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S
Francisco de, "Idéias sobre
a Revolução do Brasil e
se ou se contraindo segundo a concepção
suas conseqüências" (1823), ão expressões de um panfleto que se encampe do fenômeno a ser es-
Anais da Biblioteca Nacio-
nal, vol. XLIII, Rio de Ja-
famoso, contemporâneo do mo- tudado. E de fato, como indica a mais
neiro, 1920, pp. 52 e 59. vimento de emancipação polí- recente e alentada obra de conjunto sobre
2
RODRIGUES, José Honó- tica. Duas implicações são para a história da independência do Brasil 2 ,
rio, Independência: Revolu- reter desses passos do doutrinário coevo:
ção e Contra-Revolução, Rio a historiografia, desde o início, apresen-
de Janeiro, 1975, 5 vols. Cf. escrevendo pouco depois da proclamação tou essa variação, seja na datação da
especialmente, a discussão his-
toriográfica, vol. V, pp. 253- da independência (7 de setembro de abertura do processo, seja na de seu
266.
1822), ele a via no contexto de um pro- encerramento; ora englobando todo o
cesso revolucionário mais amplo, que se período de "D. João VI no Brasil" e
iniciara muito antes, e cujo curso fora levando o estudo até os limites do perío-
retardado pela migração da corte portu- do regencial, ora restringindo-se aos
guesa para a América; e, caso único na acontecimentos entre 1821 (volta do rei
história, a antiga colônia passando a ca- para a Europa) e 1825 (tratado de re-
beça do Império, o conflito da separa- conhecimento). Mais ainda, preferindo a
ção assumia caráter peculiar. São, ainda segunda alternativa (período restrito), o
hoje, questões preliminares a qualquer autor da importante obra lembra que, na
estudo que vise a uma síntese compreen- historiografia, os autores que preferem
siva da emancipação política da América uma periodização mais longa vinculam-
portuguesa: situar o processo político da se a uma perspectiva conservadora que
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com a nação recém-criada, ao mesmo
tempo em que abria, em Portugal, ca- tentemos, preliminarmente,
minho para a reação absolutista de 1828. para o ponto inicial e para
Enfim o desenlace: abdicando em 1831, o ponto final do processo.
D. Pedro I (IV em Portugal) volta para No início, a extensa colônia
disputar Portugal a seu irmão, o rei da pequena metrópole absolutista; no
absolutista D. Miguel, a guerra se pro- fim, a nova nação politicamente indepen-
longando até a vitória liberal em 1834. dente e a implantação do liberalismo na
Pouco depois morria, aos 36 anos, esse antiga metrópole. Há, portanto, uma
quixotesco D. Pedro, proclamador da in- certa ligação entre o vínculo colonial e
dependência do Brasil e implantador do o absolutismo, da mesma forma que
liberalismo em Portugal, desamado em entre independência e liberalismo; tanto
sua pátria de origem, que o acolheu, e que, ao se romper aquele vínculo, entra
herói na sua pátria de adoção, que o em colapso a monarquia absolutista na
expulsou. metrópole. E o movimento de indepen-
O afeto dos brasileiros e o desamor dência foi precisamente o encaminhamen-
dos portugueses pela mesma personagem, to da passagem de uma para outra si-
envolvida na dramática seqüência de tuação. Cumpre pois examinar, na sua
acontecimentos, está a indicar a preca- estruturação interna, o contexto inicial
riedade dessa visão do processo, que se do processo, e depois analisar os meca-
cristalizou na mentalidade coletiva dos nismos da passagem.
dois povos, daí extravasando para a his- Colonialismo e absolutismo se articu-
toriografia. Os descaminhos ideológicos lam, na medida em que a colonização do
da memória social são às vezes insólitos, Novo Mundo na época moderna desen-
e a vertente conservadora da historiogra- volveu-se predominantemente sob o pa-
fia tendeu sempre a enfatizar a impor- trocínio dos Estados absolutistas em for-
tância da participação "portuguesa" na mação na Europa. A rigor, a expansão ul-
independência do Brasil. Esta sua pecu- tramarina, que depois se desdobraria em
liaridade foi uma iniciativa da metrópo- colonização, ocorre paralela e contempo-
le, uma realização de seu príncipe. Daí raneamente com a formação dos Estados
a supor, e depois afirmar, que a coloni- nacionais, no regime de monarquias abso-
zação portuguesa fora na realidade a lutistas; e ambos os processos — expan-
criadora da nação, o passo é curto; as- são ultramarina e formação das monar-
sim, a história da colônia começa a ser quias — reportam-se ao mesmo substrato
lida como algo desde o início destinado comum, a crise do feudalismo, e são for-
a desaguar na independência nacional, mas de superação dessa crise. A supera-
num curioso exercício de profecia do ção da crise do mundo feudal envolveu,
passado. A colonização não envolvia ex- como se sabe, um alargamento de mer-
ploração (até porque a metrópole não cados em escala mundial, tendo por cen-
se desenvolvera), mas o semear da futu- tro a Europa, mas uma Europa dividida
ra nação que, como uma fruta, num dado em Estados nacionais em franca compe-
momento, amadurece para a secessão. tição. A centralização política, na medida
Assim os conflitos desaparecem, as em que se desenvolve, restabelece a or-
tensões se esfumam, a ruptura se apaga; dem social estamental afetada pela crise,
tudo se aplana na harmonia da continui- e implementa a saída econômica em di-
dade. Mas, infelizmente, o curso da his- reção ao Oriente, à África, ao Novo
tória envolve sempre, e ao mesmo tem- Mundo. Na nova estrutura que se vai
po, continuidade (no nível dos eventos) conformando, a circulação do capital
e ruptura (no nível das estruturas), e a comercial comanda o processo econômi-
sua compreensão pressupõe articular os co, mas não domina a produção; vai de-
dois níveis da realidade. Para tentar essa pender do apoio do Estado para manter
difícil articulação, é bom ter sempre pre- o ritmo de acumulação. O Estado abso-
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s mecanismos de fundo — a nizada". A tensão colônia-metrópole se
transição para o capitalismo desdobrava, pois, em tensão entre senho-
— no seu processo essencial- res e escravos. Por outro lado, na metró-
mente contraditório, engendra- pole, aos interesses ligados ao comércio
vam pois tensões que, a partir de um colonial, empenhados na manutenção do
certo momento (segunda metade do sé- pacto, se associavam ou se opunham in-
culo XVIII), desencadeiam conflitos teresses de outros estratos sociais (cam-
obrigando a reajustamentos no todo e pesinato, produtores independentes, ple-
nas partes. O fato de a transição se com- be urbana, etc.). O Estado reformista
pletar primeiro num ponto do sistema — ilustrado procurava mediar e equilibrar
a Inglaterra — complica inextricavel- esse feixe de interesses conflitantes. No
mente a trama de tensões e conflitos. caso de Portugal, a situação se complica,
A independência dos Estados Unidos pois a essas forças se somam os interes-
(1776, que é quando se publica A Ri- ses do industrialismo inglês em ascensão.
queza das Nações, matriz da nova eco- No Brasil, entre a massa escrava e o se-
nomia política) marca a abertura da crise nhoriato, toda uma heterogênea e flu-
do Antigo Regime e do Antigo Sistema tuante camada de funcionários, profissio-
Colonial; na Europa e na América, no nais liberais, plebe urbana, etc, tende a
Velho e no Novo Mundo, desenvolvem- tornar mais complexo o quadro de ten-
se paralelamente as reformas e desenca- sões no encaminhamento do processo.
deiam-se as insurreições. Observado em conjunto, o complexo
Reforma e revolução aparecem, assim, processo de desatamento dos laços colo-
como vertentes do mesmo processo de niais da América, que se desenrola a par-
reajustamento e ruptura na passagem tir da segunda metade do século XVIII
para o capitalismo moderno, na segunda até as três primeiras décadas do XIX,
metade de Setecentos e primeira de Oito- apresenta várias vias de passagem, que
centos. E com efeito, o chamado "des- correspondem às diversas maneiras como
potismo esclarecido" esforçava-se para se compuseram aquelas forças em jogo,
promover, ao mesmo tempo, a moderni- qual das várias tensões predominou no
zação do absolutismo metropolitano e conflito e, portanto, qual grupo ou clas-
aberturas no sistema colonial. Portugal se social logrou a hegemonia. Tentemos
enveredou muito cedo por esse cami- fixar tais variações: a situação-limite,
nho, a partir do "consulado" pombalino sem dúvida, é aquela em que a tensão
(1750), mas é sobretudo a partir de entre senhores e escravos sobrepõe-se a
1777 (queda do Marquês de Pombal, todas as outras, e o processo se radica-
com a morte de D. José) que se estimu- liza e aprofunda-se numa convulsão so-
la mais claramente a nova política colo- cial; tal o caminho da revolução negra
nial do reformismo ilustrado. Tal refor- de St. Domingue, liderada por Toussaint-
mismo, entretanto, não lograva abrandar, Louverture e, depois, por Dessalines. O
N
na América espanhola da mesma época:
a segunda metade do século são as inconfidências. Se no Rio de Ja-
XVIII, impulsionadas pelos neiro, em 1794, e em Pernambuco, em
mecanismos estruturais da for- 1801, as tentativas são abortadas no
mação do capitalismo moder- nascedouro, em Minas Gerais (1789) e
no, as tensões sociais agravam-se na na Bahia (1798) o movimento vem à
Europa e nas colônias do Novo Mundo, luz, sendo reprimido com rigor crescen-
e o encaminhamento político dessas ten- te. Se a inconfidência de Minas se inspi-
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de melhores dias; à Inglaterra interessa- o longo de toda uma década,
va não só proteger o aliado valioso na ou seja, até a eclosão da revo-
pugna com Napoleão, mas ainda apro- lução liberal portuguesa em
veitar a oportunidade de penetrar nos 1820, implementa-se essa linha
mercados brasileiros mais abertamente, política, em que se casam os interesses
pois, ocupada a metrópole, tornava-se do senhoriato brasileiro com a perspec-
imperioso suspender o exclusivo do co- tiva do Estado metropolitano, agora as-
mércio da colônia. Mais ainda, na decisão similado e instalado na colônia. À aber-
da transferência da corte, aparentemen- tura dos portos, segue-se o levantamento
te desconcertante, pesavam imperativos das proibições às manufaturas; mais do
mais profundos de situação. É que, dada que isso, passa-se a uma política de in-
a posição que Portugal fora assumindo centivo direto às indústrias, e toda uma
a partir do século XVII (a partir da série de medidas de política econômica
Restauração de 1640), a sua existência se decretam neste sentido.8 Ao mesmo
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VIOTTI DA COSTA, Emi- dependia mais e mais da colônia; era tempo, a corte se instalava, centralizan-
lia, "Introdução ao Estudo
da Emancipação Política do
com esta que jogava, ou melhor, com do um complexo aparelho de Estado,
Brasil", em MOTA, C. G., as vantagens da exploração colonial, no numa espécie de "naturalização" do go-
(org.), Brasil em Perspectiva, sistema de alianças das relações interna-
São Paulo, Difel, 9.» ed., verno português no Brasil. Ao lado dos
1978. cionais. Cada vez mais, aproximar-se da vários departamentos da administração,
França, contra a Inglaterra, significaria organizam-se as forças armadas, criam-se
pôr em risco a colônia, dada a suprema- as primeiras escolas superiores. A polí-
cia naval inglesa; aliar-se à Inglaterra tica externa se orientava na mesma linha,
punha em risco a metrópole, dada a su- com a expedição à Guiana Francesa, e
premacia continental francesa, aliada à reivindicações no Prata. Assim, em 1815,
Espanha depois de 1715. A diplomacia elevava-se a antiga colônia à condição
portuguesa procura continuamente a de Reino Unido.
neutralidade, hesita, para finalmente Não podia haver dúvida: a corte viera
aliar-se à Inglaterra, potência ascenden- para ficar. Por tudo isso, "o que é de
te; e, em 1807, esta opção chega ao admirar é que só em 1820 tenha havido
limite, com a migração da corte e a "in- em Portugal uma revolução". 9
9
versão colonial". Fernando A. Novais é historiador e professor na Faculda-
CARNEIRO DA CUNHA,
Pedro Octávio, "A Fundação Do ponto de vista da classe dominan- de de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
de um Império Liberal", em
História Geral da Civilização te dos colonos — os proprietários de Novos Estudos Cebrap, São Paulo
Brasileira, dir. por Sérgio
Buarque de Holanda, tomo II,
terras e de escravos —, nesta conjuntu- n.º 9, p. 2-8, jul. 84
vo l. 1 , São P aulo , Dif el, ra, tal opção vinha de encontro aos seus
1962, p. 146.