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Discussão das diversas


concepções de homem
subjacentes às abordagens

AULA
do desenvolvimento humano –
a abordagem sócio-histórica
Meta da aula
Dando continuidade à discussão das diversas concepções
de homem, subjacentes às abordagens do desenvolvimento
humano, esta aula pretende caracterizar a abordagem sócio-
histórica do desenvolvimento e da aprendizagem, estabelecen-
do comparações com os dois outros paradigmas estudados nas
aulas anteriores (inatismo e ambientalismo).
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta


aula, você seja capaz de:
1. reconhecer a existência de concepções diversas de
homem, subjacentes às abordagens do desenvolvi-
mento humano;
2. caracterizar a abordagem sócio-histórica do desen-
volvimento e da aprendizagem;
3. comparar essa concepção com as abordagens am-
bientalista e inatista.
Psicologia e Educação | Discussão das diversas concepções de homem subjacentes às abordagens
do desenvolvimento humano – a abordagem sócio-histórica

INTRODUÇÃO PRIMEIRAS IDEIAS


Quando tentamos descrever, explicar, compreender um determinado fato,
objeto ou fenômeno, podemos fazê-lo de várias formas, utilizando lingua-
gens variadas, mas sempre haverá uma espécie de filtro, constituído pela
subjetividade da nossa percepção.
Passando do plano menor para o mais amplo da formulação das teorias cien-
tíficas, sabemos que essa subjetividade precisa ser controlada, e as variáveis
que possam interferir na objetividade e na fidedignidade da ciência precisam
ser corretamente controladas.
O conhecido filósofo Gaston Bachelard propõe uma divisão histórica bastante
definida entre os períodos de “espírito pré-científico”, “espírito científico”
e “novo espírito científico”. Ele sugere que a tarefa da história das ciências
é revelar como as novas teorias científicas negam as anteriores, trazendo
progresso ao conhecimento humano.
Vai mais além e fala de uma “psicanálise do conhecimento”, que vá pro-
fundamente ao centro das ciências, construindo o verdadeiro destino do
pensamento humano. Ela tem como objetivo ultrapassar os obstáculos
epistemológicos que impedem a ciência de progredir, como o senso comum
e os pressupostos das filosofias tradicionais, por exemplo.

Gaston Bachelard
(1884-1962)
Filósofo francês, Bachelard teve origem modesta, traba-
lhando desde cedo. Licenciou-se em Matemática e pre-
tendia ser engenheiro. Alistou-se no exército na I Guerra
Mundial e, depois do conflito, começou a trabalhar como
professor de Física e Química. Ao tomar contato com a
Teoria da Relatividade, elaborada por Einstein, entrou em
crise com a Física e decidiu estudar Filosofia.
Fez o doutorado com a tese Ensaio sobre o conhecimento
aproximado e Estudo sobre a evolução de um problema
da física, a propagação térmica nos sólidos (a tese é pre-
miada). Tornou-se professor universitário, com passagem
Fonte: http://www.geocities. pelas Universidades de Dijon e Sorbonne (Paris), lecionan-
com/Athens/Acropolis/9568/ do História e Filosofia das Ciências.
filosofia.html Suas obras mais conhecidas são: O novo espírito científico
(1934), Psicanálise do fogo (1938), A água e os sonhos
(1942), O ar e os sonhos (1943), A terra e os devaneios da vontade (1948), A poética
do espaço (1957) e A poética dos devaneios (1960).

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Os avanços da ciência ocorrem, portanto, por meio de rupturas

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A epistemologia,
históricas ou “cortes” feitos pela e p i s t e m o l o g i a no conhecimento cien- também chamada

AULA
teoria do conheci-
tífico, com a negação de uma ciência anterior por uma posterior. mento, interessa-se
Essas rupturas promovem o surgimento de novos “solos epistemo- pela investigação da
natureza, das fontes,
lógicos”, como dizia Foucault (configuração geral do saber comum aos da justificação, da
fundamentação e da
vários saberes particulares em uma determinada época histórica, situada validade do conheci-
entre os códigos fundamentais da cultura e as interpretações filosóficas), ou mento. Ela pode ser
concebida como refle-
de novos paradigmas, nas palavras de Thomas Kuhn (estruturas mentais xão filosófica sobre o
conhecimento científi-
que servem para classificar o real antes do estudo ou da investigação mais co (portanto ramo da
Filosofia), como tarefa
profunda, englobando elementos metodológicos e científicos, metafísicos,
do próprio cientista,
psicológicos, adotadas por uma comunidade científica). analisando e refletin-
do sobre o seu modo
Trata-se de uma descontinuidade no desenvolvimento histórico de conhecer, ou como
disciplina autônoma,
dos saberes ou de uma falta de adequação entre o conhecimento comum investigação metacien-
e o científico. tífica, uma ciência da
ciência com seu pró-
Dissemos tudo isso para afirmar que nas diversas abordagens prio objeto e método,
como na epistemolo-
teóricas do desenvolvimento humano há concepções diversas de homem gia genética de Piaget,
e de mundo, constituindo arcabouços teóricos e ideológicos diferentes. centrada no conheci-
mento científico e que
Para compreender melhor esses modelos, precisamos conhecer esse estuda as condições
necessárias para que a
substrato, o conjunto de ideias que se encontra na base de cada teoria. criança (bebê) chegue
à fase adulta com os
conhecimentos possí-
O que queremos dizer com a expressão “concepção veis para ela. Como
exemplo, podemos
de homem”? citar o trabalho de
Einstein, que trans-
Antônio Gramsci (1978), importante filósofo italiano, afirmou cendeu o papel de
cientista e chegou a
que a primeira e principal pergunta da filosofia é: “O que é o homem?” ser um filósofo do
conhecimento, ana-
Desdobrou esta questão em várias outras: o que o homem pode se tornar, lisando e refletindo
o que pode fazer de si mesmo, se pode ser “criador de si próprio”... sobre a sua própria
atividade científica,
Para Aranha (1996, p. 112-113), a questão é do âmbito da Antropo- explicitando as regras
de funcionamento e o
logia e apresenta diferentes concepções de homem, das quais destacamos: seu modo próprio
de conhecer.
• Concepção metafísica – afirma a
existência de uma essência humana,
de um modelo transcendente a ser
atingido por meio do amadureci-
mento. Segundo a autora, nessa
concepção a educação é vista como
um processo de aperfeiçoamento em
que o indivíduo é levado a realizar
Figura 4.1: Immanuel Kant.
Fonte: http://www.marxists.org/
glossary/people/k/pics/kant.jpg

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suas potencialidades. De acordo com Kant, o fim da educação


é desenvolver, em cada indivíduo, toda a perfeição de que ele
seja capaz.
• Concepção naturalística – busca adequar a metodologia das
ciências humanas ao método das ciências da natureza, basea-
do na experimentação, no controle e na generalização. Nessa
Figura 4.2: Skinner.
Fonte: http://lovecaffeine. concepção, proliferam abordagens teóricas que privilegiam
zip.net/images/skinner.jpg
o comportamento observável (Psicologia Experimental) e a
programação e modificação do mesmo (Behaviorismo).

• Concepção histórico-social – caracterizada por três aspectos:


a preocupação com o processo (nada é estático), com a contra-
dição (não há linearidade no processo) e com o caráter social
da construção humana (o ser do homem se faz presente nas
Figura 4.3: Jean-Jacques relações entre os homens ao longo da história). Essa concepção
Rousseau.
Fonte: http://www.estacao- de homem é clara, por exemplo, no naturalismo de Jean-Jacques
liberdade.com.br/autores/
rousseau.jpg Rousseau (1712-1778), na dialética de Hegel (1770-1831) e no
materialismo histórico de Karl Marx (1818-1883).

Você sabia...
Representante do Idealismo alemão, Georg Wilhelm Friedrich Hegel deu a Marx as bases
teóricas para a construção do arcabouço da sua dialética materialista. É de Hegel a frase
famosa: “As tragédias verdadeiras no mundo não são conflitos entre o certo e o errado.
São conflitos entre dois direitos.”
A origem do famoso Manifesto do Partido Comunista, escrito por Marx e por seu amigo e
também filósofo Engels, é curiosa. Eles foram forçados a abandonar a Alemanha e viveram
Figura 4.4: Georg Wi-
na França e depois na Bélgica. Suas obras atraíram os intelectuais e depois os operários.
lhelm Friedrich Hegel.
Um grupo de operários dirigiu-se a Marx e Engels, convidando-os a unir-se a eles. Ambos
Fonte: http://www.rvc.cc.il.
us/faclink/pruckman/phil/ declararam que não o fariam senão quando seu programa fosse comum. Os operários con-
hegel.jpg sentiram, organizaram a Liga dos Comunistas e encarregaram Marx e Engels do Manifesto
Comunista, que explicitou os princípios e as ações da revolução socialista através da tomada
do poder pelos proletários.
Jean-Jacques Rousseau, importante filósofo do Naturalismo, acreditava que todo homem
nasce bom e que a Educação poderia corromper a natureza da criança. Uma de suas fra-
ses conhecidas é: “O único hábito que se deve permitir a uma criança é o de não adquirir
nenhum.” O cantor e compositor Renato Russo adotou esse sobrenome artístico em ho-
menagem a Rousseau.

Japiassu (1975) apresenta três fases históricas distintas da concep-


Figura 4.5: Karl Marx. ção de homem: a concepção clássica (ciência grega), a concepção cristã
Fonte: http://esoriano.files.
wordpress.com/2007/07/
(Idade Média) e a concepção moderna.
marx.jpg

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AULA
Fonte: http://www.saberweb.com.br/grecia/arquitetura_da_grecia_antiga/
images/arquitetura-da-grecia-antig.jpg

Fonte: http://arrastao.weblog.com.pt/arquivo/
spanish_inquisition_court.jpg
http://stoa.usp.br/gil/files/-1/71/CMS_
YE+2Lowering_4.jpg

Como ilustração, apresentamos um quadro que demonstra cla-


ramente como são diferentes as concepções de homem em diferentes
teóricos.

Teórico Concepção de homem


Afirma que o desenvolvimento humano é explicado por fatores psicossexuais. Os componentes do
aparelho psíquico (id, ego e superego) têm dinâmicas próprias que são geradoras de conflito. O id
Freud existe desde o nascimento, é zona inconsciente e primitiva; o ego forma-se no primeiro ano de vida,
sendo regido pelo princípio da realidade; e o superego forma-se entre os três e os cinco anos de vida,
resulta do processo de socialização.

Propõe que a psicologia, para se tornar ciência, deve adotar o objeto e os métodos da psicologia
animal. Valoriza o comportamento observável e o método experimental e rejeita a possibilidade de
Watson transmissão hereditária de aptidões e de qualidades da personalidade. Destaca a importância do meio
ambiente como determinante do desenvolvimento humano, pois considera que o comportamento é o
conjunto de respostas observáveis de forma objetiva aos estímulos externos.

Segundo ele, o comportamento é definido na interação entre as estruturas biológicas e o ambiente, e


Piaget a inteligência se constrói progressivamente ao longo do tempo, por estágios universais cuja sequência
é definida.

Na sua concepção, o desenvolvimento humano está antes mais diretamente ligado com a cultura e os
processos cognitivos estão centrados na criação de significados. Os modos de representação adquiri-
Bruner
dos pela criança no decurso do desenvolvimento intelectual são três, progressivamente: icônico, enati-
vo e simbólico. O mecanismo mais importante do desenvolvimento é a auto-organização.

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Afirma que a consciência humana vem da relação do homem com a realidade de uma história social
que é vinculada ao trabalho e a linguagem. O homem é construído historicamente e sua subjeti-
vidade surge das circunstâncias em que vive no seu contexto social. Não há um indivíduo pronto e
Vygotsky
acabado, mas uma subjetividade em permanente processo de construção.
O desenvolvimento humano se dá, portanto, no âmbito da cultura e fundamentalmente
por meio do trabalho social.

Em sua obra, o homem é visto como um ser cujas características herdadas podem conflitar com o que
é desejável pelo meio. O comportamento humano evolui por meio das interações entre três níveis
Skinner de variação e seleção (filogênese, ontogênese e cultura), das inter-relações entre contingências de
sobrevivência e de reforço que o modelam, de acordo com os objetivos externos, nos processo de
condicionamento operante e respondente.

Vê o homem como um sujeito de relações, capaz de objetivar o mundo e objetivar a si mesmo por
Paulo meio do ato de conhecer, criando uma “consciência de mundo”, sentidos, significações e símbolos, e
Freire condições plenas para a intervenção sobre a realidade para modificá-la. Ele não se reduz aos limites
do tempo e do espaço, mas é construtor da sua história e da sua cultura.

Figura 4.8: Jean Piaget. Figura 4.9: Jerome Bruner.


Fonte: http://commons.ac- F o n t e : h t t p : / / w w w. t c .
Figura 4.7: John Broadus tivemath.org/ActiveMath2/ columbia.edu/i/media/me-
Watson. content/piaget/pics/jean_pia- dallist_bruner.jpg
Figura 4.6: Sigmund Freud. get.jpg
Fonte: http://psychclassics.
Fonte: http://personagens-
yorku.ca/Watson/Watson.
deoutraspoesias.files.word-
jpg
press.com/2008/10/meiobit-
freud.jpg

Figura 4.11: Burrhus Fre-


deric Skinner.
Fonte: http://lovecaffeine.
zip.net/images/skinner.jpg
Figura 4.10: Lev. S.
Figura 4.12: Paulo Freire.
Vygotsky.
Fonte: http://accosta.files.
Fonte: http://benjamimana.
wordpress.com/2009/02/pau-
files.wordpress.com/2008/06/
lo_freire1.jpg
vygotsky.jpg

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ATIVIDADE

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AULA
1. Vimos nesta aula as concepções de homem características de alguns
enfoques teóricos importantes da Psicologia.
Vamos agora recordá-las por meio de uma atividade de associação.
A seguir, você encontrará os nomes dos teóricos, numerados de 1 a 7.

1. PIAGET, J. O julgamento moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.


2. BRUER, J. S. O processo da educação. São Paulo: Editora Nacional,
1968
3. SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. Brasília: Ed. UnB/
FUNBEC, 1970.
4. WATSON, J. B.; WATSON, R. R. Psychological care of infant and child.
New York: Norton, 1928.
5. FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de janeiro: Paz e
Terra, 1989.
6. FREUD, S. Sobre la dinámica de la transferencia. In FREUD, S. Obras
completas. v. I. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1994.
7. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins
Fontes, 1987.

Agora vamos apresentar citações de quatro desses teóricos, que expressam


essas concepções de homem.
Coloque nos parênteses os números correspondentes aos nomes dos
teóricos, identificando cada citação.

( ) Há uma pluralidade das relações do homem com o mundo, na


medida em que ele responde à ampla variedade de seus desafios.
Em que não se esgota num tipo padronizado de respostas. A sua
pluralidade não é só em face dos diferentes desafios que partem do
seu contexto mais em face do mesmo desafio. No jogo constante de
suas respostas, altera-se no próprio ato de responder. Organiza-se.
Escolhe a melhor resposta. Testa-se. Age.(p. 39-40).

( ) O hábito de buscar dentro do organismo uma explicação do com-


portamento tende a obscurecer as variáveis que estão ao alcance de
uma análise científica. Estas variáveis estão fora do organismo, em seu
ambiente imediato e em sua história ambiental. Possuem um status
físico para o qual as técnicas usuais da ciência são adequadas. (...) A
objeção aos estados interiores não é a de que eles não existem, mas
a de que não são relevantes para uma análise funcional (p. 41).

( ) Se passarmos, em seguida, à consciência da regra (...) podemos


expressá-la sob a forma de três estágios (...) da codificação das regras.
No primeiro estágio, a regra ainda não é coercitiva, seja porque é
puramente motora, seja (...) porque é suportada, como que incons-
cientemente, a título de exemplo interessante e não da realidade
obrigatória. Durante o segundo estágio (...) a regra é considerada

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como sagrada e intangível, de origem adulta e de essência eterna;


toda a modificação proposta é considerada pela criança como uma
transgressão. Durante o terceiro estágio, enfim, a regra é considerada
como uma lei imposta pelo consentimento mútuo, cujo respeito é
obrigatório, se deseja ser leal, permitindo-se, todavia, transformá-la
à vontade, desde que haja o consenso geral (p. 34).

( ) (...) todo ser humano, por efeito conjugado de suas disposições


inatas e dos influxos que recebe em sua infância, adquire uma es-
pecificidade determinada para o exercício de sua vida amorosa, ou
seja, para as condições de amor que estabelecerá e as pulsões que
satisfará, assim como para as metas que irá fixar-se.

RESPOSTA

5-3-1-6.

A abordagem sócio-histórica do desenvolvimento


humano

Como vimos anteriormente, toda abordagem do desenvolvi-


mento humano traz em si uma visão de homem e de mundo, uma
perspectiva ideológica.
A abordagem sócio-histórica é moderna (século XX), e está si-
tuada, em sua origem, na União Soviética. Foi desenvolvida inicialmente
por Vygotsky, Luria, Leontiev e colaboradores.

O russo Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo descoberto nos meios acadêmicos
ocidentais depois da sua morte, causada por tuberculose. Pensador importante, foi pioneiro no
desenvolvimento da noção de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função
das interações sociais e de que os processos psíquicos, antes de internalizados, desenvolvem-se
na relação com os adultos e demais membros do universo social da criança.

Fonte: http://ha-
gar.up.ac.za/catts/
Alexander Romanovich Luria (1902-1977) foi um famoso neuropsicólogo learner/2000/sche-
russo que conheceu Vygotsky e que foi influenciado profundamente por ele. epers_md/images/
Luria e Vygotski desenvolveram um novo tipo de Psicologia, relacionando vygotsky.jpg
os processos psicológicos com aspectos culturais, históricos, dando ênfase
ao papel da linguagem. Interessou-se também pelo estudo da influência
da cultura nos processos mentais, chamada por ele de mediação cultural.
Fonte: http://www.
phillwebb.net/To-
pics/Human/Luria/
Luria.jpg

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AULA
Alexei Nikolaevich Leontiev (1903-1979) foi um psicólogo russo que desenvolveu impor-
tantes estudos junto com Vygotsky e Luria. Voltou-se para a compreensão da estrutura
da atividade humana, a alienação (dissociação entre o significado e o sentido da ação)
e a compreensão do desenvolvimento e da aprendizagem pela ótica sócio-histórica.

Fonte: http://www.
marxists.org/portu-
gues/leontiev/leon-
tiev.jpg

Essa abordagem tem base marxista e funda-se na perspectiva


dialética. Considera que o comportamento humano não se dá mediante
simples reações instintivas, mas sim fundamentado em motivações que
possuem o sentido social que constitui formas de atividade pertinentes
ao momento histórico e às formas específicas de cultura existentes.
A visão do ser humano nessa perspectiva é histórica e social. Isso
quer dizer que os sujeitos constituem-se, ao longo da vida, a partir da
atuação em um mundo material e cultural que contém a humanidade
desenvolvida por seus antepassados, de onde se tira a matéria-prima
para a constituição individual.
O desenvolvimento humano, para usar uma expressão do próprio
Marx, está assentado em “forças essenciais humanas” que resultam da
atividade social, objetivadora dos homens.
Não existe, portanto, essência humana independente da atividade
histórica. A humanidade é produzida histórica e coletivamente pelo conjun-
to dos homens e precisa ser novamente produzida em cada indivíduo.
Esse processo é construído pela cultura, pelas atividades que se con-
solidaram ao longo do tempo como formas de atender às necessidades que
reconhecemos como humanas, pela linguagem que utilizamos para pensar,
planejar e para nos expressarmos, pelas formas de relações sociais que
constituímos como possíveis e adequadas para a reprodução da vida.
Para Vygotsky (1989, 1991), o homem não tem uma relação direta
com o mundo exterior, ela é sempre mediada por sistemas simbólicos
(cultura) ou pelo outro por meio de relações interpsíquicas, que são
internalizadas intrapsiquicamente, sempre num movimento dialético,
ou seja, tal relação não é estática, pois, ao interagir com sua realidade,
o homem modifica o seu entorno e assim, modifica-se a si mesmo, sendo
o produto desta relação maior do que a soma entre as partes.

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do desenvolvimento humano – a abordagem sócio-histórica

São os seguintes os princípios da teoria de Vygotsky, que ilustram


perfeitamente a abordagem sócio-histórica:

a) a psicologia é uma ciência do homem histórico e não do ho-


mem abstrato e universal; b) a origem e o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores é social; c) há três classes de
mediadores: signos e instrumentos; atividades individuais e rela-
ções interpessoais; d) o desenvolvimento de habilidades e funções
específicas, bem como a origem da sociedade, são resultantes do
surgimento do trabalho - este entendido como ação/movimento
de transformação - e que é pelo trabalho que o homem, ao mes-
mo tempo em que transforma a natureza para satisfazer as suas
necessidades, se transforma também; e) existe uma unidade entre
corpo e alma, ou seja, o homem é um ser total (LUCCI, 2006).

Para Vygotsky, expoente desta abordagem, o desenvolvimento


humano é

um processo dialético complexo, multifacetado, marcado por um


esquema de periodicidade, por desproporções de funções, metamor-
foses, conversões qualitativas, combinações complexas, processos
de evolução e involução, interação de fatores externos e internos,
e busca constante de adaptação ao meio (1991a, p. 33).

Concluímos este tópico com a grande polêmica existente sobre se


podemos ou não incluir Piaget nessa vertente teórica.
Sem querer aprofundar essa questão, trazemos o posiciona-
mento de Marta Kohl de Oliveira (1993), profunda estudiosa da
obra de Vygotsky,

Embora haja uma diferença muito marcante no ponto de partida


que definiu o empreendimento intelectual de Piaget e Vygotsky
– o primeiro tentando desvendar as estruturas e mecanismos
universais do funcionamento psicológico do homem e o último
tomando o ser humano como essencialmente histórico e portanto
sujeito às especificidades do seu contexto cultural – há diversos
aspectos a respeito dos quais o pensamento desses dois autores é
bastante semelhante. (...) Tanto Piaget como Vygotsky são inte-
racionistas, postulando a importância da relação entre indivíduo
e ambiente na construção dos processos psicológicos; nas duas
abordagens, portanto, o indivíduo é ativo em seu próprio pro-
cesso de desenvolvimento: nem está sujeito apenas a mecanismos
de maturação, nem submetido passivamente a imposições do
ambiente (p. 103-104).

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Piaget escreveu cerca de setenta livros e trezentos artigos sobre Psicologia, Pedagogia e
Filosofia. Aos 22 anos ele já era doutor em Biologia. Casou-se com uma das assistentes,

AULA
Valentine Châtenay e muitos dos seus estudos foram feitos observando os próprios
filhos. Vygotsky e Piaget, grandes pesquisadores do desenvolvimento humano e da
aprendizagem, não se conheceram pessoalmente. Vygotsky prefaciou a tradução russa
de A linguagem e o pensamento da criança, de Piaget, de 1923.

ATIVIDADE

2. Apresentamos a seguir sete princípios da teoria de Vygotsky. Em cada um


deles foi suprimida uma palavra ou expressão. Escolha, entre as palavras
apresentadas ao final, as que completam corretamente as lacunas.

a) O homem é um ser ________________ ou, mais abrangentemente, um ser


histórico-cultural; o homem é moldado pela cultura que ele próprio cria.

b) O indivíduo é determinado nas __________________, ou seja, é por meio


da relação com o outro e por ela própria que o indivíduo é determinado;
é na linguagem e por ela própria que o indivíduo é determinado e é de-
terminante de outros indivíduos.

c) A atividade mental é exclusivamente humana e é resultante da aprendi-


zagem social, __________________________ e das relações sociais.

d) O desenvolvimento mental é, em sua essência, ____________________


___________________.

e) A atividade cerebral é sempre mediada ___________________________.

f) ____________________ é o principal mediador na formação e no desen-


volvimento das funções psicológicas superiores.

g) O processo de interiorização das funções psicológicas superiores


__________________, e as estruturas de percepção, a atenção voluntária,
a memória, as emoções, o pensamento, a linguagem, a resolução de pro-
blemas e o comportamento assumem diferentes formas, de acordo com
o contexto histórico da cultura.

• um processo desvinculado do tempo;


• da interiorização da cultura;
• histórico-social;
• um processo sociogenético;

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do desenvolvimento humano – a abordagem sócio-histórica

• por instrumentos e signos;


• é histórico;
• a linguagem;
• da internalização dos impulsos agressivos;
• por investimentos libidinais;
• a leitura e a escrita;
• interações sociais;
• processo de condicionamento.

RESPOSTAS
a) O homem é um ser histórico-social ou, mais abrangentemente, um ser histórico-
cultural; o homem é moldado pela cultura que ele próprio cria.

b) O indivíduo é determinado nas interações sociais, ou seja, é por meio da relação


com o outro e por ela própria que o indivíduo é determinado; é na linguagem e
por ela própria que o indivíduo é determinado e é determinante de outros indi-
víduos.

c) A atividade mental é exclusivamente humana e é resultante da aprendizagem


social, da interiorização da cultura e das relações sociais.

d) O desenvolvimento mental é, em sua essência, um processo sociogenético.

e) A atividade cerebral é sempre mediada por instrumentos e signos.

f) A linguagem é o principal mediador na formação e no desenvolvimento das


funções psicológicas superiores.

g) O processo de interiorização das funções psicológicas superiores é histórico, e


as estruturas de percepção, a atenção voluntária, a memória, as emoções, o pen-
samento, a linguagem, a resolução de problemas e o comportamento assumem
diferentes formas, de acordo com o contexto histórico da cultura.

Comparação com as abordagens inatista e am-


bientalista do desenvolvimento humano

Ficou claro até agora que existem diferentes concepções episte-


mológicas de desenvolvimento e aprendizagem, e que elas conduzem
a práticas pedagógicas bastante diferentes. A forma como se concebe
o indivíduo e o processo de construção do conhecimento faz parte da
prática docente, tenhamos ou não consciência disso.
Vimos nas aulas anteriores duas dessas abordagens: a inatista e
a ambientalista. Vamos agora comparar alguns de seus aspectos com a
abordagem que focalizamos na aula de hoje: a sócio-histórica.

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Preferimos construir um quadro comparativo, pois nos parece

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simplificar a visualização do que pretendemos.

AULA
Abordagem Abordagem Abordagem sócio-
inatista ambientalista histórica
Fundamentada na
Fundamentada na
epistemologia empi-
filosofia racionalis- Fundamentada nos princí-
rista e
ta, idealista e aprio- pios do materialismo dialéti-
positivista (Francis
rista (Descartes, co (Marx, Hegel, Vygotsky).
Bacon, Locke, Augusto
Espinoza, Kant).
Comte).
Pensa que as carac-
terísticas e capa-
cidades básicas do Atribui exclusivamente
ser humano (perso- ao ambiente a cons-
Vê o homem como um ser
nalidade, valores, tituição das carac-
construído pelas forças his-
comportamento) terísticas humanas,
tóricas e sociais no processo
eram inatas, já destacando a experi-
de evolução da sociedade
estariam prontas ência como fonte de
e da cultura em que está
no momento do conhecimento e de
inserido.
nascimento, de- formação de hábitos
pendendo do ama- de comportamento.
durecimento para
se manifestarem.

Compreende o
processo de desen-
volvimento huma- Compreende o proces- Compreende o processo de
no regido por leis so de desenvolvimento desenvolvimento humano
próprias, como um humano determinado como a transformação mú-
processo endógeno pela ação do meio, tua, dialeticamente estabe-
independente do modelado e condicio- lecida, entre o homem e a
conhecimento, da nado por ele. realidade.
experiência e da
cultura.
As instituições educativas
são agentes de constru-
ção da emancipação e
Acredita na quase
Apresenta expec- da autonomia. Cabe-lhes
onipotência das insti-
tativa limitada do problematizar a realidade,
tuições educativas, já
papel da educação, desenvolver a reflexividade
que o indivíduo tem
já que considera o e a crítica, mediar a relação
seu comportamento
desempenho indi- do homem com a cultura.
moldado, manipulado,
vidual dependente É da Educação a função
controlado e determi-
das capacidades de socializar saberes e de
nado pelas pressões do
humanas inatas. produzir conhecimento
ambiente em que vive.
dentro de princípios éticos
de solidariedade, liberdade,
participação.
O sucesso na apren-
O sucesso na apren-
dizagem escolar
dizagem escolar
dependerá da eficá- O sucesso na aprendiza-
dependerá de qua-
cia dos processos de gem escolar dependerá do
lidades, aptidões,
reforço utilizados, da estabelecimento da relação
ou pré-requisitos
eficácia dos processos entre teoria e prática, da
básicos: inteligência,
de medir, comparar, construção de uma práxis
esforço, atenção, in-
testar, experimentar e transformadora.
teresse, maturidade
controlar o comporta-
para aprender.
mento.

C E D E R J 141
Psicologia e Educação | Discussão das diversas concepções de homem subjacentes às abordagens
do desenvolvimento humano – a abordagem sócio-histórica

Impacto da abordagem sócio-histórica do desen-


volvimento humano nos processos de ensino e
aprendizagem

Iniciamos esta última parte da nossa aula com uma citação de


Piaget, ao falar das mudanças necessárias no ensino das ciências para
tornar a aprendizagem agradável e significativa.

A primeira dessas condições é naturalmente o recurso aos métodos


ativos, conferindo-se especial relevo à pesquisa espontânea da
criança ou do adolescente e exigindo-se que toda verdade a ser
adquirida seja reinventada pelo aluno, ou pelo menos reconstruí-
da e não simplesmente transmitida. Ora, dois frequentes mal-
entendidos reduzem bastante o valor das experiências realizadas
até agora neste sentido. O primeiro é o receio (e, para alguns, a
esperança) de que se anule o papel do mestre, em tais experiências,
e que, visando ao pleno êxito das mesmas, seja necessário deixar
os alunos totalmente livres para trabalhar
ou brincar segundo melhor lhes aprouver.
Mas é evidente que o educador continua
indispensável, a título de animador, para
criar as situações e armar os dispositivos
iniciais capazes de suscitar problemas úteis à
criança, e para organizar, em seguida, contra-
exemplos que levem à reflexão e obriguem ao
controle das soluções demasiado apressadas:
o que se deseja é que o professor deixe de ser
apenas um conferencista e que estimule a
pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar
Figura 4.13: Jean Piaget. com a transmissão de soluções já prontas
Fonte: http://www.pucsp.br/pos/cesima/schenberg/cientistas/ (Piaget, 1984, p. 15).
piaget2.jpg

Esse texto facilita a possível inserção deste autor no bloco das


abordagens sócio-históricas, o que é contestado por alguns autores.
Mesmo sem o forte viés político e histórico encontrado na obra
de Vygotsky, Piaget realça aspectos como a atividade, a participação e
a reflexividade crítica do aprendiz, assim como a importância do papel
do professor nesse processo.
Assim podemos resumir algumas influências da abordagem sócio-
histórica no processo de construção formal do conhecimento, realizado
pela escola:
a. As críticas aos modelos tradicionais e à excessiva ênfase na raciona-
lidade técnica no processo de educação, destacando a necessidade da

142 C E D E R J
construção da práxis. Foi permitida, assim, a emergência de críticas Os gregos chamavam

4
como a de Giroux (1988, p. 23): de p r á x i s a ação de

AULA
realizar alguma coisa,
As instituições de treinamento de professor e as escolas públicas e nesse sentido se con-
trapõe à teoria.
têm, historicamente, se omitido em seu papel de educar os docentes Na Sociologia, pode
como intelectuais. Em parte, isto se deve à absorção da crescente ser concebida como
o conjunto das ati-
racionalidade tecnocrática que separa teoria e prática e contribui
vidades materiais e
para o desenvolvimento de formas de pedagogia que ignoram a intelectuais exercidas
criatividade e o discernimento do professor. pelo homem e que
contribuem para a
transformação da
b. O destaque à importância do respeito e da convivência dos diversos realidade social. É con-
ceito fundamental no
saberes e culturas. pensamento marxista.
c. A visão da educação como possibilidade emancipadora. Trata-se do conjunto
de atividades que
d. A proposta da formação do professor como intelectual crítico e re- criam condições para
a ação prática, para a
flexivo. produção material do
e. A contribuição da Educação para a construção de uma sociedade homem e para a sua
ação sobre a natureza.
democrática. A partir de Hegel e
Marx, práxis torna-se
f. A concepção da Educação como social e historicamente construída um movimento que
possibilita a compre-
pelo homem.
ensão da realidade que
g. A ênfase nos “outros sociais” mais experientes, na linguagem e nos é efetivamente contra-
ditória, sintetizando
instrumentos, nos processos de mediação e interação. no conceito o ser e
suas determinações
h. O destaque ao fato de que os aspectos históricos e culturais vão de- históricas essenciais em
terminar os processos de desenvolvimento. um processo de totali-
zação. No marxismo,
i. O estabelecimento, como meta da Educação, da construção da essência significa união dialética
da teoria e da prática.
humana histórica, política e socialmente determinada.
j. A realização da crítica da própria instituição escolar e dos seus pro-
cessos de formação humana.
k. A compreensão do desenvolvimento humano, segundo a concepção
social/relacional, admitindo o homem como multideterminado e com-
batendo a ideia da sua concepção como ser natural ou abstrato.
l. A superação dos reducionismos das concepções empiristas e idealistas.

Fonte: http://ww1.rtp.pt/noticias/images/articles/338080/aulas.jpg

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Fonte: http://www.affinityarts.com.br/imagens/fotos/PA090002.JPG

Fonte: http://www.imagem.ufrj.br/thumbnails/4/1181.jpg

Sem a perspectiva de ter esgotado as contribuições dessa aborda-


gem aos processos educacionais, concluímos com as palavras de Saviani,
delineando contornos do seu entendimento sobre a tarefa de educar:

O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmen-


te, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida
histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o
objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos
elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos
da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro
lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequa-
das para atingir esse objetivo (SAVIANI, 1995, p. 17).

Atividade Final

Esta atividade tem como objetivo principal caracterizar a abordagem sócio-


histórica do desenvolvimento e da aprendizagem, por meio da leitura textual de
seus principais representantes.

144 C E D E R J
A seguir, apresentaremos alguns textos de autoria de Leontiev, Luria e Vygotsky.

4
Leia com atenção e destaque, de cada um, pelo menos um aspecto que evidencie

AULA
as características dessa abordagem do desenvolvimento humano.

1º Texto

O ser humano vive como se fosse num círculo cada vez mais amplo
de atividade para si. No começo, é um pequeno círculo de pessoas e
objetos que diretamente o circundam: ele desenvolve interação com
eles, uma percepção sensorial deles, uma aprendizagem do que pode
ser conhecido sobre eles, um aprendizado de seu significado. Porém,
mais para frente, diante de si começa a se abrir uma atividade que
se encontra muito além dos limites de sua atividade prática e de seu
contato direto: os limites ampliados daquilo que ele pode conhecer
e que é apresentado para ele pelo mundo. O “campo” real que
agora determina suas ações não é aquele que está simplesmente
presente, mas aquele que existe para ele, existe objetivamente ou,
às vezes, apenas como uma ilusão. (...) Naturalmente, a formação
da personalidade representa, em si, um processo contínuo que
consiste de uma série de estágios que mudam sequencialmente, cujas
características qualitativas dependem das condições e das circunstâncias
concretas. Por esta razão, ao observar seu curso sequencial, notamos,
apenas, deslocamentos separados. Mas, se fôssemos olhá-lo a certa
distância, então a transição que marca o nascimento genuíno da
personalidade apareceria como um acontecimento que muda o
curso de todo o desenvolvimento psíquico subsequente. Existem
muitos fenômenos que marcam essa passagem. Primeiramente, é
uma reconstrução da esfera de relações com outras pessoas e com a
sociedade. Se, nos estágios iniciais, a sociedade é descoberta através
de contatos crescentes com aqueles que estão ao redor da pessoa e,
por essa razão, predominantemente em suas formas personificadas,
então, neste momento, esta situação se reverte: as pessoas ao redor
começam, cada vez mais, a agir através de relações sociais objetivas.
A transição a respeito da qual estamos falando também provoca
mudanças que determinam o ponto principal no desenvolvimento
da personalidade, no seu destino (LEONTIEV, 1978).

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Psicologia e Educação | Discussão das diversas concepções de homem subjacentes às abordagens
do desenvolvimento humano – a abordagem sócio-histórica

2º Texto

Para explicar as formas mais complexas da vida consciente do homem


é imprescindível sair dos limites do organismo, buscar as origens
desta vida consciente e do comportamento “categorial”, não nas
profundezas do cérebro ou da alma, mas sim nas condições externas
da vida e, em primeiro lugar, da vida social, nas formas histórico-
sociais da existência do homem (LURIA, 1986, p.21).

Percebemos agora a falácia das velhas noções segundo as quais as


estruturas fundamentais da percepção, representação, raciocínio,
dedução, imaginação e consciência da própria identidade seriam
formas fixas da vida espiritual que permanecem inalteradas em
diferentes condições sociais. As características básicas da atividade
mental humana podem ser entendidas como produto da história
social – elas estão sujeitas a mudanças quando as formas de prática
social se alteram; são portanto sociais em sua essência (LURIA, 1990,
p. 218).

3º Texto

Não é simplesmente um conjunto de ligações associativas que se


assimila com ajuda da memória, não é um hábito mental automático,
senão um autêntico e complexo ato do pensamento. Como tal, não
pode dominar-se com ajuda da simples aprendizagem, senão que
exige infalivelmente que o pensamento da criança se eleve em seu
desenvolvimento interno a um grau mais alto para que o conceito
possa surgir na consciência. A investigação nos ensina que em
qualquer grau de desenvolvimento o conceito é, desde o ponto de
vista psicológico, um ato de generalização. ... A palavra é a princípio
uma generalização do tipo mais elementar, e unicamente à medida
que se desenvolve a criança passa da generalização elementar para
formas cada vez mais elevadas de generalização, culminando com o
processo de formação de autênticos e verdadeiros conceitos.

O processo de desenvolvimento dos conceitos ou dos significados


das palavras exige o desenvolvimento de uma série de funções (a
atenção voluntária, a memória lógica, a abstração, a comparação e a

146 C E D E R J
diferenciação), de modo que processos psíquicos tão complexos não

4
podem ser aprendidos e assimilados de modo simples (VYGOTSKY ,

AULA
1989, p. 184-5).

4º Texto

Se desejarmos estudar a psicologia do homem cultural adulto, devemos


ter em mente que ela se desenvolveu como resultado de uma evolução
complexa que combinou pelo menos três trajetórias: a da evolução
biológica desde os animais até o ser humano, a da evolução histórico-
cultural, que resultou na transformação gradual do homem primitivo
no homem cultural moderno, e a do desenvolvimento individual de
uma personalidade específica (ontogênese), com o que um pequeno
recém-nascido atravessa inúmeros estágios, tornando-se um escolar e
a seguir um homem adulto cultural (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 57).

COMENTários
Espera-se que o aluno destaque de cada texto, por exemplo, os seguintes
aspectos:

Texto 1
• O ser humano vive como se fosse num círculo cada vez mais amplo
de atividade.
• Começa a se abrir uma atividade que se encontra muito além dos
limites de sua atividade prática e de seu contato direto: os limites
ampliados daquilo que ele pode conhecer e que é apresentado
para ele pelo mundo.

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Psicologia e Educação | Discussão das diversas concepções de homem subjacentes às abordagens
do desenvolvimento humano – a abordagem sócio-histórica

• A formação da personalidade representa, em si, um processo contí-


nuo que consiste de uma série de estágios que mudam sequencial-
mente, cujas características qualitativas dependem das condições e
das circunstâncias concretas.
• Por esta razão, ao observar seu curso sequencial, notamos, apenas,
deslocamentos separados. Mas, se fôssemos olhá-lo a certa distância,
então a transição que marca o nascimento genuíno da personalidade
apareceria como um acontecimento que muda o curso de todo o
desenvolvimento psíquico subsequente. 
• Nos estágios iniciais, a sociedade é descoberta por meio de contatos
crescentes com aqueles que estão ao redor da pessoa e, por essa
razão, predominantemente em suas formas personificadas.

Texto 2
• Para explicar as formas mais complexas da vida consciente do
homem, é imprescindível sair dos limites do organismo, buscar as
origens desta vida consciente e do comportamento “categorial”, não
nas profundezas do cérebro ou da alma, mas sim nas condições
externas da vida e, em primeiro lugar, da vida social, nas formas
histórico-sociais da existência do homem.
• Percebemos agora a falácia das velhas noções, segundo as quais
as estruturas fundamentais da percepção, representação, raciocínio,
dedução, imaginação e consciência da própria identidade seriam
formas fixas da vida espiritual que permanecem inalteradas em
diferentes condições sociais.
• As características básicas da atividade mental humana podem ser
entendidas como produto da história social – elas estão sujeitas
a mudanças quando as formas de prática social se alteram; são,
portanto, sociais em sua essência.

Texto 3
• A investigação ensina que em qualquer grau de desenvolvimento
o conceito é, desde o ponto de vista psicológico, um ato de gene-
ralização.
• A palavra é a princípio uma generalização do tipo mais elementar,
e unicamente à medida que se desenvolve a criança passa da
generalização elementar para formas cada vez mais elevadas de
generalização, culminando com o processo de formação de autên-
ticos e verdadeiros conceitos.
• O processo de desenvolvimento dos conceitos ou dos significados
das palavras exige o desenvolvimento de uma série de funções (a
atenção voluntária, a memória lógica, a abstração, a comparação e
a diferenciação), de modo que processos psíquicos tão complexos
não podem ser aprendidos e assimilados de modo simples.

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Texto 4

4
• Se desejarmos estudar a psicologia do homem cultural adulto,

AULA
devemos ter em mente que ela se desenvolveu como resultado de
uma evolução complexa que combinou pelo menos três trajetórias:
a da evolução biológica desde os animais até o ser humano, a da
evolução histórico-cultural, que resultou na transformação gradual
do homem primitivo no homem cultural moderno, e a do desenvol-
vimento individual de uma personalidade específica (ontogênese).
• Um pequeno recém-nascido atravessa inúmeros estágios, tornando-se
um escolar e, a seguir um homem adulto cultural.

Os comentários dos trechos escolhidos são de caráter pessoal de


cada aluno.

RESUMO

Toda abordagem do desenvolvimento humano traz em si uma visão de homem e


de mundo, uma perspectiva ideológica. No caso da abordagem sócio-histórica, o
desenvolvimento humano está fundamentado em “forças essenciais humanas” que
resultam da atividade social objetivadora dos homens, pois a essência humana não
é independente da atividade histórica. A aprendizagem é ativa e mediada pelas
instituições da sociedade, principalmente a escola. Cabe à Educação a construção
da essência humana histórica, política e socialmente determinada.

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