100 51.300
JBS USA (EUA) 47.900 47.900 48.500 ND 50.100 51.300

Ovinos 2007 2008 2009 2010 2011 2012


Total 0 20.500 27.500 27.500 28.300 24.900
EUA 4.000 ND ND ND 2.800
Austrália 16.500 ND ND ND 22.100

Couros (peças) 2007 2008 2009 2010 2011 2012


Total ND ND 55.600 ND ND 73.800
Brasil 55.600 71.600
China - - - 2200
Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

Como já foi visto em tópico anterior, a JBS não é uma empresa majoritariamente
exportadora: suas exportações como percentual das receitas totais não excederam 30% nos
últimos quatro anos. Dentro deste universo, se destacam entre 2008 e 2010 (período com dados
disponíveis) o acesso a dois grandes consumidores tradicionais, a Europa e o Japão (também
chega a outros ricos asiáticos: Coreia do Sul, Hong Kong e Taiwan), e três consumidores que
vem crescendo, a Rússia, o México e o MENA (Oriente Médio e África do Norte).

336
Tabela D.15. JBS – Destinos das exportações, por pais/região (%)
Exportações por país 2008 2009 2010
África e Oriente Médio 7% 7% 18%
México 18% 8% 14%
Japão 9% 17% 12%
Rússia 13% 10% 10%
União Europeia 11% 11% 8%
Hong Kong 5% 6% 7%
Coreia do Sul 4% 7% 5%
Canadá 8% 8% 4%
China 3% 5% 4%
EUA 3% 7% 4%
Taiwan 4% 12% 2%
Indonésia 0% 3% 1%
Outros 15% 3% 12%
Fonte: JBS - Relatórios Anuais (Elaboração própria)

6. Base financeira

A principal forma de financiamento da JBS no período de estudo foi o BNDES,


particularmente através da subscrição de ações. O grupo JBS abriu seu capital em 2007, quando o
BNDES fez o seu primeiro aporte que financiou quase integralmente a aquisição da Swift nos
EUA. Desde então o BNDESPar tem sido o principal investidor no grupo JBS, especialmente via
ações. Na tabela abaixo estão as captações do grupo no mercado de capitais, onde as subscrições,
maior parte feita pelo BNDES, se destacam (R$ 7.203,8 milhões) contra as demais fontes (R$
4.010,0 milhões).

Tabela D.16. JBS – Captação de Recursos Via Mercado de Capitais

Fonte: MACEDO & LIMA (2012).


337
Observando mais detidamente a composição do grupo controlador (vide tabela baixo),
temos os seguintes fatos principais: (i) O governo se tornou o principal sócio minoritário do
grupo através dos aportes feitos pelos BNDES (via BNDESPAr), que chegou a deter 30,4% das
ações do grupo (a Caixa se apossou de 10,1% da JBS em 2012, fatia que pertencia ao
BNDESPAr, simplesmente para fechar as contas da União no ano196); (ii) em 2009, foi criada
uma nova empresa, a FB Participações, controlada pela J&F Participações (família Batista) mas
com parcela dada aos controladores do frigorífico Bertin em troca da incorporação de seus ativos
à JBS; (iii) Em 2011, o Banco Original, de propriedade dos Batista, assume parte do controle.

196
Parte do episódio conhecido como a “contabilidade criativa” do governo no fechamento das contas de 2012.
338
Tabela D.17. JBS - Composição do Controle Acionário
Acionistas 2007 2008 2009
J&F Participações S.A. 597.195.003 55,4% 632.781.603 44,0% - 0,0%
FB Participações S.A. - 0,0% - 0,0% 1.399.867.018 59,1%
Banco Original - 0,0% - 0,0% - 0,0%
Administradores 17 0,0% - 0,0% - 0,0%
ZMF Fundo de Invests. Parts. 87.903.348 8,2% 87.903.348 6,1% - 0,0%
Ações em Tesouraria - 0,0% 34.226.200 2,4% 43.990.100 1,9%
Ações em circulação (total) 392.301.632 36,4% 683.167.775 47,5% 923.614.358 39,0%
BNDES Participações S/A 139.470.609 12,9% 186.891.800 13,0% 437.102.282 18,5%
FRDT-FP/PROT-FIP - 0,0% 205.365.101 14,3% 205.365.101 8,7%
Caixa Econômica Federal - 0,0% - 0,0% - 0,0%
Minoritários 252.831.023 23,5% 290.910.874 20,2% 281.146.975 11,9%
TOTAL DE AÇÕES 1.077.400.000 100,0% 1.438.078.926 100,0% 2.367.471.476 100,0%
Capital Social (R$ mi) 1.945,58 4.495,58 16.483,54

Acionistas 2010 2011 2012


J&F Participações S.A. - 0,0% - 0,0% - 0,0%
FB Participações S.A. 1.399.867.018 54,5% 1.322.594.285 43,2% 1.294.186.864 44,0%
Banco Original - 0,0% 77.272.728 2,5% 97.519.895 3,3%
Administradores - 0,0% - 0,0% - 0,0%
ZMF Fundo de Invests. Parts. - 0,0% - 0,0% - 0,0%
Ações em Tesouraria 74.753.200 2,9% 97.185.895 3,2% - 0,0%
Ações em circulação (total) 1.092.851.258 42,6% 1.563.936.283 51,1% - 0,0%
BNDES Participações S/A 437.102.282 17,0% 931.069.588 30,4% 584.417.512 19,9%
FRDT-FP/PROT-FIP 205.365.101 8,0% 205.365.101 6,7% - 0,0%
Caixa Econômica Federal - 0,0% - 0,0% 296.392.500 10,1%
Minoritários 450.383.875 17,5% 427.501.594 14,0% 671.127.237 22,8%
TOTAL DE AÇÕES 2.567.471.476 100,0% 3.061.444.191 100,0% 2.943.644.008 100,0%
Capital Social (R$ mi) 18.083,54 21.561,11 21.506,25
Fonte: JBS – Relatórios de Administração, diversos anos (elaboração própria).

Dentre as capitalizações feitas pelo BNDES, estão a de R$ 1.115 milhões em 2007 e a de


R$ 3.477 milhões, realizada através de capitalização de créditos das debêntures emitidas pela
JBS. A primeira foi decisiva na aquisição da Swift dos EUA, enquanto a segunda, para a
aquisição da Pilgrim’s Pride, também dos EUA.
A contrapartida da JBS para os acionistas – dentre eles o BNDES –, os dividendos, têm
ocorrido de forma bastante irregular e simplesmente não houve nos anos de prejuízo de 2010 e
2011.

339
Tabela D.18. JBS – Pagamento de dividendos
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Pagamento de Dividendos (R$ mi) 21.800 31.700 11.200 17.500 12.300 61.500 0 0 170.700
Dividendos/Receita Líquida (%) 0,6% 0,9% 0,3% 0,1% 0,0% 0,2% 0,0% 0,0% 0,2%
Dividendos/Lucro Líquido (%) 18,5% 37,7% 7,1% -10,4%* 54,6% 27,9% 0,0% 0,0% 22,4%
(*) Em 2007 houve prejuízo, mas a JBS pagou dividendos.
Fonte: JBS, Relatórios Anuais, diversos anos (elaboração própria)

Duas informações que são importantes na análise da base financeira das empresas
estão na tabela abaixo. Enquanto o prazo é majoritariamente longo, a composição em moedas é
majoritariamente nacional. Infelizmente, não mais informações nos Relatórios Anuais acerca de
quais são os credores, as principais operações e os prazos. Particularmente a composição em
moeda, concentrada em reais, destoa das demais empresas desta pesquisa e não podemos apurar
sua origem.

Tabela D.19. JBS – empréstimos e financiamentos, composição das moedas e prazos (%)
Empréstimos e Financiamentos 2008 2009 2010 2011 2012
Moeda Nacional 44% 47% 58% 62% 63%
Estrangeira 56% 53% 42% 38% 37%
Prazos Curto Prazo 33% 43% 33% 28% 30%
Longo Prazo 67% 57% 67% 72% 70%
Fonte: JBS, Relatórios Anuais, diversos anos (elaboração própria)

O indicador utilizado pela JBS para avaliar sua capacidade de pagamento das dívidas é a
Dívida Líquida/EBITDA. Como se vê no gráfico abaixo, o indicador tem se mantido bastante
estável por volta de 3,0. No fechamento do terceiro trimestre de 2013, após a incorporação da
Seara, este indicador chegou a 4,03, colocando na agenda da companhia a redução para um
patamar de 3,0.

340
Gráfico D.12. JBS – Dívida Bruta (R$ mi) e razão Dívidas Bruta e Líquida/EBITDA (%)

Fonte: JBS, Relatórios Anuais, diversos anos (elaboração própria)

7. Síntese

A JBS é um capital que atua dentro do segmento de agronegócio e cresce através de


aquisições, fortemente alavancado pelo Estado brasileiro. É a partir do processo de
internacionalização, iniciado em 2005 e acelerado em 2007, que se torna a empresa com projeção
internacional. Sua estratégia consiste em adquirir e sanear empresas concorrentes com
dificuldades financeiras e operacionais. No entanto, tanto a posição da empresa na cadeia
produtiva quanto o custo do endividamento necessário para as aquisições implicam baixas
margens e um pequeno raio de manobra da empresa. O decisivo é que, além de não ter a base
financeira necessária para executar sua estratégia, a JBS atua em um segmento da cadeia de
carnes que é comandado por outros segmentos. Sua tecnologia é básica, suas margens são
pequenas, a eficiência exige escalas muito altas e ela não controla os canais mais importantes da
cadeia, no varejo ao consumidor ou na incorporação de progresso técnico na criação dos animais.
Desta forma, apesar de atuar como uma empresa transnacional, sua condição não a torna uma
líder real do setor. O fortalecimento da JBS fortalece o agronegócio no Brasil, a dependência
tecnológica e de mercados externo, o padrão de uso da terra baseado no latifúndio, a necessidade
de converter o negócio em fonte de equilíbrio na balança comercial – e nas contas externas em
geral –, e o endividamento do Estado para financiar grandes negócios privados.

341
A JBS atua no ramo de carnes e é especializada no ramo de carnes bovinas. Este é um
ramo do agronegócio mais estável que outros por motivos de demanda – crescimento permanente
do consumo de proteína animal – e técnicos, o que fez com que os preços subissem menos e
oscilassem menos que outras commodities. O segmento principal da JBS, a carne bovina, é o
menos dinâmico entre os quatro principais, com preços maiores e atratividade menor, marcado
por margens menores. Tanto o é que a JBS tem aproveitado as suas aquisições para obter a
oportunidade de entrar nos segmentos mais dinâmicos, como é o caso da carne de frango. De
qualquer forma, até agora o padrão produtivo da JBS é o fornecimento de carne in natura, um
processo de baixo valor agregado, com tecnologia livre e muito dependente de custos.
Baseada na estratégia de aquisições de concorrentes, a JBS se sintetiza pelos dizeres do
presidente: “não construímos, reformamos”. Embora seja possível que possua alguma vantagem
frente a outras empresas por uma gestão mais eficiente, a transformação da antiga Friboi na
multinacional JBS só foi possibilitada pelo comprometimento do Estado através do BNDES. Tal
comprometimento não só foi grande – a JBS foi o frigorífico e uma das empresas brasileiras que
mais recebeu recursos do banco nos anos 2000 –, como foi feito através de participação acionária,
sem contrapartida regular em juros, mas na forma de dividendos instáveis e algumas vezes
inexistentes. Foi uma maneira mais barata e prática de transferir imenso volume de recursos para
uma empresa;
Seus principais mercados consumidores são os mesmos países onde possui produção, uma
característica própria do mercado de carnes, em que a fatia da produção destinada ao comércio
internacional é relativamente pequena – ainda que, no Brasil estimemos que as exportações sejam
bastante relevantes para a empresa. No entanto, as qualidades exigidas por mercados
importadores importantes e a recorrência de embargos sanitários ou comerciais às importações
são fonte de oscilação em preços e impactam fortemente os frigoríficos. São variáveis exógenas
às empresas produtoras, exacerbando uma característica fundamental do setor: é movido pela
demanda do consumidor.
Outro ponto fundamental é quem controla os segmentos mais relevantes ao longo de toda
a cadeia. Na ponta inicial, a incorporação de progresso técnico ocorre fundamentalmente na
saúde animal – outro fator mobilizado por motivos de demanda –, com alimentação e
farmacêutica veterinária, e no melhoramento genético. Todos estes setores são controlados
342
majoritariamente por grandes empresas internacionais, havendo algum espaço para o capital local
se incorporar na revenda, associação ou nichos de mercado. Na outra ponta, a final, residem que a
literatura afirma ser os segmentos mais dinâmicos, controlados pelos grandes varejistas e
empresas de food services. São eles que conseguem se apropriar de uma parcela maior do valor
adicionado até o produto final. O setor é controlado por alguns segmentos mais importantes que
incorporam parte maior do valor, relegando a outros, como o dos frigoríficos, parcelas menores
ou residuais.
No Brasil em particular, o mercado consumidor de carne bovina e carnes em geral se
aqueceu com o período de crescimento com aumento de salários reais e transferência de renda.
Isso torna para a empresa o mercado interno relevante, ainda que a orientação de política
econômica, bem como a coerência dos negócios da empresa, empurre para o processo de
exportação. Desta forma, o segmento de carnes, e a JBS nele, seriam uma peça fundamental da
estabilização do setor externo, garantindo saldos comerciais – a meta é que o setor fosse o maior
exportador no agronegócio brasileiro e que o país fosse o maior exportador do mundo.
Desta forma, a transnacionalização da JBS, que reduz seus vínculos com o mercado
interno, ainda que ele continue a ser importante mercado consumidor, reforça características
regressivas do agronegócio: o uso intensivo de recursos naturais e da terra; o custo do suporte
estatal ao setor; a busca por atender a mercados externos – e a correspondente vulnerabilidade aos
choques de demanda típicos do setor primário; a busca pelo diferencial em atividades de gestão e
não na incorporação de progresso técnico ou criação de novas mercados; a constituição da
empresa em mais uma peça das estratégias globais do capital que podem desestruturar economias
nacionais com mudanças de planos produtivos e financeiros, exacerbando as tendências à
reversão neocolonial.

8. Referências Bibliográficas

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343
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