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Doce Vampira
JU LUND
© 2016 by Ju Lund
Ju Lund
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Sumário
SUMÁRIO
PLAYLIST
SÃO TANTOS DEVANEIOS LOUCOS A ME TORTURAR...
QUEM SABE O PRÍNCIPE VIROU UM SAPO...
NO MAIS, ESTOU INDO EMBORA...
TEUS SINAIS ME CONFUNDEM DA CABEÇA AOS PÉS...
QUEM SABE EU PRECISE DE UMA CAMISA DE FORÇAS...
ELA FAZIA MUITOS PLANOS, E EU SÓ QUERIA ESTAR ALI...
QUEM INVENTOU O AMOR, ME EXPLICA, POR FAVOR...
NA BALADA DISPONÍVEL, ELA TÁ MALUCA, FORA DA CASINHA ...
PARECIA INOFENSIVA, MAS TE DOMINOU...
CANSADO DE CORRER NA DIREÇÃO CONTRÁRIA, SEM PÓDIO DE CHEGADA...
DEIXO A TRISTEZA E TRAGO A ESPERANÇA EM SEU LUGAR...
SABER AMAR É SABER DEIXAR ALGUÉM TE AMAR...
NA BRUMA LEVE DAS PAIXÕES QUE VEM DE DENTRO...
E EU ACHO QUE GOSTO MESMO DE VOCÊ...
VENTO VENTANIA, ME LEVE SEM DESTINO...
O SEU AMOR É COMO UMA CHAMA ACESA...
ANDO POR AÍ QUERENDO TE ENCONTRAR...
NÓS SOMOS MEDO E DESEJO...
JÁ ME ESQUECI DE TE ESQUECER...
POSSO VER O CAMINHO QUE ME LEVA A VOCÊ...
DEIXA O CORAÇÃO EM FLOR SE ABRIR...
E TUDO FICOU TÃO CLARO, UM INTERVALO NA ESCURIDÃO...
AGRADECIMENTOS
Playlist
Ouvir Agora
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São tantos devaneios
loucos a me torturar...
Hoje...
- Eu te amo, Ninna!
Fiquei em silêncio.
- Amo, ouviu? -Ele disse, segurando meu rosto entre suas mãos quentes. –
Eu. Te. Amo! – Repetiu, os olhos castanho-esverdeados transbordando
emoção.
Reprimi a vontade de fechar meus olhos e suspirar. Olhei no fundo
daqueles olhos tão lindos e senti o quão profundo era seu sentimento por
mim. Sim, ele me amava. Amava muito, podia sentir. Engoli em seco o
rompante que sentia de envolvê-lo com meus braços e beijar profundamente
aquele homem tão incrível, que me amava tanto.
Eu também o amava, disso não duvidava. E justamente por isso o
rejeitaria. Meu coração havia sido partido três vezes, não restara muito dele e
precisava me preservar. Havia jurado nunca mais sofrer por amor, essa era
uma promessa pessoal que jamais quebraria. Não correria o risco de perder,
quem sabe, minha sanidade... Se me entregasse a esse homem e alguma coisa
acontecesse, não aguentaria.
Arranquei-me de suas mãos firmes, que ainda sustentavam meu rosto entre
elas. Não, meus lábios diziam sem pronunciar som algum. Não poderia falar,
minha voz me trairia e, quem sabe, as lágrimas irromperiam com a
oportunidade. Não, eu tentava sibilar a palavra, mas meu coração chorava
gritando sim. Não, pensava minha razão. Sim, clamava meu corpo e todos os
meus sentimentos.
Deixei-o ali, parado, com uma lágrima rolando em seu rosto lindo. Virei de
costas, puxei todo ar que consegui e parti. Saí com a certeza de que choraria
por esse amor pelo resto de minha vida. Caminhei firme, mesmo sentindo as
pernas bambas e o coração doendo insuportavelmente.
Eu te amo – disse, mentalmente, antes de começar a correr.
Quem sabe o príncipe
virou um sapo...
Tempos atrás...
Os esportistas são sempre os mais assediados, por que fui me apaixonar
por um? Deise tem razão, deveria deixar pra lá e focar na escola. Ir ao clube
todas as tardes para vê-lo de longe não me faz bem. Pessoas como eu não
namoram carinhas como ele. Eu deveria tomar vergonha na cara e procurar,
sei lá...
Perdi a linha do raciocínio ao ver que ele terminava seu treino. Tirou a
touca preta, os óculos de mergulho e cuspiu na água. Eca! Depois passou a
mão no cabelo curtinho e dourado. Escorregou a mão pelo rosto e suspirou
ofegante. Tranquei a respiração, Deus do Céu!
Meu coração dava cambalhotas, não ouvia mais o som dos fones de
ouvido, só meus batimentos cardíacos ecoavam. Ah, Kaleb, como era
possível gostar tanto assim de um garoto? Desde o primeiro dia que o vi, tive
certeza que era paixão à primeira vista. Amor.
Enquanto ele nadava em direção à borda onde ficavam suas coisas, me
esqueci de respirar. Talvez por isso, mais o fato de estar nervosa e salivando
por aquele deus grego adolescente, engasguei e comecei a tossir.
Comecei e não parei. Algo estava errado, percebi, ainda tentando abafar as
tossidas, envergonhada. Mas elas pioraram e senti que estava realmente
engasgada. Nervosa e totalmente sem jeito, dei batidas no meu próprio peito.
Diabos! Vamos, pare de tossir! Pensei.
E num piscar de olhos ele sumiu do meu campo de visão. Graças a Deus,
constatei entre uma tossida e outra. Aflita por mim, e não por ele, levantei e
tentei respirar mais fundo. Fechei os olhos, tentando me acalmar, e senti uma
mão fria tocar timidamente meu pulso.
- Ei! Você está bem? – Perguntou alguém ao meu lado, um som abafado
em meio a muito ruído.
Virei apressada, fazendo sim e não com a cabeça. Eu estava bem, mas
também não tanto assim. O movimento me fez trombar com alguém molhado
e frio. Era Ele! Kaleb estava ali na minha frente e me olhando. Sua mão já
não tocava meu pulso, segurava uma toalha que envolvia o corpo que eu
tanto admirava.
Feito uma idiota permaneci ali, tossindo e engasgando. Num gesto rápido,
ele puxou o fio dos meus fones de ouvido.
- Você está bem? – Questionou, sério.
Meu Deus. Era só o que pensava, nada mais. Precisava parar de tossir, mas
não conseguia, e com ele ali me olhando... Não tinha controle sobre nada.
Balancei a cabeça, não sei com que intenção, e depois disso ele começou a
bater em minhas costas. Tapas secos, um, dois e voou o chiclete de menta que
nem recordava, mas estava na minha boca.
Sem jeito, arregalei os olhos, sentindo o calor vermelho inundar minhas
bochechas. Ele sorriu, satisfeito. Fiquei paralisada, sem tosse e morrendo de
vergonha. Carambolas!
- Poxa, que bom! – Disse ele, finalmente.
- Desculpa- falei abrupta.
- Não foi nada – respondeu sorridente – Passou.
- É!
E esse magnífico diálogo terminou assim, mas deu o pontapé inicial a um
contato que tanto desejava. Depois daquele dia, mesmo envergonhada,
continuei indo todas as tardes para o clube, olhava ele nadando e depois
aproveitava para estudar, ali mesmo nas arquibancadas. Ele começou a me
notar, me cumprimentava e logo já estava acenando para mim de longe.
Não preciso dizer que estava no paraíso. Deise dizia que paixões platônicas
sempre terminavam platônicas mesmo. Reflexão profunda da minha melhor
amiga, que me fazia revirar os olhos. Tive certeza que ela estava errada no
dia que ele se aproximou puxando assunto.
Aos poucos fomos conversando sempre um pouquinho mais, enquanto se
enxugava, antes de ir para o chuveiro. O contato estava indo muito bem, ele
era bastante falante e curioso e tinha às vezes a sensação que me paquerava.
Isso me deixava nas nuvens.
Essa “amizade” durou exatos dois meses. Antes já o observava,
apaixonada, há quase três, tempo o bastante para me deixar ainda mais In
Love. Porém, em uma das tardes resolvi não ficar para estudar pelo tempo
que sempre destinava a isso. Logo depois do seu treino, juntei minhas coisas
e fui embora.
Fiquei alguns minutos esperando Deise e a mãe dela, que me pegariam de
carro. Íamos ao cinema e depois lanchar, fofocar e fazer coisas de garotas
normais com quinze anos e uma mãe de trinta e poucos. Mas minha vida
desmoronou antes de tudo, ali mesmo em frente ao clube. Uma garota de
cabelos muito curtos parou em uma moto estilo lambreta, aguardando
alguém. Para minha tristeza, Kaleb saiu do clube e foi sorrindo diretamente
na direção daquela Olivia Palito.
Meu mundo acabou quando se beijaram – um beijo de novela – bem na
minha frente. Chocada, já engolia as lágrimas quando percebi um pequeno
diálogo e depois disso ele pegando algo do bolso de seu jeans. Ele colocou no
dedo e deu mais um beijo na garota com cara de anêmica, que sorria para
meu Kaleb.
Não sei como, mas tive atenção em olhar a mão da menina. Eram noivos.
Noivos! Tinha uma aliança na mão direita. Como assim, com, sei lá, 19 ou 20
anos ele já estava noivo!? Não podia ser verdade, mas era. Chorei no cinema,
enquanto lanchava com Deise e também derramei rios de lágrimas voltando
para casa. Chorei mais contando para minha mãe, e depois mais quando
Deise me ligou antes de dormir. E quando acordei no meio da madrugada
para ir ao banheiro, chorei mais um rio, até cansar e voltar a dormir.
A tristeza da decepção seguiu os dias. Doía muito, muito. Minha mãe
garantiu que passaria, Deise, como toda melhor amiga, também dizia isso.
Alexia, mãe de Deise, conseguiu levantar toda a ficha de Kaleb, por pena de
meu sofrimento. Nada mudou, porém. Ele era de família classe média alta,
filho de um comerciante bastante próspero de nossa cidade, sobrenome
tradicional, cursava o primeiro semestre de uma universidade particular e
estava noivo mesmo. A garota era ridícula.
- Ele é muito novo, não é justo! – Reclamei para Alexia, que estava com
Deise, minha mãe e eu na praça de alimentação do shopping.
- Ninna, ele tem 21! Você que é nova demais para ele. – Retrucou Alexia.
-Não sou, não – amuei, lacrimejando. – Vou fazer 16, com essa idade
minha avó já estava se casando...
- Então você está mesmo encalhada – debochou Deise, sempre
brincalhona.
- Escute, o rapaz namora a mesma moça desde os 18 e estão noivos.
Procure um menino de sua idade. – Decretou minha mãe, em tom gentil, mas
sem paciência.
- Mas eu gosto dele! Só dele!
- Você vai gostar de outro e esquecer, e vão partir seu coração muitas
vezes ainda. É jovem, vai ver – garantiu Alexia, amarga.
Alexia era jovem, acho que uns trinta e poucos ou quarenta anos. Dois
casamentos e duas separações, nenhum era o pai de Deise, esse sumiu no
mundo. O primeiro casamento acabou, ao que ela diz, por incompatibilidade
de gênios. Ele era um galinha. O segundo foi trágico, o marido se descobriu
apaixonado por outro homem e a abandonou. E sobre o pai da minha amiga,
diz que foi apenas uma noite de amor numa cidade vizinha, eram jovens
demais e burros por não se lembrarem da camisinha.
- Filha, viver é sofrer também. Entenda que...
- Não! Não vou ficar sofrendo assim novamente! Não quero mais saber de
me apaixonar, chega! – Decretei, mais revoltada do que triste.
No mais, estou indo
embora...
Hoje...
Corri meia quadra e dobrei na primeira esquina que enxerguei. Tinha as
mãos trêmulas quando cobri o rosto e chorei. Encostada na parede,
indiferente às pessoas que me viam em tal cena, chorei um pranto sem igual.
Meu coração doía demais.
Sebastian esteve comigo nos piores e melhores momentos, sempre me
apoiou. Quando falecia alguém, lá estava ele me confortando. Na época que
estive doente, ele sempre me procurava. Nos aniversários e todas as datas
comemorativas importantes, fazia-se presente de alguma forma. Era, sem
dúvidas, meu melhor amigo. Sei que não fui tão boa ou presente, em
comparação, mas nunca deixei de reconhecer sua importância em minha vida.
Não era justo perder meu amigo e um amor, assim, junto! Limpei o rosto e
olhei de um lado para outro sem conseguir assimilar nada. Tinha vontade de
voltar, ver se ele ainda estava em nosso lugar especial e me atirar em seus
braços fortes.
“Oh, céus, quem sabe se... não, não posso!”, desviei o pensamento e,
insegura, saí caminhando rápido, sem nenhuma direção certa a seguir.
Precisava sair dali, rápido. Fugir de mim mesma.
Teus sinais me
confundem da cabeça
aos pés...
Tempos atrás...
- Não.
- Fica com ele, sua boba! – Insistia Deise, apertando meu braço.
- Não, não quero – respondi, sem convicção alguma.
Era um gato. Bruno Cesar tinha um nome composto nada harmônico, mas
que era compensado por sua aparência de tirar o fôlego. Alto, magro no
sentido gostoso, e simplesmente charmoso demais. Os dentes muito brancos
deixavam o sorriso ainda mais bonito, com aquela frestinha entre os dois
dentes da frente. Olhos levemente puxados, escuros, pele clara e cabelos
negros. Era perfeito.
- Olha, a Suelen está dando em cima dele. Ele está resistindo, pois quer
você, mas não vai esperar a noite toda – informou Deise.
A música alta ajudava, assim como o modo que me olhava, a cerveja que
bebíamos e meus hormônios enlouquecidos. Em dez minutos, passada a
conversa no banheiro com Deise e sua prima Helô, acabei me perdendo na
pista com ele. Era cheiroso e beijava bem. Depois dessa noite, combinamos
de nos encontrar toda sexta no mesmo lugar.
Em um mês, começamos a nos encontrar também durante a semana e, por
fim, iniciamos o namoro. Se de início estava insegura, em pouco tempo não
tinha dúvidas de tamanha paixão que se desenrolava. Cinema, baladas, ele me
buscava no cursinho pré-vestibular, no seu carro possante azul, todos os dias,
e sempre tinha um presentinho para me dar. Fosse um pacotinho de balas de
gelatina, alfajores, uma flor ou até mesmo me fazer ouvir uma música que o
fez pensar em mim.
Minha mãe o adorava, minhas amigas também, e eu vivia feliz, como
qualquer garota de 17 anos. Ele era de Câncer e isso significava que fazíamos
pares perfeitos e complementares. Abobalhada de tão apaixonada, não
percebi os sinais quando eles começaram a aparecer, sete meses e dezenove
dias depois de nosso primeiro beijo. Estava faltando pouco para meu
aniversário e também para o temido vestibular. Era tanta pressão que talvez o
tenha negligenciado um pouco, como namorada.
Algumas ligações perdidas, uma e outra não atendida. Uma mensagem que
não tinha lido, ou estudar para uma prova do supletivo que nem encarava de
volta. Essas foram as primeiras dicas que sequer percebi, mas depois entendi.
Estava mais ocupado, desligado e quase não nos víamos. As coisas iam
péssimas e não entendia o motivo, por mais que o questionasse nas inúmeras
DRs que iniciava.
- Ando cansado, nada demais. – Respondia.
- Sou louca por você, sabe disso. Pode contar comigo, se estiver com
problemas.
Um beijo doce, uma despedida comum. Desci do carro e assim, sem
motivo aparente, tudo acabou. Nos dias seguintes não retornou minhas
ligações, não me atendia nem respondia as mensagens. Nunca estava em
casa, não o encontrava nos lugares que frequentávamos. Nada. Ele evaporou
como fumaça e sequer dignou-se a terminar comigo antes.
Uma semana de desespero. Havia sido abandonada! Se não estava morto
ou gravemente ferido, tinha outra. Essa era a explicação que Deise e eu
chegamos a concluir. Noites sem dormir, dias ansiosos, às vezes chorava por
horas, até que por fim nos falamos. Numa das minhas milhares de ligações,
que fazia em um só dia, ele atendeu finalmente. Fazia sete dias que não ouvia
sua voz e foi terrível. Sete dias!
- Bruno, o que está acontecendo? – Foi só o que perguntei, em lágrimas.
- Desculpa.
- Bruno! Fala!
- Desculpa, Ninna, eu voltei para minha ex-namorada. Desculpa.
- Meu Deus, Bruno! Por que não me falou?
Silêncio.
- Não acredito, vai ficar com ela então?! – Perguntei, rastejando
humilhação. – Bruno!
- Ninna, ela está grávida. Vamos ficar juntos.
A conversa acabou ali, não tinha nada mais a dizer ou perguntar. Estava
tudo explicado. Desliguei o telefone e gritei meus prantos, abafando o som
com o travesseiro que ele havia me dado, com os dizeres: Eu te amo,
princesa. Minha paz acabou, entrei em depressão. Foi muito, muito difícil
superar essa decepção, meu coração ficou dilacerado... Eu era louca por
aquele idiota. Um imbecil, que apesar de me trair e me deixar, fazia a coisa
certa.
Fiquei sem apetite, apática por muito tempo. Precisei muito de minha mãe,
de Deise e de psicoterapia também. Tomei antidepressivos por alguns meses,
até finalmente voltar, aos poucos, ao normal. Minha psicóloga dizia que era
uma rejeição mal recebida, mas eu só sabia que estava com o coração partido.
Quem sabe eu precise
de uma camisa de
forças...
Hoje...
Depois de caminhar por algumas quadras, fui em direção à beira do cais.
Fiquei parada, olhando a água calma. Precisava pensar. Era uma pena amar
Sebastian, ainda mais por ser um grande amor assim. Ao lado dele poderia
ser feliz, com certeza, porém o medo de uma decepção barrava qualquer
pensamento de tentativa.
Recordei de seu toque. Do calor do seu abraço e de como ali, no meio dos
seus braços, era o melhor lugar do mundo. Nossas noites de amor, dias
inesquecíveis e sua pipoca temperada. Ele era perfeito e ainda me queria!
Será? Não, não poderia arriscar. Ou poderia? Mesmo tendo sofrido tanto
por três vezes, depois de tantas lágrimas e minha promessa? E se com
Sebastian fosse diferente? E se fosse tudo tão simples, como ele garantia?
“Você precisa se acostumar, muitos garotos vão te fazer sofrer! Não se
apaixone tanto, não confie nos homens. Pode gostar, mas não deixe de
desconfiar. Ninguém deve se entregar completamente. Acredite, almas
gêmeas não existem. Ninguém é cem por cento feliz nessa vida, não podemos
ter tudo. As coisas boas vêm sozinhas, mas as ruins, em par.” Recordava de
todos os conselhos sentimentais que recebi, ao longo das decepções que vivi,
e tudo só me deixava com mais medo.
Talvez fosse verdade, com 26 anos permanecia solitária. Depois de três
decepções, nunca mais havia namorado ou me envolvido a ponto de amar e
ser feliz. Aos 15, 17 e depois aos 19, minha cota de desilusão chegou ao fim
nessa vida e fechei meu coração de vez.
Precisava me preservar.
Precisava ser feliz também.
Sentei num pequeno banco de pedra. Já não chorava mais, e me perdia em
pensamentos, sentindo a brisa fria no rosto ainda úmido.
Ela fazia muitos
planos, e eu só queria
estar ali...
Tempos atrás...
- Não escolhi me apaixonar, mãe.
-Vai com calma, Ninna. Foco na universidade.
- Ele é diferente.
- Eles são todos iguais.
Mesmo temendo sofrer uma nova desilusão, foi impossível resistir à
paixão. Márcio era um colega incrível, fazíamos várias matérias em comum e
era maravilhosa sua companhia. Ele também havia entrado com 18 anos na
universidade, mas, diferente de mim, era três anos mais velho. Eu estava
saindo de uma depressão por causa de um ex, ele também vinha de uma
fossa, recém retomando o curso antes trancado.
- Merecemos uma chance - ele disse um dia.
Seus olhos azuis e porte compacto eram tão fofos, seus sorrisos frouxos
também. Depois de um semestre juntos, como amigos, a paixão ganhou força
e nos entregamos. Estávamos carentes, tínhamos muito em comum e existia
química, com certeza. Talvez tenhamos queimado muitas etapas por
desespero, nos agarramos um ao outro na tentativa de felicidade.
O namoro mal começou e já éramos unha e carne. Logo, passava a maior
parte do dia em sua companhia estudantil e à noite em sua casa. No final do
segundo semestre estávamos como um velho casal, felizmente apaixonado,
mas numa rotina por vezes entediante.
No início do segundo ano letivo, após nossa primeira separação, tudo
mudou. Depois das férias, na volta de sua cidade natal, parecia ainda mais
apaixonado por mim. Fez planos, queria que me mudasse de vez, para
morarmos juntos. Mas, com menos de 20 anos, não cogitei o convite, pois
não estava trabalhando ainda.
Foi então que decidimos montar currículos, para descolar estágios e assim
juntar nossas vidas. Fazíamos o mesmo curso, Administração, e possuíamos
quase as mesmas qualidades curriculares. Fizemos vários testes, entrevistas,
até o dia em que concorremos para a mesma vaga em uma grande empresa.
De início torcíamos um pelo outro, mas, quando eu passei para a próxima
fase de testes... Ele se frustrou. Era tão visível e palpável que balançou nossa
relação e foi tão evidente seu alívio quando eu não passei, que me entristeceu
o coração. Não, aquilo não era esperado e me magoou demais.
Parei de procurar estágios por umas semanas e ele se mostrou tão
competitivo que se gabava por estar fazendo entrevistas e eu não. Porém, não
contei nada. Uma agência me chamou para uma entrevista que resolvi tentar,
era uma ótima oportunidade. Ele também foi chamado e a surpresa do nosso
encontro na sala de espera foi esquisita. Ele manteve a postura fria, entendi
que deveria fazer o mesmo. Depois disso, manteve-se distante ou arredio, até
que eu passei e fui chamada. Ele se frustrou, mais que isso, ele me odiou.
Naquela altura, estávamos há um ano e tanto juntos.
“Pegue suas coisas e saia do meu apartamento hoje à tarde. Não a quero
mais, está tudo acabado.”
E assim ele terminou comigo, por uma mensagem de celular. Terminou o
namoro. Desisti do estágio. Tranquei a faculdade, depois cansei de chorar.
Prometi nunca mais sofrer e me apaixonar.
Quem inventou o
amor, me explica, por
favor...
Hoje...
O telefone celular tocou, levei um susto. Estava absorta em lembranças.
Não atendi, nem mesmo olhei. Atravessei a rua e entrei em um café. Queria
me recompor. Desejei ter o braço de Sebastian sobre meu ombro, desejei não
ter sofrido tanto e ter coragem para realmente o amar.
Pedi um cappuccino bem doce, de amarga bastava a vida. Fechei os olhos
ao dar o primeiro gole, me lembrando de tudo e de nós dois. Eu o amava.
- Precisa de mais alguma coisa? – Ouvi a atendente questionar ao me
entregar o café.
- Não, nada. Obrigada.
Mal ergui os olhos para ela, mas um movimento de meia volta me fez
encará-la. A senhora de cabelos fartos e grisalhos me olhou com
determinação. Segurou a bandeja contra o peito e sentou na cadeira vazia a
minha frente. Seu olhar era doce, assim como o toque gentil ao encostar sua
mão na minha, sobre a mesa.
- Olha, minha filha, eu não sei pelo que você está passando. Mas, se você
encarar todos os problemas como desafios, vai perceber que com amor tudo
se resolve.
Dizendo isso, deu dois tapinhas suaves em minha mão e partiu com um
sorriso bondoso nos lábios. Fiquei ali, sem reação. Suas palavras, aos poucos,
reverberavam em minha cabeça.
Se fosse encarar todos os meus problemas apenas como desafios a
ultrapassar, a vida seria mais fácil? Possivelmente não, mas seria bem menos
angustiante. Vencer um obstáculo parece menos estressante do que resolver
um problema, sem dúvida. Mas, onde o amor entra nisso?
Olhei pela vitrine de vidro. Amor, amor... Amor. Por amor havia sofrido
decepções tão marcantes que me fizeram desistir dele. Mas foi o amor da
minha família e amigos que me fez superar essas e outras tristezas. Sim, o
amor resolve quase tudo ou torna mais fácil o caminho da resolução.
Mágoas. Rancor. Não, isso não resolvia nada. Ao contrário, dificultava
qualquer ação. O amor sim, esse deixava as coisas mais simples. “Eu te amo,
Ninna”, ele disse. Por que não fui sincera e disse o que sentia? Por que havia
me tornado tão complicada? Quando meu coração se tornou um problema tão
destruidor?
Agora estava sozinha. Havia rejeitado e magoado meu grande amor. Desta
vez não me perdoaria. Precisava de uma luz, estava confusa, sem saber mais
o que pensar. Queria um abraço, um colo, um ombro amigo. Não, mentira!
Queria tudo isso, mas somente de Sebastian.
Na balada disponível,
ela tá maluca, fora da
casinha ...
Meu primeiro dia do ano foi péssimo. Estava irritada, de mau humor.
Fiquei quieta no meu canto, lendo romances e, com os fones, ouvindo blues.
Não queria pensar em nada. Como tinha acertado os próximos quinze dias de
trabalho na estética, iria me ocupar e fim.
O resto na semana passou tranquilo. Comprei um novo aparelho de celular,
já que espatifei o visor na noite de Réveillon e foi quando vi inúmeras
notificações pendentes. E-mails do tipo spam, um da faculdade indicando o
dia de matrículas. Na rede social fotográfica que usava, muita coisa para
espiar.
Havia sete mensagens de texto. Amigos e colegas desejando feliz ano
novo, entre eles Deise, que estava sumida desde a última balada que fomos
juntas. Ela e um grande grupo sempre faziam um tipo de retiro todos os finais
de ano. Durava normalmente 20 dias no total, era basicamente espiritual.
“Volto para a cidade dia 15. Saudades. Beijinhos, feliz ano novo, Deise”
“Seu cartão de crédito está bloqueado, pague a fatura para desbloquear
e...”
“As festas de Carnaval foram transferidas para fevereiro. Serão 3, não
mais 4. Você já sabia? Abraços, Dora.
Se a mensagem de Deise foi boa, depois começou a cair o nível. Além de
meu único cartão bloqueado, agora as festas canceladas! Reli a mensagem:
não, na verdade tinham sido transferidas apenas. Suspirei, chateada. Seriam
no mês do início das aulas.
Fiz uma careta e respondi todas, incluindo as mensagens de feliz ano novo
que não havia visto. Porém uma de Sebastian nem tentei, telefonei e a
chamada caiu direto na caixa postal. Reli, com mais atenção.
“Já estou na estrada, ficarei incomunicável. No dia 23, pegue o ônibus
659 às 8:20 e diga que precisa descer na Antiga Escola Rural Dona Eulália.
Ele sai uma vez por dia e chegará por volta das 10:30 ao meu encontro. Eu
te pego na estrada, traga apenas uma mochila. Bjo, S”
- Droga – exclamei infeliz.
Como diria a ele que não iria mais? Como passar alguns dias acampando
com ele e sua nova namorada? Se o deixasse esperando, talvez desenrolasse
muita confusão.... Porém, éramos apenas amigos, a situação era comum. Eu
estava complicando tudo, não estava apaixonada por ele e tampouco o amava.
O melhor que tinha de fazer era deixar de ser possessiva.
Eu teria vinte e poucos dias para focar no trabalho e depois três dias de
lazer antes da maratona que seria meu último ano de faculdade. Iria apenas às
festas de Carnaval, que já havia me proposto, e depois foco total. Precisava
trabalhar todos os finais de semana, juntar algum dinheiro e planejar meu
futuro. Iria para o exterior tentar uma vida nova. Sim, era isso que precisava
ter em mente.
***
Do trabalho para casa, de casa para o trabalho, com paradas estratégicas na
biblioteca ou locadora de DVDs. Essa foi minha rotina diária. Fiz a matrícula
da faculdade e conversei com alguns colegas que estavam por lá. Meu grupo
fechado estava disperso, todos envoltos em suas férias. Dora fora da cidade e
Luis também, Rô sobrecarregada pelos pais e Deise voltando ao trabalho,
com dedicação total e um possível novo namorado.
Dia 16 foi meu último dia de trabalho na estética, voltaria apenas a tirar as
folgas de funcionárias em finais de semana. E ainda faltavam sete dias para
pegar a estrada e encontrar Sebastian e sua turma, com namorada incluída.
Não eram nada interessantes minhas expectativas.
- Aproveite esses dias para fazer algo útil – comentou minha mãe.
- Tipo?
- Tipo... Bem, não sei! Vá fazer caridade!
- Hum... Trabalho voluntário?
- Sim, ainda mais nesse período de férias, que muitos colaboradores estão
fora.
- Verdade, mãe. Vou ligar para a ONG de animais que Sebastian ajuda e
me levou no Natal.
- Faça isso, vai te fazer bem. E separe dois dias para fazermos uma faxina
geral na casa, antes de sua pequena viagem.
- Certo.
É maravilhoso se sentir útil, ainda mais recebendo lambidas carinhosas.
Passei os cinco dias seguidos trabalhando voluntariamente cinco horas por
dia e ainda combinei de prestar mais ajuda ao longo do ano. Fiz trabalhos
braçais, dei amor e também articulei ações junto com os administradores do
local. Ajudaria no que fosse preciso, recrutando profissionais e auxílio
financeiro de empresas locais.
Ao final de cada dia me sentia motivada, energizada e totalmente feliz.
Precisava compartilhar com mais pessoas as maravilhas que fazer o bem ao
próximo proporcionava.
***
Enquanto fazia anotações de planos de ação para a ONG Cães e Gatos
Amados, sentia o estômago embrulhar a cada chacoalhada que o ônibus dava.
Havia acordado cedo e tomado um café rapidamente, a passagem comprada
na véspera pedia 20 minutos de antecedência na rodoviária. Ao entrar, já
informei onde necessitava descer e o ajudante de motorista foi gentil ao dizer
que eu poderia dormir, pois me chamaria.
Depois da rodovia pegamos uma estrada de acesso ao interior. Se essa já
era ruim, piorou quando começamos a rodar pela terra alaranjada. Poeira,
buracos e meu estômago fraco brigavam. Na bagagem, encontrei a bolsinha
de primeiros socorros sem absolutamente nada para enjoos. Gemi.
Depois de quase duas horas de muito chão, o rapaz me indicou que
estávamos quase chegando ao meu destino. Ansiosa, guardei o celular com os
fones de ouvido na mochila, verifiquei se todos os bolsos estavam fechados e
levantei com cuidado. Em pé, retirei o saco de dormir que enrolava meu
travesseiro e uma manta, tudo muito compacto.
O ônibus freou devagar. Olhei pela janela, era uma pequena vila com casas
modestas. Por um segundo temi ser deixada ali, imaginando que Sebastian
poderia se esquecer do combinado ou ter enfrentado algum imprevisto.
Respirei fundo e rezei a cada degrau. Mal havia pisado do lado de fora e o
ônibus já fechava suas portas e partia. Fiquei tensa.
Tossi com a poeira que me cercou. Abanei o ar e fiz muitas caretas.
Apressada, olhei em volta e não enxerguei Sebastian. Tranquei a respiração.
Nem estava tão quente, mas senti que transpirava muito.
- Psiu! – Alguém chamou.
Olhei para longe. Depois das quatro ou cinco casas que formava o vilarejo,
visualizei Sebastian abrigado à sombra de uma árvore. Perdi o fôlego. Santo
Deus, como era possível? Estava ainda mais bonito.
- Oi – abanei sem ar.
Ele caminhou na minha direção com um sorriso largo, dentes
branquíssimos contrastando com a pele morena lindamente bronzeada pelo
sol. Vestia uma regata de um rosa muito claro e bermudas cáqui, com tênis
simples. O cabelo muito curto, no estilo dégradé, com volume só no topo,
estava desalinhado lindamente. E parecia ter ganhado um tom ainda mais
acobreado, misturado a mechas muito claras.
Soltei a mochila no chão, talvez pasma com a visão. Ele disse meu nome
baixinho e caminhou na minha direção, me puxando num abraço caloroso.
Seu corpo forte e mais alto aninhou o meu e por alguns segundos me permiti
fechar os olhos e aspirar seu cheiro másculo.
- Que calor! – falei a primeira coisa que articulei, recuando dos seus
braços.
- Deixa que eu carrego – falou, pegando mochila e a outra tralha – Como
foi a viagem?
- Boa – menti.
- Tudo recompensa! – Falou sorrindo, talvez vendo que mentia - Vamos,
vou mostrar as coisas aqui antes de levar você para o mato – comentou com
um sorriso irônico e uma piscadinha provocante.
Enrubesci, mas logo relaxei. O lugar era exótico, uma vila pequena com
meia dúzia de casas na beira de uma estrada de chão batido. Depois só
arvores e vegetação nativa, uma trilha curta levava a uma clareira e depois
disso muita água. Era magnífico! Ali estava meio que escondida uma praia de
lago ou lagoa, que mais parecia um oásis.
Arregalei os olhos, maravilhada, olhando a paisagem e absorvendo as
explicações de meu amigo gato. Pelo que entendia, era uma lagoa que se
ligava a um rio. A palavra indígena, que não me atrevi a repetir, dava magia
ao lugar.
- Fantástico – falei boquiaberta.
- Eu sei.
- Mas, onde está o acampamento? As barracas? – Perguntei invocada.
-Não estão aqui, claro. Vamos para lá agora e voltamos aqui mais tarde.
Nem mesmo saímos da areia pedregosa e espessa que margeava a Prainha
da Sereia, como Sebastian me explicou, quando ele pegou minha mão. Senti
o estômago revirar, mas não rejeitei seu gesto íntimo. Aceitei caminhar de
mãos dadas, sentindo as bochechas arderem e uma vontade estranha de ser
jogada contra aquele chão e...
- Sílver! – Chamou ele, interrompendo minhas fantasias descabidas.
- Sílver?
- Vem, menino, vem! – Chamou ele. Um cachorro, pensei de pronto.
Mas não era um cão. Do meio das árvores saiu um belo cavalo, de patas
longas e de cor marrom. Apertei sua mão com força ao ver o animal,
tropeçando nos meus próprios pés e dando ré meio nervosa.
Sebastian soltou minha mão e caminhou até o animal. Acariciou seu
pescoço e do bolso tirou alguma coisa que levou até a boca do tal cavalo
chamado Sílver. Ele não tinha cela pesada, somente uma corda ou sei lá como
se chama aquilo que sai da boca e contorna o pescoço, e um retângulo de
couro com lugar para apoiar os pés, tudo muito leve.
Fiquei ali olhando, sem reação. Num gesto rápido Sebastian colocou a
minha mochila sobre o peito largo, deixando as costas livres. Pegou meu
amarrado de travesseiro e coberta e segurou com os dentes. Rápido, apoiou-
se não sei bem onde e montou. Simples assim.
Soltando a mordida, apoiou o volume entre o pescoço do cavalo e a
mochila. Num sorriso avassalador, estendeu a mão na minha direção.
- Vem! – disse ele, num convite.
Nem mesmo em sonhos imaginei Sebastian sobre um cavalo, me
chamando assim, todo sexy. Parecia a capa de um romance de banca.
Suspirei. Sacudi a cabeça em negativa, não só por sua proposta, mas por
todos os meus pensamentos que não paravam de ir na direção errada.
Precisava lembrar que éramos melhores amigos e que não havia mais
espaço para romances em minha vida. Em menos de um ano nossas vidas
seguiriam cursos diferentes, cada um para um lado distinto. Não podia me
esquecer das desilusões que tive e que agora ele tinha uma namorada, que
provavelmente nos aguardava não longe dali.
- Ninna – chamou – Vem!
- Sebastian... – comecei.
- Confia em mim. – Disse – Apenas segure minha mão.
E eu confiei. Dei alguns passos inseguros em sua direção e aceitei seu
convite. Ele pegou minha mão com força e puxou. Encaixei o pé na última
hora, desajeitando a subida que poderia ser de cinema. Contudo, não caí. Deu
certo e, depois de montada, agarrei em sua cintura como um bebê macaco.
Ele ria e eu podia sentir sua risada em suas costas, onde estava abraçada. O
contato do meu rosto à camiseta úmida de suor, contra aquele calor e sob tais
circunstâncias, despertava latejo entre minhas pernas.
Soltei um gemido, exasperada. Eu precisava parar de sentir aquilo! Tudo
estava se mostrando uma péssima ideia e provavelmente me arrependeria
amargamente por um dia ter ido acampar com Sebastian e sua namorada.
Uma voz, que não era minha consciência, falava ao fundo.
- Pronta? – Era ele que perguntava.
- Sim – respondi entre dentes.
Devagar começamos a nos movimentar, primeiro em passos lentos e
cadenciados. Relaxei e tentei absorver a experiência por completo. Aos
poucos sua marcha transformou-se em um trote que me fez sorrir e logo
estávamos realmente cavalgando pelo bosque.
Os músculos firmes me davam segurança e por isso me atrevi a dar uma
mínima distância do corpo a minha frente. O lugar era lindo. Um bosque
quase intocado, com apenas poucas trilhas e repleto de verdes. Uma
variedade de tons incrível enchia os olhos, pássaros e sons naturais pairavam
sobre nós. Uma onda de paz e emoção me invadia, o ar tinha sabor que
lembrava eucalipto e meu coração se sentiu em casa.
Não falamos nada, apenas cavalgamos e de tempos em tempos Sebastian
acariciava um de meus braços e mão. Estava de olhos fechados quando
paramos e ele disse que havíamos chegado. Foram poucos minutos, talvez,
não sei. Era uma pena ter terminado.
- Agora você vai descer, faremos igual quando subiu – me instruiu.
- Pode deixar.
Silencio. Silêncio...
- Ninna? – Chamou.
- O que?
- Você precisa me soltar, eu seguro sua mão – disse numa risada.
Sem jeito, soltei meu amigo do abraço e agarrei sua mão. Olhei para baixo,
temerosa. Encaixei o pé e tranquei a respiração. Ele contou de um a três e eu
despenquei lá de cima. Não, não foi bonito. Foi ridículo. Fiquei ali, sentada
com a bunda doendo contra o chão duro.
Sebastian foi rápido, pulou do cavalo, soltou as bagagens e se ajoelhou na
minha frente. Tocou em meus tornozelos, olhou meus braços e por fim
agarrou meu rosto com ambas as mãos. Não sei o que falou, só via o
movimento de sua boca quando o envolvi num abraço.
- Está machucada? – perguntou, pego de surpresa.
- E.. Eu estou bem. – Garanti, me afastando bruscamente.
- Pode levantar? – Falou, me olhando nos olhos.
Fiz que sim com a cabeça e me ergui, avaliando se havia algum outro
estrago além de um traseiro dolorido. Não, nada. Constatei, ao levantar a
cabeça, que uma pequena plateia nos observava. Obviamente que senti o
rosto arder, encabulada.
- Ela está bem – Sebastian falou aos demais, aumentando meu
constrangimento.
- Aproveitando – introduziu ele, dando um passo à frente – Esses são
Gabe, Raquel, Lucas e Manoel – apresentou os amigos, já apontando que
eram todos casais.
- Oi! – Disse sem graça, com um aceno infantil.
- Ainda faltam aqui Chris, Nanda e Fabiana – completou, pegando as
bagagens – Além de Giaccomo e Alessandra, que partem após o almoço.
Rapidamente todos se dispersaram. Era uma pequena clareira, com capim
baixo, nitidamente preparada para o acampamento. Havia cinco barracas,
num círculo que rodeava uma pequena fogueira. Havia, além de uma chaleira,
um panelaço fervilhando sobre uma elevação de ferro, bastante artesanal.
- É nosso almoço – afirmou, notando para onde observava – Além de água
quente.
-E quem cozinha?
- Normalmente é Chris, ela é muito criativa e bem-disposta para isso. Mas
revezamos.
- Hum.
- Cada um faz alguma coisa: um recolhe madeira para o fogo, outro lava as
coisas das refeições; um limpa em volta das barracas e tudo fica assim – disse
orgulhoso.- Agora vem, coloque suas coisas ali na barraca verde – instruiu.
Fui até a barraca de estilo arredondado, era para no máximo três pessoas,
bastante compacta. Por dentro já havia um travesseiro e dois colchonetes
forrando o chão, além de uma coberta leve e uma mochila preta repleta de
bottons.
Bem, certamente dividiria a barraca com uma ou duas meninas, constatei,
chateada por não ter levado a minha própria. Ali estavam cinco barracas,
calculei. Pelo que vi havia três casais somados a três meninas e Sebastian. É,
teria de dormir com desconhecidas. Mordi o lábio.
Não demorou muito para as três meninas chegarem e mal me
cumprimentaram. Logo o almoço estava pronto. Macarrão ao molho
vermelho e manjericão, meio grudento, mas delicioso. Comemos perto de
uma árvore, me sentia bastante excluída das conversas e por isso me
concentrei em cada mastigação.
Giaccomo e a namorada não almoçaram direito, estavam apressados para
pegar uma carona que em breve passaria lá onde eu havia descido. Lucas e
Manoel foram bastante acolhedores e não me deixavam sem sorrisos de
camaradagem. Já Gabe e Raquel, sendo um casal bem mais velho,
tagarelavam sobre assuntos variados sem me notar. As três meninas optaram,
grosseiramente, por comerem dentro da barraca, com direito a um mini
ventilador e música.
Sebastian era amigo de todo o grupo há bastante tempo. Pelo que notei, só
se encontravam para aventuras daquele estilo. Os dois rapazes, ambos magros
no estilo atlético, partiram junto com o casal que se despediu. Iam passar a
tarde na Prainha e tentar pescar alguma coisa para o jantar.
O casal de coroas partiu com dois dos três cavalos que pastavam ali perto.
Ia, certamente, desbravar pela redondeza. De quem eram aqueles cavalos não
sabia, mas estava curiosa. E quem das três garotas era a do Sebastian também
queria descobrir. Elas se fecharam na barraca, estavam todas na faixa dos 20
anos. Eram novas, bonitas e nada sociáveis.
- O que tem vontade de fazer? – Sebastian me perguntou.
- Não sei, caminhar por aí – arrisquei.
- Ótimo! – Agora descansamos alguns minutos, depois levo você para
alguma das trilhas que descobrimos.
- Combinado. - Sorri
- E depois quero ir lá pescar, pode ser? – Pediu ele.
- Sebastian, não precisa ficar de babá – garanti, segura – Pode fazer suas
coisas com quem quiser, normalmente.
- Fiz o seguinte planejamento. – começou a explicar – Como só teremos
pouco tempo, preciso levar você para cavalgar, fazer trilhas, colher frutas
exóticas, nadar, pescar...
- Meu Deus. – grunhi, cansada – Calminha!
- Que foi? – Questionou, arregalando os olhos.
- São apenas dois dias!
- Três ou quatro.
- Dois!
- Ninna, hoje é sábado, você veio no ultimo ônibus. Agora só segunda, mas
tenho certeza que partirá na terça, com todos nós. De qualquer forma, temos
hoje e amanhã para fazer tudo.
- Sebastian, segunda pela manhã preciso ir embora. Tenho compromissos –
menti.
- Tudo bem, mas por dois dias e duas noites... – falou, balançando as
sobrancelhas, brincalhão – é toda minha.
Conversamos por um bom tempo, negociando quais atividades
realizaríamos nesses dois dias de acampamento. Depois coloquei o tênis, que
havia tirado para relaxar, e partimos para uma trilha. Levávamos somente
dois cantis de água e dois pacotinhos com frutas desidratadas.
Não nos calamos durante todo tempo, era sempre assim. Emendávamos um
assunto no outro e o tempo se comportava estranhamente. Era maravilhoso!
Quando caminhamos por cerca de vinte minutos, precisei parar para respirar e
decidimos voltar.
Ora de mãos dadas, ora separados. Tentava me esquivar, estava bastante
carente e Sebastian, muito descarado. Mesmo namorando, não parava de
brincar de me paquerar.
- E quais os planos para quando retornar? – Questionou em tom curioso –
Como foi seu mês de festas?
- Não foi, não soube? – Respondi com outra pergunta.
- Desistiu de ir? – Perguntou, unindo as sobrancelhas.
- Na verdade foi transferido para outro mês, fevereiro. E serão só três
sábados agora.
- E você vai?
- Claro! Serão minhas últimas festas. No resto do ano vou focar em
terminar a faculdade e fazer qualquer trabalho em horários extras, para juntar
uma grana e planejar minha partida – relatei meus planos.
- Sei.
- Verdade. E você vai às festas?
- Não.
- Por quê?
- Não ando afim e tenho coisa mais importante para fazer.
- Hum, como o quê? – Perguntei irônica.
- Você. – Respondeu com um sorriso brincando no canto dos lábios.
Parei de caminhar subitamente. Encarei-o e depois sorri, sem graça.
Balancei a cabeça e segui caminhando até que uma mão quente envolveu meu
braço, senti um gelo percorrer minhas entranhas. Já avistava o acampamento,
ao longe.
- Vamos – eu disse sem olhar, puxando o braço de seu enlace.
- Ninna – chamou, apertando um pouco mais. – Por que você faz isso
conosco? Já faz um ano que...
- Não! – Falei num tom agudo demais – Não, Sebastian, não estrague nossa
amizade – concluí, tentando parecer mais calma.
Ele me soltou e seguimos lado a lado, mudos. Céus, como estava sendo
difícil recusar sua proximidade ali! Mas era o melhor a fazer por nós dois. Eu
não tinha mais saúde física e mental para sofrer outra desilusão nesta vida e
talvez uma amizade valesse mais que uma paixão fugaz.
De volta ao acampamento, estavam lá as três Marias. Para variar, me
ignoraram totalmente e apenas sorriram e falaram com Sebastian. Sentei,
precisava descansar, mas não me atrevi a entrar na barraca. Não sabia a qual
delas pertencia e evitaria o máximo possível mais constrangimento.
- Sesé – disse a tal Chris – Vamos lá na Prainha?
Sesé? Provavelmente essa era, se não namorada, o novo caso dele. Vestia
um micro short jeans, uma camiseta preta bem justa e chinelos. Era bonita,
sem dúvida. O cabelo escuro, pelos ombros, liso e os olhos de um tom
amendoado incrível. Toda bem torneada, não tinha nenhum pedaço
desproporcional e carregava na fala um sotaque melódico.
- Isso, vamos lá! – Falou a menina de cabelos Chanel, com mechas em tons
fechados.
- Vou ficar – declarou a mais alta e loira. Nanda, deduzi, forçando a
memória.
Sebastian me olhou. Eu sabia que ele estava louco para pescar. Ponderei se
era melhor ficar e deixá-los ir sozinhos ou se deveria aproveitar meu dia,
ignorando as caras de desdém.
- Vamos? – Convidou Sebastian.
- Vamos! – Aceitei, tomando uma atitude mais altiva.
Ele sorriu, tudo parecia se iluminar. Correu para pegar algumas coisas que
usaria por lá. As três amigas se entreolharam, Nanda revirou os olhos e deu
as costas às demais. Pegou um livro que estava largado numa esteira e deitou
numa rede. Senti inveja, deveria ser ótimo ler naquela brisa, o dia ainda
estava muito quente.
As outras duas cochicharam alguma coisa e Chris me deu um sorriso falso,
indo para o lado de Sebastian, ajudando com as varas, agarrando seu braço de
forma oferecida. Estreitei os olhos, não me sentia enciumada, mas alguma
coisa nela me irritava muito.
- Sesé, – disse, melosa – sabe aquela faca, olha... – emendava um assunto
no outro e parei de escutar, tentando abstrair.
No caminho até a praia de rio tentei puxar assunto e perguntei as idades
delas. 21 e 22, responderam, secas, e começaram a falar qualquer outra coisa.
Chris não desgrudava de Sebastian, tocando e jogando charme. Fabi agia
como uma barreira, sempre se posicionando entre ele e eu. Se estivéssemos
de carro, certamente me jogaria para o acostamento.
A caminhada foi puxada, estava exausta quando vislumbrei a água calma.
Os dois rapazes pescavam muito calmamente, sentados lado a lado. Dava
para sentir a harmonia e o amor entre eles. Tinham minha simpatia genuína,
eram educados e bastante carismáticos.
Mal chegamos, me joguei na areia. Tirei os tênis e fiquei admirando a
paisagem. Sebastian trocou algumas palavras com os dois amigos e sorriu
para o balde que eles mostravam, orgulhosos.
- Vamos jantar muito bem hoje – garantiu, dando felicitações aos dois, que
eram só alegria.
- Quer tentar? – me convidou.
- Agora não, mas vai lá! – Estimulei.
E ele foi, se sentou perto dos amigos e começou a preparar o anzol.
Acomodei-me melhor, alguns metros atrás dele, num pedaço de sombra.
Deveriam ser umas seis horas, mas o sol ainda resistia. Fabi e Chris se
mantiveram longe de mim, mais perto de Sebastian, conversando entre si
sobre produtos para pele e esmaltes da moda.
Algum tempo depois, resolvi caminhar à beira do rio. Era delicioso relaxar
naquela paz. Caminhei até onde a vegetação permitia, absorta somente na
beleza à minha volta e na água fria em meus pés. Ao dar meia volta, para
retornar ao local onde estavam, pude ver que a pescaria de Sebastian havia
acabado.
Os outros dois guardavam suas varas e peixes, enquanto Chris e Fabi
corriam, rindo de lá para cá, só de biquíni. Jogavam água em Sebastian, que
vestido, ainda ria, fincando a vara na areia e logo depois correndo atrás delas.
Diminuí o passo. Fiquei olhando feito idiota a gritaria feliz dos três. Não
demorou muito até Sebastian, ou o Sesé dela, tirar a regata e entrar na água
somente com a bermuda cáqui. E posso dizer, era uma visão terrivelmente
enervante.
A água escorria em gotas pela pele muito lisa, num tom quase caramelo, e
cada músculo que nunca havia percebido, estava exposto.
- Ai. Meu. Deus – sussurrei para mim mesma quando ele me viu e chamou,
sorrindo.
Sorri um sorriso forçado e angustiado. Precisava ir embora, voltar para
casa e só vê-lo na rotina da faculdade. Era o melhor a fazer, mentiria uma
cólica inesperada e partiria, sabe Deus como, naquela noite mesmo.
Chris pulou em suas costas, agarrando-o numa luta fingida. Ela se
esfregava e fingia não notar que ele se esquivava um pouco, sem graça. Fabi
jogava água nos dois às gargalhadas e, na areia, o casal de rapazes já se
despedia, partindo novamente para o camping, a fim de adiantar o jantar,
talvez.
- Vem, Ninna, entra! – Gritou Sebastian, tirando o excesso de água do
rosto.
Fiz sinal de negativo com o dedo, sorrindo para sua animação. As duas
meninas não se dignaram a me olhar, pulavam e riam na brincadeira com a
água, fingindo que eu não existia. Era evidente que tinham ciúmes dele, mas
por que tanta hostilidade? Qual delas tinha alguma coisa com ele afinal?
Sebastian não continuou na água. Na verdade, saiu imediatamente ao meu
encontro. Aquela visão era extraordinária e mexia com a libido de qualquer
mulher. A bermuda colada em cada centímetro de corpo revelava volumes
nunca antes tão evidentes. Eu me vi encarando seu corpo, desejando me
perder ali, envolver cada músculo e acariciar bem devagar.
Era muito desejo reprimido, pois estava há tempo demais sem sexo? Ou
por estar perto demais de alguém tão atraente? Muitas perguntas me
inundavam o cérebro, esse estava sendo o efeito Sebastian mais a natureza
exótica sobre mim. Precisava ir para longe dele, urgente.
- Não quer nadar? – Convidou, passando a mão no cabelo molhado.
- Não, não. Obrigada.
- E o que tem vontade de fazer?
- Ir embora – respondi, sincera.
- Por quê? O que houve?
- Uma dor de cabeça – fingi – Tem como?
- Como...?
- Ir embora, Sebastian! – Respondi um pouco ríspida.
- Só segunda, mas não se preocupe! Vou cuidar de você.
Gentil, pegou minha mão e foi caminhando, me puxando em direção ao
acampamento. Disse que tinha remédios na sua mochila e que eu não me
preocupasse, pois Gabe era médico. Qualquer coisa eu estaria a salvo e com
cuidados. Garantiu que depois de comer alguma coisa e descansar,
melhoraria. Que muita atividade e sol forte causavam isso em pessoas mais
delicadas.
Não respondi nada, tinha um médico entre nós e qualquer falsa queixa
seria facilmente combatida. Resignada, só partiria na segunda-feira pela
manhã e até lá deveria tentar me divertir e não atrapalhar o passeio de meu
melhor amigo. E era isso que faria mais tarde, pois naquele momento ainda
precisava me reprogramar.
“Não se envolva, não se apaixone e lembre que nada é para sempre. Somos
programáveis e a blindagem é necessária. Se amar é sofrer, optar por não
amar é a atitude mais sábia para se garantir uma sobrevivência saudável.”
Mandava mensagens para meu cérebro enquanto mastigava uma maça
ofertada por ele.
-Gostosa – falei de boca cheia.
- Logo o jantar fica pronto e você termina de se recuperar. Quer deitar?
- Não, vou ficar bem aqui. Obrigada.
- Tem espaço para mim aí?
- Aqui? Não....
Mas não tive tempo, ele abriu espaço ao meu lado e se sentou na rede que
havia me acomodado. Passou o braço úmido sobre meus ombros e me puxou
para trás, embalando a nós dois. Em um piscar de olhos me senti num
balanço agradável, sentada na rede e deitada sobre seu braço, pernas ao ar,
olhando as copas das árvores que iam e vinham devagar.
Suspirei. Era bom, era ótimo estar ali e ao mesmo tempo era terrivelmente
doloroso. Ele encostou sua cabeça na minha, respirando próximo demais.
Fechei os olhos e me deixei levar. Só um pouquinho, só alguns segundos.
- Coisa boa... – deixei escapar, ainda só absorvendo a magia, de olhos
cerrados.
- Ando por aí querendo te encontrar, em cada esquina... – Começou a
cantar ao meu lado, com uma voz linda.
Abri os olhos e o encarei, cantava de olhos fechados. Só então percebi o
som do violão que nos rodeava. Espiei em frente, a comida estava no fogo:
uma panela borbulhando e peixes assando. Todos estavam sentados,
observando Lucas dedilhar um violão bem afinado. Manuel cantava a seu
lado e Sebastian fazia coro. Agora a sua voz macia cantava a minha volta.
Sosseguei, relaxando ao seu lado, ouvindo a melodia. Calmaria era soprada
junto com a brisa, agora fresca, que nos tocava. Por um breve momento senti
que as lágrimas, vindas talvez da minha alma, ardiam em meus olhos. Engoli
a emoção e respirei fundo.
- Ai, nããão! – Berrou uma voz agora, calando a canção – Chega de
romance. Estou sozinha aqui, alow!
- Isso ai, Nanda! – Disse a voz que identifiquei como de Fabiana.
- Está pronto, vamos jantar! – Informou Chris, sei lá de onde.
Abri os olhos e fiquei fitando o céu agora muito escuro e cheio de estrelas.
Poderia ficar ali por toda a eternidade. A energia de Sebastian atiçava meus
desejos mais íntimos, mas também acalmava o coração.
- Que o nosso amor pra sempre viva, minha dádiva – Sussurrou ele, perto
de meu ouvido, levando uma de minhas mãos até os lábios - Quero poder
jurar que essa paixão jamais será, palavras apenas, palavras pequenas ao
vento...
E sua voz ficou num fio, silenciando com o toque de sua boca úmida em
minha mão. Que música era aquela? Aquilo era uma jura, uma declaração?
Meu estômago ferveu como mil mariposas revoltas. Abri a boca para falar
alguma coisa, porém ele me deu um beijo doce no rosto e retirou com
cuidado o braço que sustentava minha cabeça.
Encarou-me com o olhar mais profundo que já havia sido alvo, me senti
nua... Presa entre seus dois braços, um de cada lado de minha cabeça, senti
uma excitação inexplicável. E pedi mentalmente que me beijasse, deitando
seu peso sobre mim e ali mesmo me tomasse para si.
- Essa vai ser a nossa música – disse simplesmente.
Fechei os olhos e esperei, entreabrindo os lábios e exalando um pouco do
calor que sentia. Mas o frio me alcançou quando ele saiu dali, me deixando
sozinha na rede que tremulava. Abri os olhos e sentei, meio zonza. Ele já
pegava os pratos plásticos e nos servia arroz integral e peixe assado envolto
em folhas agora de um verde muito escuro.
Deixo a tristeza e trago
a esperança em seu
lugar...
Uma semana passou. Foi talvez uma das piores! Sebastian e eu nos
evitávamos, nosso grupo na faculdade foi diluído. De um lado, as meninas
comigo; do outro, ele e Luís. Sempre assim eram as manhãs de aulas, bom
dia e tchau era o que usávamos. E à tarde, quando nos cruzávamos nos
corredores, era dolorido demais.
Decidi e não me arrependia, mas às vezes parecia que a qualquer momento
iria sucumbir e lhe pedir ao menos uma amizade fingida. Estudei mais do que
precisava e à noite me dedicava a elaborar cartazes para a ONG dos pets que
ajudava.
No sábado trabalhava feito uma maluca, feliz que na manhã seguinte
também precisava ir. Lavando um cabelo masculino, que parecia de
Sebastian, me lembrei de que naquela noite teria a última festa à fantasia.
Precisava ir dançar e ver que a vida continuava, que nada era tão triste que
não pudesse ser curado.
- Luciana!
- Diga, Ninna!
- Fica no fim do dia para me ajudar, tenho uma festa.
- Claro, menina!
Luciana era uma nova e ótima amiga. Nascida homem, com nome Carlos,
era um modelo de força que eu deveria seguir. Talvez tivesse algum
conselho. Sim, Luciana me ajudaria a ficar bonita e mais segura. Sorri, me
sentindo entusiasmada. Ficaria linda, iria me divertir e esquecer Sebastian de
vez!
Após o expediente, Luciana ficou comigo no salão principal e lhe contei
sobre a festa. Logo de cara ela me indicou pegar um jaleco branco de lá,
combinar com minissaia e salto, fazendo o estilo enfermeira sexy. Topei de
cara, ganhei uma mega hidratação nos cabelos e escova em um liso perfeito,
que deixava minhas mechas já amareladas com mais vida. A maquiagem foi
um trabalho árduo, pois as olheiras não colaboraram, e, por comer muito
chocolate durante a semana inteira, estava cheia de espinhas pequenas e
indesejadas.
Meia-noite já estava entrando na festa, sozinha, mas confiante que
encontraria algum amigo. Deise disse que iria direto de um aniversário, mas
com certeza me encontraria. Fora ela, ouvi Luís comentar que ele e os primos
estavam combinados de cair na farra, todos vestidos com o uniforme do jogo
de futebol semanal que organizavam. Amanda, uma manicure nova que fiz
amizade no centro de estética, confirmou que arrastaria o namorado bronco
para a festa e expliquei onde me encontrar.
Das três festas, essa última era a menos cheia e isso me deixou espantada,
porém não abalou o salto Luís XV que estava usando. Fui direto para meu
lugar preferido e lá, no quiosque elevado, fiquei de olho na pista, nos
fantasiados, na banda e no meio copo de cerveja bem gelada.
Mal chegando vi o camarote em frente ao meu, porém, no andar superior,
uma cena me fez engasgar. Era Sebastian, vestido de grego ou romano, com
músculos e tatuagens à mostra. Parecia muito animado, dançando e pulando.
Sozinho? Não. Ele tinha uma Cleópatra e, posso garantir, colocava minha
composição carnavalesca no chinelo.
Eu vestia um jaleco emprestado, com sutiã preto rendado à mostra,
shortinho, meia arrastão preta e um big salto. Junto, a maquiagem luxo da
Luciana e um cabelo bem liso, com uma pequena presilha dourada. Ela estava
com uma fantasia impecável em tom de cobre e ouro, olhos bem marcados, o
corpo desenhado pela microssaia e o top com bastante volume à mostra. Era
bonita a desgraçada e ele estava toda hora agarrando-a para dançar, de uma
forma bastante luxuriosa.
- Oi! Te achei, Ninna!- Era Amanda, com seu boy magia. Sorri, tentando
parecer animada.
- Ninna! Ninna!! - Outro alguém me chamava, era Deise.
Deise de mãos dadas com Luís? Eles estavam juntos desde quando? Pelo
visto a última festa tinha rendido mais do que eu sabia. Andava tão absorta
em problemas pessoais que deixava a desejar como amiga, principalmente
com a minha best friend forever.
Respirei fundo, mas meus olhos pareciam como imã e me pegava olhando
a todo o momento lá para cima, onde a cena me irritava. Tentei focar nos
amigos, Amanda feliz e seu namorado muito constrangido. Deise esbanjando
felicidade, assim como Luís, que carregava junto um olhar apaixonado.
- Por que não me contou? - Cochichei no ouvido da minha amiga.
- Você andou me escondendo muitas coisas também.
Essa era Deise, sempre objetiva e tão sincera que chegava a ferir. Pior, ela
tinha razão. Eu havia me fechado demais, talvez limitando nossa amizade de
uma vida. E isso não era por falta de confiança, era medo de expressar o que
realmente sentia.
- Desculpa.
- Só porque te amo. – respondeu - Precisamos conversar e colocar as coisas
em dia.
- Verdade.
Um longo abraço me comoveu mais do que deveria e, voltando a olhar
para o alto, vi mais do que aguentava: Sebastian aos beijos com a
insuportável Chris. “Filho da mãe, ridícula, dois... Dois idiotas.” Falei mal
mentalmente, sendo mais babaca talvez, afinal ele era livre. Eu o havia
excluído de minha vida.
Tentei não beber muito, não era sensato com tamanha dor de cotovelo.
Também procurei me divertir, sem conseguir, até que esbarrei com um
vaqueiro no estilo mais americano. Calças justas, bumbum e demais
curvaturas salientes.
- Hola, mi amor!!! –Disse, sorrindo de forma arrebatadora.
- Portenho?! - Perguntei para confirmar.
- Estás onde?
- Onde estou? Ali - apontei para meu grupo.
- Sola?
- Quê?
- Te quiero mucho. Estas sola?
Sorri e fiz uma pequena afirmação com a cabeça, acreditando ter
entendido, mas bastante insegura. Coisa que durou poucos segundos, pois ele
avançou sobre mim, me beijando. Eu posso ter pensado em lhe rejeitar, mas a
combinação Sebastian mais Cleópatra, somada àquele belo homem a minha
frente, me fez retribuir intensamente.
- Onde estava indo, linda?
- Venho do banheiro... Você fala português?!
- Aonde vamos? - Respondeu rindo.
- Eu voltava do banheiro, vamos para lá - apontei para o quiosque elevado
–Por que fingiu?
- Porque aprendi com meu primo, faz diferença - respondeu jocoso,
piscando para mim e me beijando um estalado em seguida – As mulheres
bonitas gostam de sotaques.
Homens, todos uns babacas – pensei, achando ridícula a técnica de
conquista barata. Mas, nos olhando de mãos dadas e ele tão bonito, fiquei
bastante lisonjeada. Chegando ao meu grupinho, Amanda já se despedia, pois
o namorado estava entediado e não queria mais ficar na festa. Ficamos apenas
nós quatro, dançando e tentando conversar às vezes, ali no meu lugar
preferido, até o falso portenho convidar a todos nós para ir num espaço vip.
Aceitamos o convite e o seguimos para o andar superior. Uma benção, pois
meus olhos me traíram e a todo instante me pegava observando o casal de
capa de revista.
No caminho, constatei que no máximo em uma hora precisava ir embora,
pois não podia faltar ao trabalho de jeito nenhum. Não prestei atenção no
caminho e acabei dando de cara com as pessoas que tanto observei.
Aquelas.
Sim, eles!
Estávamos no espaço vip deles, que estava bastante cheio. Reconheci, além
do casal, obviamente, as amigas que no outro dia me informaram que
Sebastian e Chris sempre estavam juntos. Todas, acho que cinco ou seis,
vestidas também no estilo egípcio e indiscutivelmente bonitas, que se
demonstravam surpresas por me ver ali e acompanhada. Seus olhos iam e
vinham de nossas mãos entrelaçadas para nossos rostos e depois para
Sebastian.
- Vou te apresentar alguém, disse me puxando. E vocês, fiquem à vontade -
falou para Deise e Luís, que observavam o lugar.
- Sesé! - Chamou e Sebastian virou para olhar.
Até ali o casal não havia nos notado. Sebastian sorria, até me perceber ao
lado do seu amigo. De mãos dadas. Sua expressão mudou drasticamente em
poucos segundos.
- Esteban - Disse meio frio.
- Primo, quero te apresentar minha futura esposa.
- Esposa? -Ergueu as sobrancelhas.
- Ora, passamos duas ou três festas de Carnaval juntos e fiéis, posso dizer
que é amor. Não é, mulher?
- Primo? Você é primo dele?
- Esse é aquele que me ensinou a tática de ser hermano na conquista.
Lembra que te contei?
- Sim – respondi, passada a ferro.
- Já nos conhecemos, Ninna é minha colega de faculdade - Explicou
Sebastian.
- Ei! Então formou! Agora que ela não me escapa – disse, sorrindo e me
puxando para junto de si.
- Que casal adorável, Sebastian! - Falou Chris, que olhava a cena
entusiasmada - Esteban e sua amiga Ninna, olha que doido. Parabéns, primo -
cumprimentou meu acompanhante com dois tapinhas no braço forte.
Puxei o agora falso portenho chamando Esteban para o lado. Precisava sair
dali, tudo estava esquisito demais. Minhas mãos tremiam e a cabeça zunia de
tanta confusão.
- Querida - disse Esteban - Promete que ficaremos juntos à luz do dia?
- Claro, claro - respondo no automático.
- Sério, tô encantado por você. Muito, muito linda – disse, me beijando
afoito e cheio de mão boba, como sempre.
- Err... Eu, eu preciso ir embora.
- O quê? Ah, não! Só mais um pouco e te levo para casa.
- Não! Não! – Declinei seu convite.
- Tem medo de mim? Você já conhece até minha família, gata! – Falou,
mordendo minha orelha. Minha mãe e a de Sebastian são irmãs gêmeas,
somos primos de verdade, apesar de morarmos longe.
- Não é por isso, tenho carona...
- Sua amiga? Ela e o namorado já foram, não viu quando nos deram tchau?
- Não percebi. Mas tudo bem, vou de táxi.
- Sem chance, eu te levo. Só ficamos mais meia hora.
Meu Deus. Meu Deus... Que noite era aquela?! Deparada com uma
situação terrível, desastrosa, na verdade, vendo Sebastian com outra por
minha própria culpa. Para piorar, não só sentia ciúmes, como estava
realmente apaixonada por ele e isso era péssimo. Como se não bastasse, me
via nos braços do primo dele, que sim, era um gato gostosão e estava bem a
fim de mim, mas que eu sequer sabia do parentesco e usava apenas para
tentar esquecer Sebastian.
Os pensamentos turbulentos se chocaram com o olhar de Sebastian sobre
mim. Era raiva, decepção, desgosto e tudo aquilo que não deveria sentir. Ao
mesmo tempo em que queria me desculpar, voltar atrás, desejava também
seguir em frente e combater o sentimento.
- Vamos, você parece cansada. Vou levar minha enfermeira para casa.
- Obrigada – agradeci aliviada e sincera.
Saímos de mãos dadas, parecendo um velho casal cheio de intimidade.
Esteban falou alguma coisa no ouvido de Sebastian e suas expressões só
pioraram. O que pode ter falado? Bem, agora não faria diferença, afinal ele
estava acompanhado! E com ela! Talvez sempre estivessem, como suas
amigas falaram no outro dia.
Segui Esteban para fora dali, fomos para o grande estacionamento a céu
aberto e seu carro de cinema foi destravado. Era lindo, amarelo, e
provavelmente muito caro.
- Entra, querida.
- Ah, obrigada.
Ele era tão educado quanto o primo, um homem gentil do tipo que abre a
porta do carro e elogia sem motivo. Agora, na claridade das luzes dos postes,
notava o quanto eles eram parecidos. Talvez ele fosse mais alto e Sebastian
mais forte, mas no resto pareciam irmãos, tamanha a semelhança.
- Para onde vamos?
- Bairro Nova Petrópolis, na parte baixa - expliquei.
- Alguma chance de levar você para outro lugar?
- Não. - Respondi num sorriso educado.
- Alguma possibilidade de você me convidar para ficar?
- Nenhuma, moro com minha mãe.
- Tudo bem, entendo, mas se mudar de ideia... Estou de férias no apê do
Sesé e também tem hotel legal na cidade e...
- Trabalho amanhã – disse – Na verdade, hoje cedo. Preciso mesmo, você
entende?
- Claro, minha bela enfermeira. – Me diga, existe ou já rolou algo entre
você e meu primo?
- Hã, não. Por que a pergunta?
- Só para saber. Você trabalha onde?
Esteban era falante, puxava vários assuntos e emanava uma ótima energia.
Mal pareceu que eu morava longe, sua conversa era ótima.
Contou que era recém-formado, havia terminado o curso de Engenharia
que fazia em Minas Gerais. Era o primeiro com este título na família, seus
pais estavam no mar, gostavam de velejar pelo mundo sem nenhuma pressa e
com muito prazer. Ele tinha mais duas irmãs, uma mais nova e outra mais
velha, e ambas moravam em Curitiba, que era a cidade onde tinham
residência fixa.
Era bom de papo, interessado em ouvir também. Carinhoso, mantinha uma
das mãos sempre me tocando, no rosto ou na perna. Seus afagos eram doces,
mas mostravam também que me desejava, o que no momento fazia bem para
meu ego, mas não despertava nada além disso.
- Duas ruas e dobra à direita, a sétima casa. É... Muito obrigada, de
verdade.
Ele sorriu e, assim que parou o carro, soltou o cinto e me puxou para
muitos beijos animados. Impossível não me derreter e aproveitar, mas
mantive certa atitude mais recatada a cada recordação de Sebastian.
- Eu preciso ir - falei.
- Espera, eu abro – Falou, descendo e contornando o carro, abrindo a porta
e pegando minha mão.
- Um cavalheiro - elogiei ao sair.
- Vêm cá, me puxou para junto dele.
Encostado no carro, me tomou para si e era quase um polvo, com mãos e
braços envolventes. Estava entusiasmado, seria ele sempre assim?
- Você é muito safado!
- Não, linda, você me deixa excitado.
Ele já estava há um bom tempo sem o chapéu country, com seu cabelo
curto e ondulado à mostra. A camisa xadreze semiaberta ficava ali,
mostrando um pecado feito de pele macia, pelos e músculo. Um cinto
ostentava a grande fivela de ferradura, abaixo tudo justo e colado numa calça
jeans de tirar o fôlego.
- Vou te ligar.
- Já dei meu número?
- Precisa não! Pego com Sebastian e também sei onde você mora e estuda.
- Obstinado! – Constatei.
- Quero ficar com você nesse resto de férias.
- Até quando fica?
- Até o próximo sábado, depois preciso ir até Minas pegar uns documentos
e então volto para casa, em Curitiba.
- Ah, tá ok.
- Promete? Ficamos esses dias juntos?
- Prometo tentar, me liga, daí vamos combinando.
- Não seja difícil...
- Não é isso!
- Até fazendo isso você me dá tesão. – Disse, encerrando o assunto e me
bebendo como vinho.
Minutos depois estava na minha cama, rezando para algum santo me
ajudar. Não podia estar tão caída assim por Sebastian, não era sensato. E
também não era legal ficar uma semana depois com seu primo. Ou poderia
ser que talvez o esquecesse de vez? As dúvidas misturavam meus
sentimentos, mas as lembranças de vê-lo com aquela ridícula me afetavam
demais.
- Não, Ninna, não - Me ordenava a não chorar.
Mas o que fazer? Para onde eu estava indo afinal? Onde havia me perdido?
Era só a faculdade e minha futura viagem que deveriam povoar meus dias. E
a felicidade, onde tinha se escondido a danada? Na minha vida só
perturbações apareciam.
- Por favor, santos, me ajudem. E vovó, onde quer que esteja, me dá uma
luz aqui. Por FAVOR...
Não sei como dormi, o despertador tocou e me sentia feito um zumbi.
Vontade de ficar na cama, de cobrir a cabeça e sumir. Mas a vida não é assim
e viver pede coragem. Não sei como, mas trabalharia todo o sábado e no
domingo pela manhã também, firme e forte.
Talvez colocasse em prática a máxima que vovó sempre me dizia:
Ninguém é feliz completamente o tempo todo, o melhor sempre está por vir e
por isso devemos ir caminhando com amor e sempre em frente, agradecendo
pelo novo dia.
E duas ou três horas depois estava no banheiro da estética, me olhando no
espelho e ainda pensando que o dia seria longo... E foi. À noite só me joguei
na cama e dormi até às nove da manhã seguinte, pronta para mais algumas
horas de jornada, que faria extremamente calada.
Não respondi à mensagem de Deise, não dei muito assunto para minha
mãe, ignorei qualquer ligação, de números conhecidos ou não, e também não
cumprimentei ninguém que passou por mim.
Estava azeda feito limão com sal, simples assim.
Nós somos medo e
desejo...
Precisei de dois dias para me recuperar, estava decidida a não sofrer e não
ficar arrastando corrente por aí. Sebastian não era mais uma opção, na
verdade seria maluquice embarcar nessa, então o melhor que tinha a fazer era
seguir com meus planos. Dedicação aos estudos, organizar minha viagem e
meu futuro fora do país, juntar uma graninha para isso nos finais de semana e
deu. O telefone vibrou, sem som, ainda no silencioso. Era Sebastian!
Atendo ou não atendo? Meu Deus do céu, por que estou tremendo tanto
assim? Será que está bravo por eu ter ficado com o primo dele? Será que não
está mais com a megera? Quer me pedir desculpas? Ainda gosta de mim?
Eram tantas perguntas e tamanho nervosismo que quando atendi, minha voz
não saiu.
- Ninna?
- Si-sim. – Respondi num fio de voz inaudível.
- Alô?
- Alô! – Falei depois de tossir. – Oi.
- Ninna, é Esteban! Tudo bem?
- Ah, oi. Tudo bem.
- Então, vou passar para te pegar hoje. Me espera, beijão.
- Me pegar?
- Isso, estou com viva voz e dirigindo, preciso desligar. Beijo e me espera.
Me buscar? Nem sabia onde era... Opa, na verdade ele sabia onde eu
morava sim. Bem, eu deveria ser passado mesmo ou Sebastian não daria meu
número e até emprestaria o celular para o primo me ligar. Os pensamentos só
aumentavam minha mágoa e a razão me mandava aguentar firme, sem
desmoronar, e eu faria isso.
Depois das aulas cheguei em casa, apressada para tomar um banho e me
arrumar, mas na frente de casa o carro esporte amarelo já me aguardava.
Esteban estava lindo, jeans skinny, camisa social azul dobrada e um largo
sorriso. A semelhança com Sebastian era inegável, mas ele se vestia mais
formal. Depois de me convencer que não precisava me arrumar, saímos sem
rumo certo.
Ele era carinhoso, mas não havia tentado me beijar. Propôs um cinema e
depois jantar e eu aceitei de imediato. A companhia era muito agradável, me
deixava confortável e eliminava a tormenta dos meus pensamentos.
Escolhemos um filme ótimo, de ficção nacional, e caminhamos para o lugar,
agora de mãos dadas.
- Deveria ter te encontrado antes. Anos antes.
- Não seria muito provável, moramos em cidades diferentes – respondi
sorrindo.
- Ninna, você é muito linda. Uma garota muito legal também.
- Obrigada, Esteban, mas vai me deixar sem graça ou convencida –
brinquei.
- Vem cá – disse, me chamando para um longo beijo, que dei com pouco
prazer. – Confesso que se ficar mais nessa cidade, corro o risco de me
apaixonar.
- Não faça isso, paixões sempre acabam mal.
- Gata, legal e esperta – disse, me beijando demoradamente.
Assistimos ao filme e depois caminhamos pelo shopping como dois
namorados apaixonados. Comemos por ali mesmo, na praça de alimentação,
e depois ainda estendemos a noite em um agradável Bar Boliche. Um
encontro casual, com carícias despretensiosas e sem nenhum envolvimento
afetivo mais profundo. Esse era nosso status e estava adorando cada minuto,
sem medo ou ressalvas.
No caminho de volta, fez um desvio até o Mirante, que era um conhecido
local de encontro para namorados. A noite estava linda, uma lua dourada
enchia o céu e tudo parecia perfeito. Tudo, até os beijos tornarem-se mais
voluptuosos e suas mãos buscarem aquilo que não poderia dar.
- Não, melhor não – parei sua manobra de tentar abrir minha blusa.
- Vamos para outro lugar?
- Eu prefiro ir embora, Esteban, isso não vai rolar.
- Por que não? Sabe, te liguei no domingo e você não atendeu. Perdemos
um dia.
- Você tem mais seis...
- Na verdade, estou indo embora amanhã.
- Por quê?
- Problemas – respondeu evasivo.
- Alguma coisa séria?
- Coisa de família.
Tentei estender o assunto, mas fui silenciada por mais beijos e comecei a
ponderar porque não aproveitar aquele homem lindo, já que Sebastian
obviamente estava lá se esbaldando com a outra. O que teria a perder? Era a
minha vez de seguir em frente de verdade e me sentir desejada, livre e dona
da minha vontade.
- Calma, aqui não – afastei sua boca da borda do meu sutiã, a blusa
parcialmente aberta e a respiração agitada.
- Tem razão, vamos embora daqui antes que nos prendam – disse, rindo
feito um moleque travesso.
Dali fomos a um conhecido e luxuoso motel e, a cada metro que o carro
andava, menos segura eu me sentia. Sexo nunca fora um tabu, mas não me
parecia certo fazer aquilo estando tão mexida com tudo que vivi com
Sebastian. Além disso, eles eram primos. Primos tipo irmãos, pelo que via.
Não, aquilo não era sensato.
- Esteban, não. Eu... Prefiro ir para casa, não dá...
- Por que isso? O que houve?
- Eu não posso.
- Você tem alguém?
- É mais ou menos isso.
- Cara, se eu te contar que também estou saindo de uma fossa, você
acredita?
- Sério?
- Muito sério.
- Então... O que fazemos agora?
- Podemos entrar, relaxar um pouco e conversar. Beber alguma coisa, não
sei.
- Prefiro relaxar, beber alguma coisa e conversar num lugar que não seja a
cama de um motel. – Falei sincera.
- Beleza, vamos voltar lá para o mirante?
- Tenho um lugar melhor, vamos a um Café 24 horas muito simpático. Vou
te explicar como chegamos lá.
E assim fizemos. Dez minutinhos depois estávamos no café, que na
verdade era aconchegante e com ar de intimidade, talvez pela luminosidade
difusa. Sentamos em um dos sofás, pedimos nosso cappuccino com rum e
conversamos sem pressa. Ele me contou do fim de seu namoro, da traição que
havia descoberto e de muitos planos a dois que haviam sido destruídos.
Seu desabafo era verdadeiro, eu o entendia e isso tornava minha empatia
ainda mais terna. Logo, também eu comecei a contar sobre meus desamores,
sem mencionar nome, para não acabar citando seu primo.
Do café saímos caminhando sem rumo, passando pelo movimentado cais.
Paramos num bar que tocava músicas dos anos 80, pegamos benditas bebidas
e ficamos ali, ao ar livre, falando de tudo um pouco. Tagarelamos sobre
nosso passado e presente, embarcando em anseios futuros e outros devaneios.
- Me promete?
- Prometo, diga o quê?
- Promete que, se em um ano continuar sozinha, casa comigo? Temos tudo
a ver e merecemos ser FELIZES - gritou.
- Prometo de verdade, prometo! Se ambos estivermos sozinhos, nos
daremos essa chance – respondi sorrindo.
- E te farei satisfeita – falou, me puxando para um beijo – E nenhum outro!
Eu o beijei, por mais que agora parecesse apenas um bom amigo. Beijei
com fervura não só o homem, mas a pessoa que parecia legal e sincera.
- Ei, vão para um motel! - Alguém falou alto ao nosso lado.
Paramos de nos beijar a tempo de ver Sebastian puxando Chris por um
braço. Ela segurava um grande copo com atenção e ria, olhando para nossa
direção.
- Vem, vem logo - dizia ele, puxando-a impaciente.
- Calma, amor. Nossos primos, olha! - Gritava ela, bêbada.
Não tivemos reação e ali ficamos olhando, até Esteban ter uma reação
inesperada: me pegar pela mão e puxar para o lado contrário, sem nada dizer.
Eu o segui dali e só voltamos a conversar dentro do carro.
- Está tudo bem? Perguntei sem entender.
- Claro – Suspirou, tocando meu rosto. - Vamos para algum lugar, ficar
juntos?
- Eu... Eu não...
- Não precisamos transar, Ninna, mas não quero dormir sozinho esse resto
de noite. No apartamento de Sebastian terei de ouvir os sons dos dois.
- Amanhã tenho aula.
- Você fica num hotel comigo, te deixo cedo na faculdade e vou direto para
o aeroporto.
- Poxa, por que essa partida tão antes da hora?
- Desentendimentos – disse vago. - Estou exausto. Vamos?
- Vamos – aceitei, ainda sem certeza, mas odiando voltar para casa e
imaginar Sebastian com outra.
E assim fizemos. Como namorados, fomos para um hotel. Lá, fiquei pasma
com o luxo de sua suíte e, de início, constrangida com a coisa toda. Mas logo
relaxei, Esteban foi para o banho e voltou num roupão peludo bordô, me
oferecendo outro.
- Se quiser vestir, fica à vontade. Mas tem camisa minha ali, na mala que
trouxe.
- Obrigada, mas, se vou dormir aqui, se importa que eu tome um banho
antes?
- Claro que não, vai lá, querida.
Um longo banho me renovou. Porém, ver Sebastian com outra mulher me
machucava tanto quanto seu olhar de desprezo. Engoli a dor que se formava
no meu peito e, ao sair, vestida com roupas íntimas e o roupão vermelho-
escuro, me deparei com um bebê homem dormindo meio sentado, com a
cabeça pendendo de lado. Sério, era lindo de se ver e, procurando não acordá-
lo, caminhei nas pontas dos pés e deitei ao seu lado, dormindo também cerca
de meia hora depois.
Acordei quando o dia amanhecia e mãos fortes me acariciavam as pernas.
Olhei assustada, sonhava com Sebastian, mas era Esteban quem deslizava as
mãos por minha pele.
- Desculpa te acordar.
- Tudo bem.
- Você me deixa com um tesão maluco. Pode me rejeitar, mas vou tentar.
Ou não vou me perdoar nunca, nunca mais.
Não falei nada, fiquei ali sem pensar, apenas deixando o momento me
guiar. Minha realidade era ruim, meu futuro incerto, talvez nunca mais veria
Esteban. Quem sabe outro homem poderia me fazer esquecer um pouco de
Sebastian? Além disso, ele estava lá na cama com outra garota.
Esteban subiu, tocando numa estrada imaginária por meu corpo, e abriu o
roupão, primeiro o meu e depois o dele. Estava completamente nu. Não era
tão avantajado quanto Sebastian, mas exibia virtuosidade tal qual. Fechei os
olhos e o deixei me explorar numa infinita carícia e depois em beijos
molhados. Seu corpo já pesava sobre o meu quando me peguei arrependida
de estar ali. E no exato momento em que cogitava repeli-lo, fui invadida sem
aviso.
- Não, eu... - Comecei a dizer, quando me silenciou com um beijo e se
aprofundou dentro de mim.
Era gostoso ouvir seu gemido fraco, assim como seu ir e vir frenético e por
isso relaxei. Tudo estava indo um pouco veloz demais e, tão rápido quanto
suas investidas começaram, logo perderam o ritmo e terminaram no seu gozo
repentino.
Saindo de mim, jogou a camisinha de lado, sem se importar com o fato de
ter sido tudo tão rápido. Beijou meu rosto, deitou-se ao meu lado e logo
estava ferrado num sono profundo. Não, aquilo não tinha sido esperado. Mas,
na verdade, não havia cogitado nada. Aquela noite e sua performance eram o
que menos importava, já que não estava realmente empolgada.
Voltei a dormir também, era o melhor a fazer. Mais tarde, me sentindo
extremamente mal por ter feito o que fiz, ainda precisei sorrir para me
despedir de Esteban. Era constrangedor, ainda mais por estar na frente da
faculdade, mas ele foi indiferente ao meu apelo para estacionar longe da
entrada.
Felizmente não nos veríamos mais e logo poderia esquecer a noite anterior.
Fui mais fria do que deveria e rapidamente me livrei da situação, correndo
para a aula. Mas antes disso, claro que tudo poderia piorar.
Sebastian estacionou sua moto em frente ao carro de Esteban, nos encarou
pelo vidro e marchou sem cumprimentos. Na entrada não encontrei nenhum
colega mais próximo, para puxar conversa, e por fim subi sozinha para a sala
de aula.
- Onde está Dora, Rô ou Luís? - Perguntei à menina ao meu lado, Suellen
era seu nome.
- Você não sabe? A Rosângela mudou mesmo de curso e Dora desistiu da
faculdade, foi viver em uma comunidade, acho que meio hippie.
- Nossa, não estava sabendo.
- Estranho, vocês são amigas.
- Talvez eu tenha me ausentado demais. Muito trabalho - menti.
- Você vai mudar de turma também, Ninna? Perguntou uma menina de
cachos negros cujo nome era Cíntia, mas eu sempre esquecia.
- Eu? Não. Alguém mudou?
- Sim, uns quatro alunos passaram para tarde e noite, não mais manhã e
tarde, como fazemos.
- Quem?
- Acho que foi Emily, Sílvio, o Luís e o Sebastian também. Acho que o
Renato, mas não tenho certeza desse.
- Sebastian e Luís?
- Aham, pelo que ouvi, sim.
- Mas eu vi um deles hoje cedo aqui...
- Bem, não foi para assistir aula que veio, deve ter outro motivo. Não sei.
As notícias acabaram com meu dia, não só elas, mas a soma de escolhas
erradas da noite anterior e quem sabe até mesmo da minha vida. No banheiro
chorei baixinho e depois fui para casa, não tinha vontade de pensar em nada!
Que houve, mudou de curso, Rô?
Dora, vc desistiu do curso? Todo?
Luis, vc e Sebastian mudaram de turno?
Desejei ter respostas dos amigos, por isso digitei mensagens
alucinadamente e disparei aos seus destinatários. Coração apertado.
Deise, preciso conversar. Amiga, onde vc está?
Mãe, vc trabalha o dia todo hoje?
O celular vibrou, ainda a caminho de casa, e respirei fundo, temendo não
ter respostas agradáveis. Sentia-me bastante solitária, talvez carente fosse a
expressão mais acertada.
Oi, Ninna. Sim, troquei. Mais fácil, pois descolei estágio agora no MMB e
preciso trabalhar nesse turno. Precisa de alguma coisa?
Muito legal. Parabéns, Luís. O Museu Municipal de Botânica é bem
necessitado de profissionais. Bjo.
Ninna, estou em Campo Novo, num atendimento. Volto na sexta. Está tudo
bem? Que houve? Bjo, Deise.
Ah, ok. Qdo chegar na cidade , me liga. Beijão!
Cheguei em casa menos sensível, Rô e Dora não responderam de imediato.
Somente bem mais tarde Rosângela me ligou e contou sobre a troca de curso.
Ela também me contou que Dora realmente havia decidido morar em uma
comunidade autossustentável, no interior de Santa Catarina, ela e sua
namorada. Tampouco me responderia, só se comunicará por cartas agora,
seguindo uma nova filosofia de vida.
O papo todo me fez pensar que, caso nada desse certo, também viraria uma
natureba e viveria longe de problemas. Ou esperaria até daqui a um ano e
procuraria Esteban para nos casarmos. As ideias me derrubaram, fiz uma
careta. Parecia triste ter alguém que não se gosta preso como um fardo, assim
como não viveria feliz longe da poluição e agitação da cidade.
O que me restava agora? Estudar e ir embora, para qualquer lugar onde
pensar em Sebastian não me fizesse tão infeliz. Não tinha coragem para me
jogar no que sentia e precisava esquecê-lo de vez.
Já me esqueci de te
esquecer...
Ela era mais bonita, morena e estava sempre bem vestida e maquiada. Eu
andava sempre com cabelo preso num rabo de cavalo, com raiz escura e loiro
desbotado. Maquiagem, só rímel, e roupas do tipo básicas, de lojas baratas ou
compradas num hipermercado popular.
Ele não dava sinal de vida desde sexta e os três dias pareciam longas
semanas. Seria castigo? Será que nem sua amizade teria de volta? Deveria
contar a Deise e pedir que descobrisse algo? A angústia de não ter respostas
me tirava o sono à noite e a atenção durante o dia.
Já era quarta-feira quando só então contei todo meu drama. Primeiro a
versão detalhada para minha mãe, e depois um resumo para Deise, minha
melhor e agora única amiga. Ambas me davam conselhos distintos. Uma
exigia calma e nada de pressões sobre os ombros de Sebastian. A outra exigia
que telefonasse atrás de uma posição, de alguma posição sobre a resposta. E
eu? Bem, fiquei no meio do muro, não exigi nada e também não o pressionei.
Mas, como segui a lógica de Deise, me mostrei para ser lembrada.
Enviei uma mensagem de texto dizendo apenas: não me esqueça. Depois
cruzei os dedos e rezei por uma ajuda extra da minha amada avó lá do céu.
Na sexta-feira senti um misto de tristeza com uma pitada de nostalgia. Não
o vi nenhum dia, Deise não descobriu nada sobre ele com Luís e eu já
cogitava mandar uma mensagem despeitada e mal-educada. Engoli essa
vontade apaixonada agarrando o casal de pinguins da minha cama.
- Malditos sejam os homens! Não se iluda, não se apegue, corra e não olhe
para trás. É isso. Vamos dormir – resmunguei.
E, cercada por minhas duas pelúcias, fiquei imaginando quem eu era
afinal: o Ártico? Coloquei nas estrelas toda a culpa que sentia por sofrer e
rezei para dormir como uma vampira. Sim, eu estava bastante perturbada e
assim dormi, depois de talvez me remexer durante duas horas.
TicToctoc!
Um barulho me acordou. Os olhos embaçados, de um sono profundo
depois de horas em claro, impediram que enxergasse direito.
Tictoctoc!
Novamente o ruído. O barulho vinha da janela. Estavam jogando pedrinhas
nela? Saí da cama, meio assustada e outra parte curiosa, espiei pelas frestas
da janela, mas nada conseguia ver.
Tictactac!
- Mas que diabos! – Exclamei, até o brilho do meu celular me distrair.
Ninna, estou aqui fora. Bj, S.
Meu coração tropeçou e talvez tenha caído até o estômago, tamanha
sensação que tive. Era Sebastian, que me chamava no meio da madrugada.
Abri a janela, sequer preocupada por estar vestida apenas de calcinha e uma
camiseta velha, com o rosto amassado, os cabelos emaranhados e talvez um
hálito não muito agradável.
- Sebastian? - Sussurrei até vê-lo surgir em frente a mim.
- Me sinto um Romeu.
- Vou fazer a volta e abrir a porta - declarei.
- Não vou entrar. Não precisa.
- Vai ficar aí? Venha, pule a janela então!
- Não, melhor não.
- Que houve?
- Eu pensei em vir aqui e dizer que não posso deixar Chris agora, mas só
tenho vontade de raptar você.
- Então foi por isso que desapareceu? Decidiu ficar com ela e nem sua
amizade vou ter?
- Ninna, as coisas não são fáceis. Eu não quero magoá-la mais, ela... Bem,
ela está um pouco frágil.
- Você gosta dela? Tanto assim?
- Não como gosto de você. Nem perto disso – assumiu, encolhendo os
ombros.
- Então me dá uma chance, vamos tentar!
- Tem certeza, é isso que quer?
- Sebastian, você é o que mais quero. Mas...
- Mas?
- Tem minha viagem, eu sonho em morar fora do país. Preciso fazer isso
por mim. Mas, até lá, poderíamos ser felizes. Ou quem sabe você vai comigo.
- Ela acreditava estar grávida, me contou quando tentei terminar, há alguns
dias – informou, mudando o rumo do meu discurso.
- E estava?
- Disse que não.
- Bem, não está! Então...
- Eu sei, mas ficou bastante fragilizada, coitada.
- Olha, eu nem sei o que dizer. Sinceramente, agradeço por ela não estar
esperando um filho seu, senão te prenderia com esse bebê e seria o fim para
nós.
- Gosto de você, Ninna. E isso é uma bosta.
- Eu gosto de você, Sebastian. E isso é tudo que tenho. Deus sabe como
lutei, mas não consigo mais esconder.
-Ninna... – Disse, me puxando o rosto, meio bruto, para um beijo seco.
Eram só nossos lábios pressionados, olhos fechados e a respiração
trancada. Depois de alguns segundos, foi me soltando devagar e fixou seus
olhos nos meus. Um olhar mais verde que de costume, mas doce e amoroso
como sempre.
- Iríamos noivar no Natal.
- Então é amor.
- Não. Mas eu tinha decidido te esquecer, construir alguma coisa e viver.
- Talvez seja melhor... Talvez deva ficar com ela, eu sou muito complicada
e não posso me unir assim como vocês fariam. Não agora, não posso fazer
isso até me conhecer, ter uma carreira e me sentir plena, sei lá.
- Eu sei. E talvez essa seja a maior burrice que vou fazer – Disse, ainda me
olhando fixo, e pulando a janela de madeira em seguida, me beijando com
paixão.
Estava com a roupa fria, e sua jaqueta de couro com pequenas gotículas do
sereno noturno. Mas não me importava, porque sentia o calor que só dois
amantes podem emanar.
Seu olhar era encantador e sua boca talvez jamais me pareceu tão
convidativa. Beijei-o, levantando meus braços por sobre seus ombros,
envolvendo seu pescoço e ficando na ponta dos pés. Ele aninhava minha
cabeça entre suas mãos fortes, como se bebesse de um jarro precioso o néctar
mais delicioso do mundo. E depois de um inevitável suspiro precisei buscar
fôlego, me afastando alguns centímetros.
O maior problema não é a paixão, mas as dores que ela nos causa ao longo
do caminho. E talvez a única solução seja acomodá-las em algum cantinho,
para que não atrapalhem ainda mais a vida com um caminho calculado.
Acalmar a alma machucada para não tornar desorganizados os sentimentos
até então organizados. Afastar até mesmo a sombra daquilo que não nos faz
falta.
Talvez o amor e a paixão realmente não sejam um problema e aquilo que
nos mata aos poucos seja a indecisão, a insegurança e o inevitável fluxo da
vida.
E esses eram meus pensamentos enquanto ele pulava a janela novamente,
partindo para, quem sabe, voltar para meus braços em definitivo. Para
finalmente matar minha sede de sua saliva, ser meu chão e preencher minha
vida.
***
Não mantivemos contato nos dias seguintes porque Sebastian acreditava
que isso seria traição. Respeitei na medida do possível, porém não contive
minha ansiedade quando telefonou avisando sobre o término do namoro e me
pedindo um tempo.
- Tempo para quê? – Questionei frustrada.
- Para deixar a poeira baixar. - Disse ele cheio de reservas.
- Mas, Sebastian, se já acabou, o que nos impede agora?
- O bom senso. Não acho certo terminar com uma garota e no dia seguinte
ser visto com outra. Não faria isso com ninguém.
- E de quanto tempo estamos falando?
- Não sei, vamos dar uma ou duas semanas. Depois vamos aos poucos,
para não ferir ninguém.
- É impressão minha ou você não está seguro em relação a nós?
- Ninna, terminei um namoro de vários meses, ficaríamos noivos por
sugestão minha. Tudo para ficar com você. Ainda dúvida do que sinto?
- Desculpa. Fico insegura com esse afastamento. Sei lá.
- Não precisamos ficar sem se ver, só não quero ainda sair em público com
você, nem que ela saiba por outras pessoas, de uma hora para outra.
- Vem me ver hoje então, por favor?
- Me espere com a janela aberta.
- Sempre.
Depois desse dia, ficamos juntos praticamente todas as noites, em visitas
clandestinas, desde logo após ele sair da aula até uma ou duas da madrugada.
O clima adolescente estava ótimo, quente e começamos a sair juntos em
público uns quinze dias depois.
Primeiro nos intervalos das aulas à tarde, depois em alguns passeios e
diversões comuns a um casal da nossa idade. Porém, mensagens e mais
mensagens chegavam diariamente no celular dele, todas da mesma remetente.
Tudo estava tenso, até certo dia...
Tinha acabado de chegar em casa, Sebastian havia me deixado há poucos
minutos quando bateram em minha porta. Quando abri, para minha surpresa,
a própria Chris me encarava. Já em posição de ataque, parecia furiosa.
- Quero falar contigo. – disse sem delicadezas.
- Falar o quê? Que você quer aqui?
- Você sequer ama Sebastian, por que está fazendo isso? Deixe-o em paz,
estávamos felizes.
- Acabou, ele está comigo. Não vou discutir – falei, tentando fechar a
porta, mas sendo impedida por ela.
- Eu estava grávida, sua piranhazinha, você estragou tudo.
- Grávida? Duvido. E eu não estraguei nada, vai embora daqui.
- Não sem antes te dar isso! – falou, me acertando um tapa violento no
rosto. – E não perde por esperar, ele não vai ficar com você depois disso... –
falou, rasgando a manga da blusinha que vestia e arranhando o próprio rosto.
- Sua louca, para que está fazendo isso?!
- Se ele não ficou comigo, não ficará com você também! E é como Esteban
me alertou, você não teria reação, sua babaca – disse, vindo para me dar outro
tapa, até ser impedida pela voz de Sebastian.
- Não faça isso! – disse às suas costas.
- Sebastian – falamos ao mesmo tempo.
- Ei, eu vim pedir desculpas e...
- Não minta mais, Chris! Acabo de receber fotos no meu celular, dos seus
exames de gravidez. São negativos, vários.
- Mas quem...?
-Não importa! Você estava tentando engravidar e forjou uma falsa
gravidez. Por quê? Além disso, que história é essa de Esteban ter te alertado
alguma coisa? São amigos agora?
Por alguns segundos, ela mudou o rosto de vítima para assassina. Parecia
estar transtornada e, quando voltou a falar, sem máscaras, chegava a espumar
nos cantos da boca. Se antes eu estava brava, surpresa e talvez até com pena,
passei a sentir medo de tamanho ódio.
- Cansei! Can-sei!!! Quer saber? Vá à merda, Sebastian, talvez você
mereça essa sem sal afinal. Espero que fiquem gordos e feios juntos, que
nunca tenham filhos e ela seja seca como uma folha. – disparou para nós dois
– Cansei de te amar e ser tratada assim, não mereço esse amor. E sim,
Esteban vem sendo um ótimo amigo e conselheiro. Amante, provavelmente,
quando formos viajar.
- Faz o tipo dele jogar. Está te usando para me atingir, sempre teve inveja.
- Inveja agora? De quê? – cuspiu, rindo – E no mais, estou indo embora. E
que sejam eternamente infelizes!
Batendo o salto com força saiu, como diria minha avó, soltando fogo pelas
ventas. Meu rosto ainda ardia de sua bofetada quando Sebastian me abraçou.
Não falamos nada, não precisou. Tudo estava claro e parecia finalmente ter
acabado.
Chris não desistiu tão fácil, estava por vezes furiosa e outras desesperada,
o que limitava nossa felicidade. Porém, suas investidas ficaram a cada dia
mais distantes, até que pararam. Soubemos que ela e Esteban estavam
esquiando em Bariloche, felizes como um casal recém-casado e com planos
de um possível futuro na Itália.
Mal começamos a ter uma rotina e um peso a mais, além da insistência
dela, caiu sobre nós. O peso da minha viagem e uma contagem regressiva
silenciosa nos abatiam dia após dia.
Era estranho falar dela. Um misto de emoções sobrecarregava esse assunto
e por isso o evitava com Sebastian. O clima apaixonado ficou melancólico,
por vezes mais que o necessário, e isso talvez tenha nos afastado um pouco.
Seria possível nosso namoro resistir à distância?
Eu me agarrava a ele, nos gostávamos, é claro, e talvez isso fosse a pior e
também a melhor parte. Cheguei a questioná-lo sobre ter se arrependido de
tudo o que largou por mim, mas seu olhar em negativa nunca me deixou em
dúvida. Não, ele não estava arrependido e sim, ele gostava de mim.
- Você tem certeza que ainda quer ir? - Perguntou minha mãe em uma
manhã qualquer.
- Por que você não deixa para o próximo ano? - Indagou Deise por
telefone.
E eu não tinha respostas, estava dividida. Meu lado, talvez egoísta, dizia
que deveria ir e viver tudo o que havia sonhado: outra vida, novas
oportunidades, uma carreira e meu crescimento pessoal. Se houvesse
sentimento real, Sebastian acabaria indo ao meu encontro, certamente.
Já meu coração indicava que abandonasse meu sonho e vivesse a realidade
ao lado do homem que eu gostava. Que viagens e crescimento profissional
não preencheriam a falta que ele me faria e a distância nos separaria de vez,
abrindo caminho para outra garota de sorte.
Meus questionamentos ganharam força quando a vida de Sebastian mudou
drasticamente. Seus avós paternos, que vinham aos poucos conquistando o
único neto, precisaram dele e até sua mãe, que nunca gostou da aproximação,
considerava que era necessário ajudar.
Seu avô, Bernardo, estava com Alzheimer e a avó, Irina, precisava sair do
campo e viver na cidade com ele. Sozinha e longe de atendimentos médicos
era impossível seguir, porém não havia ninguém mais para cuidar dos seus
negócios rurais.
De início foram morar no apartamento de Sebastian, e ele voltou para a
casa da mãe. Era o mínimo que podia fazer, me disse ele. Contudo, mais
responsabilidades surgiam. A renda para o sustento deles vinha das terras que
tinham e dos negócios que lá desenvolviam.
Uma plantação pequena de girassol servia como base para a apicultura, que
gerava uma boa quantia de mel puro e exótico para exportação. Além disso,
mantinham alguns cavalos que eram resgatados de maus tratos. Depois de
cuidados, eram treinados para terapia equestre e enviados para instituições de
todo país, que desenvolviam estes projetos com jovens e adultos especiais.
- E você vai precisar cuidar de tudo? Sozinho?
- Sou o único herdeiro. É isso ou vender, mas meu avô escreveu inúmeras
cartas assim que soube da doença e este não era seu desejo. Além disso,
posso contar com os conselhos de minha avó.
- Cartas?
- Sim, escreveu para mim e guardou-as, tinha medo do futuro que essa
doença traz como certo.
- Sinto muito...
- Eu também, por isso vou fazer o que for preciso. Por mim, por eles.
***
Então, com o fim do ano vieram essas mudanças. Sebastian se viu
acumulando muitas funções: meu namorado, estudante em final de curso,
neto zeloso e aprendiz de administrador. Ele corria de lá para cá na sua moto,
tentando me dar atenção e estudar, ajudando os avós e se colocando a par dos
negócios que precisaria tocar.
Sendo assim, optamos por eu trocar o turno da manhã para noite, assim
passaríamos ao menos essas horas juntos, já que nas aulas da tarde só nos
encontrávamos nos corredores. Fiz a troca, mesmo faltando menos de dois
meses para nossa formatura.
Eram meados de novembro e tudo havia mudado muito rapidamente. Com
o fim das aulas no início de dezembro, absolutamente tudo parecia mais tenso
e intenso, para dizer o mínimo.
- Tenho tanta coisa para fazer, às vezes parece que nada vai dar certo. -
Segredou-me um dia, enquanto ganhava um cafuné.
- As coisas já estão se acomodando. – Garanti, mesmo sem ter certeza.
- Ainda bem que as aulas estão acabando, preciso de tempo para ir lá na
fazenda. Tenho muito que fazer, de verdade.
- Quais os planos?
- Bem, terminando aqui na faculdade, vou me dedicar aos negócios que são
a fonte de renda deles. Também quero levar você para conhecer meus outros
avós neste Natal. Já na festa de Ano Novo, nos dividimos entre minha família
e a sua.
- Não, não falava disso. Perguntei sobre seus planos depois, os de vida.
- Bem, estou motivado para seguir com as abelhas e os cavalos, mas
também tenho outras ideias se formando... E você está em todas elas.
- Você é tão lindo! Por fora e por dentro, sabia? – Desconversei.
- Eu acabo ficando convencido assim!
- Pode ficar. Gosto muito de você, mesmo que fique exibido.
Não sabia ao certo, mas tudo parecia estar em harmonia. Talvez tenha sido
a perda do foco na minha viagem, devido aos problemas e às novas
perspectivas que surgiram no caminho do meu namorado. Nosso
relacionamento parecia mais maduro, sólido.
Fizemos inventário de tudo que havia na fazenda, das despesas e
compromissos, livro caixa e contabilidade em geral, desenvolvemos
cronogramas e em um mês estava tudo teoricamente sob controle. Tínhamos
longas horas de conversas com sua avó, absorvendo ensinamentos.
O Alzheimer estava estacionado e mantinha muito da lucidez do avô, que
parecia bem de saúde com o tratamento adequado. Sebastian, motivado,
parecia feliz, fazia planos de tocar os negócios existentes, mas também de
começar algumas coisas suas.
O Natal chegou tão rápido que mal comprei presentes e passamos todos
juntos numa confraternização organizada por Sebastian e eu. Na verdade, ele
estava progressivamente dormindo mais e mais noites no meu quarto, o que
garantia horas extras de papo e planejamentos.
Minha mãe e uma amiga do centro de estética, a mãe e o padrasto de
Sebastian, os avós paternos dele, Deise e Luís, duas vizinhas nossas, sendo
uma com três crianças, encheram a casa e foi uma noite maravilhosa. Fiz uma
linda mesa de doces e minha mãe preparou a refeição principal. E quando
chegou a meia-noite, chorei por uma emoção que as festas de fim de ano
sempre me traziam. Contudo, estava feliz pela simplicidade de uma vida em
família.
O Ano Novo veio logo em seguida e desta vez viajamos até uma cidade,
longe dali, para uma ilha incrível onde os avós maternos de Sebastian
moravam. Foram três dias lindos de praia e calmaria, numa casa maravilhosa.
- 5.4. 3... 2, 1! - Fazíamos a contagem regressiva, olhando os fogos de
artifício à beira-mar.
- Feliz Ano Novo – dissemos, trocando carícias, dando um beijo longo e
um abraço apertado.
- Ninna, você aceita se casar comigo? – Pediu subitamente, seus olhos nos
meus.
- Oi?
- Quero que hoje seja o início de uma nova vida, quero você todas as noites
e todos os dias comigo. Ninna, você aceita se casar comigo?
- Sebastian. Eu, eu... – gaguejei desarticulada.
- Uma vida ao seu lado será pouco tempo para tudo que desejo viver, não
quero que você viaje e nem desejo dormir uma noite longe do seu cheiro.
Quero filhos, cachorros e gatos, quero fazer da Fazenda a nossa casa... Nosso
lar, Ninna, quero você usando meu sobrenome – Disse, me beijando - O que
me diz?
- Você me pegou de surpresa, meu Deus! Sebastian, eu preciso pensar.
Estou até sem ar!
- Então pensa, Ninna, você tem uma semana.
- Uma semana?
- Sim, você viaja em uma semana. Não falamos mais sobre isso, mas sei
que está tudo pronto para sua partida.
- Eu poderia adiar um mês, quem sabe.
- Achei que desistiria antes.
- Mas você nunca sugeriu isso.
- Sejamos realistas: se você for, o nós acaba.
- Não precisa ser assim.
- Pense e decida, amanhã voltamos para casa e só tornamos a conversar
quando tiver minha resposta.
- Você está sendo duro.
- Por gostar tanto de você, sou obrigado a fazer isso – falou, selando meus
lábios com um beijinho - E duro você verá... – disse, colando seu corpo ao
meu - Sente isso? Vem. Vou ser firme e bastante duro com você lá no quarto,
com certeza vai gostar.
E assim corremos de mãos dadas e risadas soltas para dentro da casa
ampla. Subimos até o quarto onde estávamos hospedados com todo luxo e
depois da porta trancada começamos a fazer aquilo que dispensava palavras.
Era fome, desejo, sexo com inúmeros sentimentos, era magia e a mistura do
pecado com o divino.
Era luxúria sim, mas também era carinho, amizade, afeto singelo.
Era tudo, era um princípio e um fim.
Naquela noite, ficamos por horas num jogo de preliminares excitantes. O
quarto branco tinha uma parede forrada por esteiras, detalhes que indicavam
uma casa de praia com um frescor convidativo e de beleza nada simples.
Massagem regada a óleo de jasmim e muito sexo oral colocavam em
brasas nós dois, até que finalmente passamos ao ato de fato e esse me fez
repensar até onde se pode ter prazer. Talvez não houvesse limite, só talvez
me sentisse como uma viciada assumida e nunca cansaria daquilo com ele.
Tentamos posições diferentes. A 69 me deixou bastante constrangida,
então alternamos para um papai e mamãe invertido, além de outras posições
não só desconhecidas como também bem do tipo contorcionista, que adorei.
Sebastian mantinha um corpo forte e viril, tão perfeito que chegava a
balançar minha autoestima, ainda mais agora com tantos quilos a mais que o
desejado. Porém, seu sentimento era tão efervescente que eliminava qualquer
insegurança fútil que teimasse em me invadir.
Na manhã seguinte partimos para casa de ônibus, assim como na ida, pois
era um trajeto muito longo. Dormimos de braços dados, minha cabeça
apoiada em seu ombro. A cada solavanco, um aperto na minha mão acabava
com o medo ou possível susto.
Minha avaliação sobre os avós de Sebastian não mudou muito, eram
exatamente como ele já me havia descrito. Ponderados e sem muita
demonstração afetiva, eram bastante ligados às regras de etiqueta e bons
costumes. Foram sempre afáveis, claro, mas mantendo certa distância ou até
mesmo hierarquia familiar.
A avó de Sebastian, uma Barbie da terceira idade, era bem falante e
equilibrava o clima, já que seu marido, metade argentino, era nariz empinado
e monossilábico a maior parte do tempo. Aproveitamos a praia e saímos em
pequenos passeios, deixando somente as refeições para fazermos na
companhia dos dois.
Deixa o coração em
flor se abrir...
Corri por meia quadra e dobrei na primeira esquina que enxerguei. Tinha
as mãos trêmulas quando cobri o rosto e chorei. Encostada na parede,
indiferente às pessoas que me viam em tal cena, chorei um pranto sem igual.
Meu coração doía demais.
Sebastian esteve comigo nos piores e melhores momentos, sempre me
apoiou. Quando falecia alguém, lá estava ele me confortando. Na época em
que estive doente, ele sempre me procurava. Nos aniversários e todas as datas
comemorativas importantes, fazia se lembrar de alguma forma. Era, sem
dúvidas, meu melhor amigo. Sei que não fui tão boa ou presente, em
comparação, mas nunca deixei de reconhecer sua importância em minha vida.
Não era justo perder meu amigo e um amor, assim, junto! Limpei o rosto e
olhei de um lado para outro, sem conseguir assimilar nada. Tinha vontade de
voltar, ver se ainda estava em nosso lugar especial e me atirar em seus braços
fortes.
“Oh, céus, quem sabe se... Não, não posso!” - desviei o pensamento e,
insegura, saí caminhando rápido, sem direção certa a seguir. Precisava sair
dali, fugir. Fugir de mim mesma.
Depois de caminhar por algumas quadras, fui em direção à beira do cais.
Fiquei parada, olhando a água calma. Precisava pensar. Era uma pena amar
Sebastian, ainda mais por ser um grande amor assim. Ao lado dele poderia
ser feliz, com certeza, porém o medo de uma decepção barrava qualquer
pensamento de tentativa.
Recordei de seu toque. Do calor do seu abraço e de como, ali, no meio dos
seus braços, era o melhor lugar do mundo. Nossas noites de amor, dias
inesquecíveis e sua pipoca temperada. Ele era perfeito e ainda por cima me
queria.
Será? Não, não poderia arriscar. Ou poderia? Mesmo tendo sofrido tanto,
por várias vezes, depois de tantas lágrimas e minha promessa? E se com
Sebastian fosse diferente? E se tudo fosse tão simples como ele garantia?
“Você precisa se acostumar, muitos garotos vão te fazer sofrer! Não se
apaixone tanto, não confie nos homens. Pode gostar, mas não deixe de
desconfiar. Ninguém deve se entregar completamente. Acredite, almas
gêmeas não existem. Ninguém é cem por cento feliz nessa vida, não podemos
ter tudo. As coisas boas vem sozinhas, mas as ruins em par.” Recordava de
todos os conselhos sentimentais que recebi ao longo das decepções que vivi e
tudo só me deixava com mais medo.
Talvez fosse verdade, com 26 anos permanecia solitária. Depois de três
decepções, nunca mais havia namorado ou me envolvido a ponto de gostar e
ser feliz. Somente aos 15, 17 e depois aos 19. Minha cota de desilusão
chegou ao fim nessa vida e fechei meu coração de vez.
Precisava me preservar.
Precisava ser feliz também.
Sentei num pequeno banco de pedra. Já não chorava mais, me perdia em
pensamentos, sentindo a brisa fresca no rosto ainda úmido.
O celular tocou, levei um susto, estava absorta em lembranças. Não atendi,
nem mesmo olhei o visor. Sai dali, atravessei a rua e entrei em um café.
Queria me recompor. Desejei ter o braço de Sebastian sobre meu ombro,
desejei não ter sofrido tanto e ter coragem para realmente amá-lo.
Pedi um cappuccino bem doce, de amarga bastava a vida. Fechei os olhos
ao dar o primeiro gole, me lembrando de tudo e de nós dois. Eu o amava.
- Precisa de mais alguma coisa? – ouvi a atendente questionar, ao me
entregar o café.
- Não, nada. Obrigada.
Mal ergui os olhos para ela, mas um movimento de meia volta me fez
encará-la. A senhora de cabelos fartos e grisalhos me olhou com
determinação. Segurou a bandeja contra o peito e se sentou na cadeira vazia a
minha frente. Seu olhar era doce, assim como o toque gentil ao encostar sua
mão sobre a minha.
- Olha, minha filha, eu não sei pelo que você está passando. Mas, se você
encarar todos os problemas como desafios, vai perceber que com amor tudo
se resolve.
Dizendo isso, deu dois tapinhas suaves em minha mão e partiu com um
sorriso bondoso nos lábios. Fiquei ali, sem reação. Suas palavras, aos poucos,
reverberavam em minha cabeça.
Se eu fosse encarar todos os meus problemas apenas como desafios a
ultrapassar, a vida seria mais fácil? Possivelmente não, mas seria bem menos
angustiante. Vencer um obstáculo parece menos estressante do que resolver
um problema, sem dúvida. Mas onde o amor entraria nisso?
Olhei pela vitrine de vidro. Amor, amor... Amor. Por amor havia sofrido
decepções tão marcantes que me fizeram desistir deste sentimento. Mas foi o
amor da minha família e amigos que me fez superar essas e outras tristezas.
Sim, o amor resolve quase tudo ou torna mais fácil o caminho da resolução.
Mágoas. Rancor. Não, isso não resolvia nada. Ao contrário, dificultava
qualquer ação. O amor, sim, ele deixava as coisas mais simples. “Eu te amo,
Ninna” - ele disse. Por que não fui sincera e disse o que sentia? Por que havia
me tornado tão complicada? Quando meu coração se tornou um problema tão
destruidor?
Agora estava sozinha. Havia rejeitado e magoado meu grande amor. Desta
vez não me perdoaria. Precisava de uma luz, estava confusa, sem saber mais
o que pensar. Queria um abraço, colo, um ombro amigo. Não, mentira!
Queria tudo isso, mas somente de Sebastian.
- Eu amo Sebastian. Amo! Isso não é paixão, não vai acabar. Eu amo e sou
amada.
As palavras saíram de meus lábios como se fossem mágicas. E talvez
fossem mesmo, ou reconhecer o amor trouxe sentido à vida. E minha vida
estava entrelaçada àquele homem, que me amava. E tudo daria certo. De
alguma forma, seríamos felizes.
Olhei em volta, talvez tivesse feito a maior merda de minha vida. Comecei
a caminhar, mas logo já me via correndo em direção ao cais. Estaria lá ainda?
Quanto tempo havia passado?
Peguei o celular, tentando ligar e caminhar ao mesmo tempo, pois não
podia parar. Desisti e segui correndo feito uma maluca, sentia os olhos
inchados de chorar e uma angústia no peito. Que Deus me ajudasse e
Sebastian me perdoasse, desejei a cada metro percorrido.
De longe já percebi que ele não estava mais em nosso lugar, mesmo assim
corri um pouco mais e confirmei. Peguei o celular com as mãos tremendo.
Afoita, não conseguia digitar o número certo. Puxei o ar, teclando mais
devagar.
- Atende, atende...
Chamou uma, duas, inúmeras vezes, até que ouvi sua voz.
- Ninna?
- Sebastian, Sebastian! Onde você está? Me perdoe, me perdoe – falei,
chorando - Por favor, me desculpe. Eu te amo tanto, você é meu lar, você,
Sebastian! Eu te amo muito.
- Você o quê?
- Me desculpe, por favor – repeti, nervosa.
- Você disse que me ama?
- Sim, eu disse. É isso que sinto, quero ser e te fazer feliz.
- Ninna...
- Oi? Estou ouvindo!
- Repete.
- Te amo, Sebastian.
- Repete olhando para mim.
- Onde você está? Eu digo, mas onde você está?!
Perguntava, desesperada, com os olhos banhados por lágrimas, quando um
vento soprou suave, arrepiando minha nuca. Uma sensação me fez girar nos
calcanhares e ficar frente a frente com o amor da minha vida. Tirei o celular
da orelha e larguei-o ao chão.
Éramos só amor.
Éramos cumplicidade.
Olhos nos olhos, votos não mais secretos.
- Eu te amo. Te amo, meu amor. Minha vida.
Ele sorriu.
- Sua doida.
- Que te ama!
- Eu. Também. Te amo, Ninna.
Tudo agora fazia sentido, já era amor antes de ser. Entre seus braços estava
em casa e, onde estivéssemos juntos, seríamos felizes. O amor não é o fim,
ele sempre será só o começo e, se for para desistir, desistiria de ser fraca.
Desistiria de ter medo e insistiria em tentar ser feliz até o fim da minha vida.
Que o amor seja a melhor forma de começar e terminar o dia... E,
pensando nisso, um beijo selou nosso destino.
Ju Lund
Autora dos romances Doce Vampira, Alma Vampira e Não sei se Te Amo, organizou a antologia Portal
Fantástico e participa de Autores Fantásticos, Vampiros de Alma e Coleção Sobrenatural: Vampiros. Já
publicou três volumes da série Entrecontos com mais de 60 contos. Acompanhe esta e outras histórias
em fb.me/julundescritora
ALMA VAMPIRA
Duda enfrenta novos desafios, sem memórias vive uma rotina nova ao lado
da família, dos semeadores e de um possível novo amor. Esther não suporta a
realidade e, num ato extremo, transforma a vida de Duda para sempre
deixando sua alma ainda mais perdida. Duda, confusa, perambula entre dois
mundos até que se sente obrigada a tomar uma grande decisão para seu
futuro. Por amor vale tudo e até onde podemos ir em seu nome?.Compre em
http://bit.ly/AVamazon
Table of Contents
Sumário
Playlist
São tantos devaneios loucos a me torturar...
Quem sabe o príncipe virou um sapo...
No mais, estou indo embora...
Teus sinais me confundem da cabeça aos pés...
Quem sabe eu precise de uma camisa de forças...
Ela fazia muitos planos, e eu só queria estar ali...
Quem inventou o amor, me explica, por favor...
Na balada disponível, ela tá maluca, fora da casinha ...
Parecia inofensiva, mas te dominou...
Cansado de correr na direção contrária, sem pódio de chegada...
Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar...
Saber amar é saber deixar alguém te amar...
Na bruma leve das paixões que vem de dentro...
E eu acho que gosto mesmo de você...
Vento ventania, me leve sem destino...
O seu amor é como uma chama acesa...
Ando por aí querendo te encontrar...
Nós somos medo e desejo...
Já me esqueci de te esquecer...
Posso ver o caminho que me leva a você...
Deixa o coração em flor se abrir...
E tudo ficou tão claro, um intervalo na escuridão...
Agradecimentos