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Nova Gazeta Renana

Nº 169
15 de Dezembro de 1848

Karl Marx

MARX, Karl. Nova Gazeta Renana: artigos de Karl Marx. Apresentação e tradução de Lívia
Cotrim. São Paulo: Educ, 2010.

[...]

Não se deve confundir a revolução prussiana de março nem com a revolução inglesa
de 1648, nem com a revolução francesa de 1789.
Em 1648, a burguesia estava aliada com a nobreza moderna contra a monarquia, a
aristocracia feudal e a Igreja dominante.
Já em 1789, a burguesia estava aliada com o povo contra a monarquia, a nobreza e a
Igreja dominante. A revolução de 1789 não tinha outro modelo (ao menos na Europa) que a
revolução de 1648, e a revolução de 1648 somente a sublevação dos Países Baixos contra a
Espanha . As duas revoluções estavam um século adiante dos seus modelos, não apenas no
tempo, mas também no conteúdo.
Nas duas revoluções a burguesia era a classe que efetivamente estava na ponta (Spitze)
do movimento. O proletário e as frações das classes médias não pertencentes à burguesia ou
não tinha ainda interesses distintos da burguesia, ou ainda não formavam classes ou frações de
classe desenvolvidas de modo independente. Por conseguinte, onde elas se opuseram à
burguesia, como, por exemplo, de 1793 a 1794 na França, não lutaram a não ser pela
imposição dos interesses da burguesia, embora não ao modo da burguesia. Todo o Terror na
França não foi nada mais do que uma maneira plebeia de acabar com os inimigos da
burguesia, o absolutismo, o feudalismo e o espírito pequenoburguês.
As revoluções de 1648 e de 1789 não foram as revoluções inglesa e francesa, foram
revoluções de tipo (Stils) europeu. Não foram o triunfo de uma determinada classe da
sociedade sobre a velha ordem política; foram a proclamação da ordem política para a nova
sociedade europeia. Nelas triunfou a burguesia; mas o triunfo da burguesia foi então o triunfo
de uma nova ordem social, o triunfo da propriedade burguesa sobre a propriedade feudal, da


Marx refere-se às lutas dos Países Baixos de 1566 a 1609, que foram uma combinação de guerra nacional
contra a Espanha absolutista e de luta antifeudal. O processo findou com a vitória do norte, onde a primeira
república burguesa – as Províncias Unidas (a República Holandesa) – foi estabelecida, e com a derrota das
províncias sulinas, que permaneceram sob domínio espanhol.
II

nacionalidade sobre o provincialismo, da concorrência sobre o corporativismo, da partilha


sobre o morgado, do domínio do proprietário de terra sobre a dominação do proprietário
através da terra, do esclarecimento sobre a superstição, da família sobre o nome da família, da
indústria sobre a preguiça heroica, do direito burguês sobre os privilégios medievais. A
revolução de 1648 foi o triunfo do século XVII sobre o século XVI, a revolução de 1789 o
triunfo do século XVIII sobre o século XVII. Essas revoluções exprimiram ainda mais as
necessidades do mundo de então, do que das partes do mundo onde tinham ocorrido,
Inglaterra e França.
Não houve nada disso na revolução prussiana de março.
[...]
Enquanto 1648 e 1789 tinham orgulho infinito de estar na ponta da criação, a ambição
do 1848 berlinense consistia em formar um anacronismo. Sua luz se assemelhava à dar
estrelas que chega a nós, habitantes da Terra, depois que os corpos que a emitiram já não
estão apagados há cem mil anos. Para a Europa, a revolução prussiana de março foi, em
miniatura, uma dessas estrelas, como miniatura foi em tudo. Sua luz era a luz de um cadáver
social de há muito decomposto.
[...]
A burguesia prussiana não era, como a burguesia francesa de 1789, a classe que, diante dos
representantes da antiga sociedade, da monarquia e da nobreza, encarnava toda a sociedade
moderna (p. 323-324).

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