Você está na página 1de 153

Autora de

Doce Vampira

JU LUND
© 2016 by Ju Lund

Capa e Projeto Gráfico: Jeferson Sigales


Diagramação: Jeferson Sigales
Revisão: Fernanda Ferreira
Nº de registro: em andamento

Todos os direitos reservados à Ju Lund


1º Edição, 2016 – Não sei se Te Amo

Ju Lund
marketing@julund.com.br
julund.com.br
instagram.com/julundescritora
facebook.com/julundescritora
twitter.com/julundescritora
wattpad.com/user/julundescritora
Sumário
SUMÁRIO
PLAYLIST
SÃO TANTOS DEVANEIOS LOUCOS A ME TORTURAR...
QUEM SABE O PRÍNCIPE VIROU UM SAPO...
NO MAIS, ESTOU INDO EMBORA...
TEUS SINAIS ME CONFUNDEM DA CABEÇA AOS PÉS...
QUEM SABE EU PRECISE DE UMA CAMISA DE FORÇAS...
ELA FAZIA MUITOS PLANOS, E EU SÓ QUERIA ESTAR ALI...
QUEM INVENTOU O AMOR, ME EXPLICA, POR FAVOR...
NA BALADA DISPONÍVEL, ELA TÁ MALUCA, FORA DA CASINHA ...
PARECIA INOFENSIVA, MAS TE DOMINOU...
CANSADO DE CORRER NA DIREÇÃO CONTRÁRIA, SEM PÓDIO DE CHEGADA...
DEIXO A TRISTEZA E TRAGO A ESPERANÇA EM SEU LUGAR...
SABER AMAR É SABER DEIXAR ALGUÉM TE AMAR...
NA BRUMA LEVE DAS PAIXÕES QUE VEM DE DENTRO...
E EU ACHO QUE GOSTO MESMO DE VOCÊ...
VENTO VENTANIA, ME LEVE SEM DESTINO...
O SEU AMOR É COMO UMA CHAMA ACESA...
ANDO POR AÍ QUERENDO TE ENCONTRAR...
NÓS SOMOS MEDO E DESEJO...
JÁ ME ESQUECI DE TE ESQUECER...
POSSO VER O CAMINHO QUE ME LEVA A VOCÊ...
DEIXA O CORAÇÃO EM FLOR SE ABRIR...
E TUDO FICOU TÃO CLARO, UM INTERVALO NA ESCURIDÃO...
AGRADECIMENTOS
Playlist

Zé Ramalho - Chão de Giz


Cássia Eller -
Malandragem
Djavan - Eu Te Devoro
Legião Urbana - Ainda é
cedo
Legião Urbana -Antes das
Seis
Gabriel Valim - Piradinha
Charlie Brown Jr. -
Quinta-Feira
Cazuza - O Tempo Não
Para
Cássia Eller- Palavras Ao
Vento
Os Paralamas do Sucesso -
Saber Amar
Alceu Valença –
Anunciação
Pitty – Equalize
Biquini Cavadão - Vento
Ventania
Ivete Sangalo - Arerê
Lulu Santos - Certas
Coisas
Marisa Monte - Bem Que
Se Quis
Malta - Diz pra mim
Claus & Vanessa - Medo
de Amar
Engenheiros do Hawaii -
Somos quem podemos ser

Ouvir Agora
bit.ly/NSSTAplay
São tantos devaneios
loucos a me torturar...

Hoje...
- Eu te amo, Ninna!
Fiquei em silêncio.
- Amo, ouviu? -Ele disse, segurando meu rosto entre suas mãos quentes. –
Eu. Te. Amo! – Repetiu, os olhos castanho-esverdeados transbordando
emoção.
Reprimi a vontade de fechar meus olhos e suspirar. Olhei no fundo
daqueles olhos tão lindos e senti o quão profundo era seu sentimento por
mim. Sim, ele me amava. Amava muito, podia sentir. Engoli em seco o
rompante que sentia de envolvê-lo com meus braços e beijar profundamente
aquele homem tão incrível, que me amava tanto.
Eu também o amava, disso não duvidava. E justamente por isso o
rejeitaria. Meu coração havia sido partido três vezes, não restara muito dele e
precisava me preservar. Havia jurado nunca mais sofrer por amor, essa era
uma promessa pessoal que jamais quebraria. Não correria o risco de perder,
quem sabe, minha sanidade... Se me entregasse a esse homem e alguma coisa
acontecesse, não aguentaria.
Arranquei-me de suas mãos firmes, que ainda sustentavam meu rosto entre
elas. Não, meus lábios diziam sem pronunciar som algum. Não poderia falar,
minha voz me trairia e, quem sabe, as lágrimas irromperiam com a
oportunidade. Não, eu tentava sibilar a palavra, mas meu coração chorava
gritando sim. Não, pensava minha razão. Sim, clamava meu corpo e todos os
meus sentimentos.
Deixei-o ali, parado, com uma lágrima rolando em seu rosto lindo. Virei de
costas, puxei todo ar que consegui e parti. Saí com a certeza de que choraria
por esse amor pelo resto de minha vida. Caminhei firme, mesmo sentindo as
pernas bambas e o coração doendo insuportavelmente.
Eu te amo – disse, mentalmente, antes de começar a correr.
Quem sabe o príncipe
virou um sapo...

Tempos atrás...
Os esportistas são sempre os mais assediados, por que fui me apaixonar
por um? Deise tem razão, deveria deixar pra lá e focar na escola. Ir ao clube
todas as tardes para vê-lo de longe não me faz bem. Pessoas como eu não
namoram carinhas como ele. Eu deveria tomar vergonha na cara e procurar,
sei lá...
Perdi a linha do raciocínio ao ver que ele terminava seu treino. Tirou a
touca preta, os óculos de mergulho e cuspiu na água. Eca! Depois passou a
mão no cabelo curtinho e dourado. Escorregou a mão pelo rosto e suspirou
ofegante. Tranquei a respiração, Deus do Céu!
Meu coração dava cambalhotas, não ouvia mais o som dos fones de
ouvido, só meus batimentos cardíacos ecoavam. Ah, Kaleb, como era
possível gostar tanto assim de um garoto? Desde o primeiro dia que o vi, tive
certeza que era paixão à primeira vista. Amor.
Enquanto ele nadava em direção à borda onde ficavam suas coisas, me
esqueci de respirar. Talvez por isso, mais o fato de estar nervosa e salivando
por aquele deus grego adolescente, engasguei e comecei a tossir.
Comecei e não parei. Algo estava errado, percebi, ainda tentando abafar as
tossidas, envergonhada. Mas elas pioraram e senti que estava realmente
engasgada. Nervosa e totalmente sem jeito, dei batidas no meu próprio peito.
Diabos! Vamos, pare de tossir! Pensei.
E num piscar de olhos ele sumiu do meu campo de visão. Graças a Deus,
constatei entre uma tossida e outra. Aflita por mim, e não por ele, levantei e
tentei respirar mais fundo. Fechei os olhos, tentando me acalmar, e senti uma
mão fria tocar timidamente meu pulso.
- Ei! Você está bem? – Perguntou alguém ao meu lado, um som abafado
em meio a muito ruído.
Virei apressada, fazendo sim e não com a cabeça. Eu estava bem, mas
também não tanto assim. O movimento me fez trombar com alguém molhado
e frio. Era Ele! Kaleb estava ali na minha frente e me olhando. Sua mão já
não tocava meu pulso, segurava uma toalha que envolvia o corpo que eu
tanto admirava.
Feito uma idiota permaneci ali, tossindo e engasgando. Num gesto rápido,
ele puxou o fio dos meus fones de ouvido.
- Você está bem? – Questionou, sério.
Meu Deus. Era só o que pensava, nada mais. Precisava parar de tossir, mas
não conseguia, e com ele ali me olhando... Não tinha controle sobre nada.
Balancei a cabeça, não sei com que intenção, e depois disso ele começou a
bater em minhas costas. Tapas secos, um, dois e voou o chiclete de menta que
nem recordava, mas estava na minha boca.
Sem jeito, arregalei os olhos, sentindo o calor vermelho inundar minhas
bochechas. Ele sorriu, satisfeito. Fiquei paralisada, sem tosse e morrendo de
vergonha. Carambolas!
- Poxa, que bom! – Disse ele, finalmente.
- Desculpa- falei abrupta.
- Não foi nada – respondeu sorridente – Passou.
- É!
E esse magnífico diálogo terminou assim, mas deu o pontapé inicial a um
contato que tanto desejava. Depois daquele dia, mesmo envergonhada,
continuei indo todas as tardes para o clube, olhava ele nadando e depois
aproveitava para estudar, ali mesmo nas arquibancadas. Ele começou a me
notar, me cumprimentava e logo já estava acenando para mim de longe.
Não preciso dizer que estava no paraíso. Deise dizia que paixões platônicas
sempre terminavam platônicas mesmo. Reflexão profunda da minha melhor
amiga, que me fazia revirar os olhos. Tive certeza que ela estava errada no
dia que ele se aproximou puxando assunto.
Aos poucos fomos conversando sempre um pouquinho mais, enquanto se
enxugava, antes de ir para o chuveiro. O contato estava indo muito bem, ele
era bastante falante e curioso e tinha às vezes a sensação que me paquerava.
Isso me deixava nas nuvens.
Essa “amizade” durou exatos dois meses. Antes já o observava,
apaixonada, há quase três, tempo o bastante para me deixar ainda mais In
Love. Porém, em uma das tardes resolvi não ficar para estudar pelo tempo
que sempre destinava a isso. Logo depois do seu treino, juntei minhas coisas
e fui embora.
Fiquei alguns minutos esperando Deise e a mãe dela, que me pegariam de
carro. Íamos ao cinema e depois lanchar, fofocar e fazer coisas de garotas
normais com quinze anos e uma mãe de trinta e poucos. Mas minha vida
desmoronou antes de tudo, ali mesmo em frente ao clube. Uma garota de
cabelos muito curtos parou em uma moto estilo lambreta, aguardando
alguém. Para minha tristeza, Kaleb saiu do clube e foi sorrindo diretamente
na direção daquela Olivia Palito.
Meu mundo acabou quando se beijaram – um beijo de novela – bem na
minha frente. Chocada, já engolia as lágrimas quando percebi um pequeno
diálogo e depois disso ele pegando algo do bolso de seu jeans. Ele colocou no
dedo e deu mais um beijo na garota com cara de anêmica, que sorria para
meu Kaleb.
Não sei como, mas tive atenção em olhar a mão da menina. Eram noivos.
Noivos! Tinha uma aliança na mão direita. Como assim, com, sei lá, 19 ou 20
anos ele já estava noivo!? Não podia ser verdade, mas era. Chorei no cinema,
enquanto lanchava com Deise e também derramei rios de lágrimas voltando
para casa. Chorei mais contando para minha mãe, e depois mais quando
Deise me ligou antes de dormir. E quando acordei no meio da madrugada
para ir ao banheiro, chorei mais um rio, até cansar e voltar a dormir.
A tristeza da decepção seguiu os dias. Doía muito, muito. Minha mãe
garantiu que passaria, Deise, como toda melhor amiga, também dizia isso.
Alexia, mãe de Deise, conseguiu levantar toda a ficha de Kaleb, por pena de
meu sofrimento. Nada mudou, porém. Ele era de família classe média alta,
filho de um comerciante bastante próspero de nossa cidade, sobrenome
tradicional, cursava o primeiro semestre de uma universidade particular e
estava noivo mesmo. A garota era ridícula.
- Ele é muito novo, não é justo! – Reclamei para Alexia, que estava com
Deise, minha mãe e eu na praça de alimentação do shopping.
- Ninna, ele tem 21! Você que é nova demais para ele. – Retrucou Alexia.
-Não sou, não – amuei, lacrimejando. – Vou fazer 16, com essa idade
minha avó já estava se casando...
- Então você está mesmo encalhada – debochou Deise, sempre
brincalhona.
- Escute, o rapaz namora a mesma moça desde os 18 e estão noivos.
Procure um menino de sua idade. – Decretou minha mãe, em tom gentil, mas
sem paciência.
- Mas eu gosto dele! Só dele!
- Você vai gostar de outro e esquecer, e vão partir seu coração muitas
vezes ainda. É jovem, vai ver – garantiu Alexia, amarga.
Alexia era jovem, acho que uns trinta e poucos ou quarenta anos. Dois
casamentos e duas separações, nenhum era o pai de Deise, esse sumiu no
mundo. O primeiro casamento acabou, ao que ela diz, por incompatibilidade
de gênios. Ele era um galinha. O segundo foi trágico, o marido se descobriu
apaixonado por outro homem e a abandonou. E sobre o pai da minha amiga,
diz que foi apenas uma noite de amor numa cidade vizinha, eram jovens
demais e burros por não se lembrarem da camisinha.
- Filha, viver é sofrer também. Entenda que...
- Não! Não vou ficar sofrendo assim novamente! Não quero mais saber de
me apaixonar, chega! – Decretei, mais revoltada do que triste.
No mais, estou indo
embora...

Hoje...
Corri meia quadra e dobrei na primeira esquina que enxerguei. Tinha as
mãos trêmulas quando cobri o rosto e chorei. Encostada na parede,
indiferente às pessoas que me viam em tal cena, chorei um pranto sem igual.
Meu coração doía demais.
Sebastian esteve comigo nos piores e melhores momentos, sempre me
apoiou. Quando falecia alguém, lá estava ele me confortando. Na época que
estive doente, ele sempre me procurava. Nos aniversários e todas as datas
comemorativas importantes, fazia-se presente de alguma forma. Era, sem
dúvidas, meu melhor amigo. Sei que não fui tão boa ou presente, em
comparação, mas nunca deixei de reconhecer sua importância em minha vida.
Não era justo perder meu amigo e um amor, assim, junto! Limpei o rosto e
olhei de um lado para outro sem conseguir assimilar nada. Tinha vontade de
voltar, ver se ele ainda estava em nosso lugar especial e me atirar em seus
braços fortes.
“Oh, céus, quem sabe se... não, não posso!”, desviei o pensamento e,
insegura, saí caminhando rápido, sem nenhuma direção certa a seguir.
Precisava sair dali, rápido. Fugir de mim mesma.
Teus sinais me
confundem da cabeça
aos pés...

Tempos atrás...
- Não.
- Fica com ele, sua boba! – Insistia Deise, apertando meu braço.
- Não, não quero – respondi, sem convicção alguma.
Era um gato. Bruno Cesar tinha um nome composto nada harmônico, mas
que era compensado por sua aparência de tirar o fôlego. Alto, magro no
sentido gostoso, e simplesmente charmoso demais. Os dentes muito brancos
deixavam o sorriso ainda mais bonito, com aquela frestinha entre os dois
dentes da frente. Olhos levemente puxados, escuros, pele clara e cabelos
negros. Era perfeito.
- Olha, a Suelen está dando em cima dele. Ele está resistindo, pois quer
você, mas não vai esperar a noite toda – informou Deise.
A música alta ajudava, assim como o modo que me olhava, a cerveja que
bebíamos e meus hormônios enlouquecidos. Em dez minutos, passada a
conversa no banheiro com Deise e sua prima Helô, acabei me perdendo na
pista com ele. Era cheiroso e beijava bem. Depois dessa noite, combinamos
de nos encontrar toda sexta no mesmo lugar.
Em um mês, começamos a nos encontrar também durante a semana e, por
fim, iniciamos o namoro. Se de início estava insegura, em pouco tempo não
tinha dúvidas de tamanha paixão que se desenrolava. Cinema, baladas, ele me
buscava no cursinho pré-vestibular, no seu carro possante azul, todos os dias,
e sempre tinha um presentinho para me dar. Fosse um pacotinho de balas de
gelatina, alfajores, uma flor ou até mesmo me fazer ouvir uma música que o
fez pensar em mim.
Minha mãe o adorava, minhas amigas também, e eu vivia feliz, como
qualquer garota de 17 anos. Ele era de Câncer e isso significava que fazíamos
pares perfeitos e complementares. Abobalhada de tão apaixonada, não
percebi os sinais quando eles começaram a aparecer, sete meses e dezenove
dias depois de nosso primeiro beijo. Estava faltando pouco para meu
aniversário e também para o temido vestibular. Era tanta pressão que talvez o
tenha negligenciado um pouco, como namorada.
Algumas ligações perdidas, uma e outra não atendida. Uma mensagem que
não tinha lido, ou estudar para uma prova do supletivo que nem encarava de
volta. Essas foram as primeiras dicas que sequer percebi, mas depois entendi.
Estava mais ocupado, desligado e quase não nos víamos. As coisas iam
péssimas e não entendia o motivo, por mais que o questionasse nas inúmeras
DRs que iniciava.
- Ando cansado, nada demais. – Respondia.
- Sou louca por você, sabe disso. Pode contar comigo, se estiver com
problemas.
Um beijo doce, uma despedida comum. Desci do carro e assim, sem
motivo aparente, tudo acabou. Nos dias seguintes não retornou minhas
ligações, não me atendia nem respondia as mensagens. Nunca estava em
casa, não o encontrava nos lugares que frequentávamos. Nada. Ele evaporou
como fumaça e sequer dignou-se a terminar comigo antes.
Uma semana de desespero. Havia sido abandonada! Se não estava morto
ou gravemente ferido, tinha outra. Essa era a explicação que Deise e eu
chegamos a concluir. Noites sem dormir, dias ansiosos, às vezes chorava por
horas, até que por fim nos falamos. Numa das minhas milhares de ligações,
que fazia em um só dia, ele atendeu finalmente. Fazia sete dias que não ouvia
sua voz e foi terrível. Sete dias!
- Bruno, o que está acontecendo? – Foi só o que perguntei, em lágrimas.
- Desculpa.
- Bruno! Fala!
- Desculpa, Ninna, eu voltei para minha ex-namorada. Desculpa.
- Meu Deus, Bruno! Por que não me falou?
Silêncio.
- Não acredito, vai ficar com ela então?! – Perguntei, rastejando
humilhação. – Bruno!
- Ninna, ela está grávida. Vamos ficar juntos.
A conversa acabou ali, não tinha nada mais a dizer ou perguntar. Estava
tudo explicado. Desliguei o telefone e gritei meus prantos, abafando o som
com o travesseiro que ele havia me dado, com os dizeres: Eu te amo,
princesa. Minha paz acabou, entrei em depressão. Foi muito, muito difícil
superar essa decepção, meu coração ficou dilacerado... Eu era louca por
aquele idiota. Um imbecil, que apesar de me trair e me deixar, fazia a coisa
certa.
Fiquei sem apetite, apática por muito tempo. Precisei muito de minha mãe,
de Deise e de psicoterapia também. Tomei antidepressivos por alguns meses,
até finalmente voltar, aos poucos, ao normal. Minha psicóloga dizia que era
uma rejeição mal recebida, mas eu só sabia que estava com o coração partido.
Quem sabe eu precise
de uma camisa de
forças...

Hoje...
Depois de caminhar por algumas quadras, fui em direção à beira do cais.
Fiquei parada, olhando a água calma. Precisava pensar. Era uma pena amar
Sebastian, ainda mais por ser um grande amor assim. Ao lado dele poderia
ser feliz, com certeza, porém o medo de uma decepção barrava qualquer
pensamento de tentativa.
Recordei de seu toque. Do calor do seu abraço e de como ali, no meio dos
seus braços, era o melhor lugar do mundo. Nossas noites de amor, dias
inesquecíveis e sua pipoca temperada. Ele era perfeito e ainda me queria!
Será? Não, não poderia arriscar. Ou poderia? Mesmo tendo sofrido tanto
por três vezes, depois de tantas lágrimas e minha promessa? E se com
Sebastian fosse diferente? E se fosse tudo tão simples, como ele garantia?
“Você precisa se acostumar, muitos garotos vão te fazer sofrer! Não se
apaixone tanto, não confie nos homens. Pode gostar, mas não deixe de
desconfiar. Ninguém deve se entregar completamente. Acredite, almas
gêmeas não existem. Ninguém é cem por cento feliz nessa vida, não podemos
ter tudo. As coisas boas vêm sozinhas, mas as ruins, em par.” Recordava de
todos os conselhos sentimentais que recebi, ao longo das decepções que vivi,
e tudo só me deixava com mais medo.
Talvez fosse verdade, com 26 anos permanecia solitária. Depois de três
decepções, nunca mais havia namorado ou me envolvido a ponto de amar e
ser feliz. Aos 15, 17 e depois aos 19, minha cota de desilusão chegou ao fim
nessa vida e fechei meu coração de vez.
Precisava me preservar.
Precisava ser feliz também.
Sentei num pequeno banco de pedra. Já não chorava mais, e me perdia em
pensamentos, sentindo a brisa fria no rosto ainda úmido.
Ela fazia muitos
planos, e eu só queria
estar ali...

Tempos atrás...
- Não escolhi me apaixonar, mãe.
-Vai com calma, Ninna. Foco na universidade.
- Ele é diferente.
- Eles são todos iguais.
Mesmo temendo sofrer uma nova desilusão, foi impossível resistir à
paixão. Márcio era um colega incrível, fazíamos várias matérias em comum e
era maravilhosa sua companhia. Ele também havia entrado com 18 anos na
universidade, mas, diferente de mim, era três anos mais velho. Eu estava
saindo de uma depressão por causa de um ex, ele também vinha de uma
fossa, recém retomando o curso antes trancado.
- Merecemos uma chance - ele disse um dia.
Seus olhos azuis e porte compacto eram tão fofos, seus sorrisos frouxos
também. Depois de um semestre juntos, como amigos, a paixão ganhou força
e nos entregamos. Estávamos carentes, tínhamos muito em comum e existia
química, com certeza. Talvez tenhamos queimado muitas etapas por
desespero, nos agarramos um ao outro na tentativa de felicidade.
O namoro mal começou e já éramos unha e carne. Logo, passava a maior
parte do dia em sua companhia estudantil e à noite em sua casa. No final do
segundo semestre estávamos como um velho casal, felizmente apaixonado,
mas numa rotina por vezes entediante.
No início do segundo ano letivo, após nossa primeira separação, tudo
mudou. Depois das férias, na volta de sua cidade natal, parecia ainda mais
apaixonado por mim. Fez planos, queria que me mudasse de vez, para
morarmos juntos. Mas, com menos de 20 anos, não cogitei o convite, pois
não estava trabalhando ainda.
Foi então que decidimos montar currículos, para descolar estágios e assim
juntar nossas vidas. Fazíamos o mesmo curso, Administração, e possuíamos
quase as mesmas qualidades curriculares. Fizemos vários testes, entrevistas,
até o dia em que concorremos para a mesma vaga em uma grande empresa.
De início torcíamos um pelo outro, mas, quando eu passei para a próxima
fase de testes... Ele se frustrou. Era tão visível e palpável que balançou nossa
relação e foi tão evidente seu alívio quando eu não passei, que me entristeceu
o coração. Não, aquilo não era esperado e me magoou demais.
Parei de procurar estágios por umas semanas e ele se mostrou tão
competitivo que se gabava por estar fazendo entrevistas e eu não. Porém, não
contei nada. Uma agência me chamou para uma entrevista que resolvi tentar,
era uma ótima oportunidade. Ele também foi chamado e a surpresa do nosso
encontro na sala de espera foi esquisita. Ele manteve a postura fria, entendi
que deveria fazer o mesmo. Depois disso, manteve-se distante ou arredio, até
que eu passei e fui chamada. Ele se frustrou, mais que isso, ele me odiou.
Naquela altura, estávamos há um ano e tanto juntos.
“Pegue suas coisas e saia do meu apartamento hoje à tarde. Não a quero
mais, está tudo acabado.”
E assim ele terminou comigo, por uma mensagem de celular. Terminou o
namoro. Desisti do estágio. Tranquei a faculdade, depois cansei de chorar.
Prometi nunca mais sofrer e me apaixonar.
Quem inventou o
amor, me explica, por
favor...

Hoje...
O telefone celular tocou, levei um susto. Estava absorta em lembranças.
Não atendi, nem mesmo olhei. Atravessei a rua e entrei em um café. Queria
me recompor. Desejei ter o braço de Sebastian sobre meu ombro, desejei não
ter sofrido tanto e ter coragem para realmente o amar.
Pedi um cappuccino bem doce, de amarga bastava a vida. Fechei os olhos
ao dar o primeiro gole, me lembrando de tudo e de nós dois. Eu o amava.
- Precisa de mais alguma coisa? – Ouvi a atendente questionar ao me
entregar o café.
- Não, nada. Obrigada.
Mal ergui os olhos para ela, mas um movimento de meia volta me fez
encará-la. A senhora de cabelos fartos e grisalhos me olhou com
determinação. Segurou a bandeja contra o peito e sentou na cadeira vazia a
minha frente. Seu olhar era doce, assim como o toque gentil ao encostar sua
mão na minha, sobre a mesa.
- Olha, minha filha, eu não sei pelo que você está passando. Mas, se você
encarar todos os problemas como desafios, vai perceber que com amor tudo
se resolve.
Dizendo isso, deu dois tapinhas suaves em minha mão e partiu com um
sorriso bondoso nos lábios. Fiquei ali, sem reação. Suas palavras, aos poucos,
reverberavam em minha cabeça.
Se fosse encarar todos os meus problemas apenas como desafios a
ultrapassar, a vida seria mais fácil? Possivelmente não, mas seria bem menos
angustiante. Vencer um obstáculo parece menos estressante do que resolver
um problema, sem dúvida. Mas, onde o amor entra nisso?
Olhei pela vitrine de vidro. Amor, amor... Amor. Por amor havia sofrido
decepções tão marcantes que me fizeram desistir dele. Mas foi o amor da
minha família e amigos que me fez superar essas e outras tristezas. Sim, o
amor resolve quase tudo ou torna mais fácil o caminho da resolução.
Mágoas. Rancor. Não, isso não resolvia nada. Ao contrário, dificultava
qualquer ação. O amor sim, esse deixava as coisas mais simples. “Eu te amo,
Ninna”, ele disse. Por que não fui sincera e disse o que sentia? Por que havia
me tornado tão complicada? Quando meu coração se tornou um problema tão
destruidor?
Agora estava sozinha. Havia rejeitado e magoado meu grande amor. Desta
vez não me perdoaria. Precisava de uma luz, estava confusa, sem saber mais
o que pensar. Queria um abraço, um colo, um ombro amigo. Não, mentira!
Queria tudo isso, mas somente de Sebastian.
Na balada disponível,
ela tá maluca, fora da
casinha ...

Como tudo começou...


Precisei de um tempo, ares novos e distração. Viajei para a casa de uma
prima depois da última decepção que tive. Pensei bastante, quando voltei
estava segura e determinada. Troquei do curso de Administração de empresas
para Marketing. Era a primeira turma da modalidade Intensivo, cujas aulas se
expandiam em dois turnos e assim diminuía em 50% o tempo de duração do
curso.
Comecei do zero, era nova, com quase 22 anos e apoio incondicional de
minha mãe. Resolvi blindar meu coração. Se não podia ser realizada
sentimentalmente, seria a mulher mais bem-sucedida profissionalmente
possível.
Amizades novas, mudei o estilo de roupas, bares e festas, fiquei empolgada
com o novo curso e as perspectivas que se seguiam. Tinha planos, queria me
formar em dois anos e ir para o exterior tentar a sorte. Uma loucura que
minha mãe patrocinaria após anos de poupança e um empréstimo futuro, que
eu um dia retribuiria, certamente somado a toda grana extra que conseguisse
juntar.
Em pouco tempo me enturmei e um grupo muito legal se formou
naturalmente, para ciúme mortal da minha velha melhor amiga Deise. Ela
trabalhava o dia todo, não quis cursar uma faculdade, era corretora
imobiliária obstinada a ficar rica. Nosso tempo juntas se resumia a encontros
rápidos para um café ou pizzas nas sextas.
- Esse é Luis, Sebastian, Dora e Rosângela. Somos um tipo de quinteto
fantástico. – Apresentei meus novos amigos para ela numa sexta-feira
qualquer, já no final do segundo semestre do meu novo curso. Era um tipo de
comemoração às vésperas das sonhadas férias de verão. – Essa é Deise, uma
amiga do tipo irmã.
- Do tipo a melhor – corrigiu Deise, com seu sorriso emoldurado por
batom vermelho.
- Sim, minha melhor amiga e do tipo melhor irmã postiça do mundo! –
Confirmei sorrindo.
Muita cerveja e conversa animada depois, firmaram no fim da noite que
Deise abençoava minhas novas amizades. Ela demorou muito tempo até
aceitar sair junto com o grupo. Seus olhares para Luis indicavam certo
interesse fora do normal, para os padrões da minha amiga. Ela, que só se
envolvia com homens bem mais maduros e abastados, estava toda olhares
para um rapaz da nossa idade.
- Pobre?
- O que? Quem? – Perguntei confusa, na carona do seu carro cheirando a
novo, na volta para casa.
- O Luis – respondeu, me olhando de esguelha.
- Todo universitário é pobre – falei rindo.
- Aff! Credo. – Torceu a boca, bufando em seguida.
Luis não era um rapaz do tipo comum, era bem-apessoado, com ar de
intelectual. Óculos discretos, cabelo muito curto, sempre impecável, roupas
que não fugiam do seu básico jeans e camisa polo, lábios finos e nariz
anguloso, pele negra aveludada. Calmo e discreto, era o oposto do furacão
Deise. Mas, quem sabe... Quem sabe fariam um belo par? Não duvidava de
nada.
- Ei, e a Penélope Charmosa, ela gosta de um dos garotos? – Questionou
irônica, fazendo menção à metade do cabelo colorido na cor rosa de minha
colega Dora Lisboa.
- A Dora? Não, não. Dora tem uma namorada lindíssima, que viaja 400
quilômetros todo final de semana para ficarem juntas.
- Hum. Eles são legais, me conte algo então sobre todos os seus novos
amigos. – Pediu curiosa, fazendo um longo trajeto para me deixar em casa –
Pode contar até as fofocas.
- Dora, como você viu, é super despojada e simpática. Tem uma namorada
há um bom tempo, é meio alternativo o seu estilo. Rosangela é mais calada,
não sei como veio ao bar, talvez fugida. Seus pais são bastantes
conservadores, religiosos talvez, mas ela é tranquila. Na dela, mas de boa
sempre. – Relatei.
- E os meninos?
- Luis é todo certinho, muito inteligente, e pretende um dia comandar o
Louvre. Tem planos grandes, parece com você, ambicioso, mas gente fina –
comentei sorrindo – E Sebastian, bem... Ele é muito legal e bem-humorado.
- Legal? Legal e bem-humorado?
-É.
- Ninna, Ninna, Ninna.
- Que foi?
- Ele está caído por você e me responde isso!? Gosta dele já?
- Vai à merda, Deise. –Falei e fiquei calada, encerrando o assunto no resto
do trajeto. – Nos vemos na terça? – Perguntei já do lado de fora, me
despedindo minutos depois, na frente de casa.
- Sim, te ligo. Beijo na Amália.
- Ok. Obrigada! Se cuida.
Na cama, depois de um banho, pensei nas palavras de Deise. Oras, ele era
charmoso e muito gostoso sim. Mas nunca sairia do âmbito da amizade.
Jamais! Não entregaria meu pobre coração para ninguém nessa vida, não
mesmo. Decidida, procurei pensar no que tinha para fazer no final de semana.
Estudar, um trabalho de pesquisa, lavar roupa, arrumar o quarto e dar uma
ajuda para minha mãe nos afazeres cotidianos.
Um SMS bipou ao lado da minha cabeça. Peguei o celular que deixava
colado no travesseiro.
“Já chegou em casa? ”bjo S.
“Sim, estou na cama! E vc?”
“Vou fugir de casa, posso dormir aí com vc?”bjo S.
Sorri, sentindo as bochechas corarem. Sebastian tinha esse dom. Meu
corpo reagiu ao simples pensamento de tê-lo ali, enrolado nas cobertas
comigo. Afastei o pensamento, sacudindo a cabeça. Gentil, bem-humorado,
bonito demais... aiai, era uma pena.
“Não fuja, faz muito frio e eu talvez ronque!!”
“Uma noite ainda, quem sabe... bjo S”
“Nos vemos segunda, boa noite! ”
“Boa noite, Ninna, bons sonhos. Bjo S”
Tive sonhos eróticos naquela noite, acordei como se estivesse com ressaca.
Muitas algemas, gemidos, Sebastian... Um banho me ajudou a relaxar e os
afazeres domésticos gastaram a energia latente que o medo minava. O sábado
passou rápido, o domingo também. Minha mãe, Amália, e eu aproveitamos
para por a conversa em dia, arrumar a casa e comer besteiras que engordam
pacas!
A semana iniciou normalmente e nosso grupo só falava de uma festa
famosa que aconteceria na próxima quinta. Era o Sertanejo Universitário
mais badalado da região, acontecia uma vez por mês e movimentava uma
multidão, acadêmica ou não. O debate era sobre pagar ou não um espaço vip,
tipo camarote, para todo o grupo.
- Pago no cartão e cada um me dá uma parte no final do mês. Sem calote,
hein?! – Resolveu Luis, proativo e resoluto.
Ninguém negou, claro. O valor dividido não sairia tão alto. Ainda mais que
somado a nós quatro havia ainda Deise, a namorada de Dora, Renata, um
primo de Luis e talvez mais um ou dois convidados de última hora.
“Tá tá doidinha, tá maluquinha, vai dançar agarradinha, tá ficando...”,
cantava mentalmente a música da modinha enquanto me arrumava em frente
ao espelho preso no roupeiro. De 1.69m subi alguns centímetros, graças à
botinha que calçava. Os cabelos longos loiros prendi em um rabo de cavalo
desleixado e os olhos azuis contornei com delineador negro.
Estava muito animada, as festas eram ótimas válvulas de escape.
Aproveitava para paquerar, dar muitos beijos e amassos sem
comprometimentos no dia seguinte. À minha pele clara salpiquei um
corretivo aqui e ali, lambuzei os lábios finos com um batom caramelo e fim.
Sorri, estava bonita, ao menos achava que sim.
O corpo arredondado, com um pouco mais de curvas que o padrão, vestia
calça jeans escura e um corpete preto, com estampa de tigre. O colo à mostra
sustentava um colar bem temático, que minha mãe havia me presenteado no
dia anterior. Era feito em couro, com arremates de um prateado envelhecido e
pequenas pedras que imitavam cristais.
- Uau! Olha, ela está com a maldade no corpo hoje! – Brincou Deise,
quando nos encontramos. Era uma ótima amiga. Além de sempre me dar
carona, levantava minha autoestima mesmo quando estava resfriada.
- Poxa, você também! E o resto do vestido, hein?!
Deise vestia uma peça feita em camurça marrom, botas de couro da mesma
cor e um bolero feito em algum tecido que não conhecia, repleto de franjas.
Exuberante, deixava a silhueta corpulenta à mostra e sorria com os lábios
escarlates.
Rindo, pegamos seu carro e fomos encontrar o resto do pessoal. No local
onde marcamos havia centenas de pessoas, o que tornou quase impossível o
encontro do grupo. Após alguns telefonemas, resolvemos nos encontrar
diretamente no nosso camarote.
A vista era realmente privilegiada, víamos o palco na diagonal e a grande
pista em frente e abaixo de nós. Um mezanino com muitas repartições
formava um grande cinturão. Era a parte vip, sem dúvidas. Adorar é pouco,
estava amando tudo na festa.
- Não perca sua pulseira - instruiu Deise.
- Claro, você também. E divirta-se, tenho dinheiro para o táxi – informei
minha amiga.
-Ei, pessoal! – Cumprimentei nosso grupo, que chegava aos poucos. –É
aqui!
A festa transcorreu tranquila, procurei circular bastante na pista e não ficar
somente na nossa área vip. As pessoas estavam todas bonitas e o estilo
country era mais forte nas mulheres que nos homens. Duas duplas e um
cantor solo, todos sertanejos, fariam seus shows em grande estilo no palco
iluminado. Até começar as apresentações fomos embalados por um DJ e suas
mixagens bem elaboradas, que animavam geral.
Deise e Luis não dançaram nenhuma música juntos, mas a paquera rolou
solta a noite toda. Conversaram bastante e pareciam sempre absortos em
assuntos sérios. Rô não apareceu na festa, Dora e sua namorada só deram
uma passadinha rápida e logo sumiram, com destino a outra balada, que na
verdade era um luau na praia e envolvia fogueira e até mesmo tochas. Nosso
camarote ficou bastante vazio, apenas com Deise, Luis e dois primos, duas
moças que não conhecia, Sebastian e eu.
Por volta das duas horas parei de beber, estava ficando muito tonta e não
gostaria de me embebedar. Sebastian a todo o momento me tirava para dançar
e me apertava de uma forma muito provocante, era difícil não aproveitar e
fazer o mesmo com ele.
- Você vai comer meu brinco a qualquer momento, Sebastian! – Reprimi
sua forma de falar ao meu ouvido.
- Desculpa, Ninna.- pediu ele, sem convencer ninguém.
- Sebastian, não... – pedi dois segundos depois, com seus roçar de barba
em meu pescoço – Ei!
- Tô meio bêbado, não me leve a mal. – Sussurrou ao meu ouvido,
provocante.
- Não estou te levando a mal – respondi, insegura com meu autocontrole -
mas talvez precise levar você para tomar um café quente.
- Me leve para casa então – pediu – e me coloque na cama... Quem sabe
nós...
Não o deixei prosseguir, nunca deixaria que expusesse seu interesse.
Jamais permitiria estragar nossa amizade com palavras ditas no fervor do
momento. Interrompi seu possível convite com um sorriso neutro, procurei
um copo com refrigerante e o dei para ele beber. Aproveitei a deixa,
escapulindo do meio de seus braços fortes. Fortes, quentes e deliciosamente
suados.
Quinze minutos depois já estava dentro de um táxi, a caminho de casa. Não
seria seguro continuar a mercê dos acontecimentos, era preciso recuar para
não acabar me deixando levar por tamanha tentação. Sem romances, sem
chance para envolvimentos que acabariam sendo decepcionantes.
“Me diga que está na cama, sozinha... Bjo S”
“Estava dormindo sim. Bom dia, Sebastian. Vá dormir”.
“Sozinha? ”Bjo S
“Somente com Pufty. Vá dormir”
“Boa noite e bom dia, Ninna. Sonharei com você. Bjo S”
Sorri, sonolenta. Em quase um ano sendo amigos, nossa amizade ganhava
cada vez mais intimidade. Procurei sair poucas vezes em sua companhia,
optando por desculpas esfarrapadas. Era atencioso, estava sempre preocupado
comigo e presente em momentos bons ou ruins. Esse era Sebastian,
encantador do início ao fim.
Recordei do dia em que minha avó faleceu, há três meses. Desde o
momento que soube, até o fim, esteve ao nosso lado. Foi prestativo comigo e
com minha mãe, acertando até alguns detalhes burocráticos que acabam com
a família em luto.
- Ela está em um lugar melhor, é só um recomeço para ela. Sofremos coma
perda por sermos egoístas – disse ele em determinado momento, sustentando
minha cabeça no seu ombro. – Seja forte, tente emanar boas energias para ela
viajar em paz – sussurrava, me acolhendo num abraço.
Suspirei.
Nossa, como sentia saudade da minha velha! A casa tinha ficado mais
vazia, nossos corações também. Seus olhos azuis, muito mais que os meus,
que nunca mais voltaria a ver. Virei de lado, desejando dormir, mas não
conseguiria. Não agora. Levantei num pulo e tomei um banho nada
demorado. Já havia faltado nas primeiras aulas da manhã, mas correndo
pegaria as últimas. O dia era sempre longo para quem estudava em turno
integral.
Mal cheguei ao grande prédio amarelo, recém-reformado, e notei o
burburinho no hall de entrada. Pessoas fantasiadas distribuindo panfletos e
fazendo performances inusitadas, misturando-se aos alunos, enchiam o lugar.
Todos estavam animados e logo que um Conde Drácula me entregou o papel,
entendi o motivo e me empolguei também.
CARNAVAL Antecipado – Janeiro: Um mês, todo sábado uma festa!
Escolha as suas fantasias e liberte-se! Não fique de fora e garanta seu
ingresso!
Passaporte com 20% de desconto na apresentação desde folheto. Se
chegar usando máscara, ganha uma cerveja na entrada. Locais vips com
desconto especial para universitários. Mais informações em nosso site.
Neste Janeiro! Não Perca!!!
Com o final das aulas, o recesso de Natal e as férias emendadas, já
antecipava mais de um mês de ócio solitário. Mas agora a perspectiva me
alegrava. Teria um mês de festas temáticas antes do retorno das aulas em
fevereiro e o meu último ano de curso. Era bom demais, arrumaria companhia
ou iria sozinha a esse baile de máscaras.
Entreguei os últimos trabalhos, fiz as provas que faltavam e aguardei
algumas notas. Estava liberada, sem aulas até meados de fevereiro. Tinha
pela frente um Natal, um Ano Novo e depois quatro boas festas para me
divertir. Afundei no sofá da sala... Detestava festas de final de ano. Detestava
também os períodos de férias, de ociosidade entediante.
Agarrada ao Pufty, meu pinguim de pelúcia, assisti minhas séries favoritas
e li alguns romances de época, já que durante as aulas não tinha tempo.
Minha mãe só me fazia companhia à noite, pois trabalhava o dia inteiro no
centro de estética que era sócia.
Era véspera de Natal. Em casa, comemorávamos a data jantando as
comidas tradicionais, não esperávamos a meia-noite e apenas trocávamos
presentes como fazíamos corriqueiramente. Ainda mais sem vovó, seria
bastante triste esse ano e todos os demais.
No Réveillon, nós passávamos sempre assistindo aos fogos da janela de
casa. Montávamos uma bela mesa e também sem esperar hora comíamos,
bebendo um champanhe doce. Depois, normalmente ficávamos vendo um
filme e, quando a queima de fogos começava, nos abraçávamos e minutos
depois íamos dormir. Tudo assim, sem muita graça.
Pensava nisso quando o celular vibrou. Era Sebastian que, sem esforço,
fazia meu coração acelerar.
- Oi, amigo – cumprimentei.
- Oi, Ninna, tudo bem? Olha, estou ligando para fazer dois convites. –
Explicou, doce, do outro lado da linha.
- Convites?
- Sim. Hoje à tarde tem mutirão na ONG onde sou voluntário. Vamos
arrumar todos os cães e gatos para uma grande feira de adoção que acontece
amanhã. Topa ajudar?
- Sim, claro. Vou adorar! Convidou o resto do pessoal?
- Chamei, cada um ficou encarregado de levar outra pessoa. Assim, além
de ficarem bonitos, ganharão muito carinho extra.
Meu coração bambeou. Lembrei-me de Douglas, meu vira-lata. Era lindo,
com seu focinho amarelo queimado, olhos amendoados e pelo baixo. Eu o
havia resgatado com dias de vida, e mesmo com muita luta, o havia perdido
para uma enfermidade nos rins.
Quando Sebastian soube da perda de meu companheiro de toda vida, há
dois anos, mesmo estando no início de nossa amizade, foi muito carinhoso.
Sem rodeios, me presenteou com um pinguim de pelúcia, que batizamos de
Pufty. Isso porque fiquei tão nervosa e emocionada com suas palavras ao me
entregar o presente, que o deixei cair. Pufty escorregou das minhas mãos
trêmulas e foi batizado assim.
- Me fará muito bem. Obrigada, Sebastian.
- Tenho certeza. Te pego às duas?
- Pode ser.
A forma como sua mão encaixava em qualquer parte do meu corpo, num
simples toque. A força de seus abraços e olhares afetuosos... Talvez isso tudo,
somado ao clima de fim de ano, não sei. A tarde foi maravilhosa e torturante
também. A proximidade me afetava, seria duro o próximo ano ao seu lado,
precisava de força de vontade.
Olhos castanho-esverdeados, lábios rosados, ombros largos, quadril mais
quadrado, 1.85 de altura e uma roupa casual que o deixava sempre sexy. A
camiseta branca se ajustava ao corpo e o suor revelava mais do que eu
precisava ver. A bermuda deixava joelhos e panturrilhas másculas expostas.
Sentia o corpo aquecer, mesmo estando encharcada, depois de ajudar no
banho dos pets.
Os cabelos muito curtos, com o topo mais cheio, no estilo que vi em Brad
Pitt num filme, de um castanho profundo, que se funde ao vermelho
acobreado. A pele morena intensa contrastava com o sorriso alvo. Tudo nele
era perfeito, era uma lástima não poder me perder naquele homem.
Quando cheguei em casa à noite, estava exausta. Contudo, a proximidade
me deixou inquieta, ainda mais depois de nos despedirmos. Ele passaria as
festas na casa dos avós, em uma ilha linda, rodeada pelo mar. Depois, partiria
para férias de aventura, como nomeou suas intenções.
Ele e dois amigos partiriam de mochila em busca de trilhas, escaladas e
tudo mais que a natureza podia ofertar. Sem luxo, mas com muito suor e ar
livre, comentou sorridente. Retornaria em meio de janeiro ou no final, não
sabia ao certo.
- Passa comigo a virada? Meus avós vão adorar. – convidou, segurando
minha mão.
- Não posso, tem a mãe...
- Nós a levamos! –Interrompeu, com um largo e tentador sorriso.
- Ela não iria, e perdemos a vovó. Será um tanto triste para nós este ano.
Mas, obrigada pelo convite. – Agradeci sincera.
- Então venha acampar conosco! – falou, puxando minha mão, afetuoso. –
Um final de semana não vai te matar!
- Nunca acampei! – Falei encabulada – Nem saberia o que fazer, levar ou
comprar! Não, não... – respondi rindo.
-Será minha convidada, só leve a si mesma – Garantiu – O pessoal é legal
e vai se divertir.
- E onde vou dormir?
- Levo uma barraca para você, levo tudo. Vou te mandar uma mensagem
de texto avisando. Depois das trilhas e antes de voltar à civilização sempre
acampamos por três dias na Colina do Sol.
- Hum... Não conheço.
-Vai adorar. Combinado?
- As meninas também vão ou o Luis?
- Ninna, não estaremos sozinhos. Não se preocupe –Piscou, com olhar
zombeteiro –Eles estão com suas famílias, mas meu grupo é grande e
animado.
- Ai meu Deus, será?
- Está combinado. Vou te informando ao longo das semanas.
-Combinado. Boas férias e nos veremos ao final delas então! – Me afastei,
com nó na garganta e um embrulho no estômago.
Ele acenou e fez que partia, mas em dois passos na minha direção, me
alcançou. Puxando meu corpo contra si num abraço envolvente, nossos
corpos se encaixaram como se reconhecendo. Fechei os olhos brevemente,
meu coração parou. Foram segundos que desejei eternizar.
- É difícil ficar longe de você – sussurrou ao meu ouvido, beijando meu
pescoço, e em seguida partindo.
Fiquei ali parada, olhando ele subir na moto robusta. Depois de colocar o
capacete, me encarou por um minuto, baixou a viseira e, acelerando sua
máquina, foi embora.
Parecia inofensiva,
mas te dominou...

Minha mãe trabalhou até o último minuto possível na véspera do Natal.


Uma fuga para não pensar na data sem minha avó conosco. Fiquei em casa
sozinha. Vestindo pijama e com o cabelo preso num coque revolto, repleto de
óleo de coco e mel, arrumei toda a casa.
Varri, espanei, troquei guardanapinhos e espalhei enfeites. A árvore de
Natal só voltaríamos a montar depois de três anos completos da morte da
vovó. Um ritual de luto, por assim dizer, que nossa família respeitava.
Assei um pequeno frango, como se fosse peru, embebido em vinho tinto e
suco de laranja. Preparei uma bacia de salada com muitas folhas, num mix
delicioso, e por fim tentei fazer uma sobremesa. Era pra ser um pudim, mas
no final transformou-se em uma coisa qualquer coberta com calda doce.
Jantamos sem maiores festejos, ambas de banho tomado e pijama. Mamãe
trouxe um delicioso pote de sorvete de creme, que combinou perfeitamente
com meu quase pudim. Assistimos a dois episódios de uma série de TV que
gostávamos, uma comédia hilariante, atiradas no sofá.
- Aqui, mãe – entreguei o grande embrulho vermelho – feliz Natal!
- Ah, filha, obrigada! – Exclamou sorrindo.
Devagar abriu o pacote e vi seus olhos brilharem de felicidade. Era uma
bolsa, sem marca, apenas uma bolsa. Havia trabalhado muitos finais de
semana ao longo do ano na estética, fazendo bico de ajudante. Lavava
cabelos, varria o chão e organizava armários e estantes. O pagamento feito
por dia ajudava em nossas despesas, quando necessário, e também para
minha futura viagem. Não era muito, mas havia juntado também para o
presente.
- Adorei! – Falou, colocando no ombro e admirando com carinho – Olha,
desculpe a mãe. Não estava com muita cabeça, não...
-Tudo bem, mãe – interrompi sincera.
- Mas acertei com Tânia e tem um dia de beleza pago para você. Unhas,
depilação, corte de cabelo e hidratação. Só agendar!
- Mãe! Obrigada! – Falei, dando um forte abraço – Muito obrigada!
- E... Comprei isso aqui... – ela disse, tirando do bolso um pequeno
embrulho.
Abri com pressa, sem deixar de perceber seu peso na palma de minha mão.
Rasguei o papel e abri a caixa retangular. Era um canivete!
- Um canivete? – Comentei rindo, meio perguntando e afirmando.
- Como Sebastian fez o convite e você aceitou acampar, tive vontade de
comprar. Olha – falou pegando o objeto de minhas mãos – é multifuncional.
Várias lâminas e funções que não entendi muito bem, mas é muito útil, me
garantiram.
Sorri com suas explicações. Havia gostado, mesmo duvidando que
soubesse em que ou como usar. Passamos muito tempo investigando cada
detalhe da pequena arma e por fim fomos dormir.
“Feliz Natal! Bjo S.”
Sorri ao ouvir o som da mensagem e ver as palavras na tela. Era
exatamente meia-noite. Devolvi os votos prontamente e guardei o celular
embaixo do travesseiro, agarrando Pufty com mais força.
“Mande um abraço para Amália, estou com meus pais e muitos
convidados para a ceia. Falta você aqui. Bjo S”
“Vou dar, obrigada. Abraços para todos, aproveite. ”
Alguns minutos depois, percebi que desejava continuar trocando
mensagens com ele, ou melhor, ouvir sua voz. Quem sabe ver aquele sorriso
largo e aproveitar o conforto de um abraço... E a linha de pensamentos me
levava para longe demais.
- O que você está fazendo? Não amá-lo é sua melhor escolha. Fez bem,
agora chega. – Sussurrei para mim mesma, mudando de posição na cama.
DIN DONG, Din dong!
A campainha tocou. Quem seria? Ouvi minha mãe atendendo, depois o
silêncio e seus passos na direção do meu quarto. Estranho, não tínhamos
nenhum parente na cidade ou alguém próximo o suficiente para uma visita
sem aviso.
- Ninna – chamou minha mãe da porta – Está dormindo?
- Não, mãe. Quem era?
- Para você, olha!
Era uma grande sacola, dentro havia vários embrulhos e um bilhete:
“Presente de Natal, outro de última hora. Feliz Natal, Ninna, sinto pela
distância. Com amor, S.”
Dois pacotes recheavam a sacola de tecido com temas natalinos. O grande
embrulho vermelho era um bicho de pelúcia.... Outro pinguim, com cerca de
60 cm e um laço rosa no pescoço. Um pequeno cartão dizia: “Para Pufty.
Todo mundo merece viver um amor. Chega de ficar sozinho”.
- Meu Deus – disse rindo, apertando a dona pinguim, que cheirava a flores.
– Sebastian não existe!
- O que é o outro? – Perguntou minha mãe, curiosa – Abra!
O pacote verde era pesado. Abri e me deparei com um conjunto, calça e
jaqueta, de um tecido muito macio e de uma marca bastante cara. Não era
meu estilo de roupas, mas havia gostado, principalmente do tom de lilás com
os detalhes em branco.
- Bonito - disse minha mãe – Olha, caiu esse papelzinho do embrulho...
“Para vestir no seu primeiro acampamento.” Dizia ele. Peguei rápido o
celular e liguei para Sebastian, empolgada, querendo agradecer tamanha
atenção. Realmente estava feliz com as surpresas. Porém, estava desligado ou
fora da área de cobertura.
- Saco! – Exclamei e então percebi que mamãe já havia sumido dali.
Digitei uma longa mensagem, avisando que tinha telefonado e
agradecendo pelos presentes. Usaria as roupas conforme orientado e talvez
levasse o novo casal para uma lua de mel na floresta, escrevi completando
com dois sorrisos e um coração.
Não sei a que horas fui dormir, estava um caco no dia seguinte e o feriado
passou com disputas entre o sofá, minha cama e a poltrona perto da janela.
Aproveitei para descansar, já que trabalharia todos os dias seguintes até a
véspera do novo ano.
Lavei toalhas, sequei e passei. Varri muito o chão, tirando resquícios de
cabelos. Lavei incontáveis cabeças, esterilizei, ordenei e ajudei em tudo que
era preciso. O centro de estética que mamãe era sócia ia bem, muito
movimentado. Eu me senti útil e cansada, o pagamento recompensava e
também me fazia pensar em como a rotina de minha mãe era exaustiva.
- O último cliente é às 20 horas – vi Saionara, Tânia e minha mãe
conversando. - Vocês podem ir, só preciso de uma manicure para fazer as
unhas da senhora e o segurança para me ajudar a fechar – concluiu uma delas.
Olhei de relance para Tânia, que dispensava as amigas e sócias. Suspirei,
estava cansada e precisava de CBU. Ou seja, cama e banho urgente!
Minha mãe e eu jantamos macarrão instantâneo, brindamos com uma taça
de vinho e depois de alguns bombons fomos dormir. Acordei com o barulho
da vizinhança, olhei no celular, faltavam 10 minutos para a meia-noite.
Fui ao banheiro e fiquei enrolada em uma manta, espiando pela janela.
Todos acordados, comemorando a troca de ano. Lancei minhas orações para
minha avó e senti as lágrimas quentes descerem pelo meu rosto.
- 10, 9, 8, 7 – ouvia um grupo no meio da rua contando regressivamente –
6, 5, 4... - O celular vibrou. Olhei para a tela. Meia-noite e uma mensagem de
texto.
“Desejo a você tudo aquilo que desejo para minha vida. Feliz Ano Novo,
minha NINNA! Bjo S”
“Feliz Ano Novo, Sebastian! Que todos os seus sonhos se realizem. Adoro
vc! Obrigada...”
Fui ao quarto acordar minha mãe. Depois de alguns abraços sonolentos e
votos de um ano cheio de alegrias, deixei-a voltar para o travesseiro. Corri
para minha cama, estava com frio. Já deitada, deixei um recado de bom novo
ano em minha rede social preferida, junto com uma foto de Pufty com sua
amada. Dei uma espiada nas fotografias de outros amigos e usuários. Taças,
fotos e rostos felizes. Sebastian havia publicado uma única vez, uma
fotografia de uma rosa branca com os dizeres: “Para você, minha linda, meu
maior desejo neste ano que inicia. #amor”.
Parei, atônita. Sebastian estava namorando? Como assim?! Não me contou
nada e estava apaixonado. E eu, idiota, achando que nutria algum sentimento
por mim. Eu que me pegava cogitando...
- Imbecil! Por isso você não deve se apaixonar de novo. Por isso nunca
amará e também não sofrerá. – Falei, atirando o celular longe.
Voltei a dormir, não antes de tomar toda a garrafa de vinho que havíamos
deixado na cozinha. Estava quase cheia, bebi tudo, até sentir meu ânimo
anestesiado. Chorei baixinho por tudo que já havia passado e lá no fundo
chorei por perder Sebastian. Mesmo que não tivesse coragem de me envolver,
seu carinho por mim preenchia um vazio, e eu era egoísta. Simples assim.
Cansado de correr na
direção contrária, sem
pódio de chegada...

Meu primeiro dia do ano foi péssimo. Estava irritada, de mau humor.
Fiquei quieta no meu canto, lendo romances e, com os fones, ouvindo blues.
Não queria pensar em nada. Como tinha acertado os próximos quinze dias de
trabalho na estética, iria me ocupar e fim.
O resto na semana passou tranquilo. Comprei um novo aparelho de celular,
já que espatifei o visor na noite de Réveillon e foi quando vi inúmeras
notificações pendentes. E-mails do tipo spam, um da faculdade indicando o
dia de matrículas. Na rede social fotográfica que usava, muita coisa para
espiar.
Havia sete mensagens de texto. Amigos e colegas desejando feliz ano
novo, entre eles Deise, que estava sumida desde a última balada que fomos
juntas. Ela e um grande grupo sempre faziam um tipo de retiro todos os finais
de ano. Durava normalmente 20 dias no total, era basicamente espiritual.
“Volto para a cidade dia 15. Saudades. Beijinhos, feliz ano novo, Deise”
“Seu cartão de crédito está bloqueado, pague a fatura para desbloquear
e...”
“As festas de Carnaval foram transferidas para fevereiro. Serão 3, não
mais 4. Você já sabia? Abraços, Dora.
Se a mensagem de Deise foi boa, depois começou a cair o nível. Além de
meu único cartão bloqueado, agora as festas canceladas! Reli a mensagem:
não, na verdade tinham sido transferidas apenas. Suspirei, chateada. Seriam
no mês do início das aulas.
Fiz uma careta e respondi todas, incluindo as mensagens de feliz ano novo
que não havia visto. Porém uma de Sebastian nem tentei, telefonei e a
chamada caiu direto na caixa postal. Reli, com mais atenção.
“Já estou na estrada, ficarei incomunicável. No dia 23, pegue o ônibus
659 às 8:20 e diga que precisa descer na Antiga Escola Rural Dona Eulália.
Ele sai uma vez por dia e chegará por volta das 10:30 ao meu encontro. Eu
te pego na estrada, traga apenas uma mochila. Bjo, S”
- Droga – exclamei infeliz.
Como diria a ele que não iria mais? Como passar alguns dias acampando
com ele e sua nova namorada? Se o deixasse esperando, talvez desenrolasse
muita confusão.... Porém, éramos apenas amigos, a situação era comum. Eu
estava complicando tudo, não estava apaixonada por ele e tampouco o amava.
O melhor que tinha de fazer era deixar de ser possessiva.
Eu teria vinte e poucos dias para focar no trabalho e depois três dias de
lazer antes da maratona que seria meu último ano de faculdade. Iria apenas às
festas de Carnaval, que já havia me proposto, e depois foco total. Precisava
trabalhar todos os finais de semana, juntar algum dinheiro e planejar meu
futuro. Iria para o exterior tentar uma vida nova. Sim, era isso que precisava
ter em mente.
***
Do trabalho para casa, de casa para o trabalho, com paradas estratégicas na
biblioteca ou locadora de DVDs. Essa foi minha rotina diária. Fiz a matrícula
da faculdade e conversei com alguns colegas que estavam por lá. Meu grupo
fechado estava disperso, todos envoltos em suas férias. Dora fora da cidade e
Luis também, Rô sobrecarregada pelos pais e Deise voltando ao trabalho,
com dedicação total e um possível novo namorado.
Dia 16 foi meu último dia de trabalho na estética, voltaria apenas a tirar as
folgas de funcionárias em finais de semana. E ainda faltavam sete dias para
pegar a estrada e encontrar Sebastian e sua turma, com namorada incluída.
Não eram nada interessantes minhas expectativas.
- Aproveite esses dias para fazer algo útil – comentou minha mãe.
- Tipo?
- Tipo... Bem, não sei! Vá fazer caridade!
- Hum... Trabalho voluntário?
- Sim, ainda mais nesse período de férias, que muitos colaboradores estão
fora.
- Verdade, mãe. Vou ligar para a ONG de animais que Sebastian ajuda e
me levou no Natal.
- Faça isso, vai te fazer bem. E separe dois dias para fazermos uma faxina
geral na casa, antes de sua pequena viagem.
- Certo.
É maravilhoso se sentir útil, ainda mais recebendo lambidas carinhosas.
Passei os cinco dias seguidos trabalhando voluntariamente cinco horas por
dia e ainda combinei de prestar mais ajuda ao longo do ano. Fiz trabalhos
braçais, dei amor e também articulei ações junto com os administradores do
local. Ajudaria no que fosse preciso, recrutando profissionais e auxílio
financeiro de empresas locais.
Ao final de cada dia me sentia motivada, energizada e totalmente feliz.
Precisava compartilhar com mais pessoas as maravilhas que fazer o bem ao
próximo proporcionava.
***
Enquanto fazia anotações de planos de ação para a ONG Cães e Gatos
Amados, sentia o estômago embrulhar a cada chacoalhada que o ônibus dava.
Havia acordado cedo e tomado um café rapidamente, a passagem comprada
na véspera pedia 20 minutos de antecedência na rodoviária. Ao entrar, já
informei onde necessitava descer e o ajudante de motorista foi gentil ao dizer
que eu poderia dormir, pois me chamaria.
Depois da rodovia pegamos uma estrada de acesso ao interior. Se essa já
era ruim, piorou quando começamos a rodar pela terra alaranjada. Poeira,
buracos e meu estômago fraco brigavam. Na bagagem, encontrei a bolsinha
de primeiros socorros sem absolutamente nada para enjoos. Gemi.
Depois de quase duas horas de muito chão, o rapaz me indicou que
estávamos quase chegando ao meu destino. Ansiosa, guardei o celular com os
fones de ouvido na mochila, verifiquei se todos os bolsos estavam fechados e
levantei com cuidado. Em pé, retirei o saco de dormir que enrolava meu
travesseiro e uma manta, tudo muito compacto.
O ônibus freou devagar. Olhei pela janela, era uma pequena vila com casas
modestas. Por um segundo temi ser deixada ali, imaginando que Sebastian
poderia se esquecer do combinado ou ter enfrentado algum imprevisto.
Respirei fundo e rezei a cada degrau. Mal havia pisado do lado de fora e o
ônibus já fechava suas portas e partia. Fiquei tensa.
Tossi com a poeira que me cercou. Abanei o ar e fiz muitas caretas.
Apressada, olhei em volta e não enxerguei Sebastian. Tranquei a respiração.
Nem estava tão quente, mas senti que transpirava muito.
- Psiu! – Alguém chamou.
Olhei para longe. Depois das quatro ou cinco casas que formava o vilarejo,
visualizei Sebastian abrigado à sombra de uma árvore. Perdi o fôlego. Santo
Deus, como era possível? Estava ainda mais bonito.
- Oi – abanei sem ar.
Ele caminhou na minha direção com um sorriso largo, dentes
branquíssimos contrastando com a pele morena lindamente bronzeada pelo
sol. Vestia uma regata de um rosa muito claro e bermudas cáqui, com tênis
simples. O cabelo muito curto, no estilo dégradé, com volume só no topo,
estava desalinhado lindamente. E parecia ter ganhado um tom ainda mais
acobreado, misturado a mechas muito claras.
Soltei a mochila no chão, talvez pasma com a visão. Ele disse meu nome
baixinho e caminhou na minha direção, me puxando num abraço caloroso.
Seu corpo forte e mais alto aninhou o meu e por alguns segundos me permiti
fechar os olhos e aspirar seu cheiro másculo.
- Que calor! – falei a primeira coisa que articulei, recuando dos seus
braços.
- Deixa que eu carrego – falou, pegando mochila e a outra tralha – Como
foi a viagem?
- Boa – menti.
- Tudo recompensa! – Falou sorrindo, talvez vendo que mentia - Vamos,
vou mostrar as coisas aqui antes de levar você para o mato – comentou com
um sorriso irônico e uma piscadinha provocante.
Enrubesci, mas logo relaxei. O lugar era exótico, uma vila pequena com
meia dúzia de casas na beira de uma estrada de chão batido. Depois só
arvores e vegetação nativa, uma trilha curta levava a uma clareira e depois
disso muita água. Era magnífico! Ali estava meio que escondida uma praia de
lago ou lagoa, que mais parecia um oásis.
Arregalei os olhos, maravilhada, olhando a paisagem e absorvendo as
explicações de meu amigo gato. Pelo que entendia, era uma lagoa que se
ligava a um rio. A palavra indígena, que não me atrevi a repetir, dava magia
ao lugar.
- Fantástico – falei boquiaberta.
- Eu sei.
- Mas, onde está o acampamento? As barracas? – Perguntei invocada.
-Não estão aqui, claro. Vamos para lá agora e voltamos aqui mais tarde.
Nem mesmo saímos da areia pedregosa e espessa que margeava a Prainha
da Sereia, como Sebastian me explicou, quando ele pegou minha mão. Senti
o estômago revirar, mas não rejeitei seu gesto íntimo. Aceitei caminhar de
mãos dadas, sentindo as bochechas arderem e uma vontade estranha de ser
jogada contra aquele chão e...
- Sílver! – Chamou ele, interrompendo minhas fantasias descabidas.
- Sílver?
- Vem, menino, vem! – Chamou ele. Um cachorro, pensei de pronto.
Mas não era um cão. Do meio das árvores saiu um belo cavalo, de patas
longas e de cor marrom. Apertei sua mão com força ao ver o animal,
tropeçando nos meus próprios pés e dando ré meio nervosa.
Sebastian soltou minha mão e caminhou até o animal. Acariciou seu
pescoço e do bolso tirou alguma coisa que levou até a boca do tal cavalo
chamado Sílver. Ele não tinha cela pesada, somente uma corda ou sei lá como
se chama aquilo que sai da boca e contorna o pescoço, e um retângulo de
couro com lugar para apoiar os pés, tudo muito leve.
Fiquei ali olhando, sem reação. Num gesto rápido Sebastian colocou a
minha mochila sobre o peito largo, deixando as costas livres. Pegou meu
amarrado de travesseiro e coberta e segurou com os dentes. Rápido, apoiou-
se não sei bem onde e montou. Simples assim.
Soltando a mordida, apoiou o volume entre o pescoço do cavalo e a
mochila. Num sorriso avassalador, estendeu a mão na minha direção.
- Vem! – disse ele, num convite.
Nem mesmo em sonhos imaginei Sebastian sobre um cavalo, me
chamando assim, todo sexy. Parecia a capa de um romance de banca.
Suspirei. Sacudi a cabeça em negativa, não só por sua proposta, mas por
todos os meus pensamentos que não paravam de ir na direção errada.
Precisava lembrar que éramos melhores amigos e que não havia mais
espaço para romances em minha vida. Em menos de um ano nossas vidas
seguiriam cursos diferentes, cada um para um lado distinto. Não podia me
esquecer das desilusões que tive e que agora ele tinha uma namorada, que
provavelmente nos aguardava não longe dali.
- Ninna – chamou – Vem!
- Sebastian... – comecei.
- Confia em mim. – Disse – Apenas segure minha mão.
E eu confiei. Dei alguns passos inseguros em sua direção e aceitei seu
convite. Ele pegou minha mão com força e puxou. Encaixei o pé na última
hora, desajeitando a subida que poderia ser de cinema. Contudo, não caí. Deu
certo e, depois de montada, agarrei em sua cintura como um bebê macaco.
Ele ria e eu podia sentir sua risada em suas costas, onde estava abraçada. O
contato do meu rosto à camiseta úmida de suor, contra aquele calor e sob tais
circunstâncias, despertava latejo entre minhas pernas.
Soltei um gemido, exasperada. Eu precisava parar de sentir aquilo! Tudo
estava se mostrando uma péssima ideia e provavelmente me arrependeria
amargamente por um dia ter ido acampar com Sebastian e sua namorada.
Uma voz, que não era minha consciência, falava ao fundo.
- Pronta? – Era ele que perguntava.
- Sim – respondi entre dentes.
Devagar começamos a nos movimentar, primeiro em passos lentos e
cadenciados. Relaxei e tentei absorver a experiência por completo. Aos
poucos sua marcha transformou-se em um trote que me fez sorrir e logo
estávamos realmente cavalgando pelo bosque.
Os músculos firmes me davam segurança e por isso me atrevi a dar uma
mínima distância do corpo a minha frente. O lugar era lindo. Um bosque
quase intocado, com apenas poucas trilhas e repleto de verdes. Uma
variedade de tons incrível enchia os olhos, pássaros e sons naturais pairavam
sobre nós. Uma onda de paz e emoção me invadia, o ar tinha sabor que
lembrava eucalipto e meu coração se sentiu em casa.
Não falamos nada, apenas cavalgamos e de tempos em tempos Sebastian
acariciava um de meus braços e mão. Estava de olhos fechados quando
paramos e ele disse que havíamos chegado. Foram poucos minutos, talvez,
não sei. Era uma pena ter terminado.
- Agora você vai descer, faremos igual quando subiu – me instruiu.
- Pode deixar.
Silencio. Silêncio...
- Ninna? – Chamou.
- O que?
- Você precisa me soltar, eu seguro sua mão – disse numa risada.
Sem jeito, soltei meu amigo do abraço e agarrei sua mão. Olhei para baixo,
temerosa. Encaixei o pé e tranquei a respiração. Ele contou de um a três e eu
despenquei lá de cima. Não, não foi bonito. Foi ridículo. Fiquei ali, sentada
com a bunda doendo contra o chão duro.
Sebastian foi rápido, pulou do cavalo, soltou as bagagens e se ajoelhou na
minha frente. Tocou em meus tornozelos, olhou meus braços e por fim
agarrou meu rosto com ambas as mãos. Não sei o que falou, só via o
movimento de sua boca quando o envolvi num abraço.
- Está machucada? – perguntou, pego de surpresa.
- E.. Eu estou bem. – Garanti, me afastando bruscamente.
- Pode levantar? – Falou, me olhando nos olhos.
Fiz que sim com a cabeça e me ergui, avaliando se havia algum outro
estrago além de um traseiro dolorido. Não, nada. Constatei, ao levantar a
cabeça, que uma pequena plateia nos observava. Obviamente que senti o
rosto arder, encabulada.
- Ela está bem – Sebastian falou aos demais, aumentando meu
constrangimento.
- Aproveitando – introduziu ele, dando um passo à frente – Esses são
Gabe, Raquel, Lucas e Manoel – apresentou os amigos, já apontando que
eram todos casais.
- Oi! – Disse sem graça, com um aceno infantil.
- Ainda faltam aqui Chris, Nanda e Fabiana – completou, pegando as
bagagens – Além de Giaccomo e Alessandra, que partem após o almoço.
Rapidamente todos se dispersaram. Era uma pequena clareira, com capim
baixo, nitidamente preparada para o acampamento. Havia cinco barracas,
num círculo que rodeava uma pequena fogueira. Havia, além de uma chaleira,
um panelaço fervilhando sobre uma elevação de ferro, bastante artesanal.
- É nosso almoço – afirmou, notando para onde observava – Além de água
quente.
-E quem cozinha?
- Normalmente é Chris, ela é muito criativa e bem-disposta para isso. Mas
revezamos.
- Hum.
- Cada um faz alguma coisa: um recolhe madeira para o fogo, outro lava as
coisas das refeições; um limpa em volta das barracas e tudo fica assim – disse
orgulhoso.- Agora vem, coloque suas coisas ali na barraca verde – instruiu.
Fui até a barraca de estilo arredondado, era para no máximo três pessoas,
bastante compacta. Por dentro já havia um travesseiro e dois colchonetes
forrando o chão, além de uma coberta leve e uma mochila preta repleta de
bottons.
Bem, certamente dividiria a barraca com uma ou duas meninas, constatei,
chateada por não ter levado a minha própria. Ali estavam cinco barracas,
calculei. Pelo que vi havia três casais somados a três meninas e Sebastian. É,
teria de dormir com desconhecidas. Mordi o lábio.
Não demorou muito para as três meninas chegarem e mal me
cumprimentaram. Logo o almoço estava pronto. Macarrão ao molho
vermelho e manjericão, meio grudento, mas delicioso. Comemos perto de
uma árvore, me sentia bastante excluída das conversas e por isso me
concentrei em cada mastigação.
Giaccomo e a namorada não almoçaram direito, estavam apressados para
pegar uma carona que em breve passaria lá onde eu havia descido. Lucas e
Manoel foram bastante acolhedores e não me deixavam sem sorrisos de
camaradagem. Já Gabe e Raquel, sendo um casal bem mais velho,
tagarelavam sobre assuntos variados sem me notar. As três meninas optaram,
grosseiramente, por comerem dentro da barraca, com direito a um mini
ventilador e música.
Sebastian era amigo de todo o grupo há bastante tempo. Pelo que notei, só
se encontravam para aventuras daquele estilo. Os dois rapazes, ambos magros
no estilo atlético, partiram junto com o casal que se despediu. Iam passar a
tarde na Prainha e tentar pescar alguma coisa para o jantar.
O casal de coroas partiu com dois dos três cavalos que pastavam ali perto.
Ia, certamente, desbravar pela redondeza. De quem eram aqueles cavalos não
sabia, mas estava curiosa. E quem das três garotas era a do Sebastian também
queria descobrir. Elas se fecharam na barraca, estavam todas na faixa dos 20
anos. Eram novas, bonitas e nada sociáveis.
- O que tem vontade de fazer? – Sebastian me perguntou.
- Não sei, caminhar por aí – arrisquei.
- Ótimo! – Agora descansamos alguns minutos, depois levo você para
alguma das trilhas que descobrimos.
- Combinado. - Sorri
- E depois quero ir lá pescar, pode ser? – Pediu ele.
- Sebastian, não precisa ficar de babá – garanti, segura – Pode fazer suas
coisas com quem quiser, normalmente.
- Fiz o seguinte planejamento. – começou a explicar – Como só teremos
pouco tempo, preciso levar você para cavalgar, fazer trilhas, colher frutas
exóticas, nadar, pescar...
- Meu Deus. – grunhi, cansada – Calminha!
- Que foi? – Questionou, arregalando os olhos.
- São apenas dois dias!
- Três ou quatro.
- Dois!
- Ninna, hoje é sábado, você veio no ultimo ônibus. Agora só segunda, mas
tenho certeza que partirá na terça, com todos nós. De qualquer forma, temos
hoje e amanhã para fazer tudo.
- Sebastian, segunda pela manhã preciso ir embora. Tenho compromissos –
menti.
- Tudo bem, mas por dois dias e duas noites... – falou, balançando as
sobrancelhas, brincalhão – é toda minha.
Conversamos por um bom tempo, negociando quais atividades
realizaríamos nesses dois dias de acampamento. Depois coloquei o tênis, que
havia tirado para relaxar, e partimos para uma trilha. Levávamos somente
dois cantis de água e dois pacotinhos com frutas desidratadas.
Não nos calamos durante todo tempo, era sempre assim. Emendávamos um
assunto no outro e o tempo se comportava estranhamente. Era maravilhoso!
Quando caminhamos por cerca de vinte minutos, precisei parar para respirar e
decidimos voltar.
Ora de mãos dadas, ora separados. Tentava me esquivar, estava bastante
carente e Sebastian, muito descarado. Mesmo namorando, não parava de
brincar de me paquerar.
- E quais os planos para quando retornar? – Questionou em tom curioso –
Como foi seu mês de festas?
- Não foi, não soube? – Respondi com outra pergunta.
- Desistiu de ir? – Perguntou, unindo as sobrancelhas.
- Na verdade foi transferido para outro mês, fevereiro. E serão só três
sábados agora.
- E você vai?
- Claro! Serão minhas últimas festas. No resto do ano vou focar em
terminar a faculdade e fazer qualquer trabalho em horários extras, para juntar
uma grana e planejar minha partida – relatei meus planos.
- Sei.
- Verdade. E você vai às festas?
- Não.
- Por quê?
- Não ando afim e tenho coisa mais importante para fazer.
- Hum, como o quê? – Perguntei irônica.
- Você. – Respondeu com um sorriso brincando no canto dos lábios.
Parei de caminhar subitamente. Encarei-o e depois sorri, sem graça.
Balancei a cabeça e segui caminhando até que uma mão quente envolveu meu
braço, senti um gelo percorrer minhas entranhas. Já avistava o acampamento,
ao longe.
- Vamos – eu disse sem olhar, puxando o braço de seu enlace.
- Ninna – chamou, apertando um pouco mais. – Por que você faz isso
conosco? Já faz um ano que...
- Não! – Falei num tom agudo demais – Não, Sebastian, não estrague nossa
amizade – concluí, tentando parecer mais calma.
Ele me soltou e seguimos lado a lado, mudos. Céus, como estava sendo
difícil recusar sua proximidade ali! Mas era o melhor a fazer por nós dois. Eu
não tinha mais saúde física e mental para sofrer outra desilusão nesta vida e
talvez uma amizade valesse mais que uma paixão fugaz.
De volta ao acampamento, estavam lá as três Marias. Para variar, me
ignoraram totalmente e apenas sorriram e falaram com Sebastian. Sentei,
precisava descansar, mas não me atrevi a entrar na barraca. Não sabia a qual
delas pertencia e evitaria o máximo possível mais constrangimento.
- Sesé – disse a tal Chris – Vamos lá na Prainha?
Sesé? Provavelmente essa era, se não namorada, o novo caso dele. Vestia
um micro short jeans, uma camiseta preta bem justa e chinelos. Era bonita,
sem dúvida. O cabelo escuro, pelos ombros, liso e os olhos de um tom
amendoado incrível. Toda bem torneada, não tinha nenhum pedaço
desproporcional e carregava na fala um sotaque melódico.
- Isso, vamos lá! – Falou a menina de cabelos Chanel, com mechas em tons
fechados.
- Vou ficar – declarou a mais alta e loira. Nanda, deduzi, forçando a
memória.
Sebastian me olhou. Eu sabia que ele estava louco para pescar. Ponderei se
era melhor ficar e deixá-los ir sozinhos ou se deveria aproveitar meu dia,
ignorando as caras de desdém.
- Vamos? – Convidou Sebastian.
- Vamos! – Aceitei, tomando uma atitude mais altiva.
Ele sorriu, tudo parecia se iluminar. Correu para pegar algumas coisas que
usaria por lá. As três amigas se entreolharam, Nanda revirou os olhos e deu
as costas às demais. Pegou um livro que estava largado numa esteira e deitou
numa rede. Senti inveja, deveria ser ótimo ler naquela brisa, o dia ainda
estava muito quente.
As outras duas cochicharam alguma coisa e Chris me deu um sorriso falso,
indo para o lado de Sebastian, ajudando com as varas, agarrando seu braço de
forma oferecida. Estreitei os olhos, não me sentia enciumada, mas alguma
coisa nela me irritava muito.
- Sesé, – disse, melosa – sabe aquela faca, olha... – emendava um assunto
no outro e parei de escutar, tentando abstrair.
No caminho até a praia de rio tentei puxar assunto e perguntei as idades
delas. 21 e 22, responderam, secas, e começaram a falar qualquer outra coisa.
Chris não desgrudava de Sebastian, tocando e jogando charme. Fabi agia
como uma barreira, sempre se posicionando entre ele e eu. Se estivéssemos
de carro, certamente me jogaria para o acostamento.
A caminhada foi puxada, estava exausta quando vislumbrei a água calma.
Os dois rapazes pescavam muito calmamente, sentados lado a lado. Dava
para sentir a harmonia e o amor entre eles. Tinham minha simpatia genuína,
eram educados e bastante carismáticos.
Mal chegamos, me joguei na areia. Tirei os tênis e fiquei admirando a
paisagem. Sebastian trocou algumas palavras com os dois amigos e sorriu
para o balde que eles mostravam, orgulhosos.
- Vamos jantar muito bem hoje – garantiu, dando felicitações aos dois, que
eram só alegria.
- Quer tentar? – me convidou.
- Agora não, mas vai lá! – Estimulei.
E ele foi, se sentou perto dos amigos e começou a preparar o anzol.
Acomodei-me melhor, alguns metros atrás dele, num pedaço de sombra.
Deveriam ser umas seis horas, mas o sol ainda resistia. Fabi e Chris se
mantiveram longe de mim, mais perto de Sebastian, conversando entre si
sobre produtos para pele e esmaltes da moda.
Algum tempo depois, resolvi caminhar à beira do rio. Era delicioso relaxar
naquela paz. Caminhei até onde a vegetação permitia, absorta somente na
beleza à minha volta e na água fria em meus pés. Ao dar meia volta, para
retornar ao local onde estavam, pude ver que a pescaria de Sebastian havia
acabado.
Os outros dois guardavam suas varas e peixes, enquanto Chris e Fabi
corriam, rindo de lá para cá, só de biquíni. Jogavam água em Sebastian, que
vestido, ainda ria, fincando a vara na areia e logo depois correndo atrás delas.
Diminuí o passo. Fiquei olhando feito idiota a gritaria feliz dos três. Não
demorou muito até Sebastian, ou o Sesé dela, tirar a regata e entrar na água
somente com a bermuda cáqui. E posso dizer, era uma visão terrivelmente
enervante.
A água escorria em gotas pela pele muito lisa, num tom quase caramelo, e
cada músculo que nunca havia percebido, estava exposto.
- Ai. Meu. Deus – sussurrei para mim mesma quando ele me viu e chamou,
sorrindo.
Sorri um sorriso forçado e angustiado. Precisava ir embora, voltar para
casa e só vê-lo na rotina da faculdade. Era o melhor a fazer, mentiria uma
cólica inesperada e partiria, sabe Deus como, naquela noite mesmo.
Chris pulou em suas costas, agarrando-o numa luta fingida. Ela se
esfregava e fingia não notar que ele se esquivava um pouco, sem graça. Fabi
jogava água nos dois às gargalhadas e, na areia, o casal de rapazes já se
despedia, partindo novamente para o camping, a fim de adiantar o jantar,
talvez.
- Vem, Ninna, entra! – Gritou Sebastian, tirando o excesso de água do
rosto.
Fiz sinal de negativo com o dedo, sorrindo para sua animação. As duas
meninas não se dignaram a me olhar, pulavam e riam na brincadeira com a
água, fingindo que eu não existia. Era evidente que tinham ciúmes dele, mas
por que tanta hostilidade? Qual delas tinha alguma coisa com ele afinal?
Sebastian não continuou na água. Na verdade, saiu imediatamente ao meu
encontro. Aquela visão era extraordinária e mexia com a libido de qualquer
mulher. A bermuda colada em cada centímetro de corpo revelava volumes
nunca antes tão evidentes. Eu me vi encarando seu corpo, desejando me
perder ali, envolver cada músculo e acariciar bem devagar.
Era muito desejo reprimido, pois estava há tempo demais sem sexo? Ou
por estar perto demais de alguém tão atraente? Muitas perguntas me
inundavam o cérebro, esse estava sendo o efeito Sebastian mais a natureza
exótica sobre mim. Precisava ir para longe dele, urgente.
- Não quer nadar? – Convidou, passando a mão no cabelo molhado.
- Não, não. Obrigada.
- E o que tem vontade de fazer?
- Ir embora – respondi, sincera.
- Por quê? O que houve?
- Uma dor de cabeça – fingi – Tem como?
- Como...?
- Ir embora, Sebastian! – Respondi um pouco ríspida.
- Só segunda, mas não se preocupe! Vou cuidar de você.
Gentil, pegou minha mão e foi caminhando, me puxando em direção ao
acampamento. Disse que tinha remédios na sua mochila e que eu não me
preocupasse, pois Gabe era médico. Qualquer coisa eu estaria a salvo e com
cuidados. Garantiu que depois de comer alguma coisa e descansar,
melhoraria. Que muita atividade e sol forte causavam isso em pessoas mais
delicadas.
Não respondi nada, tinha um médico entre nós e qualquer falsa queixa
seria facilmente combatida. Resignada, só partiria na segunda-feira pela
manhã e até lá deveria tentar me divertir e não atrapalhar o passeio de meu
melhor amigo. E era isso que faria mais tarde, pois naquele momento ainda
precisava me reprogramar.
“Não se envolva, não se apaixone e lembre que nada é para sempre. Somos
programáveis e a blindagem é necessária. Se amar é sofrer, optar por não
amar é a atitude mais sábia para se garantir uma sobrevivência saudável.”
Mandava mensagens para meu cérebro enquanto mastigava uma maça
ofertada por ele.
-Gostosa – falei de boca cheia.
- Logo o jantar fica pronto e você termina de se recuperar. Quer deitar?
- Não, vou ficar bem aqui. Obrigada.
- Tem espaço para mim aí?
- Aqui? Não....
Mas não tive tempo, ele abriu espaço ao meu lado e se sentou na rede que
havia me acomodado. Passou o braço úmido sobre meus ombros e me puxou
para trás, embalando a nós dois. Em um piscar de olhos me senti num
balanço agradável, sentada na rede e deitada sobre seu braço, pernas ao ar,
olhando as copas das árvores que iam e vinham devagar.
Suspirei. Era bom, era ótimo estar ali e ao mesmo tempo era terrivelmente
doloroso. Ele encostou sua cabeça na minha, respirando próximo demais.
Fechei os olhos e me deixei levar. Só um pouquinho, só alguns segundos.
- Coisa boa... – deixei escapar, ainda só absorvendo a magia, de olhos
cerrados.
- Ando por aí querendo te encontrar, em cada esquina... – Começou a
cantar ao meu lado, com uma voz linda.
Abri os olhos e o encarei, cantava de olhos fechados. Só então percebi o
som do violão que nos rodeava. Espiei em frente, a comida estava no fogo:
uma panela borbulhando e peixes assando. Todos estavam sentados,
observando Lucas dedilhar um violão bem afinado. Manuel cantava a seu
lado e Sebastian fazia coro. Agora a sua voz macia cantava a minha volta.
Sosseguei, relaxando ao seu lado, ouvindo a melodia. Calmaria era soprada
junto com a brisa, agora fresca, que nos tocava. Por um breve momento senti
que as lágrimas, vindas talvez da minha alma, ardiam em meus olhos. Engoli
a emoção e respirei fundo.
- Ai, nããão! – Berrou uma voz agora, calando a canção – Chega de
romance. Estou sozinha aqui, alow!
- Isso ai, Nanda! – Disse a voz que identifiquei como de Fabiana.
- Está pronto, vamos jantar! – Informou Chris, sei lá de onde.
Abri os olhos e fiquei fitando o céu agora muito escuro e cheio de estrelas.
Poderia ficar ali por toda a eternidade. A energia de Sebastian atiçava meus
desejos mais íntimos, mas também acalmava o coração.
- Que o nosso amor pra sempre viva, minha dádiva – Sussurrou ele, perto
de meu ouvido, levando uma de minhas mãos até os lábios - Quero poder
jurar que essa paixão jamais será, palavras apenas, palavras pequenas ao
vento...
E sua voz ficou num fio, silenciando com o toque de sua boca úmida em
minha mão. Que música era aquela? Aquilo era uma jura, uma declaração?
Meu estômago ferveu como mil mariposas revoltas. Abri a boca para falar
alguma coisa, porém ele me deu um beijo doce no rosto e retirou com
cuidado o braço que sustentava minha cabeça.
Encarou-me com o olhar mais profundo que já havia sido alvo, me senti
nua... Presa entre seus dois braços, um de cada lado de minha cabeça, senti
uma excitação inexplicável. E pedi mentalmente que me beijasse, deitando
seu peso sobre mim e ali mesmo me tomasse para si.
- Essa vai ser a nossa música – disse simplesmente.
Fechei os olhos e esperei, entreabrindo os lábios e exalando um pouco do
calor que sentia. Mas o frio me alcançou quando ele saiu dali, me deixando
sozinha na rede que tremulava. Abri os olhos e sentei, meio zonza. Ele já
pegava os pratos plásticos e nos servia arroz integral e peixe assado envolto
em folhas agora de um verde muito escuro.
Deixo a tristeza e trago
a esperança em seu
lugar...

Comemos sentados em esteiras, perto do fogo. Precisei por um casaco, só a


camiseta não era suficiente para o frescor noturno. Pensei em colocar uma
calça também, a corsário me deixava com frio nas pernas, mas evitei usar a
barraca. Vesti apenas parte do seu presente de Natal, muito confortável.
Comi dois pratos muito fartos e Sebastian, três. A bebida era vinho ou
água, eu optei pelo álcool a fim de espantar o frio e dormir profundamente.
Não queria estar 100% consciente ao ter de deitar sob a mesma tenda que
meninas tão arrogantes.
- Onde tomo um banho? – perguntei aos sussurros para Sebastian, que
ainda mastigava o fim de sua refeição.
- No rio.
- Com esse frio?
- Bem, posso aquecer água para você, mas com esse ventinho frio não será
agradável aqui fora.
- Poxa... Achei que tinha um chuveiro por aí – expliquei, me achando
muito ingênua.
- Tenho lenços umedecidos, você pode usar para se limpar. São muito
refrescantes – disse.
- Ok– respondi, entornando o copo de vinho tinto.
-Calma aí, esse vinho pode te pegar – falou rindo.
- Sinceramente, vou beber até sentir que durmo a noite inteira – revelei –
Pois, além do espaço confinado, dos barulhos que certamente vou ouvir, do
pavor de algum bicho – enumerei nos dedos, fazendo-o sorrir cada vez mais –
ainda tenho medo de precisar levantar para ir ao banheiro sozinha!
- Eu te protejo – garantiu risonho – E o espaço será suficiente; os barulhos
nós podemos abafar com uma música; o único bicho a temer nessa floresta
sou eu; – foi baixando meus dedos, desfazendo minha numeração – e se
precisar sair da barraca, me chame que vou com você.
De posse de minha mão, agora com o punho fechado, piscou e passou o
braço por cima dos meus ombros. Juntando meu corpo ao seu e dando um
apertão brincalhão, me fez rir. Olhei para o fogo que estalava, estava alto,
com as madeiras em brasa. E eu também.
Os pratos foram recolhidos, colocados em uma bacia e cobertos com um
saco. Sebastian abasteceu os copos de quem bebia vinho, carregando uma
grande garrafa arredondada como um barril. Gabe acendeu um cigarro que
me parecia ilícito, sua esposa se acomodou ao seu lado, folheando uma pilha
de folhas escritas. Conversavam absortos em assuntos seus.
Chris, Fabi e Nanda sentaram lado a lado, muito próximas de mim e
Sebastian. Olhávamos atentos Lucas afinar seu violão e Manoel pigarrear
após tomar um copo de água. Tudo estava pronto, havia fogo, vinho e violão.
Sorri empolgada.
- Me dá um Lá – disse uma voz, me pegando de surpresa.
Tentei olhar, desviando de Sebastian, e quase caí de boca no chão. Ai.
Meu. Deus. Era Chris que pedia a nota musical. E levantava, indo em direção
aos rapazes que sorriam, acenando positivamente com a cabeça. Ela cantava?
Indagava em pensamentos. Ah, pelo amor de Deus, que cantasse mal ao
menos.
Como se convencida que éramos uma grande plateia, passou a mão no
micro short jeans que vestia. Ela estava só com a parte de cima do biquíni e
um casaquinho leve por cima. O cabelo liso e escuro, puxado firmemente e
finalizado com um coque perfeito. Havia um salão de beleza por ali? Como
conseguiu manter os fios todos no lugar? E aquela pele, era base?
Minhas perguntas afiadas se calaram quando sua voz perturbadoramente
linda começou a ecoar. Ela cantava Pitty e era perfeita. Uma voz potente e
deslumbrante que figurava em harmonia com sua aparência meio sexy e
largada. Todos olhavam embasbacados e até o casal parou de conversar para
ouvi-la cantar.
Merda. Que. Merda. Pensava, contrariada. Além de ser bonita, mais nova
do que eu, sem nada fora do lugar... Ainda canta. E canta muito, muito bem!
Eu me senti enciumada pela atenção fascinada de Sebastian e virei o resto de
vinho na boca, enchendo as bochechas como uma criança mal-educada. Deus
era um cara gozador e adorava brincar comigo.
Duas músicas solo, um dueto com Manoel e a pequena beldade cantora
encerrou sua apresentação. Não nego, a voz é linda, mas já não aguentava
tantos biquinhos prepotentes. Manu seguiu encantando, muito rock nacional
compunha seu catálogo musical. Algum tempo depois, só restava Sebastian,
eu, Chris e a dupla cantante.
- Bem, pessoal, vou encerrar aqui – disse Lucas – Deixar a galera
descansar.
- É, estou morto com farofa – comentou Manoel – Vamos dormir –
informou no meio de um bocejo barulhento.
- Vamos – falei meio desanimada – Onde fico? – Perguntei, olhando para
Sebastian.
- Ali, na verdinha mesmo – apontou – Pode ir.
- Ela vai ficar ali?! – Disse num rompante Chris, fuzilando Sebastian com
olhos ameaçadores.
- Olha, se você quiser... – Comecei a falar, sentindo a cabeça leve do vinho
que bebi.
- Algum problema? – me interrompeu Sebastian, questionando Chris –
Pode entrar, Ninna – disse, abrindo o zíper da barraca oliva.
Entrei. Não questionei, simplesmente entrei e estiquei rapidamente meu
saco de dormir. Arrumei o travesseiro, me jogando sobre ele e usei a manta
para cobrir as pernas. Teríamos de nos suportar por aquela noite, e na
seguinte pediria para Sebastian promover uma troca com uma das outras
meninas. Eram quatro barracas que serviam para dois casais: Lucas e Manoel,
Gabe e Raquel. Das outras duas, uma teria de servir para três pessoas. Os
anjos que me ajudassem: quem dormiria comigo afinal?!
- Posso entrar? – Perguntou Sebastian, já invadindo o pequeno espaço.
- Sebastian, onde você vai dormir? Onde ela vai dormir? Onde... – Jorrei
perguntas sobre seu rosto tranquilo.
- A Chris vai dormir com as outras meninas, claro.
- Então. Eu. Digo, você e eu...
- Vou dividir minha barraca com você, Ninna.
- Ah – foi só o que consegui balbuciar.
- Prefere que uma das meninas durma aqui e você dívida com elas?
- Não! – Respondi rápido demais, alto demais e com o rosto corado
demais.
Ele riu, seus olhos acompanharam o sorriso lindo. Ele abriu a mochila e me
alcançou o pacote de lenços, peguei alguns. Não sabia o que faria com eles,
mas agradeci com um punhado nas mãos. Ele pegou alguns também, passou
no pescoço e braços, outros nas pernas e pés. Por fim tirou a camiseta.
- Sebastian! – Exclamei, vendo tanto corpo nu em tão pouco espaço.
- Não consigo dormir vestido, nada além de uma samba-canção. Mas, por
respeito, fico de bermuda. – Disse com uma risadinha um pouco safada.
Sacudi a cabeça, aprovando não sabia ao certo o quê. Deitei de barriga para
cima, puxando a manta até o pescoço. Deveria ter colocado as calças de
moletom, largas, deveria também ter me enfiado dentro do saco de dormir.
Agora não ousaria me movimentar tanto, ficaria imóvel e, se possível, nem
respiraria.
- Isso é tão estranho – disse, olhando para o teto de nylon da barraca.
- Pra mim parece certo – falou, também na mesma posição, porém mais
relaxado na voz.
- Boa noite. Eu... Eu preciso dormir – desejei, dando as costas para ele,
encerrando um possível diálogo.
O silêncio se formou. Só ouvia meu coração martelar e sua respiração
cadenciada. Cheguei bem próximo ao limite da barraca, me agarrando na
mochila e fugindo do calor que seu corpo emanava. Minha respiração estava
pesada, acho que era assim que uma virgem de antigamente, recém-casada, se
sentia em sua noite de núpcias.
- Você está tremendo – me disse ele, de repente.
- Ãhn? Ah! Deve ser frio – respondi, fingindo que estava sonolenta,
bocejando teatralmente.
- Eu te aqueço – disse, colando em minhas costas, nos deixando como um
casal dormindo de conchinha.
- Sebastian! Que droga! – praguejei, pega de surpresa, tentando me
esquivar.
- Relaxa – disse, me abraçando ainda mais por trás.
- Não posso. Isso é íntimo demais.
- Ok, ok. Pegue minha coberta então – falou, contrariado, afastando seu
corpo e me cobrindo com a peça.
- E você? – questionei, virando para observá-lo.
- Não esquenta – respondeu, deitado de lado, me encarando.
- Não, tome. Pode ficar... - Devolvi a coberta azul royal – Obrigada.
- Você merece alguém que te ame, mesmo sendo assim tão fria comigo -
soltou sem meio termo - Sinta meu coração – pediu, pregando minha mão
contra seu peito nu.
Sim, seu coração estava agitado, constatei. Assim como sua pele ardia
como brasa, sua respiração estava acelerada. Eu não estava em nada
diferente, não sabia nem como reagir. Fiquei ali, muda, tentando me lembrar
de respirar. Olhando sua boca farta, em forma de coração, notando cada
nuance do meu corpo reagir.
- Faz um ano que só penso em você, Ninna. Não tenho mais paz e não me
ligo para outra mulher... – Revelou devagar, sem pudor – E se você também
não teve ninguém sério nesse tempo, por que foge de mim? Por que maltrata
meus sentimentos e despreza meu coração? Tem ele nas mãos.
- Sebastian, não quero estragar tudo, nossa amizade vale muito. Não posso
e não quero me apaixonar.
- Quem falou em paixão? Me deixe te amar, Ninna - falou firme e,
pegando minha nuca, puxando meu rosto de encontro ao seu.
- E a tal que você dedicou uma fotografia no ano novo? – Falei, me
soltando de seu enlace.
- Não existe outra...
- Mas você se disse apaixonado, eu li!
- Era para você, Ninna.
E tudo aconteceu, rápido e devagar. Correspondi, não o reneguei. Um beijo
profundo e ardente, fazendo eu me erguer de encontro a ele, éramos um
vulcão em erupção. A atração, o carinho e mil sensações me dominavam por
completo. Quando menos percebi, metade do seu corpo já estava sobre o meu
e me abria como uma flor ao seu toque.
Suas mãos percorriam meu corpo e eu o agarrava, com se à procura de
socorro. Um desejo delirante que ele soube responder, provocante. Era
seguro, firme, porém gentil. Seu suor misturava ao meu, seu cheiro me
enlouquecia. Deveria parar, mas certamente não conseguiria e não queria.
- Sebastian, Sebastian - gemia seu nome, aprovando cada toque seu, ainda
sobre minhas roupas, mas por todo o corpo.
- Ninna - ele dizia, mordendo meus lábios e apertando meus seios – te
quero, te quero.
E eu o queria também, mais próximo, dentro, e aquilo parecia o certo.
Empurrei seu corpo, ele se deixou levar. Ajoelhei em sua frente, febril de
desejo, tirei o casaco e logo depois despi a blusa. Não senti vergonha de
alguns quilos a mais, ele me desejava, isso era evidente, e me fazia corajosa.
- Não vamos fazer nada que não queira - garantiu ele sem me tocar,
olhando do sutiã lilás para meu rosto quente.
- Eu quero – respondi, subindo sobre ele e beijando sua boca com paixão.
A recíproca era estimulante e toda investida que nós fazíamos era como um
ato de desespero. Ele parecia se conter mais, me sussurrando coisas gentis, e
eu o solicitava urgentemente.
- Calma, Ninna – pediu - Quero ser gentil com você...
- Vem... – Provoquei, lambendo sua orelha macia.
- Ninna, Ninna, você desperta um animal em mim. –Grunhiu, gemendo e
me deixando em êxtase.
- Faça como quiser, me faça sua como quiser – eu lhe disse em tom de
súplica.
Minhas palavras foram como gasolina no fogo. Ele me virou com destreza,
ficando sobre minhas costas. Abriu meu sutiã, tocando e agarrando com força
cada centímetro de minha pele. Uma mão segurava meu cabelo, enquanto
beijava meu pescoço inteiro.
Sentia sua rigidez contra minha bunda, mesmo sobre as nossas roupas.
Estava arrepiada e totalmente excitada, pronta, ansiosamente pronta para
recebê-lo.
- Deixa te olhar - ordenou e me virou. Fiquei debaixo do seu corpo, com os
seios expostos, mamilos rijos e uma ardência lá embaixo.
- Te devoraria a qualquer preço – falou com a voz rouca de desejo.
- Então me devore.
- Você sabe que te idolatro...
- Não, não faça isso. Apenas me faça sua, agora.
Devagar, ele tirou minha bermuda e logo depois a sua também. Cada toque
suave era como um castigo. Um doce castigo, que me deixou ainda de
calcinha, mas sem sua cueca preta. Fiquei um pouco apreensiva, tímida e
intimidada. Ele era bastante farto por ali também, me remexi inquieta.
- Ai, Sebastian, eu... – comecei a amarelar, mas fui desarmada com suas
palavras.
- Você é perfeita – falou, debruçando sobre mim, beijando minha barriga.
Estava suada, sem uma lingerie apresentável e com a depilação por retocar.
Não, aquilo nem de longe era perfeição, pensava. Mas a forma como era
tocada fazia com que meus pensamentos se dissipassem. Ele sim era perfeito
e tudo estava deliciosamente bom. Mesmo que me arrependesse depois,
aproveitaria cada segundo.
De cima a baixo, do alto do pescoço até meus tornozelos fui desbravada
com beijos, mordidas, lambidas e carícias. Sua excitação era evidente, mas
estava dando às preliminares sabor de prato principal. Aos poucos me
descobria, cobrindo meu corpo e dando pequenas investidas, ainda com a
minha roupa de baixo limitando-o.
Nos perdíamos em pernas, mãos e braços. A calcinha foi removida para o
lado, um dedo penetrado devagar. Eu estava pronta, úmida a sua espera e isso
o satisfez nitidamente. Devagar, removeu a última peça e, puxando minhas
pernas de encontro a seu rosto, eu mergulho em carícias que nunca havia
recebido, daquela forma despudorada e liberta.
Eram beijos molhados, dedos e língua. Tudo em torno de um só lugar,
numa loucura sem fim. Quando não aguentava mais e me mexia,
completamente perdida, ele me chamou para si. E eu não lutei, apenas
explodi em sua boca, num devaneio incrível. E quando tudo parecia acabado,
estava saciada e feliz, ele continuou e logo me vi ouvindo sinos e vendo
estrelas... Uma, duas ou três vezes consecutivas.
Cansada, amoleci quando me tomou nos braços, beijando minha boca com
fervor apaixonado. Gemi palavras desconexas, sorri entorpecida. E só voltei à
realidade quando senti seu corpo muito suado e quente pesar sobre mim. Ele
investia devagar e firme, até que arremeteu com força e ficou todo dentro de
mim.
Estocadas firmes, pensava que ia enlouquecer de prazer. A cada gemida
rouca dele, eu me desmanchava ainda mais em deleite. Ele era delicioso e
fazia tudo com tanta segurança e certeza que me entregava não só de corpo,
mas também de alma aquele momento.
Nosso cheiro se fundia, não era só sexo, parecia um sonho. E se fosse
sonho, não desejava ver o fim, eu só o queria ali, completando a mim. Eram
tantas idas e vindas, muito ardor, que admirava seu fôlego sobrenatural.
Foram inúmeras vezes e eu gozava mais e mais.
- Vem comigo, vem – pediu, no limite do prazer.
E eu fui, estávamos juntos e explodíamos pela última vez. Caímos lado a
lado, exaustos e banhados de suor salgado. Ele me olhou, piscava devagar, eu
sorri e me aconcheguei de lado sobre seu braço.
- Não se afaste – ele pediu, me puxando para sobre seu peito.
Ali, aninhada ao seu corpo, pernas entrelaçadas, dormi o sono mais
profundo e maravilhoso que um dia poderia ter imaginado. Não tive medo de
bichos sorrateiros, barulhos esquisitos ou qualquer outra coisa que antes me
abalava. Apenas adormeci me sentindo amada.
A madrugada foi rápida, como tudo que é bom demais. Acordei sentindo a
claridade nos inundar e o calor do verão já com sua força total. Estávamos
dormindo encaixados, de lado. Comecei a me mexer, tentando não acordá-lo,
mas ouvi o som de sua voz me chamar.
Olhei de esguelha, ele continuava de olhos fechados. Firmou-me contra
seu corpo nu, ergueu meu cabelo e beijou demoradamente minha nuca e
pescoço. Arrepiada, sorri, mas logo percebi que sua essência máscula
também havia acordado. Estava pronto, disposto, exigente, faminto... Sem
palavras ou toques preliminares, posicionou seu membro firme, me
empurrando para uma posição curvada. De lado, assim como estava, de uma
só vez entrou sem pedir licença, provocando um misto de dor e prazer.
Não foi tão rápido como previ, nem menos delicioso. Como dois gatos no
cio, fazíamos sexo de forma quase animal. Ele mordia minha nuca e eu o
arranhava onde conseguia tocar. Um dos braços estava firme, segurando meu
cabelo, o outro me puxava com força pelo quadril e deslizava no ponto exato
de meu clitóris.
Ele era ótimo naquilo. Me fez gozar como se me diluísse de prazer. No
momento que ele também explodiu, pude sentir o latejo de desejo dentro de
mim. Mas ele não relaxou. Surpreendendo-me mais uma vez, se ajoelhou, e
com gesto rápido, me colocou de bruços. “Meu Deus, que fôlego sem fim ele
tinha!”, pensava.
Num piscar de olhos estava de quatro, com o quadril elevado sobre a
minha mochila. Antes de sentir pudor pela posição e tanta claridade, ele já
estava encaixado. Segurava minha cintura, apertava minha bunda e enfiava
com tamanha força que tinha sentido a expressão ser possuída. Era bom,
ótimo demais. Por um tempo incontável gemi baixinho e me deliciei com
tudo que ele me proporcionava.
Ele alcançou novamente o clímax e se debruçou sobre minhas costas,
esgotado. Deslizei para o lado, desviando da mochila, e puxei-o para mim.
Ele gatinhou, aninhou a cabeça entre meus peitos, entrelaçou uma perna
peluda sobre a minha, me abraçou quase de forma doce e cochilou ali.
Fiquei quieta, imóvel, ouvindo sua respiração e sentindo meu corpo em
cada parte que ele havia tomado para si. Ele soltou um ronco e achei graça,
afagando sua cabeça com carinho.
Sebastian era incrível, um ótimo amigo e amante. Mas eu precisava me
conter, parar tudo aquilo ali e tentar reter sua amizade. Deixaria apenas nas
lembranças aquelas horas, pois jamais conseguiria esquecer. Estava decidida:
conversaríamos e tentaria explicar que precisávamos deixar o ocorrido para
trás.
Duas horas depois acordei, o movimento em torno de nossa barraca era
grande. Olhei o celular, quase meio-dia. Comecei a me vestir, sem saber com
que cara sairia da barraca e encararia os outros. Estava faminta, constrangida
e louca para fazer xixi.
- Bom dia - disse Sebastian, num espreguiço gostoso.
Sentou e me puxou, beijando meu rosto à procura de meus lábios. Recuei,
negando um beijo a quem eu desejava abraçar, sorrir e dar milhares de
bitocas sem parar. Porém, precisava ficar firme, mostrar que tudo não passou
de uma noite e nada mais aconteceria.
- Ninna, olha para mim – pediu e encarei-o devagar – Não estrague tudo.
Não faça isso comigo, por favor.
- Sebastian... Sebastian, eu não posso... – comecei a ensaiar meu discurso,
ao que fui interrompida.
- Escute, faremos um trato. Deixe-me viver isso, se permita, e em troca
teremos um final de semana incrível. Na segunda você vai embora e podemos
tentar fingir que nada aconteceu. E se você conseguir, tudo bem, eu desisto.
Mas me deixe tentar. Quem sabe ficam mais do que boas lembranças no
final?
Sua proposta era tentadora, suas palavras racionais até demais. Estava
presa ali mais um dia e uma noite, poderiam ser maravilhosos ou péssimos.
Tudo dependia de mim. Ele não pedia nada em troca, apenas queria curtir.
Não havia como resistir ali. Depois, longe, seria mais fácil e na rotina da
faculdade não deixaria brechas vazias. Sim, aproveitaria cada minuto e
depois, fim.
- O que acontecer aqui, na floresta, – gesticulei, fazendo círculos no ar –
fica aqui! Depois cada um segue, sem cobranças. Esquecemos e continuamos
nossa amizade. Se for assim, combinado.
- E se não conseguir esquecer, estarei te esperando – disse, me beijando
possessivamente.
Eu o beijei e depois empurrei. Rindo, expliquei que precisava sair dali:
tinha fome e sede, necessidades fisiológicas e calor. Nos vestimos e saímos
da barraca. A fogueira já tinha brasas altas, que ferviam uma panela. Gabe
cortava alguma coisa que não defini, Raquel mexia na panela e espiava o
fogo com semblante sério. Nanda amarrava duas outras redes, próximo às
barracas azul e vermelha.
- Bom dia – desejei aos três, bastante envergonhada.
- Bom dia – respondeu Raquel.
Gabe olhou e acenou suave, sorrindo ligeiramente. Nanda olhou por sobre
o ombro e virou a cara sem nenhuma palavra. Depois de chamá-la,
mentalmente, de égua, fui à área reservada ao banheiro, demarcada com um
pano branco fazendo uma pequena cortina em zigue-zague.
Depois de fazer xixi, apavorada com animais rasteiros que provavelmente
me espreitavam, bochechei enxaguante bucal e voltei até Sebastian. Ele
comia bananas e bebia um copo de água. Ofereceu-me prontamente e tirou do
bolso dois pacotes de biscoito do tipo feito para carregar em viagens.
Agradeci e não fiz cerimônia, comento a banana e devorando os dois
pacotes. Estava faminta e ele me olhava satisfeito, sorridente e com um olhar
afetuoso que me desmanchava.
- Falta quanto? – Perguntou Raquel, que enfiava mais gravetos aos em
brasa.
- Vixe, falta um bocado. Uns 40 minutos, trinta com sorte.
- Tranquilo – respondeu ela – O cheiro está ótimo!
- Isso porque não comecei a fazer minhas iguarias – falou Gabe em tom
jocoso – Aí sim, quero elogios!
-Ah, mas cozinhar em dupla assim é covardia! Os dois cozinhando!
Eles riram e seguiram uma conversa animada. Aproveitei e peguei roupas
limpas, uma toalha e o sabão biodegradável que Sebastian já havia me
presenteado. Juntei tudo isso a uma escova de cabelo, uma pequena bisnaga
de hidratante e um creme com protetor solar para os cabelos. Depois do dia
anterior e da noite intensa, merecia um banho demorado.
- Está pronta? – Perguntou, caminhando na minha direção e tocando meu
rosto de um jeito delicado.
- Só te esperando – acenei positivamente, sorrindo.
- Um minuto – pediu, correndo até nossa barraca. Saiu de lá rapidamente,
com uma nova bermuda, uma cueca e o sabão ecologicamente correto.
- E a toalha? – perguntei, achando que ele havia esquecido.
- Pretendo dar uma corrida, não precisa.
Saímos em direção à prainha, eu abracei minhas coisas sem saber como
agir ao lado dele. Estava tudo igual, mas ao mesmo tempo era tudo novo e
estranho. Ele estava tranquilo, caminhava ao meu lado e às vezes me olhava
sem dizer nada. Numa dessas espiadas perguntei o que queria, sorrindo e
bastante vermelha, e ele disse que eu não havia lhe dado um beijo ou
desejado bom dia.
- Confesso que estou sem saber como agir – assumi, envergonhada –
Desculpe se fui grosseira, mas vamos com calma.
- Ninna, somos adultos e já combinamos. Não vou forçar a barra depois. Se
puder esquecer, eu também posso conseguir. E se me quiser, bem, eu vou
estar onde sempre estive.
- Eu sei.
- Então pode tirar essa armadura e aproveitar? Deixe-me te namorar, sou
louco por você, Ninna.
E falando isso, parou e ficou ali, me olhando com um ar de cachorro
carente. Sacudi a cabeça, fazendo um sim, e sorri ao ver um brutamonte do
tamanho de Sebastian sendo tão romântico e ponderado. Era um pensamento
preconceituoso, eu sei, mas era como se não combinasse. Além de tudo, ele
era lindo demais para mim.
- Ok. – Disse enfim, mas ele não saiu do lugar – Ok!! – Exclamei, rindo e
arregalando os olhos teatralmente – Agora vamos, Sebastian!
- Certo, Big Boss – falou, batendo continência e depois me cutucando nas
costelas, onde morria de cócegas.
Saber amar é saber
deixar alguém te
amar...

O resto do caminho seguiu descontraído e cheio de brincadeiras.


Apostamos corrida e disputamos quem entrava na água primeiro. Na beira do
rio não havia ninguém, nenhum dos outros amigos de Sebastian estava por lá
e agradeci por isso. Nas casas, não longe dali, não avistei ninguém
novamente.
- Sebastian, estranho não ver morador algum – disse, apontando para a
pequena vila.
- Não há ninguém – afirmou, tirando a roupa e ficando apenas de cueca.
- Como assim? As casas estão vazias?
- Sim, eram posseiros e toda essa área é particular. Foram recolocados em
outro local.
- Estamos em uma propriedade particular? Isso é contra a lei então!
- Não esquenta, nós temos autorização para acampar.
- Deve ser enorme aqui – garanti, terminando de me despir, permanecendo
de calcinha e sutiã.
- À tarde iremos cavalgar e te mostro. Agora entra logo na água – disse,
correndo em minha direção, me pegando no colo e nos afundando sem dó.
Por mais quente que estivesse, a água fria provocava choques em meu corpo.
Gritei algumas vezes.
Depois disso ele me colocou no chão, estava raso, em minha cintura. Ele deu
uma caminhada e mostrou um ponto onde a água batia um pouco mais alto.
Dava para nadar, fui até lá devagar. Estava mais fria ali, desisti e voltei para
onde o sol já havia esquentado.
Sebastian veio logo atrás, me abraçando pelas costas enquanto soltava meu
cabelo do rabo de cavalo. Sua simples presença me arrepiou todo o corpo.
Sorri, me encaixando mais. Todo lugar onde ele era rijo, eu era macia...
Perfeito encaixe e simetria.
Virei e, pousando os braços em seus ombros, dei um beijo longo e
provocador. Sem dizer nada, me ergueu sobre sua cintura, passei as pernas ao
seu redor. A sensação era ótima. Muita pele, sol e água.
- Não podemos demorar, falei entre beijos mais intensos.
Nada me respondeu, apenas foi indo devagar para onde o rio era menos
raso e lá, sem pudor, me pediu para não o soltar. Assim eu fiz, ficando
pendurada em seu pescoço enquanto ele tirava a cueca e a enrolava no
próprio pulso. Ato que me fez arregalar os olhos, acelerar o coração e corar
ao sentir sua natureza máscula tão evidente.
- Sebastian! Não! - Protestei quando começou a puxar minha calcinha.
- Não tem ninguém e estamos submersos - disse, tirando mesmo com meus
francos protestos.
- Não, não, me devolve – pedi, soltando-me de seu corpo. - Deixe de taras!
Mas ele riu, amarrou a calcinha no outro pulso, me puxou para junto de si e
me beijou tranquilamente. Sua língua explorava minha boca, tirando meu
fôlego, sugando a minha língua e mordendo os lábios com ousadia. Suas
mãos passeavam por cada milímetro de minhas costas, desviando e voltando.
Devagar, encaixou minhas pernas novamente em sua cintura, mas desta vez
ali embaixo estávamos nus, o que despertava novas sensações.
-Estou te querendo – disse, como se eu fosse um oásis no deserto.
-Eu sei, estou vendo.
-E você não me quer, Ninna?
- Ah, Sebastian, eu quero sim... Mas pode chegar alguém e nos ver... E...
- Estamos seguros, aqui ninguém pode ver – disse, beijando meu pescoço,
descendo para os seios e escorregando o sutiã para o lado.
Estava de costas para a margem, por isso me senti à vontade para deixá-lo
me beijar. Meus gemidos escapavam dos lábios e cada vez o apertava com
mais força. Minhas pernas e meus braços lhe deixavam perto, mas não o
suficiente. Queria mais. E como se lesse meus pensamentos, Sebastian guiou
seu membro até a minha entrada, forçando devagar. A água não ajudava, ao
contrário, dificultava bastante a lubrificação natural que certamente era
abundante naquela hora.
Após algumas tentativas calmas, forçou com intensidade, erguendo meu
corpo e baixando sobre si. Gritei. O ir e vir desajeitado pela água não roubou
o prazer, mas limitou a performance.
Pegou-me no colo, com ternura, beijou meu rosto, caminhou até a margem
rasa e me deitou no chão. Ficamos parcialmente cobertos pela água, o sol
estava quentíssimo, mas isso não me incomodava. A água morna provocava
uma sensação gostosa e seu corpo viril sobre o meu era inexplicável.
- Como gosto de você – disse, afagando meu cabelo encharcado, e
descendo, contornou detalhes de meu rosto.
- Eu também – falei, tocando em seus lábios e olhando sua íris.
- Quero te fazer feliz – disse, roçando os lábios nos meus, sedutor.
- E está fazendo – garanti, roubando um beijo breve.
Não sei se alguém nos via, certamente não, ou se espiava também não me
intimidava. Era uma cena de final de novela, dois amantes em caricias à
beira-mar, mas, no nosso caso, um rio que encontrava uma lagoa. Nos
olhávamos e juras eram feitas silenciosamente, sua língua explorava a minha
e me tocava sutilmente.
Sim, estávamos seminus, como Adão e Eva no paraíso. No dia seguinte,
como eles, seríamos expulsos dali e a realidade cruel nos faria suas vítimas.
Não era sensato seguir qualquer romance, pois os homens sempre nos fazem
sofrer no fim das contas. Suspirei e aproveitei cada segundo daquela
experiência mágica.
- Minha sereia – disse num sorriso.
Ficamos ali por um bom tempo, ele não entrou em mim, seus movimentos
eram mínimos e isso me atormentava. Quanto mais eu o puxava para perto,
mais paradas longas proporcionava. Era uma brincadeira, sutil e maliciosa, de
carícias apenas provocantes.
- Vem – implorei a certa altura, completamente faminta – Vem, por favor.
Meu pedido o acelerou um pouco mais, beijos molhados, castigando,
deliciosos. Erguendo meus braços no alto de minha cabeça, prendeu-os com
uma mão e com a outra segurou meu rosto perto do seu. Mordeu meu lábio,
deixando-o preso enquanto me olhava no fundo da alma.
Foram toques profundos, que mesmo sem a penetração em si, me fizeram
explodir de pura luxúria. Juntos, era assim que deveríamos ficar, juntos era o
que prometia seu olhar. Pisquei lentamente e sua saída sobre meu corpo me
deixava vazia. Não, eu disse, mas ele me deixou mesmo assim. E deitou ao
meu lado, com as mãos debaixo da cabeça, como um deus grego ou um
modelo em ensaio fotográfico, super-relaxado e de bem com a vida.
Minutos depois, voltamos para a água e nos banhamos. Quando seca,
coloquei uma bermuda de lycra azul, camiseta do Mickey verde desbotada e
o tênis. Ele se secou na própria camiseta suada, vestiu cueca preta e uma
bermuda de sarja cinza clara. Partiu para uma breve corrida e eu fiquei
penteando os cabelos emaranhados. Passei um leave-in e devagar tirei todos
os nós, trançando-o. Apliquei hidratante nas partes do corpo visíveis e
esperei-o à sombra.
Não demorou a retornar e caminhamos de mãos dadas até o QG, como
Sebastian nomeava o acampamento, a fim de almoçar. O lugar estava
parcialmente deserto. Lucas e Manoel cruzaram conosco, estavam a caminho
da praia para nadar e pescar. As Três Marias haviam sumido, Gabe e Raquel
descansavam em sua barraca.
Nas panelas havia arroz integral com uma planta estranha, que mais
parecia capim, cujo gosto não destoava de sua aparência. Além da mistura
curiosa, tinha um pirão de farinha de milho com linguiça seca em rodelas.
Comi dois grandes pratos e bebi suco artificial sabor frutas tropicais, que
estava pronto e adoçado em uma garrafa plástica.
- A noite é com você, meu camarada – informou Gabe, de dentro da
barraca.
- Pode deixar – falou Sebastian para o ar – Vou cozinhar para você – me
disse num sorriso maroto.
- Oba! – Falei de boca cheia, adorando a ideia de vê-lo cozinhar e também
de provar o que faria.
Cheia era pouco, estava redonda de tanto comer. Tentei descansar na
barraca, mas foi impossível, estava muito abafado. Fiquei na rede, atirada,
bastante sonolenta, enquanto Sebastian recolhia nossos pratos e descartava os
restos de comida.
Dormi por alguns minutos, até que seu peso desestabilizou a rede que
estava deitada. Quieto, deitou ao meu lado, me aninhando em seu peito e
enrolando suas pernas nas minhas. Apertado, quente e estranhamente
agradável, era como me sentia com relação a nossa junção naquele lugar.
- Pode dormir – falou baixinho – Vamos descansar, depois vamos cavalgar.
Até lá, elas chegaram com eles e podemos partir.
Sim, os cavalos realmente não estavam por ali, constatei, pensando se
havia os visto ou não. Será que um dia seria capaz de esquecer momentos tão
maravilhosos? E como seguiria depois de viver isso tudo, somente como
amigos? Não sabia as respostas, contudo também não queria me preocupar
àquela hora. Relaxada, no meio de seu abraço protetor, dormi um sono
profundo e sonhei que caminhava em uma longa estrada ladeada por grandes
árvores. No fim dessa alameda, que parecia saída de contos de fadas, estava
Sebastian partindo sem mim e carregando uma mochila junto com uma bolsa
de viagem.
Acordei com um silêncio sem igual. Só estalar de galhos, canto de pássaros
e o chacoalhar das copas das árvores. Estava mais ventoso e menos quente,
um clima perfeito num lugar ainda mais perfeito. Tinha um pranto na
garganta, no peito uma angústia sem explicação racional. Era apenas um
sonho, eu sabia, mas a sensação que havia me deixado era mais que real.
Dolorosa, muito dolorosa.
- Sebastian - chamei em sussurro, ainda deitada sobre seu peito.
Ele dormia um sono tranquilo, a boca meio aberta lembrava a de uma
criança. Sua preguiça depois de uma piscada também, e isso me fez sorrir,
vendo-o acordar pela primeira vez.
A boca farta, em forma de coração era apetitosa, impossível resistir a um
beijo e fui direto me esticando para lhe dar um. Fiquei quase sobre todo o seu
corpo e beijei suavemente sua boca, seu queixo, depois o nariz. Ele sorriu.
- Sempre sonhei com isso – garantiu, ainda de olhos cerrados, num sorrisão
largo.
- Eu nunca pude imaginar – falei sincera, ou quase isso.
- Nunca, Ninna? Jamais? – Questionou incrédulo, me espiando entre os
cílios.
- Sebastian,amanhã tudo não passará de um sonho.
- Por quê? Decreta o fim em pleno começo, sem nem tentar...
- Preciso ir ao banheiro – falei, escapando de seus braços e fugindo do
assunto iminente.
Tentar, ele falava em tentar porque não tinha sofrido tantas decepções. Não
iria me submeter à outra depressão pós-fim de uma paixão, fosse com ele ou
com qualquer outro. Estava com a cabeça preparada, autoprogramada, para
não me envolver demais. Casos rápidos, sem envolvimento afetivo
duradouro, essa era minha vida. Havia feito uma escolha, só relações
passageiras e sem maiores danos ao meu coração.
Na volta, me deparei com Chris, Nanda e Fabiana, que haviam chegado
não sei de onde. Estranhamente não pareciam cansadas, ao contrário, estavam
bem até demais. Chris usava um macacão curto e bastante justo, preto,
cabelos em duas tranças laterais e aquela pele maldita e perfeita. Nanda vestia
a parte de cima do biquíni e uma bermuda do tipo envelope, grafite. Fabiana
ostentava um turbante verde, bermuda jeans e regata branca.
Como eram bonitas, diferentes entre si, todas com seu charme e
personalidade. Olhei minha roupa e esbravejei mentalmente. Meu short de
lycra azul talvez fosse longo demais, a camiseta verde, muito larga, e o tênis,
velho. Também precisava emagrecer os quilos a mais, que provavelmente já
se somavam a três ou quatro, bem localizados em bunda, barriga e sabe lá
Deus onde!
Conversavam sobre matéria-prima para o jantar e comiam laranjas.
Cheguei sorrateira e fiquei na minha, fingindo estar ocupada fazendo um rabo
de cavalo e trançando o cabelo que caia ondulado sobre a nuca. Gabe e
Raquel não estavam ali e os dois meninos provavelmente ainda estavam pela
praia.
- Vamos? – Perguntou Sebastian ao me reparar.
- Sim, claro.
- Laranja?
- Aceito, obrigada.
Comi minha laranja enquanto Sebastian ajeitava os cavalos. Eram lindos e
mansos, patas altas e, pelo que via, super bem cuidados. Apertei os cadarços
dos tênis e amarrei na cintura a jaquetinha que Sebastian tinha me dado em
conjunto com uma calça. Coloquei o canivete que minha mãe tinha me dado
no pescoço, preso por um barbante improvisado.
- Pronta – falei.
- Pronto aqui também.
Na bruma leve das
paixões que vem de
dentro...

Montei no cavalo chamado Heitor e Sebastian no Sílver. Trotamos devagar


na direção contrária da praia. Descíamos, ao que parecia, desviando de raízes
antigas expostas. Aos poucos a mata ficou menos robusta, mais espaçada e
não demorou até avistarmos uma clareira. Assim, podemos acelerar e
cavalgar de verdade, era mágico. Como estava relaxada, a ação se tornava
quase natural.
- Tem certeza que nunca montou? - Me perguntou num sorriso que
chegava até os olhos.
- Não nessa vida! – Garanti, orgulhosa por meu desempenho.
-Estamos chegando ao fim dessa mata - apontou para frente.
E chegamos tão rápido quanto o trajeto das barracas até a praia. Ali
acabava a mata fechada e campos no estilo pradarias se estendiam até onde os
olhos podiam alcançar.
O capim estava baixo, como se aparado por um cortador de grama, muito
verde e vivo. Parecia uma terra fértil, muito bem cuidada e de proprietários
abastados. Alguns metros à frente eu pude avaliar que a mata seguia para
todo o lado esquerdo infinitamente, e para o direito até se encontrar com o
rio-lagoa.
- Meu Deus! - exclamei maravilhada. - É uma imensidão sem fim.
- Que tal casar comigo e virmos morar ali? - apontou para onde davam
suas costas.
Só ao virar vi que não havia registrado a grande casa, que estava plantada
na próxima elevação. Era um sobrado lindo, nem tão grande, mas imponente,
ali no meio de campos tão verdes.
As formas arredondadas continham pilares na entrada e adornos
intrincados na faixa. Minha mãe, como amante de arquitetura, diria se tratar
de um solar do século passado, quem sabe até anterior a isso. Suas paredes já
foram muito brancas, agora mostravam partes mais cinzentas, que se fundiam
após detalhes pintados em verde escuro.
De onde estávamos, tinha um panorama total da área, estava observando-a
de lado. Sua frente, virada para a água, tinha um lindo canteiro de flores, com
um banco de ferro e caminhos feitos de pedra. Nos fundos, acredito que havia
uma pequena horta, dividida em retângulos. Um cavalo estava apeado lá
atrás, perto do que poderia ser uma estrebaria.
- Gente, que coisa linda - falei apaixonada.
- E aí, aceita?
- Hã? O quê?
- Minha proposta. Casar comigo e vir morar aqui!
- Poxa... – brinquei, rindo – É de se pensar!
- Ter tudo isso, um casal de filhos, montar um museu da fauna e flora
campestres... Criar alguns cães e gatos, nadar.
- Humm, alguém já andou levando isso a sério, hein?! – Disse, estudando
Sebastian, que ganhava mais alegria ao falar de tal possibilidade remota.
- Eu poderia ser feliz - deu de ombros - Quem sabe um dia.
Não estendi o assunto, porém pude vislumbrar uma cena familiar junto
àquele que me narrava um pensamento pacato e agradável.
Eu me vi vestida numa grande saia rodada azul clara e uma blusa floral,
mexendo na terra enquanto duas crianças, morenas como o pai e de olhos
como os meus, brincavam ao meu redor. Uns três cães correndo no campo,
cavalos pastando junto com alguns patos e galinhas que circulavam por ali.
Sebastian sem camisa, peito nu e tatuagens à mostra, calças tipo bombachas e
botas para o trabalho no campo. Sim, eu também poderia ser feliz, refleti.
- O que prefere? – Ouvi-o perguntar.
- Prefere? O quê? - Respondi em dúvida, voltando de um mundo que não
existe.
- Perguntei se não prefere cavalgar por aí.
- Ah, sim. Sim.
- Onde você estava? –Questionou, percebendo minha ausência.
- Bem, hã... Lembrando que devem ser bem ricos os donos daqui. Você os
conhece?
-Sim, claro.
- E como são? Velhos?
- Sexagenários. Boa gente.
- Hum. E de onde os conhece?
- Desde que nasci... São meus avós paternos, Ninna – respondeu
naturalmente.
- Como assim? Por que não me contou antes? - Perguntei incrédula - Mas
achei que vocês não tinham contato pelo passado, sabe?
- E não tínhamos, mas estão velhos e me procuraram. Tenho um pouco de
contato desde então.
- Sua mãe sabe? Seu padrasto?
- Não, ela não. Marcelo sim, sempre conto tudo para ele.
***
A mãe de Sebastian era muito jovem quando engravidou do até então
namorado, e esse fugiu à responsabilidade, como costuma acontecer sempre,
até nos dias de hoje. Na época, os testes de DNA e pedidos por pensão
alimentícia não estavam tão facilitados. Desta forma, a pobre jovem de classe
média precisou assumir tudo sozinha, somente com a ajuda dos seus pais, que
eram bem de vida.
Sua realidade não era fácil, pois jogavam em sua cara tudo o que lhe
davam. Foram anos tensos, até que os ânimos se acalmaram. A vida seguiu
seu rumo.
Sebastian tinha cerca de cinco anos quando o pai apareceu e resolveu
assumir, não só a paternidade, como também seu sentimento pela ex-
namorada. De início tudo foi tranquilo, mas aos poucos a sua chegada trouxe
discórdia entre as famílias. O casal quase ficou junto, porém os avós de
ambos os lados pressionavam para que seus pais não reatassem.
A mãe de Sebastian deveria casar com alguém de mais posses, com
sobrenome. O pai deveria esquecer o namoro juvenil e focar no seu
crescimento profissional da carreira militar. No meio de tantas brigas ficava
Sebastian, sendo puxado de um lado para outro.
Um ano transcorrido, uma briga feroz fez com que o pai de Sebastian
saísse nervoso de carro. Ia ao encontro de sua mãe e do pequeno garoto, que
o aguardavam de malas prontas. Ficariam juntos, mesmo a contragosto das
famílias. Seriam felizes.
Porém, um acidente terrível e fatal acabou com o futuro de todos. A chuva,
somada à alta velocidade e o nervosismo, culminaram em uma patinação na
pista. Após isso, uma carreta não pode evitar jogar longe o carro do pai de
Sebastian, matando-o na hora.
Sua mãe nunca perdoou os avós paternos e jamais voltaram a ter contato.
Para ela, eles eram os culpados.
***
- Ei, Antonina Maria, vamos apostar quem chega à lagoa primeiro!! –
disse, apostando corrida e me chamado pelo nome de batismo.
Eu carregava o mesmo nome de minha bisavó. Foi uma homenagem à
mulher guerreira que, viúva com seis filhos, partiu da Itália em busca de
melhores chances de uma vida digna. Era um orgulho ter o seu nome, mesmo
que todos me chamassem de Antônia, Antoninha ou qualquer outro nome,
menos o correto, Antonina. Antonina Maria, por isso, Ninna.
Aceitei a aposta. Um pouco segura demais, cavalguei veloz até as margens
da lagoa. Sebastian me deixou vencer e, chegando lá, descemos e fomos nos
refrescar um pouco. O dia estava bonito ainda e o lugar trazia frescor à vida.
- Jura que não sentirá falta disso aqui? – perguntou, me abraçando por trás
e pousando o queixo em meu pescoço.
- Está sendo ótimo, realmente – falei, me arrepiando com sua barba que
nascia. Mas também estou sentindo falta dos confortos da vida moderna e
urbana.
- Tipo...?
- Minha cama.
- Mas eu não estarei nela amanhã à noite - constatou sério.
- Mas tenho um casal de pinguins me esperando - tentei desconversar.
- Tenho fé de que não suportará minha falta – falou, virando-me e
segurando meu queixo com a ponta dos dedos.
- Eu, eu... - tentei argumentar, sem conseguir organizar uma frase.
- Não diga nada, estou me dando e fazendo de tudo para te mostrar o que
sinto. Depois de amanhã é você que decide – falou, dando um selinho em
meus lábios - Agora vamos. Quero te mostrar a outra extremidade e depois
precisamos voltar. Hoje eu faço o jantar.
E eu acho que gosto
mesmo de você...

Estava dolorida quando voltamos ao acampamento, sentia músculos que


até então desconhecia. Sebastian não dava sinal de exaustão, mas eu estava
moída! O calor já cedia, como costumavam ser as noites. O vento, mesmo
fraco, aparecia.
Entrei na barraca por alguns instantes, troquei a última camiseta limpa que
tinha e pus os chinelos. Estiquei-me por cinco minutos e depois voltei ao
convívio social.
Acomodada, sentada na rede, fiquei observando Sebastian, que cortava
filés de peixe e os tratava com esmero. Numa outra panela, ele cozinhava
batatas. Estava satisfeito com a função toda, e eu maravilhada com sua
aptidão para isso também.
Batatas douradas, arroz integral e iscas de peixe ao molho de amoras, esses
eram seus pratos. Bebericávamos vinho enquanto aguardávamos, ouvindo
Lucas tocar seu violão, seguindo a música que tocava baixo no mp3.
Manoel descascava e picava bacanas e maçãs, deixando em água com suco
de limão. Tinha prometido uma sobremesa quente e doce com as frutas. Gabe
e Raquel estavam em sua barraca, que estava aberta, porém ficaram
envolvidos em papeis e conversas sobre algum projeto.Sentei em posição de
lótus, lutando contra o sono que me vencia.
Estava realmente cansada, nem me importava com Chris que, como uma
abelha, zunia em volta de Sebastian. Ela era sua ajudante. Nanda lia na porta
da barraca delas, sobre uma esteira, e Fabiana, deitada com a cabeça sobre
sua perna, interagia com todos, sempre bem-humorada. Cerca de uma hora
passada o jantar foi servido, com requinte do chefe, que se mostrava
orgulhoso de suas comidas.
- Humm... Uma delícia! – Elogiei, depois de comer um pouco de tudo.
- As batatas e as iscas são méritos meus, mas com a ajuda sábia da Chris –
explicou. - O arroz integral à moda grega foi todo feito por ela.
- Muito bom – disse, olhando e sorrindo forçado para Chris, que estava ao
nosso lado - Tudo uma gostosura só.
Chris deu de ombros e seguiu o papo com os outros. Eu, por minha vez,
voltei atenção a Sebastian e Lucas, os únicos que falavam de verdade
comigo. Depois de dois pratos abarrotados, comemos a sobremesa de
Manoel, que era um tipo de purê quente e bastante doce, mesmo sem adição
de açúcar, garantiu ele.
Cinco bocejos depois, eu fui para a barraca dormir. Sebastian disse que iria
em breve e ficou recolhendo pratos, entre conversas animadas com os
amigos. Talvez tenha sido um recorde, deitei e dormi profundamente em
minutos.
Não vi quando Sebastian entrou e se arrumou para dormir, estava pregada
de verdade. Despertei no meio da noite com uma música suave tocando bem
baixinho perto de mim. Olhei em volta, por um minuto havia esquecido onde
estava.
Sebastian dormia deitado de barriga para baixo, braços perto da cabeça,
num respirar profundo e lento. O fone de ouvido havia caído de sua orelha:
clássicos, contemporâneos nacionais tocavam. Renato Russo, Cazuza, Cássia
Eller, entre outros, ensinavam o que são lindas canções.
Observei seu rosto, tentando decorar cada detalhe. Olhei por incontáveis
minutos e depois fui atraída por cada músculo sobressalente. Bíceps, tríceps,
trapézio e aquele conjunto de coisas lindas. Na pele, apenas duas tatuagens:
uma tribal no braço direito, envolvendo todo o músculo com mistério; e outra
maior, que começava perto da cintura e ia até quase o ombro.
Um tipo de dragão chinês, com detalhes em arabescos bem marcados. Era
lindo, tudo nele era perfeito: corpo, coração, atitudes, palavras e sua límpida
alma. Pensar que na manhã seguinte eu partiria e nunca mais o teria daquela
forma me dava um nó no estômago. O que acalmava era a certeza de que
continuaria próximo, só como amigo.
Provavelmente nossa relação de amizade mudaria um pouco, pois para
sempre em nossos corações haveria as lembranças desses momentos. Horas
mágicas de paixão e companheirismo em uma realidade praticamente
paralela. Deixei a cabeça nas mãos, tentando evitar o choro que se formava
no meu peito.
Aquilo não era preciso ainda, e tampouco era o momento oportuno.
Deixaria de sofrer por antecedência, vivendo cada dia de uma vez e
resolvendo os problemas conforme fossem surgindo no meu caminho. Deitei
ao seu lado, o mais próximo possível, sem acordá-lo. Mas, como se sentisse
minha ansiedade, abriu os olhos num piscar muito devagar. Fixou seu olhar
em mim e levantou o braço, me convidando para colar meu corpo ali. E eu
fiz, fui para junto dele, ficamos nariz com nariz. Seu braço pesado encaixou
sobre mim e envolvi seu pescoço com o meu, passando uma perna fria sobre
sua cintura.
- Não precisa acabar. - Me disse num sussurro rouco.
- Eu não sei mais fazer isso sem sofrer- respondi sincera, com os olhos
marejados.
- Eu te ensino.
- Não me arrisco mais, mas preciso da sua amizade – desabafei, fechando
os olhos, boca trêmula – Não posso ficar longe de você.
- Você vai sempre ter a mim, Ninna, o quanto quiser – respondeu, beijando
minha testa.
O silêncio se formou, não sabia como agir a partir dali, das palavras ditas e
verdades escancaradas. Respirei fundo algumas vezes, buscava equilíbrio...
Mas, na verdade, não sabia mais o que queria.
- Quando partir, voltaremos ao que éramos antes. Mas, se tiver saudades
minhas, se me quiser, é só me procurar. Se isso não acontecer, a escolha é
sua, seguiremos em frente.
- Sim. Eu sei.
- Ainda está aqui - beijou meu rosto - Tenho esperança que se apaixone e
tenho algumas horas para isso - justificou cada palavra com um beijo.
- Sim - foi só o que respondi. Sim.
Como uma leoa abri os olhos, vi meu reflexo nos seus e avancei na sua
boca, invadindo-o com minha língua. Empurrei para o fundo toda a dúvida,
deixando na superfície somente aquilo que mais tinha certeza.
Sim, estava louca por ele. Sim, desejava-o como se fosse o próprio ar. Sim,
poderia nunca mais esquecê-lo e quem sabe não desejar outro homem, mas
mandei um foda-se mental ao mundo e me entreguei.
Mãos e braços me enroscaram no seu corpo e ele correspondeu com
doçura. Eu tinha pressa, queria-o posto o mais rápido possível, já ele era todo
suavidade. Tentei fazê-lo voraz, como me sentia, porém ele aquietou meu
espírito com carinho em cada toque.
Espera – pediu, afastando-se. Será especial, com nossa música – falou,
tirando os fones e aumentando o volume.
A voz era puro amor, mandava uma mensagem linda de esperança e tratava
de convencer seu amado sobre suas intenções. Era uma busca, clamava por
aceitação e fazia promessas lindas.
-Escuta o que ela diz - puxou minha boca na sua, fazendo uma súplica - e
me sinta, Ninna.
Fechei os olhos e ouvi o que ela dizia, com minha atenção distribuída entre
a canção e ele. A cantora entoava votos apaixonados, falava de sua busca, de
olhares, de sua dádiva, e prometia um amor sempre vivo, com a certeza de
que suas palavras não eram pequenas juras ao vento.
Por sua vez, Sebastian beijava minha orelha e arredores, descendo pelo
pescoço e alcançando o cantinho de minha boca. Deixei-me submissa às suas
carícias, permanecendo totalmente entregue e somente acariciando sua
cabeça.
- Sebastian – sussurrava seu nome – Ah, Sebastian, como eu queria –
deixei escapar entre um gemido e um suspiro trôpego.
Eu queria sair da solidão na qual havia sido jogada pela vida, eram tantos
devaneios me torturando que estava perdida. Talvez precisasse de uma
camisa de força ou de coragem, mas naquela manhã estaria indo embora.
Sim, estava indo embora e iria recortar nossas fotografias, no futuro guardar
ou queimar, para nunca mais lembrar.
Ninguém sabia tanto quanto eu de quantas tristezas se pode guardar no
coração e que o sinônimo de gostar é sofrer. Não gastaria mais meus beijos
com ele e também não iria a nocaute outra vez. No mais, eu seria apenas mais
um pássaro sem bela flor ou borboleta sem néctar.
- Ninna, fica comigo – disse, me arrancando de um turbilhão de
pensamentos e emoções.
- Estou aqui – respondi, empurrando mais sua boca de encontro ao peito
que mordiscava.
Desisti de pensar, estava com minha decisão tomada. Foquei em aproveitar
cada detalhe do que ele me proporcionava. Tomou com a boca meu mamilo e
com a mão massageava o outro seio. Encaixado entre minhas pernas, podia
sentir sua ereção quente, latente. Eu o queria, por isso erguia o quadril em sua
direção, mas ele não tinha pressa. Era mais que sexo, era outra coisa que
Sebastian me apresentava.
- Vou fazer você pedir por mim – garantiu, mordendo minha barriga e
arrepiando minha pele.
Lambidas sobre meu umbigo, toques firmes e delicados. A barraca parecia
pequena demais para tanto desejo. Eu poderia começar a suplicar naquela
hora, pois o queria insanamente. Contudo, resolvi segurar até o limite do
prazer. Beijos sem fim, provocantes, ao redor da minha cintura me levavam
ao céu, e foi por ali que permaneceu.
Deitou o rosto entre minhas pernas e colocou-as ao redor do seu pescoço.
Agradeci por não fazer a posição invertida, pois certamente não conseguiria
retribuir em meio a tantas carícias íntimas. Devagar, umectou o lugar com
lambidas e beijos. Penetrava um dedo, dois talvez, e me deixava em brasas.
Suas mordidas ali eram deliciosamente satânicas, excitavam e elevavam meu
desespero por ser preenchida.
Mais dedos eram introduzidos, movimentos circulares foram cessando e o
ir e vir começando vagarosamente. Mais beijos, sua língua lá dentro era uma
sensação maravilhosa e, por mais que quisesse segurar, acabei explodindo em
sua boca. Para minha surpresa, meu gozo foi sorvido e sua excitação tornou-
se louca.
Mordeu entre minhas coxas, me agarrando com força, e puxando minha
nuca com a mão, me beijou alucinadamente. Aquele era o gosto do sexo, de
meu prazer e seu deleite. Seus dedos emaranhados em meu cabelo faziam um
doer gostoso. Sobre mim, me beijando, encaixou seu membro grande e me
penetrou de uma só vez. Deixando-me sem fôlego, sem saber se respirava,
gritava ou lhe beijava, arremeteu tão profundamente que parecia impossível.
Meio sentados, assim como estávamos, músculos tensionados e prazer
elevado, saiu e entrou uma segunda vez. Era sublime, impossível sentir mais
prazer. Porém, me deixou ali, fragmentada por sua falta. Olhei-o chocada, até
perceber o que me pedia. Ajoelhado à minha frente, ofegante, baixou e
direcionou minha cabeça. Suguei com toda a loucura permitida e sua
satisfação era audível em engasgos e grunhidos roucos.
Aquilo só aumentava meu prazer, mas durou pouco, pois brevemente me
puxou para outro beijo longo. Virou-me de costas e deslizou as mãos sobre
toda a pele, mordendo minha bunda e apalpando com cuidado.
A posição me deixava encabulada, mas seu toque quente espantava
qualquer conceito que em mim fizesse tal efeito. Entrou em mim arrancando
suspiros, até que percebi que fazia investidas suaves numa porta até então
imaculada. Fiquei assustada, mas logo relaxei frente às mordidas que dava
em minha nuca. Estava tão lubrificada que não houve dor, como li em
revistas femininas. Foi só prazer e mais prazer, que mal acreditava que aquilo
estava realmente acontecendo.
Eram arremetidas suaves em um lugar diferente, o que me fez sucumbir em
minutos numa explosão de orgasmos múltiplos. Inebriada, satisfeita por toda
a eternidade, me vi apenas como expectadora quando me virou pela última
vez. Sentou, erguendo-me junto de si e colocando-me sobre seu pênis ainda
rijo. Por mais que tivesse gozado junto comigo, iniciou uma cadência
delicada, olhos nos olhos.
Era íntimo, invadia a alma, tocava fundo em lugares do meu coração
sofrido. Beijos e beijos se espalhavam por minha face, enquanto me
estimulava a cavalgar tranquilamente sobre si. Revigorava-me, colocando-me
em posto de controle e roçando nossos sexos de uma forma enlouquecedora.
Não demorou até me sentir possuída, desvairada em um ir e vir frenético, que
parecia não me satisfazer. Uma sensação ambígua tomava conta de mim, me
torturando, pois o queria mais fundo e daquela forma o alcançava para saciar
tamanho desespero.
- Sebastian, Sebastian – falei, mordendo seu ombro.
- Vem - disse ele - vem.
- Eu te quero, por favor, te quero mais - falei ao pé do seu ouvido, a voz
num fio.
-Me quer quanto?
- Todo, muito mais. – Implorei, envolta no frenesi sexual que me aturdia.
Numa virada calculada, sem sair de dentro de mim, me satisfez numa
ousadia que era tal qual minha necessidade. Entrou e saiu num estocar firme e
me desfez em outra explosão.
Dormi em seus braços um sono calmo, como deveria ser.
Vento ventania, me
leve sem destino...

Na manhã seguinte acordei com meu despertador chamando e conferi as


horas. Conforme havia me programado, partiria naquela manhã, no ônibus
das 10h. Sebastian acordou com meu movimento, foi gentil, porém distante.
Fiz minha higiene e arrumei as minhas coisas silenciosamente.
Todos estavam acordados, planejando uma trilha que iria até uma possível
cachoeira. Alguns falavam em rapel, muito animados e bem distantes do
sentimento que tinha no momento. Comi bolachas e chá na temperatura
ambiente e ganhei uma maçã de Lucas, para comer na viagem de volta.
Ninguém mais me deu atenção, nem perguntaram por que partiria ou se
desejava ficar. Nem mesmo Sebastian questionou ou me convidou para ficar
até o dia seguinte. Aquilo me magoou, mas eu era a única culpada, afinal ele
havia feito o convite e eu recusei todas as vezes.
Talvez fosse melhor ficar, não me sentia pronta para ir e não tê-lo mais
como nos últimos dias. Também estava sendo péssimo terminar tudo aquilo
de uma forma tão fria, era ruim... Muito ruim! Contudo, meu orgulho não me
permitia pedir para ficar, e o bom senso indicava ser o melhor caminho.
- Pegou tudo? – Sebastian me perguntou.
- Sim, peguei.
- Prefere ir caminhando ou a cavalo?
Pensei sobre a pergunta: se fôssemos caminhando seria tenso e
constrangedor o trajeto, em provável silêncio e distanciamento. Já cavalgando
teria oportunidade de ficar muito próxima de seu corpo, agarrada, e quem
sabe a despedida não fosse tão traumática.
- Cavalo – respondi segura.
- Então vamos, ou perderá o ônibus, eles já estão prontos.
Eles? Eles já estavam prontos mesmo, dois cavalos e não um. Minha
expectativa foi frustrada, obviamente iríamos cada um com sua montaria e
não juntos como na minha chegada. Com um sorriso que não chegava aos
olhos, Sebastian pegou minhas duas bagagens e levou até perto dos grandes
animais. Ajudou-me a subir e depois montou no seu, carregando a mochila e
também o saco de dormir. Continuava gentil, o tipo de homem que paga a
conta e abre a porta para a mulher, mas longe de haver calor em tais gestos.
- Vamos. –Disse, atiçando Sílver calmamente.
Fiz o mesmo com o meu e partimos em um trote lento por entre as árvores,
até a pequena rua de cidade deserta. Na angústia que estava, só no meio do
caminho percebi que havia me esquecido de me despedir. De grossa com
certeza era o mínimo que me chamariam e com toda razão. Era muita falta de
educação e isso me deixou realmente chateada.
De tempos em tempos ele me olhava por sobre o ombro, nada falava,
apenas conferia se o seguia. A situação estava pra lá de ruim e me perguntava
o que poderia fazer para quebrar aquele clima. Afinal, queria ter pelo menos
meu amigo de volta. O que devo falar? O que posso fazer? Questionava
desanimada.
Chegamos à cidadela abandonada, uma pequena rua na verdade, composta
por algumas casas e uma antiga escola. Ninguém mais morava ali, por se
tratar de propriedade particular, mas também ouvi alguém comentar que só
saíram mesmo depois que o rio transbordou por conta de chuvas torrenciais.
Sebastian desceu do cavalo com confiança e destreza, colocou as bagagens
no chão e amarrou as rédeas para trás, deixando-o solto. Veio até mim, me
ajudando a descer e evitando muito contato visual.
- Ele já deve estar chegando – garantiu, fazendo o mesmo com meu cavalo,
libertando-o para pastar.
- Sebastian – chamei, tentando olhar em seus olhos – Não crie um abismo
entre nós – pedi.
- Não estou criando nada, Ninna – disse num meio sorriso.
- Tudo nesses dias foi maravilhoso, não acabe com nossa amizade.
- Foi sim – confirmou, finalmente me encarando – Não vai acabar com o
que tínhamos, não se preocupe.
- Não imaginei uma despedida tão fria... – falei, me aproximando com
cuidado.
- Não, Ninna, melhor acabar logo, não pretendo alimentar esperanças. –
Disse, exigindo mais espaço, dando um passo para trás.
- Sebastian, não vou embora, depois de tudo que vivemos aqui, sem um
beijo – confessei encabulada. – Quero guardar só boas recordações secretas –
concluí, envolvendo seu pescoço com meus braços.
- Ninna, se você quiser... Se sentir que podemos tentar, só precisa me
procurar.
- Eu sei – disse, tocando seus lábios com os meus.
Ele não demorou a ceder, me beijou com vontade, mas também com muita
calma. Seus lábios eram doces, quentes, e despertavam muitas partes do meu
corpo. Um barulho nos atrapalhou, era o ônibus que chegava, chacoalhando
na estrada de terra.
- Então é isso – ele disse, se afastando e pegando minhas bagagens.
- Obrigada por tudo – agradeci verdadeira.
- Não se agradece isso, Ninna, sabe que gosto de você.
- Eu te adoro, meu amigo – falei, pegando minhas coisas e entrando no
ônibus.
Não olhei para trás, nem fiquei espiando pela janela empoeirada, pois
sentei no corredor de propósito. Mal o veículo começou a se deslocar, minhas
lágrimas transbordaram teimosas. Não sei pelo que chorava, mas eram
legítimas as danadas. Procurei não pensar em nada, mas não consegui, me
afundei em lembranças do que havíamos passado e também de toda nossa
amizade até ali.
Além disso, eram muitas coisas novas que havia me mostrado, não falando
do sexo, mas da sensação de que existem homens que não são filhos da mãe,
por exemplo. Ou que a esperança realmente nunca morre, que há
cavalheirismo no mundo e homens sensíveis no trato, porém ousados na
cama.
Eu gostava dele mais do que imaginava, por isso lutaria para manter nossa
amizade. Pelo menos seguiria próximo e eu precisava disso. Lembrar-me dos
beijos ardia meu peito, seu distanciamento agora na despedida havia me
destruído. Mas como pensei que seria? Não podia exigir nada, tudo estava
como eu havia determinado.
Era preciso aprender a viver com minhas escolhas, roupas e sem choro.
Engoli o pranto, tirei a maçã da mochila e mordi. Teria aulas dali a uma
semana, trabalhos tirando folgas na estética, três festas de Carnaval, dinheiro
para juntar, faculdade para acabar e uma viagem só de ida para planejar!
Essas eram minhas preocupações, não ele.
Foco. Foco. Foco!
Era minha nova ordem. Eu era feliz assim e seria ainda mais, com foco e
sem distrações perigosas.
Passei assim mais um tanto da viagem de volta, até dormir, cansada de
programar meu cérebro e ser traída pelo coração a todo o momento. Acordei
na minha cidade, chovia e o calor não dava trégua. Meia hora depois estava
em casa, partindo para um banho e morrendo de fome.
Já chegou?
Oi, mãe, sim. Tudo bem?
Tudo! Tem almoço pronto na geladeira.
Corri até a cozinha, vestindo o pijama velho mais confortável que tinha.
Era uma big camiseta com o Pluto lindinho, chinelos de borracha e cabelo
molhado. Olhei por toda a geladeira, não vi nenhuma panela ou prato.
Mãe, que almoço? Não achei nada!
Pizza no congelador, das boas, Ninna.
Sorri de prazer pela pizza que adorava e também por ser a cara da minha
mãe achar que comida congelada era um almoço de verdade. Despejei suco
de laranja num copo e esperei o microondas aprontar minha refeição,
mexendo no celular. Nada me chamava atenção, nem redes sociais ou um
livro que havia baixado para ler, dias antes. O celular vibrou.
Volto à noite. Tem trabalho pra semana toda, Judite ganhou bebê. Vc quer
pegar?
Legal! Quero sim, fico no lugar dela. Obrigada.
Pode vir hoje às 14h então. Bjos e vai almoçar.
Ok, mãe.
Apesar do desânimo misturado com cansaço que sentia, resolvi seguir
minha vida. Porém, a cada lembrança ou simples pensamento de Sebastian,
meu coração batia estranho e um frio percorria dele até o estômago.
Notificações me faziam tremer, não sabia por que, pois ele não tinha motivo
para me procurar. Será que estava tipo, totalmente apaixonada? Era melhor
não, pois não havia espaço para isso na minha vida e tampouco estava
disposta a correr os riscos de quase morrer de sofrimento depois.
- Droga, Ninna! - Xinguei em voz alta.
Mastigando a pizza, me sentia nostálgica pelo que havia vivido e também
pelo que não tinha acontecido. Isso era péssimo, terrível e totalmente
intolerável!
Escrevi numa folha:
Trabalhar = juntar $$. Estudar = formatura.
Trabalho voluntário na ONG + 3 festas de Carnaval = lazer.
Organizar viagem = futuro.
Depois fiz duas cópias e colei na geladeira, na parede em frente à minha
cama e a outra dobrei e joguei na bolsa.
***
Véspera de sexta, nada mudava além de muito trabalho, pois estava no
lugar de uma manicure que havia ganhado seu terceiro filho. Não tinha
companhia para a festa do dia seguinte ainda, mas estava obstinada a ir
mesmo assim.
Olá, sumida, vamos numa festa amanhã? À fantasia, Deise!
Oi, garota sumida 2, estou em Santana, fechando com cliente! Volto
sábado, eu acho.
Puxa! Mas que feche o negócio então e me liga qdo retornar!
Certo, vamos lá pra casa beber. Te ligo, bjo, Deise.
Certo, possíveis companhias ativadas e uma baixa declarada. A vida
corrida afastava as pessoas, somente o digital não nos deixava realmente a
sós, refleti olhando mais contatos.
Oi! Oi, está na cidade?
Oi, amiga, não, não... Estou na casa da minha amada ainda. Como está?
Tudo bem, nos vemos na facul segunda então! Aproveita! Bjos para vcs
duas.
Bjos, querida, até lá e valeu.
Luís, a fim de curtir festa amanhã?
Oi, Ninna, obrigado, mas combinei pelada com os rapazes.
Tranquilo, qualquer coisa apareça lá na festa de Carnaval com eles. Bjo.
Quem sabe! Inté.
E agora? - me questionava, solitária. Não tinha mais opções, mas também
não deixaria de ir.
- Filha? – Bateu minha mãe à porta, me chamando em seguida.
- Mãe, entra!
- Vou pedir um lanche, você quer?
- Humm... Acho que vou tomar um leite só. Já está tarde.
- Está tudo bem?
- Claro, estou com dor nas costas, mas só.
- Sei. Se quiser conversar, estou no quarto fazendo uns orçamentos online.
- Ok.
- Você voltou estranha do final de semana com Sebastian. Brigaram?
-Claro que não, tudo normal. Impressão sua.
- Não fique remoendo sozinha. Se precisar...
- Está bem, mãe! – Cortei, tirando onda, sorrindo.
Nada estava normal. Eu estava diferente mesmo e ansiosa para saber se
Sebastian e eu seguiríamos numa boa como amigos. Fora isso, as férias me
deixavam mais sozinha e o serviço estava puxado.
Depois de um copo de leite, dois episódios de uma série e três olhadas nas
redes sociais, desisti de procurar pelo que nem sabia o que era e fui dormir.
Tentar, é claro. A insônia que de tempos em tempos aparecia me rondava,
tentando invadir minha vida.
Quando o celular tocou, despertando, nem parecia que havia dormido.
Estava exausta e dolorida. Precisava levantar mesmo assim, tinha um dia de
serviço compensado pela festa que eu iria sozinha, a qualquer custo.
Quando chegou cerca de seis da tarde, me liberei a tempo de correr até
uma loja que alugava fantasias. Chegando lá, entendi que todo mundo tinha
feito o mesmo, não havia quase opções para mim.
- Olha, para você, bem... Só este, este e este aqui, me entregou os cabides.
- Só esses?!
- No manequim 42, só. Tem esse outro, 40, mas pode servir.
Levei todos comigo. No provador, percebi que desejava algo mais
descontraído e para a próxima festa precisava ver isso com calma. Àquela
altura, estava satisfeita por sair dali com uma coisa qualquer.
O primeiro conjunto era uma roupa de pirata, obviamente unissex, mas
com uma casaca pesada demais. A segunda ficou ridícula, uma espécie de
vestimenta tradicional, alemã talvez, não sabia ao certo, mas realmente me
deixou horrível.
As outras duas opções não eram muito boas, vesti uma e não gostei. Uma
Pedrita, tipo mulher das cavernas, que exigia menores medidas. Descartei
torcendo o nariz. Vesti o que restava, era o que tinha, e de tudo era o menos
pior. Saí da loja com a roupa num cabide e envolta num saco próprio, e fui
para casa. Precisava dormir um pouco, depois me arrumaria e aproveitaria o
tanto quanto fosse possível daquela festa.
Umas onze da noite acordei num salto e corri pro banho tentando me
empolgar, mas pensar em curtir sozinha me deixava chateada. Fiz uma boa
maquiagem em tons cobre e vesti a roupa.
O vestido era de camponesa, de uma época remota. Sóbrio e discreto para
uma festa de Carnaval, mas era o que tinha. O corte não era tão simples:
decote quadrado muito farto, que deixava expostos colo, ombros e muito dos
seios. As mangas longas vinham da pontinha dos ombros e iam descendo
com bastante tecido, numa espécie de boca de sino. Justo no busto e cintura,
depois disso caía num drapejado do tecido, rodado, mais pesado até os pés.
Era todo em algodão bege, exceto pelo colete, que imitava couro macio,
marrom, e cobria dois dedos do decote até a altura do umbigo. Era muito
justo e diminuía as formas, acentuando a cintura e elevando os peitos.
Coloquei uma sapatilha e chamei um táxi. Na saída, minha mãe elogiou a
escolha inusitada e brincou, desejando que encontrasse um plebeu para
chamar de meu.
Peguei uma bolsinha micro e atravessei no corpo. O táxi não demorou a
encontrar o clube, me deixando a poucos metros da porta.
O lugar estava repleto de jovens, em sua maioria bem fantasiados.
Ambulantes vendiam bebidas e também enfeites para aqueles que desejavam.
Passando por um, me apaixonei por uma máscara do tipo com suporte, para
você apenas colocar em frente ao rosto quando desejar. Era peculiar, feita
com um tecido que lembrava estopa e em tudo combinava com minha
fantasia. No lado direito, onde tinha a haste de suporte, borboletinhas
delicadas contornavam, cerca de quatro ou cinco, num tom amarelado com
detalhes em lilás.
Mal entrei no salão multicolorido e já estava menos deslocada. Uma
multidão se aglomerava, entusiasmada com uma banda que tocava ritmos de
Carnaval da Bahia. Peguei um copo de chope e procurei um local estratégico,
onde pudesse dançar olhando tanto o palco quanto o povo da pista central.
Subi para uma das ilhas, que eram elevadas alguns metros em relação à pista,
mas não tão altas quanto lá no palco.
Era uma espécie de púlpito para dezenas de pessoas, cercado por grades,
para nenhum desavisado bêbado quebrar uma perna. Equilibrei meu copo
num mini pilar e fiquei em frente à grade, de olho na galera da pista,
conforme queria, e também nos músicos. Eles eram engraçados, pareciam um
cover dos Mamonas Assassinas, porém cantando Ivete Sangalo.
A festa rolava. Às vezes caminhava até o bar, mas logo voltava ao meu
lugar, desviando de bocas afoitas à procura de beijos rápidos, de abordagens
meio desajeitadas e outras bêbadas. Era divertido, ainda mais depois do tanto
de álcool que havia tomado. Mas, conferindo o relógio do celular, me dei
apenas mais uma hora, no máximo. Precisava ir para casa, dormir algumas
horas e ir para meu agora trabalho fixo de finais de semana na estética. Até o
final do ano trabalharia aos sábados, como ajudante, e nos domingos pela
manhã, lavando e secando toalhas e organizando coisas simples, no único dia
fechado para a rotina de todo pessoal que retornava na segunda. Era minha
única fonte de renda, pelo fato de estudar o dia inteiro.
Senti um arrepio na nuca ao mesmo tempo em que imaginei ter ouvido
alguém me chamar. Olhei em volta, mas era impossível encontrar alguém. Lá
embaixo, um olhar chamou minha atenção: um Zorro mascarado me
encarava. Era bonito, pelo menos o que eu enxergava, e encarei-o de volta.
Ele ficou parado, me olhando, então ergueu um copo em um brinde e eu
retribuí. Porém, sorri e virei o meu para baixo, mostrando que estava vazio.
Ele deu de ombros e, com um meio sorriso, sumiu na multidão. Era uma
pena, pensava- tentando encontrá-lo no meio de tantos mascarados - ter
sumido tão depressa.
- Olá - disse uma voz ao meu ouvido.
- Oi – respondi, virando para olhar.
Era alto, forte e moreno. O branco dos dentes reluzia nas luzes neon.
Estava vestido dos pés à cabeça como Antônio Banderas no filme A Máscara
do Zorro. Era um pedaço de mau caminho, com certeza.
- Nos conhecemos? - Indaguei, era tão familiar.
- No.
- Tem certeza? - Insisti.
- No.
No? Não era brasileiro ou estava bêbado? Ou eu, de muito pileque, estava
escutando errado? Alguma coisa nele... Será que o conhecia?
- Tira a sua máscara? Acho que te conheço! Gritei para ele.
- No, no puedo.
- Você é de onde?
- Soy portenho.
- Humm... – respondi, sem conseguir entender o que dizia.
Entregou-me um copo cheio de caipirinha. Seu sorriso lindo me aquecia e
lembrava Sebastian.
- Pra mim?
- Si! Te gusta que me queda acá?
- Hã?
- Si o no?
Sorri, sem concatenar as ideias. Não entendia o que falava: música alta,
muita bebida e eu uma analfabeta na língua espanhola.
- Speak English? – Perguntei, rindo na sua orelha, ou perto dela. Era alto e
eu estava sem salto.
Talvez falasse, eu era fluente na língua. Constatei isso num beijo roubado,
gostoso e por demais safado. Retribuí sem melindres, era festa de Carnaval,
não existia pecado e eu estava sozinha. Tentei não pensar em nada, mas me
peguei fantasiando ser Sebastian.
- Ei, calma! – Falei, tomando fôlego, perdida entre seus braços.
Ele me puxou para si, mordeu minha orelha e falou alguma coisa que
parecia ser em português. Mas não tive tempo, pois me envolveu com sua
capa escura e passou a mão por minha bunda, me beijando e apertando.
- Meu Deus – falei, tentando contê-lo.
Ele me beijava e abraçava, cheirando a caipirinha de abacaxi, mas não
estava no mesmo teor alcoólico que eu. Seu beijo e seus abraços quentes
mexiam não só com minha autoestima, mas com a libido também. Mas
Sebastian estava muito latente em mim e, por mais que quisesse, não
conseguia me soltar.
Dançamos e bebemos, mas não conversamos por motivos óbvios: música
alta, o espanhol e a falta de assunto. Era curtição, nada para levar ao altar,
então ficamos no básico de qualquer ficante ocasional. Conferi o relógio,
passava das três, precisava ir ou não acordaria às 07h30 nem com um canhão
me despertando.
- Preciso ir - falei ao seu ouvido.
- Noooo! – Gritou, fazendo-se escutar acima do som.
- Nos vemos – disse, indo em direção a sua boca.
- Vamos para minha casa - disse num português preciso.
- Não, vou para minha casa - respondi sorrindo.
- Segura?
- Hã? Não entendi.
Ele me beijou demoradamente, meio louco, e parecia sempre um pouco
afoito, talvez por culpa do lugar e da bebida em livre demanda. Era gostoso,
por vezes familiar. Seu corpo, mesmo com tantas camadas de roupa, era viril.
- Corazon, em la outra fiesta voy esperarte. Esta bien?
- Na próxima festa aqui, vai me encontrar? É isso?
-Si!!! E solo se quedas comigo. Cierto?
- Sim, encontro você – Respondi, sem ter certeza de que havia entendido.
Nos despedimos algumas vezes, me levou até a porta e ficou me espiando
subir no táxi. Olhando assim, de longe, percebia que era um Zorro e tanto.
Era alto e dificilmente teria um rosto feio, com a máscara não dava para ter
tanta certeza disso, mas provavelmente na próxima festa estaria sem.
- E o nome dele? - Perguntei em voz alta.
- O quê, moça? Indagou o motorista, me olhando pelo retrovisor.
- Nada, nada.
Não recordava do nome dele e também não disse o meu. Duvido que nos
encontraríamos na próxima sexta de festa ou que nos reconheceríamos com
outras fantasias.
Balancei a cabeça em negativa, o silêncio do carro já me dava sono e a
perspectiva de levantar cedo me desanimava.
Cheguei em casa e corri para a cama, tirando antes a fantasia alugada com
cuidado. Peguei meu casal de pinguins e deitei, no celular nenhuma chamada
ou mensagem de Sebastian.
O seu amor é como
uma chama acesa...

Quando a segunda-feira chegou, já estava ansiosa pelas aulas, por rever


meu grupo e demais colegas e, claro, para saber como seria tudo com ele.
Nos reunimos na porta da faculdade. Dora, com os cabelos mais rosa,
parecia sonolenta depois de viajar direto para a aula. Luís, sempre simpático e
discreto, ouvia Rô, que falava em trocar de curso ainda nesse semestre. Eu,
meio aflita, olhava em volta, buscando por Sebastian, mas ele chegou
somente no segundo horário.
Agiu normalmente, como se nada houvesse acontecido entre nós. Era o
combinado, mas me deixava esquisita. Ao mesmo tempo desejava que tudo
fosse igual, mas em mim as coisas estavam diferentes. Isso não era bom,
precisava seguir como planejado.
Falamos das férias, jogamos conversa fora e por fim tudo seguiu seu curso.
Nosso grupo se diluiu: nas aulas da manhã faríamos todos juntos, porém nas
turmas da tarde ficou cada um para um lado diferente, por culpa da faculdade
nessa nossa modalidade experimental.
- É um saco fazer disciplina com outros cursos - reclamava Dora.
-Estou achando bom, dá para explorar outras possibilidades - defendeu
Rosângela.
- Que vocês acharam? -Perguntei aos dois rapazes do nosso grupo.
- Concordo com a Rô. Gosto de poder explorar – falou, irônico, fazendo
Sebastian rir.
- Humm, entendi – Falei, fazendo careta.
- Hein, Sebastian, vou ter aula até com a mulherada da Arquitetura.
- Opa! Respondeu ele sem verdadeiro entusiasmo.
E assim a primeira semana de aula passou: meio estranha, mas nada tão
diferente. Acho que ele estava numa boa comigo e era ótimo assim, cada um
na sua. Aos poucos, a amizade iria voltar ao normal... Assim desejava.
***
- Você vai assim? - Perguntei a Deise, que me buscava para a segunda
festa à fantasia.
- Ué, vou sim, por quê?
- Bem, poderia ter jogado um pouco de purpurina. Muito normal - apontei
da cabeça aos pés.
- Vem, Ninna, antes que eu desista. Nem fui em casa, estava trabalhando.
- Até agora? Deve estar exausta!
- Conversava com outros corretores no Bar do Joca. Acho que vai rolar
uma associação, sabe?
- Tá ok, amanhã você me conta. Agora solta esse cabelo e relaxa, mulher!
Deise sorriu e logo já estávamos na festa, tomando chope gelado e
dançando feito duas belas velhas. Eu estava desanimada, passava tempo
demais num dilema interno sobre Sebastian estar frio comigo e evitar me
aproximar demais. Deise, visivelmente com sono, mas firme na companhia,
olhava o celular a todo instante.
Não demorou até encontrarmos Luís e seus primos, que nos convidaram
para um reservado no andar superior. Fomos para ala vip e não era nada ruim.
Fiz papel de quem se divertia, até ver, assim do nada, Deise e Luís atracados
num beijo de soltar faíscas. Era lindo o contraste de suas peles, um casal fofo
que fazia gosto, mas me deixava com uma sensação ainda mais solitária.
Tempos mais tarde, indo ao banheiro e planejando ficar por no máximo
meia hora, fui pega pela nuca e beijada contra vontade.
- Para! - Empurrei o otário.
Ele me olhou e sorriu, pegou minha mão e foi me puxando para o lado. Era
ele? Era o mascarado da festa passada?
- Ei! – Protestei.
- Vem!- Puxou, num sorriso animado.
Era ele! No estilo mega fantasiado, desta vez vestido de O Fantasma da
Ópera, com sua grande capa, e em nada combinando com minha fantasia
improvisada de hippie, com uma tiara enfeitada de estrelas. Ri de um possível
casal mais inusitado e segui com ele para o outro lado do salão.
- Aonde vamos? - Perguntei alto, tentando ser ouvida.
Ele não respondeu, me levou até atrás de um tablado que impedia um
acesso indesejado às piscinas. Conhecia bem o lugar e, num gesto que parecia
ensaiado, me prensou contra a parede mais escondida, numa fresta escura.
- Que saudade – disse, me beijando com força nos lábios.
- Sebastian? - Reconheci a voz e seu cheiro de imediato. – Sebastian, é
você? – Empurrei, tentando ver seu rosto.
- Cala a boca e me beija – disse, agarrando minha nunca e tomando meu
fôlego por inteiro.
Era urgente seu comando, uma mão firme perto de meu pescoço e outra
espalmada em minha cintura. Estava sedento e me queria ainda, fato que me
excitou profundamente. E eu comecei a retribuir cada toque com paixão, um
beijo molhado invadindo outro e outro, numa sensação de paixão sem fim.
- Ninna - falou muito rouco - Vem comigo ou faço besteira com você, aqui
e agora.
- Não – Gemi, miando a palavra.
Céus, chegava a ser injusta a forma como ele mexia comigo. Era tão
perfeito, tão gostoso, que só desejava ser possuída. Era o que pedia meu
coração e justamente o que a razão não permitia.
- Não podemos. Não posso.
- Tem certeza?
- Não. Mas não é certo. Somos amigos. Só isso.
- Você não gosta de mim, Ninna?
- Sim, mas como... Co- como... Ai, Sebastian! - Conversávamos num
amasso sem igual.
- Se quer só minha amizade, terá só isso. Mas hoje é Carnaval e o que faço
aqui morre na quarta de cinzas, Ninna.
Eu, se já não lutava, cedi sem olhar para os lados, apenas deixando
levantar minha longa saia floral até agarrar minha bunda e puxar a calcinha,
rasgando-a em segundos. Prendeu-me ainda mais contra a parede e, num
piscar de olhos, nem vi como, já forçava com seu membro quente a minha já
úmida entrada.
Era a zoeira da festa que acontecia não longe dali, era meu coração
descompassado, minha cabeça fervendo e tentando colocar algum juízo em
mim, era tudo e era ele. Ele ali, comigo, inteiro, me fazendo acreditar que
talvez não fosse tão perigoso assim. Talvez, só talvez, pudesse me abrir um
pouco e quem sabe ter momentos mais felizes.
- Sou louco por você, Ninna.
- E eu te quero assim... – disse, envolvendo sua cintura com uma perna –
Perto!
Facilitei o acesso e ele me invadiu, preenchendo todo vazio que sentia. Era
rápido em suas investidas profundas e o local público, o perigo de sermos
pegos em flagrante, a excitação do encontro inesperado somada ao calor que
emanava de nós, só excitava ainda mais. Sua capa nos envolvia parcialmente,
seu rosto já estava sem máscara e ele, por vezes, parecia comer minha boca
com seus lábios e dentes, que me arrancaram grunhidos e traduziam
exatamente o que estávamos sentindo.
Gemia sem pudor e breve me desfiz num puro gozo, feliz e suada do prazer
que só Sebastian me dava. Ele também explodiu, logo depois, e pude sentir o
desejo latente pulsar dentro de mim.
- Quero te levar para minha casa - disse sem fôlego.
- Melhor não, preciso ir embora.
- Para, Ninna! Deixa de bobagem.
- Amanhã eu trabalho, Sebastian!
- Que porra! – Exclamou, me ajeitando e se arrumando logo depois.
Ficamos nos encarando por alguns minutos, meus planos indo por água
abaixo, pois meu coração havia se apaixonado. Estava perdida, sem saber que
rumo tomar. Precisa fugir, parar e pensar.
- Hã. Já vou indo – falei, sem jeito – Adorei...
- Ninna?
- Quê?
- Fica comigo.
- Eu, eu preciso ir – falei, correndo para o salão e deixando-o para trás.
Dei duas voltas no salão, totalmente fora do meu eixo, depois subi para
achar Deise e avisar que estava indo embora. Antes passei num banheiro
lotado, me olhei no espelho e esperei numa grande fila para fazer xixi.
Depois dessa jornada, fui à área vip me despedir e pegar as chaves de casa,
que estavam na bolsa da minha amiga. Ao entrar, tive várias surpresas e uma
dela fez meu coração parar.
Deise e Luís conversavam animados com um rapaz que não me era
estranho, sem fantasia. Estava de costas, por isso não o reconheci assim, de
imediato. Sebastian estava bebendo num grande copo, com um harém ao seu
redor. As três Marias mais duas desconhecidas, todas vestidas de variações da
Mulher Gato.
Sim, ela, a própria indesejada estava pendurada com um braço ao redor do
pescoço dele, parecendo muito intima. Estariam juntos? Não, Sebastian não
seria tão cretino. O simples pensamento fez meu sangue aquecer e uma raiva
brotar dentro do meu ser já abalado.
Meio sem ação, fiquei ali olhando até que ela virou na minha direção e me
fuzilou com os olhos. Estava deslumbrante, toda trabalhada num tecido negro
envernizado, máscara negra e batom vermelho. Era o pior pesadelo de uma
possível rival e, como se lesse minha expressão, sorriu com escárnio. Pegou o
copo da mão de Sebastian, tomou um gole e em seguida o beijou, longa e
dramaticamente.
- Ei, colega! - Disse uma voz as minhas costas.
Estava cercada, virei e percebi que as quatro amigas dela me circulavam.
Reconheci Fabiana, vestindo uma versão gata de saia, e também Nanda, que
usava uma roupa com tecido de camurça e costuras brancas. Encarei a mulher
gato a minha frente: com um enorme decote, era mais baixa que eu e um
pouco mais farta de carnes, boca delineada e chanel impecável.
- Que foi? – Perguntei, me sentindo bastante intimidada.
- Ele - apontou com o dedo para minhas costas - está com ela. Ouviu,
colega?
- Eles sempre estão juntos - falou outra, rindo as suas costas.
- Isso aí, Naty - confirmou a menina que me peitava.
- Vamos, Naná, recado dado - chamou Nanda.
- Te liga, branquela – Falou, passando por mim e me esbarrando
propositalmente.
Era a gota d'água. Coração de mulher deveria ser igual a espelho: para cada
homem que partisse, levaria sete anos de azar, concluí. Virei e fui até Deise.
Sem falar nada, meti a mão na sua bolsa e peguei minhas chaves.
- Tô indo, beijo – disse, saindo dali sem olhar para trás.
Achei ter ouvido alguém me chamar, mas ignorei, pois tinha os olhos
sendo inundados por lágrimas. Desci as escadas apressada e comecei a
atravessar o salão rumo à porta. Uma mão segurou meu braço.
- Hola! Ei, Hermosa!
- Portenho?! – Franzi o cenho.
- Ninna - chegou Sebastian me puxando.
- Sesé?- Questionou o portenho para Sebastian.
- Esteban?
Pronto, era o que me faltava. Os dois se conheciam, presumi, deixando-os
e sumindo dali. Entrei no primeiro táxi que vi, dei o endereço e engoli o
choro, que teimava em brotar dentro de mim. Estava me sentindo usada, uma
trouxa que pegou o resto e ainda se sentiu especial.
Em casa me joguei sobre a cama e joguei a sandália longe, assim como a
pobre tiara. Estava com raiva e bastante magoada, era muita cara de pau.
“Você se acostuma, muitos vão te fazer sofrer”, recordava das palavras de
minha mãe quando o celular tocou. Atendi, era um número privado, poderia
ser Deise ou minha mãe, que havia saído com uma amiga.
- Alô.
- Ninna, onde você está? Preciso falar com você.
- Vai à merda, Sebastian - e desliguei.
Tocou novamente, respirei fundo. Não ia deixar que tivesse o gosto de me
ver tão abalada.
- Que foi?!
- Preciso falar com você.
- Outra hora - Disse amarga.
- Que porra, Ninna!
- Sebastian, me deixa em paz, não quero conversar.
- Só me escuta... Onde você está? - Falava quando desliguei.
O celular vibrou, eram mensagens. Várias mensagens de Sebastian.
Chegava uma atrás da outra, mal dando tempo de uma batida do coração.
Ninna, por favor, cara! Quero falar com vc.
Não seja cabeça dura, deixa te explicar.
Ninna, onde vc está?
Sebastian, outra hora nos falamos. Já estou em casa, deitada. Preciso
dormir.
Então abre a porta, tô aqui fora.
Oi? Como assim? Levantei num pulo, não acreditando. Tentei espiar pela
minha janela, mas não o visualizei. Fui até a sala e olhei pelas frestas da
janela, a motocicleta realmente estava estacionada na frente de nossa casa.
Abri a porta devagar, lá estava ele. Um fantasma da ópera sem máscara, mas
igualmente deprimido.
- Não faz isso, Ninna.
- Não fiz nada, você quem fez.
- Ela que me beijou!
- Não seja cretino - esbravejei fechando a porta, ou quase isso.
Num rompante, ele levantou e me pegou pela nuca, num beijo extremo.
Apoiei as mãos no seu peito, na tentativa de empurrá-lo e me afastar dos seus
lábios possessivos. E com os punhos fechados, simulei duas ou três pancadas
fracas, porém não lutei mais, recebi seus beijos com lágrimas escapando dos
olhos.
- Vá para o diabo - desejei por fim, juntando forças e o separando de mim.
- Não faz isso com a gente...
- Vai para sua mulher-gato, sugeri feroz, olhos marejados.
- Você entendeu errado. Ninna, eu gosto de você.
- Não, não...
- Não adianta sofrer no presente para evitar o sofrimento no futuro. Estou
aqui, não posso ser culpado por seu passado.
Suas palavras entraram como uma faca no meu peito. Era verdade, ele
tinha razão e não poderia levar a culpa por nenhum outro. Também não
estava adiantando sentir o que estava sentindo agora, pelo simples fato de não
querer me envolver. Já estava envolvida e teria de resolver isso.
- Tenho planos.
- Eu também, Ninna. Não estou querendo promessas, vamos nos curtir e
você segue com seus pensamentos.
- Não sei... Se...
- Vem, entra que vamos dormir juntos hoje. - Decretou.
- Que? Não, não... Pode esquecer.
- Sim, vem - Empurrou a porta para trás e me pegou no colo feito uma
criança.
- Sebastian! -Reclamei surpresa.
- Vamos dormir juntos, só dormir, Ninna – falou, invadindo minha casa –
Eu falo com Amália depois.
No quarto, me colocou na cama e foi fechar a porta, tirou os calçados e a
volumosa capa.
- Vou te dar um beijo, te abraçar e dormir aí com você – explicou vindo em
minha direção, deitando e me puxando para seu braço.
Segurou meu queixo e me beijou com carinho, me envolveu com seus
braços quentes e suspirou profundamente. Permaneci ali, aninhada no seu
peito, na pequena cama de solteiro.
Dormi um sono tranquilo e acordei com meu celular chamando
insistentemente. Tive que procurar e quando o encontrei, precisava trabalhar
e mal tinha dormido duas horas. Sebastian acordou com meu movimento e
sussurrou alguma coisa, muito sonolento também.
- Preciso trabalhar - avisei desanimada.
- Não, vem! Volta para a cama, Ninna.
- Não posso, mas gostaria.
- Pode sim, só faltar!
- Não tenho a vida ganha, preciso trabalhar para receber. Ainda mais que
ganho por dia.
- Eu pago sua manhã, agora volta e só vai à tarde – disse, me puxando pelo
braço.
Eu sorri, tentada em faltar e ficar com ele. Além disso, precisava dormir ou
não aguentaria a rotina que no sábado se estendia até bem tarde.
- Será? - Ponderei bastante... - Bem, posso chegar ao meio-dia e ganhar
metade.
- Eu te dou o dinheiro desse turno, sério. Quero dormir mais um pouco e
depois precisamos conversar.
- Está bem.
Mandei uma mensagem para minha mãe e outra para a menina da
recepção. Chegaria antes da uma, feito com Sebastian puxando um lençol
sobre nós e talvez tenha dormido rápido demais. Foi um sono agitado e
profundo, que durou pouco.
- Ninna.
- Humm...?
- Quase onze, acho que agora precisa acordar ou vai perder o dia.
- Que merda.
- Desbocada! – Repreendeu brincalhão.
Ri ainda de olhos fechados, Sebastian me agarrando pelas costas, numa
concha carinhosa. Ele era quente, estava excitado e eu adorava aquilo. O que
fazer? Me questionava atordoada, sem querer me levar só pelo desejo.
- Precisamos conversar – disse, lendo meus pensamentos.
- Eu sei – falei, sentando e lhe encarando.
- Como ficamos?
- Sebastian, eu tenho planos e... Não posso me comprometer.
- Poxa, esse papo de novo! Vamos ficar juntos ou não?
- Tá me intimando?!
- Sim, Ninna, nos curtimos e já provou como será estar comigo várias
vezes.
- É que...
- Não, escuta! Vamos tentar ou não? Sério, eu gosto de você, mas não sou
palhaço e ontem você ficou toda brava pela cena da Chris.
- Não gosto que me pressione. Também não fiquei com ciúme!
- Eu disse brava, Ninna, ciúme é você que está dizendo. Vou indo.
Ele levantou e começou a calçar os sapatos. Estava meio irritado e sua
pressão havia me chateado bastante. Eu o deixaria ir, não estava mais com
ânimo para uma DR. Comecei a ver uma roupa para trocar após o banho,
ignorando outra discussão. Ele parou na porta do quarto e ficou me
observando até eu olhar para ele.
- Cansei, estou há um ano tentando e desde que te conheci não tive
ninguém a sério. No acampamento foi incrível e ontem você viu que nos
gostamos, mas não vou ficar mendigando atenção. Nem vou ficar nesse jogo
onde você me faz de amiguinho.
- É tudo ou nada?
- É isso sim. Eu te espero até o final desse dia - falou e partiu sem outras
palavras.
Era muita coisa para mim. Estava sendo encurralada e aquilo não era justo,
não era legal e eu não aceitava. Quem ele pensava que era? Como assim, no
vai ou racha, no vamos lá? Ah, não, ele que fosse bancar o maioral em outro
lugar!
- Ninna? – Ouvi duas batidinhas na porta e minha mãe entrou, me
chamando.
- Oi.
- Que houve? Sebastian saiu daqui pisando firme.
- Ele é um babaca.
- Filha, não queria me meter, mas o que está acontecendo afinal? Eram tão
amigos, ele sempre tão gentil. Você fez o que, afinal?
- Eu não, mãe, eu não fiz nada! - Me defendi, ofendida.
- Ninna, querida, não adianta sofrer agora, no dia a dia, na tentativa de
evitar sofrer amanhã. Não faz sentido, filha.
E aquela foi a deixa para minhas defesas caírem. As palavras da minha
mãe eram muito próximas as que Sebastian me disse um dia. Comecei a
contar para ela tudo que acontecia entre nós, as minhas dúvidas, e a cada
relato me sentia ainda mais deprimida.
Minha mãe ouviu tudo com atenção, perguntou se já havia contado para
Deise e ficou surpresa com a negativa. Ao final, me abraçou forte e garantiu
que faria a escolha certa se ouvisse meu coração.
- E se ele me decepcionar? Se me fizer sofrer? Não posso ficar acabada.
- É um risco. Os relacionamentos são assim.
- Pior ainda: e se me envolvo demais, cancelo meus planos e depois... Sei
lá, me arrependo e fico frustrada?
- É possível.
- Então, mãe, já tenho minha resposta. Escolho a mim mesma.
- Independente de suas escolhas, estou aqui, e mais um abraço firmou suas
palavras.
Ando por aí querendo
te encontrar...

Uma semana passou. Foi talvez uma das piores! Sebastian e eu nos
evitávamos, nosso grupo na faculdade foi diluído. De um lado, as meninas
comigo; do outro, ele e Luís. Sempre assim eram as manhãs de aulas, bom
dia e tchau era o que usávamos. E à tarde, quando nos cruzávamos nos
corredores, era dolorido demais.
Decidi e não me arrependia, mas às vezes parecia que a qualquer momento
iria sucumbir e lhe pedir ao menos uma amizade fingida. Estudei mais do que
precisava e à noite me dedicava a elaborar cartazes para a ONG dos pets que
ajudava.
No sábado trabalhava feito uma maluca, feliz que na manhã seguinte
também precisava ir. Lavando um cabelo masculino, que parecia de
Sebastian, me lembrei de que naquela noite teria a última festa à fantasia.
Precisava ir dançar e ver que a vida continuava, que nada era tão triste que
não pudesse ser curado.
- Luciana!
- Diga, Ninna!
- Fica no fim do dia para me ajudar, tenho uma festa.
- Claro, menina!
Luciana era uma nova e ótima amiga. Nascida homem, com nome Carlos,
era um modelo de força que eu deveria seguir. Talvez tivesse algum
conselho. Sim, Luciana me ajudaria a ficar bonita e mais segura. Sorri, me
sentindo entusiasmada. Ficaria linda, iria me divertir e esquecer Sebastian de
vez!
Após o expediente, Luciana ficou comigo no salão principal e lhe contei
sobre a festa. Logo de cara ela me indicou pegar um jaleco branco de lá,
combinar com minissaia e salto, fazendo o estilo enfermeira sexy. Topei de
cara, ganhei uma mega hidratação nos cabelos e escova em um liso perfeito,
que deixava minhas mechas já amareladas com mais vida. A maquiagem foi
um trabalho árduo, pois as olheiras não colaboraram, e, por comer muito
chocolate durante a semana inteira, estava cheia de espinhas pequenas e
indesejadas.
Meia-noite já estava entrando na festa, sozinha, mas confiante que
encontraria algum amigo. Deise disse que iria direto de um aniversário, mas
com certeza me encontraria. Fora ela, ouvi Luís comentar que ele e os primos
estavam combinados de cair na farra, todos vestidos com o uniforme do jogo
de futebol semanal que organizavam. Amanda, uma manicure nova que fiz
amizade no centro de estética, confirmou que arrastaria o namorado bronco
para a festa e expliquei onde me encontrar.
Das três festas, essa última era a menos cheia e isso me deixou espantada,
porém não abalou o salto Luís XV que estava usando. Fui direto para meu
lugar preferido e lá, no quiosque elevado, fiquei de olho na pista, nos
fantasiados, na banda e no meio copo de cerveja bem gelada.
Mal chegando vi o camarote em frente ao meu, porém, no andar superior,
uma cena me fez engasgar. Era Sebastian, vestido de grego ou romano, com
músculos e tatuagens à mostra. Parecia muito animado, dançando e pulando.
Sozinho? Não. Ele tinha uma Cleópatra e, posso garantir, colocava minha
composição carnavalesca no chinelo.
Eu vestia um jaleco emprestado, com sutiã preto rendado à mostra,
shortinho, meia arrastão preta e um big salto. Junto, a maquiagem luxo da
Luciana e um cabelo bem liso, com uma pequena presilha dourada. Ela estava
com uma fantasia impecável em tom de cobre e ouro, olhos bem marcados, o
corpo desenhado pela microssaia e o top com bastante volume à mostra. Era
bonita a desgraçada e ele estava toda hora agarrando-a para dançar, de uma
forma bastante luxuriosa.
- Oi! Te achei, Ninna!- Era Amanda, com seu boy magia. Sorri, tentando
parecer animada.
- Ninna! Ninna!! - Outro alguém me chamava, era Deise.
Deise de mãos dadas com Luís? Eles estavam juntos desde quando? Pelo
visto a última festa tinha rendido mais do que eu sabia. Andava tão absorta
em problemas pessoais que deixava a desejar como amiga, principalmente
com a minha best friend forever.
Respirei fundo, mas meus olhos pareciam como imã e me pegava olhando
a todo o momento lá para cima, onde a cena me irritava. Tentei focar nos
amigos, Amanda feliz e seu namorado muito constrangido. Deise esbanjando
felicidade, assim como Luís, que carregava junto um olhar apaixonado.
- Por que não me contou? - Cochichei no ouvido da minha amiga.
- Você andou me escondendo muitas coisas também.
Essa era Deise, sempre objetiva e tão sincera que chegava a ferir. Pior, ela
tinha razão. Eu havia me fechado demais, talvez limitando nossa amizade de
uma vida. E isso não era por falta de confiança, era medo de expressar o que
realmente sentia.
- Desculpa.
- Só porque te amo. – respondeu - Precisamos conversar e colocar as coisas
em dia.
- Verdade.
Um longo abraço me comoveu mais do que deveria e, voltando a olhar
para o alto, vi mais do que aguentava: Sebastian aos beijos com a
insuportável Chris. “Filho da mãe, ridícula, dois... Dois idiotas.” Falei mal
mentalmente, sendo mais babaca talvez, afinal ele era livre. Eu o havia
excluído de minha vida.
Tentei não beber muito, não era sensato com tamanha dor de cotovelo.
Também procurei me divertir, sem conseguir, até que esbarrei com um
vaqueiro no estilo mais americano. Calças justas, bumbum e demais
curvaturas salientes.
- Hola, mi amor!!! –Disse, sorrindo de forma arrebatadora.
- Portenho?! - Perguntei para confirmar.
- Estás onde?
- Onde estou? Ali - apontei para meu grupo.
- Sola?
- Quê?
- Te quiero mucho. Estas sola?
Sorri e fiz uma pequena afirmação com a cabeça, acreditando ter
entendido, mas bastante insegura. Coisa que durou poucos segundos, pois ele
avançou sobre mim, me beijando. Eu posso ter pensado em lhe rejeitar, mas a
combinação Sebastian mais Cleópatra, somada àquele belo homem a minha
frente, me fez retribuir intensamente.
- Onde estava indo, linda?
- Venho do banheiro... Você fala português?!
- Aonde vamos? - Respondeu rindo.
- Eu voltava do banheiro, vamos para lá - apontei para o quiosque elevado
–Por que fingiu?
- Porque aprendi com meu primo, faz diferença - respondeu jocoso,
piscando para mim e me beijando um estalado em seguida – As mulheres
bonitas gostam de sotaques.
Homens, todos uns babacas – pensei, achando ridícula a técnica de
conquista barata. Mas, nos olhando de mãos dadas e ele tão bonito, fiquei
bastante lisonjeada. Chegando ao meu grupinho, Amanda já se despedia, pois
o namorado estava entediado e não queria mais ficar na festa. Ficamos apenas
nós quatro, dançando e tentando conversar às vezes, ali no meu lugar
preferido, até o falso portenho convidar a todos nós para ir num espaço vip.
Aceitamos o convite e o seguimos para o andar superior. Uma benção, pois
meus olhos me traíram e a todo instante me pegava observando o casal de
capa de revista.
No caminho, constatei que no máximo em uma hora precisava ir embora,
pois não podia faltar ao trabalho de jeito nenhum. Não prestei atenção no
caminho e acabei dando de cara com as pessoas que tanto observei.
Aquelas.
Sim, eles!
Estávamos no espaço vip deles, que estava bastante cheio. Reconheci, além
do casal, obviamente, as amigas que no outro dia me informaram que
Sebastian e Chris sempre estavam juntos. Todas, acho que cinco ou seis,
vestidas também no estilo egípcio e indiscutivelmente bonitas, que se
demonstravam surpresas por me ver ali e acompanhada. Seus olhos iam e
vinham de nossas mãos entrelaçadas para nossos rostos e depois para
Sebastian.
- Vou te apresentar alguém, disse me puxando. E vocês, fiquem à vontade -
falou para Deise e Luís, que observavam o lugar.
- Sesé! - Chamou e Sebastian virou para olhar.
Até ali o casal não havia nos notado. Sebastian sorria, até me perceber ao
lado do seu amigo. De mãos dadas. Sua expressão mudou drasticamente em
poucos segundos.
- Esteban - Disse meio frio.
- Primo, quero te apresentar minha futura esposa.
- Esposa? -Ergueu as sobrancelhas.
- Ora, passamos duas ou três festas de Carnaval juntos e fiéis, posso dizer
que é amor. Não é, mulher?
- Primo? Você é primo dele?
- Esse é aquele que me ensinou a tática de ser hermano na conquista.
Lembra que te contei?
- Sim – respondi, passada a ferro.
- Já nos conhecemos, Ninna é minha colega de faculdade - Explicou
Sebastian.
- Ei! Então formou! Agora que ela não me escapa – disse, sorrindo e me
puxando para junto de si.
- Que casal adorável, Sebastian! - Falou Chris, que olhava a cena
entusiasmada - Esteban e sua amiga Ninna, olha que doido. Parabéns, primo -
cumprimentou meu acompanhante com dois tapinhas no braço forte.
Puxei o agora falso portenho chamando Esteban para o lado. Precisava sair
dali, tudo estava esquisito demais. Minhas mãos tremiam e a cabeça zunia de
tanta confusão.
- Querida - disse Esteban - Promete que ficaremos juntos à luz do dia?
- Claro, claro - respondo no automático.
- Sério, tô encantado por você. Muito, muito linda – disse, me beijando
afoito e cheio de mão boba, como sempre.
- Err... Eu, eu preciso ir embora.
- O quê? Ah, não! Só mais um pouco e te levo para casa.
- Não! Não! – Declinei seu convite.
- Tem medo de mim? Você já conhece até minha família, gata! – Falou,
mordendo minha orelha. Minha mãe e a de Sebastian são irmãs gêmeas,
somos primos de verdade, apesar de morarmos longe.
- Não é por isso, tenho carona...
- Sua amiga? Ela e o namorado já foram, não viu quando nos deram tchau?
- Não percebi. Mas tudo bem, vou de táxi.
- Sem chance, eu te levo. Só ficamos mais meia hora.
Meu Deus. Meu Deus... Que noite era aquela?! Deparada com uma
situação terrível, desastrosa, na verdade, vendo Sebastian com outra por
minha própria culpa. Para piorar, não só sentia ciúmes, como estava
realmente apaixonada por ele e isso era péssimo. Como se não bastasse, me
via nos braços do primo dele, que sim, era um gato gostosão e estava bem a
fim de mim, mas que eu sequer sabia do parentesco e usava apenas para
tentar esquecer Sebastian.
Os pensamentos turbulentos se chocaram com o olhar de Sebastian sobre
mim. Era raiva, decepção, desgosto e tudo aquilo que não deveria sentir. Ao
mesmo tempo em que queria me desculpar, voltar atrás, desejava também
seguir em frente e combater o sentimento.
- Vamos, você parece cansada. Vou levar minha enfermeira para casa.
- Obrigada – agradeci aliviada e sincera.
Saímos de mãos dadas, parecendo um velho casal cheio de intimidade.
Esteban falou alguma coisa no ouvido de Sebastian e suas expressões só
pioraram. O que pode ter falado? Bem, agora não faria diferença, afinal ele
estava acompanhado! E com ela! Talvez sempre estivessem, como suas
amigas falaram no outro dia.
Segui Esteban para fora dali, fomos para o grande estacionamento a céu
aberto e seu carro de cinema foi destravado. Era lindo, amarelo, e
provavelmente muito caro.
- Entra, querida.
- Ah, obrigada.
Ele era tão educado quanto o primo, um homem gentil do tipo que abre a
porta do carro e elogia sem motivo. Agora, na claridade das luzes dos postes,
notava o quanto eles eram parecidos. Talvez ele fosse mais alto e Sebastian
mais forte, mas no resto pareciam irmãos, tamanha a semelhança.
- Para onde vamos?
- Bairro Nova Petrópolis, na parte baixa - expliquei.
- Alguma chance de levar você para outro lugar?
- Não. - Respondi num sorriso educado.
- Alguma possibilidade de você me convidar para ficar?
- Nenhuma, moro com minha mãe.
- Tudo bem, entendo, mas se mudar de ideia... Estou de férias no apê do
Sesé e também tem hotel legal na cidade e...
- Trabalho amanhã – disse – Na verdade, hoje cedo. Preciso mesmo, você
entende?
- Claro, minha bela enfermeira. – Me diga, existe ou já rolou algo entre
você e meu primo?
- Hã, não. Por que a pergunta?
- Só para saber. Você trabalha onde?
Esteban era falante, puxava vários assuntos e emanava uma ótima energia.
Mal pareceu que eu morava longe, sua conversa era ótima.
Contou que era recém-formado, havia terminado o curso de Engenharia
que fazia em Minas Gerais. Era o primeiro com este título na família, seus
pais estavam no mar, gostavam de velejar pelo mundo sem nenhuma pressa e
com muito prazer. Ele tinha mais duas irmãs, uma mais nova e outra mais
velha, e ambas moravam em Curitiba, que era a cidade onde tinham
residência fixa.
Era bom de papo, interessado em ouvir também. Carinhoso, mantinha uma
das mãos sempre me tocando, no rosto ou na perna. Seus afagos eram doces,
mas mostravam também que me desejava, o que no momento fazia bem para
meu ego, mas não despertava nada além disso.
- Duas ruas e dobra à direita, a sétima casa. É... Muito obrigada, de
verdade.
Ele sorriu e, assim que parou o carro, soltou o cinto e me puxou para
muitos beijos animados. Impossível não me derreter e aproveitar, mas
mantive certa atitude mais recatada a cada recordação de Sebastian.
- Eu preciso ir - falei.
- Espera, eu abro – Falou, descendo e contornando o carro, abrindo a porta
e pegando minha mão.
- Um cavalheiro - elogiei ao sair.
- Vêm cá, me puxou para junto dele.
Encostado no carro, me tomou para si e era quase um polvo, com mãos e
braços envolventes. Estava entusiasmado, seria ele sempre assim?
- Você é muito safado!
- Não, linda, você me deixa excitado.
Ele já estava há um bom tempo sem o chapéu country, com seu cabelo
curto e ondulado à mostra. A camisa xadreze semiaberta ficava ali,
mostrando um pecado feito de pele macia, pelos e músculo. Um cinto
ostentava a grande fivela de ferradura, abaixo tudo justo e colado numa calça
jeans de tirar o fôlego.
- Vou te ligar.
- Já dei meu número?
- Precisa não! Pego com Sebastian e também sei onde você mora e estuda.
- Obstinado! – Constatei.
- Quero ficar com você nesse resto de férias.
- Até quando fica?
- Até o próximo sábado, depois preciso ir até Minas pegar uns documentos
e então volto para casa, em Curitiba.
- Ah, tá ok.
- Promete? Ficamos esses dias juntos?
- Prometo tentar, me liga, daí vamos combinando.
- Não seja difícil...
- Não é isso!
- Até fazendo isso você me dá tesão. – Disse, encerrando o assunto e me
bebendo como vinho.
Minutos depois estava na minha cama, rezando para algum santo me
ajudar. Não podia estar tão caída assim por Sebastian, não era sensato. E
também não era legal ficar uma semana depois com seu primo. Ou poderia
ser que talvez o esquecesse de vez? As dúvidas misturavam meus
sentimentos, mas as lembranças de vê-lo com aquela ridícula me afetavam
demais.
- Não, Ninna, não - Me ordenava a não chorar.
Mas o que fazer? Para onde eu estava indo afinal? Onde havia me perdido?
Era só a faculdade e minha futura viagem que deveriam povoar meus dias. E
a felicidade, onde tinha se escondido a danada? Na minha vida só
perturbações apareciam.
- Por favor, santos, me ajudem. E vovó, onde quer que esteja, me dá uma
luz aqui. Por FAVOR...
Não sei como dormi, o despertador tocou e me sentia feito um zumbi.
Vontade de ficar na cama, de cobrir a cabeça e sumir. Mas a vida não é assim
e viver pede coragem. Não sei como, mas trabalharia todo o sábado e no
domingo pela manhã também, firme e forte.
Talvez colocasse em prática a máxima que vovó sempre me dizia:
Ninguém é feliz completamente o tempo todo, o melhor sempre está por vir e
por isso devemos ir caminhando com amor e sempre em frente, agradecendo
pelo novo dia.
E duas ou três horas depois estava no banheiro da estética, me olhando no
espelho e ainda pensando que o dia seria longo... E foi. À noite só me joguei
na cama e dormi até às nove da manhã seguinte, pronta para mais algumas
horas de jornada, que faria extremamente calada.
Não respondi à mensagem de Deise, não dei muito assunto para minha
mãe, ignorei qualquer ligação, de números conhecidos ou não, e também não
cumprimentei ninguém que passou por mim.
Estava azeda feito limão com sal, simples assim.
Nós somos medo e
desejo...

Precisei de dois dias para me recuperar, estava decidida a não sofrer e não
ficar arrastando corrente por aí. Sebastian não era mais uma opção, na
verdade seria maluquice embarcar nessa, então o melhor que tinha a fazer era
seguir com meus planos. Dedicação aos estudos, organizar minha viagem e
meu futuro fora do país, juntar uma graninha para isso nos finais de semana e
deu. O telefone vibrou, sem som, ainda no silencioso. Era Sebastian!
Atendo ou não atendo? Meu Deus do céu, por que estou tremendo tanto
assim? Será que está bravo por eu ter ficado com o primo dele? Será que não
está mais com a megera? Quer me pedir desculpas? Ainda gosta de mim?
Eram tantas perguntas e tamanho nervosismo que quando atendi, minha voz
não saiu.
- Ninna?
- Si-sim. – Respondi num fio de voz inaudível.
- Alô?
- Alô! – Falei depois de tossir. – Oi.
- Ninna, é Esteban! Tudo bem?
- Ah, oi. Tudo bem.
- Então, vou passar para te pegar hoje. Me espera, beijão.
- Me pegar?
- Isso, estou com viva voz e dirigindo, preciso desligar. Beijo e me espera.
Me buscar? Nem sabia onde era... Opa, na verdade ele sabia onde eu
morava sim. Bem, eu deveria ser passado mesmo ou Sebastian não daria meu
número e até emprestaria o celular para o primo me ligar. Os pensamentos só
aumentavam minha mágoa e a razão me mandava aguentar firme, sem
desmoronar, e eu faria isso.
Depois das aulas cheguei em casa, apressada para tomar um banho e me
arrumar, mas na frente de casa o carro esporte amarelo já me aguardava.
Esteban estava lindo, jeans skinny, camisa social azul dobrada e um largo
sorriso. A semelhança com Sebastian era inegável, mas ele se vestia mais
formal. Depois de me convencer que não precisava me arrumar, saímos sem
rumo certo.
Ele era carinhoso, mas não havia tentado me beijar. Propôs um cinema e
depois jantar e eu aceitei de imediato. A companhia era muito agradável, me
deixava confortável e eliminava a tormenta dos meus pensamentos.
Escolhemos um filme ótimo, de ficção nacional, e caminhamos para o lugar,
agora de mãos dadas.
- Deveria ter te encontrado antes. Anos antes.
- Não seria muito provável, moramos em cidades diferentes – respondi
sorrindo.
- Ninna, você é muito linda. Uma garota muito legal também.
- Obrigada, Esteban, mas vai me deixar sem graça ou convencida –
brinquei.
- Vem cá – disse, me chamando para um longo beijo, que dei com pouco
prazer. – Confesso que se ficar mais nessa cidade, corro o risco de me
apaixonar.
- Não faça isso, paixões sempre acabam mal.
- Gata, legal e esperta – disse, me beijando demoradamente.
Assistimos ao filme e depois caminhamos pelo shopping como dois
namorados apaixonados. Comemos por ali mesmo, na praça de alimentação,
e depois ainda estendemos a noite em um agradável Bar Boliche. Um
encontro casual, com carícias despretensiosas e sem nenhum envolvimento
afetivo mais profundo. Esse era nosso status e estava adorando cada minuto,
sem medo ou ressalvas.
No caminho de volta, fez um desvio até o Mirante, que era um conhecido
local de encontro para namorados. A noite estava linda, uma lua dourada
enchia o céu e tudo parecia perfeito. Tudo, até os beijos tornarem-se mais
voluptuosos e suas mãos buscarem aquilo que não poderia dar.
- Não, melhor não – parei sua manobra de tentar abrir minha blusa.
- Vamos para outro lugar?
- Eu prefiro ir embora, Esteban, isso não vai rolar.
- Por que não? Sabe, te liguei no domingo e você não atendeu. Perdemos
um dia.
- Você tem mais seis...
- Na verdade, estou indo embora amanhã.
- Por quê?
- Problemas – respondeu evasivo.
- Alguma coisa séria?
- Coisa de família.
Tentei estender o assunto, mas fui silenciada por mais beijos e comecei a
ponderar porque não aproveitar aquele homem lindo, já que Sebastian
obviamente estava lá se esbaldando com a outra. O que teria a perder? Era a
minha vez de seguir em frente de verdade e me sentir desejada, livre e dona
da minha vontade.
- Calma, aqui não – afastei sua boca da borda do meu sutiã, a blusa
parcialmente aberta e a respiração agitada.
- Tem razão, vamos embora daqui antes que nos prendam – disse, rindo
feito um moleque travesso.
Dali fomos a um conhecido e luxuoso motel e, a cada metro que o carro
andava, menos segura eu me sentia. Sexo nunca fora um tabu, mas não me
parecia certo fazer aquilo estando tão mexida com tudo que vivi com
Sebastian. Além disso, eles eram primos. Primos tipo irmãos, pelo que via.
Não, aquilo não era sensato.
- Esteban, não. Eu... Prefiro ir para casa, não dá...
- Por que isso? O que houve?
- Eu não posso.
- Você tem alguém?
- É mais ou menos isso.
- Cara, se eu te contar que também estou saindo de uma fossa, você
acredita?
- Sério?
- Muito sério.
- Então... O que fazemos agora?
- Podemos entrar, relaxar um pouco e conversar. Beber alguma coisa, não
sei.
- Prefiro relaxar, beber alguma coisa e conversar num lugar que não seja a
cama de um motel. – Falei sincera.
- Beleza, vamos voltar lá para o mirante?
- Tenho um lugar melhor, vamos a um Café 24 horas muito simpático. Vou
te explicar como chegamos lá.
E assim fizemos. Dez minutinhos depois estávamos no café, que na
verdade era aconchegante e com ar de intimidade, talvez pela luminosidade
difusa. Sentamos em um dos sofás, pedimos nosso cappuccino com rum e
conversamos sem pressa. Ele me contou do fim de seu namoro, da traição que
havia descoberto e de muitos planos a dois que haviam sido destruídos.
Seu desabafo era verdadeiro, eu o entendia e isso tornava minha empatia
ainda mais terna. Logo, também eu comecei a contar sobre meus desamores,
sem mencionar nome, para não acabar citando seu primo.
Do café saímos caminhando sem rumo, passando pelo movimentado cais.
Paramos num bar que tocava músicas dos anos 80, pegamos benditas bebidas
e ficamos ali, ao ar livre, falando de tudo um pouco. Tagarelamos sobre
nosso passado e presente, embarcando em anseios futuros e outros devaneios.
- Me promete?
- Prometo, diga o quê?
- Promete que, se em um ano continuar sozinha, casa comigo? Temos tudo
a ver e merecemos ser FELIZES - gritou.
- Prometo de verdade, prometo! Se ambos estivermos sozinhos, nos
daremos essa chance – respondi sorrindo.
- E te farei satisfeita – falou, me puxando para um beijo – E nenhum outro!
Eu o beijei, por mais que agora parecesse apenas um bom amigo. Beijei
com fervura não só o homem, mas a pessoa que parecia legal e sincera.
- Ei, vão para um motel! - Alguém falou alto ao nosso lado.
Paramos de nos beijar a tempo de ver Sebastian puxando Chris por um
braço. Ela segurava um grande copo com atenção e ria, olhando para nossa
direção.
- Vem, vem logo - dizia ele, puxando-a impaciente.
- Calma, amor. Nossos primos, olha! - Gritava ela, bêbada.
Não tivemos reação e ali ficamos olhando, até Esteban ter uma reação
inesperada: me pegar pela mão e puxar para o lado contrário, sem nada dizer.
Eu o segui dali e só voltamos a conversar dentro do carro.
- Está tudo bem? Perguntei sem entender.
- Claro – Suspirou, tocando meu rosto. - Vamos para algum lugar, ficar
juntos?
- Eu... Eu não...
- Não precisamos transar, Ninna, mas não quero dormir sozinho esse resto
de noite. No apartamento de Sebastian terei de ouvir os sons dos dois.
- Amanhã tenho aula.
- Você fica num hotel comigo, te deixo cedo na faculdade e vou direto para
o aeroporto.
- Poxa, por que essa partida tão antes da hora?
- Desentendimentos – disse vago. - Estou exausto. Vamos?
- Vamos – aceitei, ainda sem certeza, mas odiando voltar para casa e
imaginar Sebastian com outra.
E assim fizemos. Como namorados, fomos para um hotel. Lá, fiquei pasma
com o luxo de sua suíte e, de início, constrangida com a coisa toda. Mas logo
relaxei, Esteban foi para o banho e voltou num roupão peludo bordô, me
oferecendo outro.
- Se quiser vestir, fica à vontade. Mas tem camisa minha ali, na mala que
trouxe.
- Obrigada, mas, se vou dormir aqui, se importa que eu tome um banho
antes?
- Claro que não, vai lá, querida.
Um longo banho me renovou. Porém, ver Sebastian com outra mulher me
machucava tanto quanto seu olhar de desprezo. Engoli a dor que se formava
no meu peito e, ao sair, vestida com roupas íntimas e o roupão vermelho-
escuro, me deparei com um bebê homem dormindo meio sentado, com a
cabeça pendendo de lado. Sério, era lindo de se ver e, procurando não acordá-
lo, caminhei nas pontas dos pés e deitei ao seu lado, dormindo também cerca
de meia hora depois.
Acordei quando o dia amanhecia e mãos fortes me acariciavam as pernas.
Olhei assustada, sonhava com Sebastian, mas era Esteban quem deslizava as
mãos por minha pele.
- Desculpa te acordar.
- Tudo bem.
- Você me deixa com um tesão maluco. Pode me rejeitar, mas vou tentar.
Ou não vou me perdoar nunca, nunca mais.
Não falei nada, fiquei ali sem pensar, apenas deixando o momento me
guiar. Minha realidade era ruim, meu futuro incerto, talvez nunca mais veria
Esteban. Quem sabe outro homem poderia me fazer esquecer um pouco de
Sebastian? Além disso, ele estava lá na cama com outra garota.
Esteban subiu, tocando numa estrada imaginária por meu corpo, e abriu o
roupão, primeiro o meu e depois o dele. Estava completamente nu. Não era
tão avantajado quanto Sebastian, mas exibia virtuosidade tal qual. Fechei os
olhos e o deixei me explorar numa infinita carícia e depois em beijos
molhados. Seu corpo já pesava sobre o meu quando me peguei arrependida
de estar ali. E no exato momento em que cogitava repeli-lo, fui invadida sem
aviso.
- Não, eu... - Comecei a dizer, quando me silenciou com um beijo e se
aprofundou dentro de mim.
Era gostoso ouvir seu gemido fraco, assim como seu ir e vir frenético e por
isso relaxei. Tudo estava indo um pouco veloz demais e, tão rápido quanto
suas investidas começaram, logo perderam o ritmo e terminaram no seu gozo
repentino.
Saindo de mim, jogou a camisinha de lado, sem se importar com o fato de
ter sido tudo tão rápido. Beijou meu rosto, deitou-se ao meu lado e logo
estava ferrado num sono profundo. Não, aquilo não tinha sido esperado. Mas,
na verdade, não havia cogitado nada. Aquela noite e sua performance eram o
que menos importava, já que não estava realmente empolgada.
Voltei a dormir também, era o melhor a fazer. Mais tarde, me sentindo
extremamente mal por ter feito o que fiz, ainda precisei sorrir para me
despedir de Esteban. Era constrangedor, ainda mais por estar na frente da
faculdade, mas ele foi indiferente ao meu apelo para estacionar longe da
entrada.
Felizmente não nos veríamos mais e logo poderia esquecer a noite anterior.
Fui mais fria do que deveria e rapidamente me livrei da situação, correndo
para a aula. Mas antes disso, claro que tudo poderia piorar.
Sebastian estacionou sua moto em frente ao carro de Esteban, nos encarou
pelo vidro e marchou sem cumprimentos. Na entrada não encontrei nenhum
colega mais próximo, para puxar conversa, e por fim subi sozinha para a sala
de aula.
- Onde está Dora, Rô ou Luís? - Perguntei à menina ao meu lado, Suellen
era seu nome.
- Você não sabe? A Rosângela mudou mesmo de curso e Dora desistiu da
faculdade, foi viver em uma comunidade, acho que meio hippie.
- Nossa, não estava sabendo.
- Estranho, vocês são amigas.
- Talvez eu tenha me ausentado demais. Muito trabalho - menti.
- Você vai mudar de turma também, Ninna? Perguntou uma menina de
cachos negros cujo nome era Cíntia, mas eu sempre esquecia.
- Eu? Não. Alguém mudou?
- Sim, uns quatro alunos passaram para tarde e noite, não mais manhã e
tarde, como fazemos.
- Quem?
- Acho que foi Emily, Sílvio, o Luís e o Sebastian também. Acho que o
Renato, mas não tenho certeza desse.
- Sebastian e Luís?
- Aham, pelo que ouvi, sim.
- Mas eu vi um deles hoje cedo aqui...
- Bem, não foi para assistir aula que veio, deve ter outro motivo. Não sei.
As notícias acabaram com meu dia, não só elas, mas a soma de escolhas
erradas da noite anterior e quem sabe até mesmo da minha vida. No banheiro
chorei baixinho e depois fui para casa, não tinha vontade de pensar em nada!
Que houve, mudou de curso, Rô?
Dora, vc desistiu do curso? Todo?
Luis, vc e Sebastian mudaram de turno?
Desejei ter respostas dos amigos, por isso digitei mensagens
alucinadamente e disparei aos seus destinatários. Coração apertado.
Deise, preciso conversar. Amiga, onde vc está?
Mãe, vc trabalha o dia todo hoje?
O celular vibrou, ainda a caminho de casa, e respirei fundo, temendo não
ter respostas agradáveis. Sentia-me bastante solitária, talvez carente fosse a
expressão mais acertada.
Oi, Ninna. Sim, troquei. Mais fácil, pois descolei estágio agora no MMB e
preciso trabalhar nesse turno. Precisa de alguma coisa?
Muito legal. Parabéns, Luís. O Museu Municipal de Botânica é bem
necessitado de profissionais. Bjo.
Ninna, estou em Campo Novo, num atendimento. Volto na sexta. Está tudo
bem? Que houve? Bjo, Deise.
Ah, ok. Qdo chegar na cidade , me liga. Beijão!
Cheguei em casa menos sensível, Rô e Dora não responderam de imediato.
Somente bem mais tarde Rosângela me ligou e contou sobre a troca de curso.
Ela também me contou que Dora realmente havia decidido morar em uma
comunidade autossustentável, no interior de Santa Catarina, ela e sua
namorada. Tampouco me responderia, só se comunicará por cartas agora,
seguindo uma nova filosofia de vida.
O papo todo me fez pensar que, caso nada desse certo, também viraria uma
natureba e viveria longe de problemas. Ou esperaria até daqui a um ano e
procuraria Esteban para nos casarmos. As ideias me derrubaram, fiz uma
careta. Parecia triste ter alguém que não se gosta preso como um fardo, assim
como não viveria feliz longe da poluição e agitação da cidade.
O que me restava agora? Estudar e ir embora, para qualquer lugar onde
pensar em Sebastian não me fizesse tão infeliz. Não tinha coragem para me
jogar no que sentia e precisava esquecê-lo de vez.
Já me esqueci de te
esquecer...

- Ninna, você está há muitos meses nessa vida!


- Que vida?
- Faculdade e casa, casa e trabalho! Só vamos ao cinema vez ou outra.
- Deise, não vou segurar vela. Pior que sair com você e Luís é ficar
sabendo que Sebastian está namorando firme por tanto tempo.
- Se gosta dele ainda, vai à luta então!
- Se ele gostasse de mim, não estaria com ela.
- Nossa, Ninna, não vou discutir com você outra vez.
- Que ótimo!
- Mas você não o tem encontrado? Nunca?
- Às vezes, nas aulas da tarde, mas ele me evita. E como mudou do turno
da manhã para à noite, só assim mesmo...
- Humm.
- Quando você embarca para o Canadá?
- Então, as aulas terminam agora em dezembro. Já comprei a passagem
para oito de janeiro, só preciso confirmar a pensão onde vou me hospedar lá.
- Tem coragem para ir tão longe sozinha, mas não vai ali falar com o cara...
A não ser que agora a viagem tenha se tornado uma fuga. É isso?
- Vai à merda, Deise.
- Ah, eu sabia! Vou falar com Luís e...
- Por favor – cortei - Não se meta!
- Ninna, vocês eram amigos tão próximos. Vai partir sem ao menos ficar
de boa com ele?
- Boa noite, meninas! - Disse minha mãe, entrando na sala. Alguém quer
pizza?
- Ai, não! Mãe, já engordei quatro quilos nesses meses, e você só me
afunda mais!
- Pode comer uma fatia ou duas, não tenho culpa se você come feito louca,
por ansiedade.
- Ok, eu mereci isso!
Naquela noite não dormi bem, e não foi culpa por ter devorado quatro ou
cinco fatias de pizza, pensava nas palavras de Deise. Talvez eu só estivesse
tão mal por não ter resolvido as coisas com Sebastian. Eu precisava da
amizade dele, não aceitava o fato de ele sequer me querer como amiga. Não
era justo, não era certo.
Se nossa história não pode seguir de uma forma, agora que ele estava há
tanto tempo namorando, talvez uma proximidade fosse possível. Por mais
que doesse pensar em vê-lo com outra, eu não...
- A quem estou enganando? – Falei para o casal de pinguins que me
olhava.
Até mesmo meu pensamento era falso. Eu o amava, amava meu amigo e
sofreria muito em vê-lo com outra. Era covarde, temia que me fizessem
sofrer, porém já estava aos pedaços por conta disso.
Eu própria havia cavado a situação, causei tudo isso e agora mal pensava
na minha partida, tudo era Sebastian. O que deveria fazer? Lutar por ele era
injusto, primeiro por saber que estava feliz com alguém que gosta dele e, em
segundo, ele também deveria estar apaixonado.
Além disso, havia o fato de que, mesmo hoje, ainda estava sem coragem
para um relacionamento. Lutar por algo que tão breve acabaria, com minha
partida ou por acontecimentos corriqueiros, valeria mesmo a pena?
Sendo assim, o que me sobrava? Mendigar para que Sebastian me
devolvesse sua amizade? Ou sofreria em silêncio, até o tempo me curar? Sim,
era isso, eu lutaria! E teria assim, de volta, um pouco de vida.
Naquela tarde procurei-o nos corredores da faculdade, mas era
praticamente impossível. Tomei coragem e enviei uma mensagem de texto
pedindo para conversar, mas fiquei sem resposta. Dois dias depois, o vi
saindo do prédio central de nosso campus, mas a sua espera lá estava ela:
Chris.
Talvez tenha enviado mais duas ou três mensagens de texto, todas sem
resposta, até que num ato meio desesperado, telefonei. Caixa postal atendeu e
não tive coragem de deixar recado, as mãos tremiam e o coração batia em
descompasso.
Na sexta, finalmente nos cruzamos num corredor, era fim de tarde. Ele não
me olhou, simplesmente ignorou por completo minha presença. Como se
fosse transparente, passou por mim sem um mínimo olhar.
- Sebastian! - Chamei meio exaltada.
Ele parou, virou e me olhou, depois rodou sobre os calcanhares e
continuou andando. Não respondeu, não fez nada. Seu olhar era gelado e
despedaçou meu coração.
- Não faz isso - falei - Sebastian! – Chamei, antes de dobrar o estreito
corredor.
Aquilo foi cruel, para dizer o mínimo. E não ficaria assim! Meu coração se
encheu de raiva e, movida talvez pela paixão, fui atrás dele e precisei correr
até alcançar seu braço.
- Sebastian, fala comigo! – Exigi desesperada.
- O que você quer?
- Quero falar com você. Não aguento esse clima.
- Não quero conversar.
- Mas eu quero, eu preciso! Por favor, não me ignore assim.
Seus olhos, até então severos, olhavam ao longe. Ele não me encarava, até
que por um breve minuto me olhou e tudo, absolutamente tudo mudou. Eu
não queria sua amizade, eu queria mais e o desejava todo. Deus, ainda estava
loucamente apaixonada por aquele cara.
- Sebastian – falei, com lágrimas nos olhos, me aproximando.
- Não, Ninna.
- Ah, sim... – Disse, eliminando a distância entre nós e buscando um
abraço.
Eu o envolvi com força, ele permaneceu imóvel até que me afastou
gentilmente. Olhou no fundo dos meus olhos, sacudiu a cabeça em negativa e
em seguida me aninhou num abraço suave, me fazendo romper em lágrimas.
Ele estava contrariado, mas não me odiava. Havia esperanças ali.
Saímos do meio do público caminhando lado a lado, eu enxugava os olhos
e fungava, desalinhada. Fomos até a área verde externa e sentamos embaixo
de uma sombra. Aquela era a hora? O que deveria dizer? Estava insegura e
perdida, sem saber o que falar.
- E-eu... – Gaguejei - Eu sinto muito, Sebastian.
- Ninna, o que deu em você?!
- Estou perdida...
- Perdida?
- Perdida, louca e sem saber o que fazer.
- Acho que precisa de uma amiga, não de mim. – Decretou sem rodeios.
- Você é meu amigo. Ou era.
- Eu não podia seguir como estava, me fazia mal. Você decidiu, lembra?
- Eu sei. Eu... Eu meio que me arrependi.
- Meio que se arrependeu de quê? Ninna, isto não está fazendo sentido.
Uma fúria me invadiu, levantei num salto e falei de uma só vez tudo que
estava engasgado há meses na minha garganta. Era ousado, impensado, mas
necessário. Estava decidida a me abrir e tentar que ele me perdoasse. Falaria
do meu amor e lutaria por pelo menos sua amizade.
- Sebastian, o que não faz sentido é você ter dito que gostava de mim e
estar com outra, com ela, há tanto tempo! Não faz sentido que ficou com as
duas ao mesmo tempo, não faz nenhum mísero sentido eu estar aqui falando
que EU gosto de você. Mesmo depois de tanto tempo de sua indiferença,
mesmo que esteja apaixonado por outra, estou aqui implorando sua amizade
de volta! Sofrendo por gostar de você, é isso que não faz sentido...
Não terminei meu discurso kamikaze, nem registrei que ele estava em pé a
minha frente. Seu olhar era estranho, tudo ali estava esquisito e talvez tivesse
colocado os pés pelas mãos mais uma vez.
- Eu... Eu, eu não sei de mais nada, Sebastian. Desculpe. Eu faço tudo
errado - desabafei, pensando em sair correndo dali feito criança.
- Não, Ninna! – Vociferou.
- Não o quê?
- Não pense em despejar tudo isso e sair daqui feito louca. Se fizer isso,
nunca mais volto a falar com você. Não sou palhaço!
- Eu não ia - menti.
- Sei! Vem. Vamos sair daqui.
Andando a passos largos, me empurrou para fora. Não pegamos nossos
materiais, apenas o segui até fora do prédio, onde caminhamos até sua moto.
Alcançou-me o capacete, ligou o motor e fez sinal para eu subir. Obedeci e
voamos juntos dali até o cais, mais precisamente a parte mais deserta ao sul
da antiga doca.
Era um lugar especial, onde já havia me levado três vezes antes: quando
me recuperei de uma virose, que acabou me derrubando por um mês; no pós-
funeral da minha amada avó; e no meu aniversário. Ali, dizia ele, tinha o pôr
do sol mais lindo do nosso mundo e esse encontro entre céu, sol e água fazia
todo mal sumir e em bem se transformar.
Respirei fundo, desci da moto, pulei a mureta e sentei na grama. Ele fez o
mesmo e fixou-se, olhando dentro dos meus olhos, me fazendo desviar o
olhar.
- Nada é tão fácil - disse ele.
- Me desculpe, Sebastian. Desculpe por tudo!
- O que você quer? Não entendo o que pode querer depois de tanto tempo.
E estando com meu primo!
- Seu primo? O Esteban? Não estou com ele, nunca estive!
- Ele disse... Bem. Ele insinuou que estavam num romance desde que
esteve aqui.
- É mentira. Nunca mais o vi e sequer nos falamos. Teríamos trocado
alguns e-mails, mas nada desse tipo.
- Tem certeza? Mas você ficou com ele e não foi uma vez só.
- Isso não importa, nunca teve importância!
- Para mim sim, Ninna. Para mim mudou tudo...
- Sebastian, não há nada. Estou sozinha todos esses meses, enquanto você
me esquecia e se apaixonava por outra.
- Você transou com ele?
- Você por acaso não faz isso há meses com ela? Ah, o que importa?!
- Esteban é um otário, sempre disputou tudo comigo e nunca se conteve em
roubar o que era meu. Naquela noite, soube de alguma forma sobre nós dois e
fez de você um novo objetivo.
- Mas eu...
- Ele pegou meu telefone e descobriu tudo sobre você. Até mesmo saímos
no soco quando se gabou do que faria em tal noite.
- Esqueça isso. Eu gosto de você e isso está acabando comigo.
- E o que você quer?
- Você!
- Duvido que tenha certeza. Quer hoje, amanhã desiste e foge.
- Bem, eu quero você. Na verdade, eu preciso de você. Se existe algum
sentimento aí dentro, que me pertence, quero de volta! Não importa se é só
amizade. Se for meu, eu exijo que me devolva... Por favor.
- Ninna, tudo que eu mais desejo é colar minha mão na sua nuca, aqui e
agora, e te beijar tanto que talvez não saiba se me retribui ou respira. Quero te
levar para minha cama, te cansar de prazer e depois ficar olhando você
desfilar de pés descalços, vestida com uma camiseta minha. Quero conversar
sobre como foi nosso dia, reclamar e rir juntos, fazendo disso uma rotina.
Depois de tantas palavras, da beleza sincera que emanou de seus olhos, não
me contive. Jogando-me em seus braços, beijei-o em meio a lágrimas
salgadas, acabando com a dor, cicatrizando minhas feridas e tendo a certeza
que eu o queria mais que tudo.
- Não - O beijo foi curto, logo ele nos separou.
- Desculpa.
- Não é isso, devo respeito a Chris. Estamos juntos há tanto tempo e não
sou um canalha.
-Você a ama?
- Eu gosto muito dela.
- Então talvez devêssemos ficar na amizade, deixar tudo como está. Afinal,
não posso ser egoísta, em janeiro vou embora e talvez não valha a pena te
pedir para que termine com ela.
- Eu preciso pensar.
- Está bem.
- Deixa os próximos dias rolarem e eu rever as coisas aqui e aqui. -
Apontou para a cabeça e depois para o coração.
- Faça isso. Mas não me exclua da sua vida. Alguma coisa deve ter ficado
aqui, para mim - Apontei para o coração.
Posso ver o caminho
que me leva a você...

Ela era mais bonita, morena e estava sempre bem vestida e maquiada. Eu
andava sempre com cabelo preso num rabo de cavalo, com raiz escura e loiro
desbotado. Maquiagem, só rímel, e roupas do tipo básicas, de lojas baratas ou
compradas num hipermercado popular.
Ele não dava sinal de vida desde sexta e os três dias pareciam longas
semanas. Seria castigo? Será que nem sua amizade teria de volta? Deveria
contar a Deise e pedir que descobrisse algo? A angústia de não ter respostas
me tirava o sono à noite e a atenção durante o dia.
Já era quarta-feira quando só então contei todo meu drama. Primeiro a
versão detalhada para minha mãe, e depois um resumo para Deise, minha
melhor e agora única amiga. Ambas me davam conselhos distintos. Uma
exigia calma e nada de pressões sobre os ombros de Sebastian. A outra exigia
que telefonasse atrás de uma posição, de alguma posição sobre a resposta. E
eu? Bem, fiquei no meio do muro, não exigi nada e também não o pressionei.
Mas, como segui a lógica de Deise, me mostrei para ser lembrada.
Enviei uma mensagem de texto dizendo apenas: não me esqueça. Depois
cruzei os dedos e rezei por uma ajuda extra da minha amada avó lá do céu.
Na sexta-feira senti um misto de tristeza com uma pitada de nostalgia. Não
o vi nenhum dia, Deise não descobriu nada sobre ele com Luís e eu já
cogitava mandar uma mensagem despeitada e mal-educada. Engoli essa
vontade apaixonada agarrando o casal de pinguins da minha cama.
- Malditos sejam os homens! Não se iluda, não se apegue, corra e não olhe
para trás. É isso. Vamos dormir – resmunguei.
E, cercada por minhas duas pelúcias, fiquei imaginando quem eu era
afinal: o Ártico? Coloquei nas estrelas toda a culpa que sentia por sofrer e
rezei para dormir como uma vampira. Sim, eu estava bastante perturbada e
assim dormi, depois de talvez me remexer durante duas horas.
TicToctoc!
Um barulho me acordou. Os olhos embaçados, de um sono profundo
depois de horas em claro, impediram que enxergasse direito.
Tictoctoc!
Novamente o ruído. O barulho vinha da janela. Estavam jogando pedrinhas
nela? Saí da cama, meio assustada e outra parte curiosa, espiei pelas frestas
da janela, mas nada conseguia ver.
Tictactac!
- Mas que diabos! – Exclamei, até o brilho do meu celular me distrair.
Ninna, estou aqui fora. Bj, S.
Meu coração tropeçou e talvez tenha caído até o estômago, tamanha
sensação que tive. Era Sebastian, que me chamava no meio da madrugada.
Abri a janela, sequer preocupada por estar vestida apenas de calcinha e uma
camiseta velha, com o rosto amassado, os cabelos emaranhados e talvez um
hálito não muito agradável.
- Sebastian? - Sussurrei até vê-lo surgir em frente a mim.
- Me sinto um Romeu.
- Vou fazer a volta e abrir a porta - declarei.
- Não vou entrar. Não precisa.
- Vai ficar aí? Venha, pule a janela então!
- Não, melhor não.
- Que houve?
- Eu pensei em vir aqui e dizer que não posso deixar Chris agora, mas só
tenho vontade de raptar você.
- Então foi por isso que desapareceu? Decidiu ficar com ela e nem sua
amizade vou ter?
- Ninna, as coisas não são fáceis. Eu não quero magoá-la mais, ela... Bem,
ela está um pouco frágil.
- Você gosta dela? Tanto assim?
- Não como gosto de você. Nem perto disso – assumiu, encolhendo os
ombros.
- Então me dá uma chance, vamos tentar!
- Tem certeza, é isso que quer?
- Sebastian, você é o que mais quero. Mas...
- Mas?
- Tem minha viagem, eu sonho em morar fora do país. Preciso fazer isso
por mim. Mas, até lá, poderíamos ser felizes. Ou quem sabe você vai comigo.
- Ela acreditava estar grávida, me contou quando tentei terminar, há alguns
dias – informou, mudando o rumo do meu discurso.
- E estava?
- Disse que não.
- Bem, não está! Então...
- Eu sei, mas ficou bastante fragilizada, coitada.
- Olha, eu nem sei o que dizer. Sinceramente, agradeço por ela não estar
esperando um filho seu, senão te prenderia com esse bebê e seria o fim para
nós.
- Gosto de você, Ninna. E isso é uma bosta.
- Eu gosto de você, Sebastian. E isso é tudo que tenho. Deus sabe como
lutei, mas não consigo mais esconder.
-Ninna... – Disse, me puxando o rosto, meio bruto, para um beijo seco.
Eram só nossos lábios pressionados, olhos fechados e a respiração
trancada. Depois de alguns segundos, foi me soltando devagar e fixou seus
olhos nos meus. Um olhar mais verde que de costume, mas doce e amoroso
como sempre.
- Iríamos noivar no Natal.
- Então é amor.
- Não. Mas eu tinha decidido te esquecer, construir alguma coisa e viver.
- Talvez seja melhor... Talvez deva ficar com ela, eu sou muito complicada
e não posso me unir assim como vocês fariam. Não agora, não posso fazer
isso até me conhecer, ter uma carreira e me sentir plena, sei lá.
- Eu sei. E talvez essa seja a maior burrice que vou fazer – Disse, ainda me
olhando fixo, e pulando a janela de madeira em seguida, me beijando com
paixão.
Estava com a roupa fria, e sua jaqueta de couro com pequenas gotículas do
sereno noturno. Mas não me importava, porque sentia o calor que só dois
amantes podem emanar.
Seu olhar era encantador e sua boca talvez jamais me pareceu tão
convidativa. Beijei-o, levantando meus braços por sobre seus ombros,
envolvendo seu pescoço e ficando na ponta dos pés. Ele aninhava minha
cabeça entre suas mãos fortes, como se bebesse de um jarro precioso o néctar
mais delicioso do mundo. E depois de um inevitável suspiro precisei buscar
fôlego, me afastando alguns centímetros.
O maior problema não é a paixão, mas as dores que ela nos causa ao longo
do caminho. E talvez a única solução seja acomodá-las em algum cantinho,
para que não atrapalhem ainda mais a vida com um caminho calculado.
Acalmar a alma machucada para não tornar desorganizados os sentimentos
até então organizados. Afastar até mesmo a sombra daquilo que não nos faz
falta.
Talvez o amor e a paixão realmente não sejam um problema e aquilo que
nos mata aos poucos seja a indecisão, a insegurança e o inevitável fluxo da
vida.
E esses eram meus pensamentos enquanto ele pulava a janela novamente,
partindo para, quem sabe, voltar para meus braços em definitivo. Para
finalmente matar minha sede de sua saliva, ser meu chão e preencher minha
vida.
***
Não mantivemos contato nos dias seguintes porque Sebastian acreditava
que isso seria traição. Respeitei na medida do possível, porém não contive
minha ansiedade quando telefonou avisando sobre o término do namoro e me
pedindo um tempo.
- Tempo para quê? – Questionei frustrada.
- Para deixar a poeira baixar. - Disse ele cheio de reservas.
- Mas, Sebastian, se já acabou, o que nos impede agora?
- O bom senso. Não acho certo terminar com uma garota e no dia seguinte
ser visto com outra. Não faria isso com ninguém.
- E de quanto tempo estamos falando?
- Não sei, vamos dar uma ou duas semanas. Depois vamos aos poucos,
para não ferir ninguém.
- É impressão minha ou você não está seguro em relação a nós?
- Ninna, terminei um namoro de vários meses, ficaríamos noivos por
sugestão minha. Tudo para ficar com você. Ainda dúvida do que sinto?
- Desculpa. Fico insegura com esse afastamento. Sei lá.
- Não precisamos ficar sem se ver, só não quero ainda sair em público com
você, nem que ela saiba por outras pessoas, de uma hora para outra.
- Vem me ver hoje então, por favor?
- Me espere com a janela aberta.
- Sempre.
Depois desse dia, ficamos juntos praticamente todas as noites, em visitas
clandestinas, desde logo após ele sair da aula até uma ou duas da madrugada.
O clima adolescente estava ótimo, quente e começamos a sair juntos em
público uns quinze dias depois.
Primeiro nos intervalos das aulas à tarde, depois em alguns passeios e
diversões comuns a um casal da nossa idade. Porém, mensagens e mais
mensagens chegavam diariamente no celular dele, todas da mesma remetente.
Tudo estava tenso, até certo dia...
Tinha acabado de chegar em casa, Sebastian havia me deixado há poucos
minutos quando bateram em minha porta. Quando abri, para minha surpresa,
a própria Chris me encarava. Já em posição de ataque, parecia furiosa.
- Quero falar contigo. – disse sem delicadezas.
- Falar o quê? Que você quer aqui?
- Você sequer ama Sebastian, por que está fazendo isso? Deixe-o em paz,
estávamos felizes.
- Acabou, ele está comigo. Não vou discutir – falei, tentando fechar a
porta, mas sendo impedida por ela.
- Eu estava grávida, sua piranhazinha, você estragou tudo.
- Grávida? Duvido. E eu não estraguei nada, vai embora daqui.
- Não sem antes te dar isso! – falou, me acertando um tapa violento no
rosto. – E não perde por esperar, ele não vai ficar com você depois disso... –
falou, rasgando a manga da blusinha que vestia e arranhando o próprio rosto.
- Sua louca, para que está fazendo isso?!
- Se ele não ficou comigo, não ficará com você também! E é como Esteban
me alertou, você não teria reação, sua babaca – disse, vindo para me dar outro
tapa, até ser impedida pela voz de Sebastian.
- Não faça isso! – disse às suas costas.
- Sebastian – falamos ao mesmo tempo.
- Ei, eu vim pedir desculpas e...
- Não minta mais, Chris! Acabo de receber fotos no meu celular, dos seus
exames de gravidez. São negativos, vários.
- Mas quem...?
-Não importa! Você estava tentando engravidar e forjou uma falsa
gravidez. Por quê? Além disso, que história é essa de Esteban ter te alertado
alguma coisa? São amigos agora?
Por alguns segundos, ela mudou o rosto de vítima para assassina. Parecia
estar transtornada e, quando voltou a falar, sem máscaras, chegava a espumar
nos cantos da boca. Se antes eu estava brava, surpresa e talvez até com pena,
passei a sentir medo de tamanho ódio.
- Cansei! Can-sei!!! Quer saber? Vá à merda, Sebastian, talvez você
mereça essa sem sal afinal. Espero que fiquem gordos e feios juntos, que
nunca tenham filhos e ela seja seca como uma folha. – disparou para nós dois
– Cansei de te amar e ser tratada assim, não mereço esse amor. E sim,
Esteban vem sendo um ótimo amigo e conselheiro. Amante, provavelmente,
quando formos viajar.
- Faz o tipo dele jogar. Está te usando para me atingir, sempre teve inveja.
- Inveja agora? De quê? – cuspiu, rindo – E no mais, estou indo embora. E
que sejam eternamente infelizes!
Batendo o salto com força saiu, como diria minha avó, soltando fogo pelas
ventas. Meu rosto ainda ardia de sua bofetada quando Sebastian me abraçou.
Não falamos nada, não precisou. Tudo estava claro e parecia finalmente ter
acabado.
Chris não desistiu tão fácil, estava por vezes furiosa e outras desesperada,
o que limitava nossa felicidade. Porém, suas investidas ficaram a cada dia
mais distantes, até que pararam. Soubemos que ela e Esteban estavam
esquiando em Bariloche, felizes como um casal recém-casado e com planos
de um possível futuro na Itália.
Mal começamos a ter uma rotina e um peso a mais, além da insistência
dela, caiu sobre nós. O peso da minha viagem e uma contagem regressiva
silenciosa nos abatiam dia após dia.
Era estranho falar dela. Um misto de emoções sobrecarregava esse assunto
e por isso o evitava com Sebastian. O clima apaixonado ficou melancólico,
por vezes mais que o necessário, e isso talvez tenha nos afastado um pouco.
Seria possível nosso namoro resistir à distância?
Eu me agarrava a ele, nos gostávamos, é claro, e talvez isso fosse a pior e
também a melhor parte. Cheguei a questioná-lo sobre ter se arrependido de
tudo o que largou por mim, mas seu olhar em negativa nunca me deixou em
dúvida. Não, ele não estava arrependido e sim, ele gostava de mim.
- Você tem certeza que ainda quer ir? - Perguntou minha mãe em uma
manhã qualquer.
- Por que você não deixa para o próximo ano? - Indagou Deise por
telefone.
E eu não tinha respostas, estava dividida. Meu lado, talvez egoísta, dizia
que deveria ir e viver tudo o que havia sonhado: outra vida, novas
oportunidades, uma carreira e meu crescimento pessoal. Se houvesse
sentimento real, Sebastian acabaria indo ao meu encontro, certamente.
Já meu coração indicava que abandonasse meu sonho e vivesse a realidade
ao lado do homem que eu gostava. Que viagens e crescimento profissional
não preencheriam a falta que ele me faria e a distância nos separaria de vez,
abrindo caminho para outra garota de sorte.
Meus questionamentos ganharam força quando a vida de Sebastian mudou
drasticamente. Seus avós paternos, que vinham aos poucos conquistando o
único neto, precisaram dele e até sua mãe, que nunca gostou da aproximação,
considerava que era necessário ajudar.
Seu avô, Bernardo, estava com Alzheimer e a avó, Irina, precisava sair do
campo e viver na cidade com ele. Sozinha e longe de atendimentos médicos
era impossível seguir, porém não havia ninguém mais para cuidar dos seus
negócios rurais.
De início foram morar no apartamento de Sebastian, e ele voltou para a
casa da mãe. Era o mínimo que podia fazer, me disse ele. Contudo, mais
responsabilidades surgiam. A renda para o sustento deles vinha das terras que
tinham e dos negócios que lá desenvolviam.
Uma plantação pequena de girassol servia como base para a apicultura, que
gerava uma boa quantia de mel puro e exótico para exportação. Além disso,
mantinham alguns cavalos que eram resgatados de maus tratos. Depois de
cuidados, eram treinados para terapia equestre e enviados para instituições de
todo país, que desenvolviam estes projetos com jovens e adultos especiais.
- E você vai precisar cuidar de tudo? Sozinho?
- Sou o único herdeiro. É isso ou vender, mas meu avô escreveu inúmeras
cartas assim que soube da doença e este não era seu desejo. Além disso,
posso contar com os conselhos de minha avó.
- Cartas?
- Sim, escreveu para mim e guardou-as, tinha medo do futuro que essa
doença traz como certo.
- Sinto muito...
- Eu também, por isso vou fazer o que for preciso. Por mim, por eles.
***
Então, com o fim do ano vieram essas mudanças. Sebastian se viu
acumulando muitas funções: meu namorado, estudante em final de curso,
neto zeloso e aprendiz de administrador. Ele corria de lá para cá na sua moto,
tentando me dar atenção e estudar, ajudando os avós e se colocando a par dos
negócios que precisaria tocar.
Sendo assim, optamos por eu trocar o turno da manhã para noite, assim
passaríamos ao menos essas horas juntos, já que nas aulas da tarde só nos
encontrávamos nos corredores. Fiz a troca, mesmo faltando menos de dois
meses para nossa formatura.
Eram meados de novembro e tudo havia mudado muito rapidamente. Com
o fim das aulas no início de dezembro, absolutamente tudo parecia mais tenso
e intenso, para dizer o mínimo.
- Tenho tanta coisa para fazer, às vezes parece que nada vai dar certo. -
Segredou-me um dia, enquanto ganhava um cafuné.
- As coisas já estão se acomodando. – Garanti, mesmo sem ter certeza.
- Ainda bem que as aulas estão acabando, preciso de tempo para ir lá na
fazenda. Tenho muito que fazer, de verdade.
- Quais os planos?
- Bem, terminando aqui na faculdade, vou me dedicar aos negócios que são
a fonte de renda deles. Também quero levar você para conhecer meus outros
avós neste Natal. Já na festa de Ano Novo, nos dividimos entre minha família
e a sua.
- Não, não falava disso. Perguntei sobre seus planos depois, os de vida.
- Bem, estou motivado para seguir com as abelhas e os cavalos, mas
também tenho outras ideias se formando... E você está em todas elas.
- Você é tão lindo! Por fora e por dentro, sabia? – Desconversei.
- Eu acabo ficando convencido assim!
- Pode ficar. Gosto muito de você, mesmo que fique exibido.
Não sabia ao certo, mas tudo parecia estar em harmonia. Talvez tenha sido
a perda do foco na minha viagem, devido aos problemas e às novas
perspectivas que surgiram no caminho do meu namorado. Nosso
relacionamento parecia mais maduro, sólido.
Fizemos inventário de tudo que havia na fazenda, das despesas e
compromissos, livro caixa e contabilidade em geral, desenvolvemos
cronogramas e em um mês estava tudo teoricamente sob controle. Tínhamos
longas horas de conversas com sua avó, absorvendo ensinamentos.
O Alzheimer estava estacionado e mantinha muito da lucidez do avô, que
parecia bem de saúde com o tratamento adequado. Sebastian, motivado,
parecia feliz, fazia planos de tocar os negócios existentes, mas também de
começar algumas coisas suas.
O Natal chegou tão rápido que mal comprei presentes e passamos todos
juntos numa confraternização organizada por Sebastian e eu. Na verdade, ele
estava progressivamente dormindo mais e mais noites no meu quarto, o que
garantia horas extras de papo e planejamentos.
Minha mãe e uma amiga do centro de estética, a mãe e o padrasto de
Sebastian, os avós paternos dele, Deise e Luís, duas vizinhas nossas, sendo
uma com três crianças, encheram a casa e foi uma noite maravilhosa. Fiz uma
linda mesa de doces e minha mãe preparou a refeição principal. E quando
chegou a meia-noite, chorei por uma emoção que as festas de fim de ano
sempre me traziam. Contudo, estava feliz pela simplicidade de uma vida em
família.
O Ano Novo veio logo em seguida e desta vez viajamos até uma cidade,
longe dali, para uma ilha incrível onde os avós maternos de Sebastian
moravam. Foram três dias lindos de praia e calmaria, numa casa maravilhosa.
- 5.4. 3... 2, 1! - Fazíamos a contagem regressiva, olhando os fogos de
artifício à beira-mar.
- Feliz Ano Novo – dissemos, trocando carícias, dando um beijo longo e
um abraço apertado.
- Ninna, você aceita se casar comigo? – Pediu subitamente, seus olhos nos
meus.
- Oi?
- Quero que hoje seja o início de uma nova vida, quero você todas as noites
e todos os dias comigo. Ninna, você aceita se casar comigo?
- Sebastian. Eu, eu... – gaguejei desarticulada.
- Uma vida ao seu lado será pouco tempo para tudo que desejo viver, não
quero que você viaje e nem desejo dormir uma noite longe do seu cheiro.
Quero filhos, cachorros e gatos, quero fazer da Fazenda a nossa casa... Nosso
lar, Ninna, quero você usando meu sobrenome – Disse, me beijando - O que
me diz?
- Você me pegou de surpresa, meu Deus! Sebastian, eu preciso pensar.
Estou até sem ar!
- Então pensa, Ninna, você tem uma semana.
- Uma semana?
- Sim, você viaja em uma semana. Não falamos mais sobre isso, mas sei
que está tudo pronto para sua partida.
- Eu poderia adiar um mês, quem sabe.
- Achei que desistiria antes.
- Mas você nunca sugeriu isso.
- Sejamos realistas: se você for, o nós acaba.
- Não precisa ser assim.
- Pense e decida, amanhã voltamos para casa e só tornamos a conversar
quando tiver minha resposta.
- Você está sendo duro.
- Por gostar tanto de você, sou obrigado a fazer isso – falou, selando meus
lábios com um beijinho - E duro você verá... – disse, colando seu corpo ao
meu - Sente isso? Vem. Vou ser firme e bastante duro com você lá no quarto,
com certeza vai gostar.
E assim corremos de mãos dadas e risadas soltas para dentro da casa
ampla. Subimos até o quarto onde estávamos hospedados com todo luxo e
depois da porta trancada começamos a fazer aquilo que dispensava palavras.
Era fome, desejo, sexo com inúmeros sentimentos, era magia e a mistura do
pecado com o divino.
Era luxúria sim, mas também era carinho, amizade, afeto singelo.
Era tudo, era um princípio e um fim.
Naquela noite, ficamos por horas num jogo de preliminares excitantes. O
quarto branco tinha uma parede forrada por esteiras, detalhes que indicavam
uma casa de praia com um frescor convidativo e de beleza nada simples.
Massagem regada a óleo de jasmim e muito sexo oral colocavam em
brasas nós dois, até que finalmente passamos ao ato de fato e esse me fez
repensar até onde se pode ter prazer. Talvez não houvesse limite, só talvez
me sentisse como uma viciada assumida e nunca cansaria daquilo com ele.
Tentamos posições diferentes. A 69 me deixou bastante constrangida,
então alternamos para um papai e mamãe invertido, além de outras posições
não só desconhecidas como também bem do tipo contorcionista, que adorei.
Sebastian mantinha um corpo forte e viril, tão perfeito que chegava a
balançar minha autoestima, ainda mais agora com tantos quilos a mais que o
desejado. Porém, seu sentimento era tão efervescente que eliminava qualquer
insegurança fútil que teimasse em me invadir.
Na manhã seguinte partimos para casa de ônibus, assim como na ida, pois
era um trajeto muito longo. Dormimos de braços dados, minha cabeça
apoiada em seu ombro. A cada solavanco, um aperto na minha mão acabava
com o medo ou possível susto.
Minha avaliação sobre os avós de Sebastian não mudou muito, eram
exatamente como ele já me havia descrito. Ponderados e sem muita
demonstração afetiva, eram bastante ligados às regras de etiqueta e bons
costumes. Foram sempre afáveis, claro, mas mantendo certa distância ou até
mesmo hierarquia familiar.
A avó de Sebastian, uma Barbie da terceira idade, era bem falante e
equilibrava o clima, já que seu marido, metade argentino, era nariz empinado
e monossilábico a maior parte do tempo. Aproveitamos a praia e saímos em
pequenos passeios, deixando somente as refeições para fazermos na
companhia dos dois.
Deixa o coração em
flor se abrir...

- Vamos até lá nas terras? Pegamos minha moto, topa? - Convidou


Sebastian quando ainda fazíamos o trajeto de ônibus para casa, enquanto
refletia sobre seus avós paternos.
- Vou gostar de rever o lugar, tenho ótimas lembranças do acampamento.
- Dessa vez será diferente. Quero te mostrar nosso futuro, contar meus
planos e reforçar o pedido que fiz ontem. Talvez ajude em sua resposta.
- Você me deu alguns dias... Não me pressione tanto assim.
- Não tenho como adiar mais. Você ficará comigo ou partirá, preciso dizer
e mostrar tudo que imagino. Depois você fará a melhor escolha.
- Tá ok, eu topo. Vamos, sim, visitar o lugar.
- Te quero muito – sussurrou, beijando o topo da minha cabeça.
O convite inesperado alterou meus planos de chegar em casa e decidir o
rumo de minha vida, com conselhos da minha mãe e também da minha
melhor amiga. Mas engoli a sensação de pedras de gelo, que inquietava meu
estômago, e assumi todos os riscos. Sim, eu iria lá e depois decidiria o rumo
da minha vida. Recostada em seu ombro, tentei descansar durante o restinho
de viagem.
Às três da tarde já estávamos na estrada novamente, rumo às terras da
Fazenda Sol Girassol, nome que até então desconhecia. Mal chegando lá,
Sebastian parecia outro homem, de tão empolgado e falante. Convidava para
olhar com atenção o lugar, cativando minha atenção e renovando meu
ânimo.
- Para essa vila ainda não tive nenhuma ideia, quem sabe você pensa em
algo. Mas ali na praia não tocarei em nada - Disse quando chegamos – Daqui,
em toda área que acampamos, até lá em cima, - apontou - quero fazer um
eco-camping bem interessante e demarcar as trilhas. Sabe, tem uma cachoeira
lá, e também um pequeno córrego que some numas pedras. Depois mostro a
você.
- Ai, que lindo, acho mágicas as cachoeiras!
Cruzado todo o espaço de árvores nativas, chegamos à enorme clareira
onde ficava a propriedade em si. Parte do passeio nós fizemos caminhando e
o restante cavalgando Sílver e Heitor.
- Ali pretendo fazer um dique, sempre achei bonito, e ter um barco
pequeno, talvez.
- Não tenho coragem de andar num barco – confessei, arrancando risadas e
ganhando um beijo.
- Vem, vou mostrar a plantação e as caixas de abelhas. Mas ficam longe,
numa área cercada, e não podemos nos aproximar sem as roupas de proteção.
- Ok!
- E os cavalos agora são poucos – Disse, chegando ao estábulo - Mas penso
em trocar isso aqui e ampliar a área onde eles ficam. Quero reunir o máximo
de animais vítimas de maus tratos e reabilitá-los. Talvez, além de instituições
públicas, possamos expandir para privadas – Vibrou, contando.
Tudo ali era incrível, uma realidade muito diferente. Ter um lugar tão
grande, com tantas possibilidades, era realmente empolgante. Minha barriga
roncava de fome e meus pés estavam cheios de bolhas quando finalmente
fomos para a casa principal. O sol, suave, emprestava mais luz ao lugar, que
era maior do que imaginava. O sobrado, um legítimo solar do século passado,
estava impecável, totalmente reformado em sua parte inferior e digno de uma
grande família aristocrata. Era lindíssimo, com pé direito elevado e portas
pesadas de madeira pintadas em um tom perolado.
- Tudo é tão novo, tão jovial! Seus avós me surpreenderam, imaginava a
casa bastante diferente, com móveis pesados.
- Confesso que eu também, mas não dou bola para isso. Deixo para você
essa parte – comentou, como se a casa fosse minha, me deixando muda-
Acho que seria legal cercar aí fora, tipo uma cerca baixa, branca. Fazer
alguma arrumação à nossa cara e construir um lar, Ninna – Disse, pegando
minha mão e me levando até a porta da casa.
Chegando lá, abriu as duas portas para trás e nos encaminhou até o
alpendre, onde podíamos ver a água lá na frente. O capim muito baixo,
verdinho, parecia grama plantada e a paisagem era digna de um belo quadro
figurativo de pintores antigos.
- Antoninna Maria Matias – falou, ficando de joelhos e segurando minha
mão – Eu, Sebastian Chagas de Itaybarra, peço sua mão em casamento,
ofereço minha vida e um futuro seja ele onde for, de amor e companheirismo.
As palavras dele foram sacramentadas por um anel, que inesperadamente
colocou no anelar de minha mão direita. Era um rubi solitário e majestoso.
Tudo ali me fazia fraquejar os joelhos, não sabia nem mais como se
respirava. Sentia o rosto corado e meu corpo inteiro transpirar.
- Esse foi o anel de noivado dos meus avós. – Disse, levantando - Com ele
concretizo meu pedido que em breve trará sua resposta. É isso que tenho a te
oferecer, essa vida nova que nem eu sei como será, mas que desejo que seja
nossa –falou, me beijando com carinho - Quero você, uma dúzia de filhos e
uma vida longa...
As palavras se calaram em outro beijo, que se somou a mais outro e outro,
até que me pegou no colo e entrou na casa, subindo as escadas e invadindo
uma das portas do andar superior. Era um quarto simples, ainda não estava
reformada a parte superior da casa, e numa cama velha sem lençol tive meu
corpo coberto pelo dele. Suas carícias eram ternas, circulavam meu rosto e
despiam minha alma. Com seu olhar arrebatava meu coração, que se perdia
num mundo mágico chamado amor.
E foi todo o tempo assim: olhos nos olhos e beijos brandos, que se
somavam a uma aura de entrega e união. Nós nos despimos sem se desviar
desta troca silenciosa e nos encaixamos com perfeição, como se fôssemos
apenas um. Era mais do que íntimo, acho que talvez aquilo fosse
verdadeiramente amor e só de pensar na palavra já temia o futuro.
As únicas frases que ele me disse durante todo o tempo em que ficamos
unidos rodariam por minha cabeça mesmo horas depois. "Não sei como pode
cogitar ficar longe e nos separar. Quero uma vida ao seu lado. Não tenha
medo, seremos felizes para sempre". E quando chegamos juntos ao ápice do
ir e vir, vencidos pelo prazer e entregues a gemidos lânguidos, explodi de
várias formas e uma delas foi em lágrimas agridoces.
Minutos depois, já recompostos, descemos. Uma senhora de meia-idade
nos recebeu, se oferecendo para fazer uma refeição para comermos. Ela
cuidava da casa, junto com outra moça, que só trabalhava duas vezes na
semana. Dona Helena era o nome dela, se apresentou para mim, pois
Sebastian já a conhecia. Rosa era a outra mencionada, que naquele dia não
estava trabalhando. Tomando um belo café com cuca e pão com manteiga,
tudo caseiro e delicioso, fiquei sabendo dos funcionários da Fazenda em meio
a conversas entre eles.
Havia um capataz, do tipo faz-tudo, que morava numa casinha ali mesmo
na propriedade. Era Seu João, marido de dona Helena e pai de Felipo, que
também trabalhava na fazenda, e de Lucia e Eriberto, mas estes filhos
moravam na cidade.
Descobri que o negócio das abelhas era invenção da avó de Sebastian, uma
bióloga apaixonada que se tornou apicultora exótica artesanal e fez disso um
pequeno negócio. De tempos em tempos alterava a pequena plantação, para
que menos de cinquenta caixas de abelhas produzissem mel tipo exportação
com mercado garantido. Tudo orgânico e sem nenhum produto químico nas
lindas flores, que neste ano eram girassois.
O avô, advogado de profissão e juiz aposentado, era apaixonado por
cavalos. Ele fez disso um trabalho social de resgate de maus tratos,
reabilitação e ressocialização, para ajudar pessoas especiais com equitação e
equoterapia. Era um belíssimo trabalho, um exemplo que deveria ser seguido
no mundo todo e ganhar prêmios.
O simples fato de conhecer mais seus avós me fez ter ainda mais orgulho
de Sebastian, que herdou muito dos dois. Sua mãe era uma boa mulher, mas
muito “nariz empinado”. Foi criada por seus pais playboys, que eram gentis,
porém sem muita demonstração de afeto. Sendo assim, talvez Sebastian
tivesse mais semelhanças com seu lado paterno.
- Não vejo a hora de o menino vir para cá! Sem os patrões ficamos
perdidos, solitários.
- Breve faço minha mudança e sempre que possível eles vêm passar finais
de semana.
- O menino ligue antes, assim chamo Rosa e arrumamos tudo para esperar.
Mas, mudando de assunto: antes de partir, fale com Sirino. Precisa dar umas
ordens para ele, e Felipo também quer conversar sobre alguma coisa, que não
lembro o que é.
- Pode deixar – respondeu gentil.
- Os rapazes das abelhas vêm na segunda, o veterinário quer combinar
alguma coisa com o senhor, tem que chamar um guri para ajudar na roça do
mato... Aí vai só falando com ele e com meu guri.
- Ninna, você fica aqui, eu volto logo. Partimos hoje, não se preocupe.
- Ok, vai tranquilo.
- Aqui é bom para viver, você vai gostar, e logo espero que encham a casa
de crianças – Disse a senhora, saindo da sala com seu avental sujo de ovos e
farinha.
Não pude explorar mais o lugar, o dia estava acabando e Sebastian
desejava voltar. Vi tudo, na medida do possível. Foi um passeio agradável,
mas bastante apreensivo, já que não era bem uma visita desinteressada e sim
uma amostra do que Sebastian indicava como futuro.
Já em casa, muito tarde da noite, quase não dormi. Olhei minha passagem
sobre a mesinha, a mala no canto do quarto, e nada fazia sentido agora. Sentei
na frente do computador e troquei a passagem para dali a dois meses, num
impulso. No dia seguinte enviaria um e-mail para a pousada, transferindo
minha reserva, e também avisaria meu contato brasileiro por lá. Estava
totalmente sem rumo. Se antes evitava maiores envolvimentos afetivos, hoje
não conseguia mais fugir do que sentia por Sebastian.
Contudo, nunca imaginei ficar noiva e casar tão rápido. E era isso que ele
desejava: uma companheira para os novos desafios, uma mulher, filhos, ele
disse. Era muita perspectiva, uma pressão tão sólida quanto o rubi do anel
solitário que brilhava em meu dedo.
- Você tem medo do quê? -Perguntou minha mãe quando falei todo meu
drama.
- De tudo.
- Não pense tanto, querida, viva mais e siga seu coração. Não deve se
reprimir tanto, o tempo todo, evitando o inevitável. Você só sofre à toa.
- O que você faria? O que devo fazer?
- O medo paralisa. O amor impulsiona. Viva, filha.
O medo paralisa, mas também evita muita coisa ruim. Meu pensamento
aflito causava certa negatividade a cada dúvida que me invadia.
- O que devo fazer, Deise? – Perguntei numa ligação vespertina.
- Ninna, você deve fazer o que te fará feliz. Eu não me jogaria, não sou
assim, mas também não deixaria de lado meus sentimentos.
- Fico confusa, insegura...
- Se você larga Sebastian num dia, aquela Chris cata ele no outro, não me
parece que brinca em serviço.
- Sim, ela aceitaria sem pensar.
- Porque gosta dele sem ressalvas.
- De que lado você está?!
- Do seu, amiga, mas se bobear perde esse homem para sempre. Duvido
que uma negativa sua, desta vez, não o faça desistir.
Acreditei nas palavras de Deise, ela tinha razão, com certeza. Da mesma
forma que os conselhos de minha amada mãe pareciam assertivos, como na
maioria das vezes. Meu medo era maior do que o sentimento que nutria por
Sebastian? A simples lembrança daquele homem me fazia sentir um frio na
barriga e por vezes até me angustiava saber o tanto que o queria.
Sebastian, onde vc está?
Legalizando tudo, organizando minha mudança. E vc?Bjo, S.
Pensando.
Até qdo?Bjo, S.
Já tenho minha resposta. Te encontro no cais amanhã, no pôr do sol, ok?
Estarei lá, te esperando. Bjo, S.
Era mentira, não tinha resposta nenhuma ainda. Mas o mínimo de
consideração que eu deveria ter era ser rápida e não maltratar tanto a nós
dois! Minha indecisão se resolveria até lá, ou na pior das hipóteses, na hora
H. Engoli em seco e rezei para qualquer santo disponível me ajudar.
Cochilei apenas, com sonhos esquisitos e inquietantes, naquela madrugada
de ventania. Em um deles, estava perdida num país estrangeiro, sem
documentos e sozinha. Cortava grama em troca de algum trocado ou comida
e sabia que no Brasil Sebastian estava casado e feliz com outra pessoa. Em
outro, estava uns trinta quilos mais gorda, cuidava de três crianças e
pendurava roupas num varal, ouvindo Sebastian cortar lenha e resmungar que
eu só dava despesa e nem para boa mãe servia, já que só fazia meninas.
Sim, aquilo era uma exigência de meu inconsciente, ele precisava mostrar
o pior de tudo e me assombrar. Os sonhos em nada contribuíram para que
tomasse uma decisão, apenas aturdiram minha cabeça e confundiram minhas
emoções.
Permaneci absorta em reflexões ao longo do dia. Depois de um banho e
passar toda a tarde fechada em meu quarto, vesti uma calça jeans e uma
blusinha vermelha. No ônibus, nem reparei em ninguém, meu coração
mergulhava no estômago no estilo nado livre e me fazia tremer.
Ansiedade, expectativa e medo. Virei o anel, que ainda permanecia no
dedo, apertando a pedra contra a palma da mão. Desci do ônibus com as
pernas bambas e caminhei devagar pelo cais, tentando me lembrar de como
respirar. De longe vi a motocicleta de Sebastian, ele me esperava encostado
nela, de frente para a água. Mirava o horizonte, o sol que descia ao seu
encontro. Mãos nos bolsos da jaqueta negra de couro, jeans escuro surrado e
camiseta branca completavam um perfil estonteante. Era lindo, talvez bonito
demais para mim, um perfeito cavalheiro, homem de bem e gostava de mim.
Mais que isso, desejava que fosse sua companheira e me convidava para
construirmos uma vida.
Estava cada vez mais próxima, por isso reduzi o passo. Ele se virou
devagar e me olhou. Tirando as mãos dos bolsos, deu um passo na minha
direção.
Meus pés travaram. Estaquei feito uma mula, ele ensaiava um sorriso e
desistiu. Dei mais um ou dois passos, comecei a sentir as lágrimas escaparem
de meus olhos e ele abriu os braços.
Ele era tudo e como um imã me puxava para si. Nem percebi como, mas já
estava no meio de um abraço e era em seus braços o melhor lugar do mundo.
Ele era meu mundo e exatamente isso que me deixava em pânico.
Logo, todo que ama sofre e eu não resistiria se acontecesse. Não era
namoro, era casamento que me propunha. Queria filhos, uma família, morar
numa fazenda e ser feliz. Se desse certo eu, logo, como no sonho da noite
anterior, me veria cheia de filhos e fria, dependendo de marido e, pior de
tudo, sem todo o sentimento que hoje ele tem por mim.
- Por que chora assim?
- Tenho medo do futuro, Sebastian, medo... Do desconhecido.
- Apenas confie em mim.
- Eu confio em você. Confio, mas tenho medo de sofrer - disse e me
afastei, cambaleando, sem olhar em seus olhos – Medo de me apaixonar.
- Isso não é paixão. É amor que sentimos.
Dei alguns passos e ele achou meu braço, agarrou firme. Firme demais,
forçando-me a lhe olhar.
- Eu te amo, Ninna!
Fiquei em silêncio.
- Amo, ouviu? - Ele disse, segurando meu rosto entre suas mãos quentes. –
Eu. Te. Amo! – Repetiu, com os olhos castanho-esverdeados transbordando
emoção.
Reprimi a vontade de fechar meus olhos e suspirar. Olhei no fundo
daqueles olhos tão lindos e senti o quão profundo era seu sentimento por
mim. Sim, ele me amava. Amava muito, podia sentir. Engoli em seco o
rompante que sentia de envolvê-lo com meus braços e beijar profundamente
aquele homem tão incrível, que me amava tanto.
Eu também o amava, disso não duvidava. E justamente por isso o
rejeitaria. Meu coração havia sido partido três vezes, não restara muito dele e
precisava me preservar. Havia jurado nunca mais sofrer por amor, essa era
uma promessa pessoal que jamais quebraria. Não correria o risco de perder,
quem sabe, minha sanidade... Se me entregasse a esse homem e alguma coisa
acontecesse, não aguentaria.
Arranquei-me de suas mãos firmes, que ainda sustentavam meu rosto entre
elas. Não, meus lábios diziam sem pronunciar som algum. Não poderia falar,
minha voz me trairia e, quem sabe, as lágrimas irromperiam com a
oportunidade. Não, eu tentava sibilar a palavra, mas meu coração chorava
gritando sim. Não, pensava minha razão. Sim, clamava meu corpo e todos os
meus sentimentos.
Deixei-o ali, parado, com uma lágrima rolando em sua face linda. Virei de
costas, puxei todo o ar que consegui e parti. Saí dali com a certeza de que
choraria por esse amor pelo resto de minha vida. Caminhei firme, mesmo
sentindo as pernas bambas e o coração doendo insuportavelmente.
Eu te amo – disse, mentalmente, antes de começar a correr.
E tudo ficou tão claro,
um intervalo na
escuridão...

Corri por meia quadra e dobrei na primeira esquina que enxerguei. Tinha
as mãos trêmulas quando cobri o rosto e chorei. Encostada na parede,
indiferente às pessoas que me viam em tal cena, chorei um pranto sem igual.
Meu coração doía demais.
Sebastian esteve comigo nos piores e melhores momentos, sempre me
apoiou. Quando falecia alguém, lá estava ele me confortando. Na época em
que estive doente, ele sempre me procurava. Nos aniversários e todas as datas
comemorativas importantes, fazia se lembrar de alguma forma. Era, sem
dúvidas, meu melhor amigo. Sei que não fui tão boa ou presente, em
comparação, mas nunca deixei de reconhecer sua importância em minha vida.
Não era justo perder meu amigo e um amor, assim, junto! Limpei o rosto e
olhei de um lado para outro, sem conseguir assimilar nada. Tinha vontade de
voltar, ver se ainda estava em nosso lugar especial e me atirar em seus braços
fortes.
“Oh, céus, quem sabe se... Não, não posso!” - desviei o pensamento e,
insegura, saí caminhando rápido, sem direção certa a seguir. Precisava sair
dali, fugir. Fugir de mim mesma.
Depois de caminhar por algumas quadras, fui em direção à beira do cais.
Fiquei parada, olhando a água calma. Precisava pensar. Era uma pena amar
Sebastian, ainda mais por ser um grande amor assim. Ao lado dele poderia
ser feliz, com certeza, porém o medo de uma decepção barrava qualquer
pensamento de tentativa.
Recordei de seu toque. Do calor do seu abraço e de como, ali, no meio dos
seus braços, era o melhor lugar do mundo. Nossas noites de amor, dias
inesquecíveis e sua pipoca temperada. Ele era perfeito e ainda por cima me
queria.
Será? Não, não poderia arriscar. Ou poderia? Mesmo tendo sofrido tanto,
por várias vezes, depois de tantas lágrimas e minha promessa? E se com
Sebastian fosse diferente? E se tudo fosse tão simples como ele garantia?
“Você precisa se acostumar, muitos garotos vão te fazer sofrer! Não se
apaixone tanto, não confie nos homens. Pode gostar, mas não deixe de
desconfiar. Ninguém deve se entregar completamente. Acredite, almas
gêmeas não existem. Ninguém é cem por cento feliz nessa vida, não podemos
ter tudo. As coisas boas vem sozinhas, mas as ruins em par.” Recordava de
todos os conselhos sentimentais que recebi ao longo das decepções que vivi e
tudo só me deixava com mais medo.
Talvez fosse verdade, com 26 anos permanecia solitária. Depois de três
decepções, nunca mais havia namorado ou me envolvido a ponto de gostar e
ser feliz. Somente aos 15, 17 e depois aos 19. Minha cota de desilusão
chegou ao fim nessa vida e fechei meu coração de vez.
Precisava me preservar.
Precisava ser feliz também.
Sentei num pequeno banco de pedra. Já não chorava mais, me perdia em
pensamentos, sentindo a brisa fresca no rosto ainda úmido.
O celular tocou, levei um susto, estava absorta em lembranças. Não atendi,
nem mesmo olhei o visor. Sai dali, atravessei a rua e entrei em um café.
Queria me recompor. Desejei ter o braço de Sebastian sobre meu ombro,
desejei não ter sofrido tanto e ter coragem para realmente amá-lo.
Pedi um cappuccino bem doce, de amarga bastava a vida. Fechei os olhos
ao dar o primeiro gole, me lembrando de tudo e de nós dois. Eu o amava.
- Precisa de mais alguma coisa? – ouvi a atendente questionar, ao me
entregar o café.
- Não, nada. Obrigada.
Mal ergui os olhos para ela, mas um movimento de meia volta me fez
encará-la. A senhora de cabelos fartos e grisalhos me olhou com
determinação. Segurou a bandeja contra o peito e se sentou na cadeira vazia a
minha frente. Seu olhar era doce, assim como o toque gentil ao encostar sua
mão sobre a minha.
- Olha, minha filha, eu não sei pelo que você está passando. Mas, se você
encarar todos os problemas como desafios, vai perceber que com amor tudo
se resolve.
Dizendo isso, deu dois tapinhas suaves em minha mão e partiu com um
sorriso bondoso nos lábios. Fiquei ali, sem reação. Suas palavras, aos poucos,
reverberavam em minha cabeça.
Se eu fosse encarar todos os meus problemas apenas como desafios a
ultrapassar, a vida seria mais fácil? Possivelmente não, mas seria bem menos
angustiante. Vencer um obstáculo parece menos estressante do que resolver
um problema, sem dúvida. Mas onde o amor entraria nisso?
Olhei pela vitrine de vidro. Amor, amor... Amor. Por amor havia sofrido
decepções tão marcantes que me fizeram desistir deste sentimento. Mas foi o
amor da minha família e amigos que me fez superar essas e outras tristezas.
Sim, o amor resolve quase tudo ou torna mais fácil o caminho da resolução.
Mágoas. Rancor. Não, isso não resolvia nada. Ao contrário, dificultava
qualquer ação. O amor, sim, ele deixava as coisas mais simples. “Eu te amo,
Ninna” - ele disse. Por que não fui sincera e disse o que sentia? Por que havia
me tornado tão complicada? Quando meu coração se tornou um problema tão
destruidor?
Agora estava sozinha. Havia rejeitado e magoado meu grande amor. Desta
vez não me perdoaria. Precisava de uma luz, estava confusa, sem saber mais
o que pensar. Queria um abraço, colo, um ombro amigo. Não, mentira!
Queria tudo isso, mas somente de Sebastian.
- Eu amo Sebastian. Amo! Isso não é paixão, não vai acabar. Eu amo e sou
amada.
As palavras saíram de meus lábios como se fossem mágicas. E talvez
fossem mesmo, ou reconhecer o amor trouxe sentido à vida. E minha vida
estava entrelaçada àquele homem, que me amava. E tudo daria certo. De
alguma forma, seríamos felizes.
Olhei em volta, talvez tivesse feito a maior merda de minha vida. Comecei
a caminhar, mas logo já me via correndo em direção ao cais. Estaria lá ainda?
Quanto tempo havia passado?
Peguei o celular, tentando ligar e caminhar ao mesmo tempo, pois não
podia parar. Desisti e segui correndo feito uma maluca, sentia os olhos
inchados de chorar e uma angústia no peito. Que Deus me ajudasse e
Sebastian me perdoasse, desejei a cada metro percorrido.
De longe já percebi que ele não estava mais em nosso lugar, mesmo assim
corri um pouco mais e confirmei. Peguei o celular com as mãos tremendo.
Afoita, não conseguia digitar o número certo. Puxei o ar, teclando mais
devagar.
- Atende, atende...
Chamou uma, duas, inúmeras vezes, até que ouvi sua voz.
- Ninna?
- Sebastian, Sebastian! Onde você está? Me perdoe, me perdoe – falei,
chorando - Por favor, me desculpe. Eu te amo tanto, você é meu lar, você,
Sebastian! Eu te amo muito.
- Você o quê?
- Me desculpe, por favor – repeti, nervosa.
- Você disse que me ama?
- Sim, eu disse. É isso que sinto, quero ser e te fazer feliz.
- Ninna...
- Oi? Estou ouvindo!
- Repete.
- Te amo, Sebastian.
- Repete olhando para mim.
- Onde você está? Eu digo, mas onde você está?!
Perguntava, desesperada, com os olhos banhados por lágrimas, quando um
vento soprou suave, arrepiando minha nuca. Uma sensação me fez girar nos
calcanhares e ficar frente a frente com o amor da minha vida. Tirei o celular
da orelha e larguei-o ao chão.
Éramos só amor.
Éramos cumplicidade.
Olhos nos olhos, votos não mais secretos.
- Eu te amo. Te amo, meu amor. Minha vida.
Ele sorriu.
- Sua doida.
- Que te ama!
- Eu. Também. Te amo, Ninna.
Tudo agora fazia sentido, já era amor antes de ser. Entre seus braços estava
em casa e, onde estivéssemos juntos, seríamos felizes. O amor não é o fim,
ele sempre será só o começo e, se for para desistir, desistiria de ser fraca.
Desistiria de ter medo e insistiria em tentar ser feliz até o fim da minha vida.
Que o amor seja a melhor forma de começar e terminar o dia... E,
pensando nisso, um beijo selou nosso destino.

Que o nosso amor pra sempre viva...


FIM.
Agradecimentos
Gratidão é coisa muito gostosa de sentir e por isso, eu preciso agradecer as
pessoas que estiveram ao meu lado neste novo livro:
- Obrigada meu bebê, Joan, por só largar a soneca da manhã depois do
livro finalizado. Seus 20 minutinhos de soninho ajudaram a mamãe, és meu
amor maior.
- Obrigada minha amiga e mãe Eva, a primeira leitora e estimuladora,
sempre. MamyTe amo.
- Obrigada Cris Gomes e Anastácia Cabo, leitoras betas, colossais amigas e
copidesque. Que tocam o portal com mestria e ainda me aconselham quando
preciso. Obrigada gurias, vocês são de fé.
- Obrigada Fernanda Cristina, a Nanda que tambémé colunista do portal,
que fez leitura crítica e ainda revisou tudo com profissionalismo e amor.
Obrigada amiga e parceria por seu carinho, não só na antologia Portal
Fantástico tua ajuda foi indispensável.
- Obrigada Jeferson, meu amor, marido, empresário, incentivador, capista,
diagramador e faz tudo de todas as horas. Te amo, esse livro é teu. Obrigada
pelo companheirismo sem igual e crença na minha escrita.
- Obrigada leitores amados que estão sempre torcendo, motivando,
cobrando e em contato... Cada palavra, cada gesto É muito importante. Esse
gênero de romance é para vocês que me pediram.
- Obrigada família portal. Não sei como sobreviveria sem os conselhos
supremos recebidos, das amigas que ganhei graças ao portal.julund.com.br.
Vocês são fundamentais, e neste livro tento dedicar um pouco de cada linha a
vocês.
- Obrigada também aos amigos e familiares que estão sempre na torcida,
leitores ou não. Artur da AVEC editora, Patrícia Vahl, amigos do facebooke
meus filhos felinos Cheetar, Omooin eBatcat(Vocês iluminam meus dias).
- E agradeço a Deus por tudo isso e todos vocês.
"Sonhe alto, trabalhe muito e agradeça a Deus por cada batida do
coração. Aquele que acredita, não precisa de sorte."
Obrigada.

Ju Lund

Autora dos romances ​Doce Vampira, Alma Vampira e Não sei se Te Amo, organizou a antologia Portal
Fantástico e participa de Autores Fantásticos, Vampiros de Alma e Coleção Sobrenatural: Vampiros. Já
publicou três volumes da série ​Entrecontos com mais de 60 contos. Acompanhe esta e outras histórias
em fb.me/julundescritora

“Transformo meus melhores sonhos


e piores pesadelos em contos e romances”.
DOCE VAMPIRA
UM ROMANCE QUEER CHICK. Os vampiros se revelaram ao mundo,
mas ainda sofrem muitas desconfianças dos humanos. Apaixonadas Duda e
Esther precisam lidar com todos os tipos de discriminaçãopor serem de raças
diferentes e ambas do mesmo sexo. Será que o amor delas sobreviverá a
segredos e ao fanatismo? Descubra nesse romance com toques de drama e
mistério. Entre de cabeça no universo fantástico criado pela escritora Ju
Lund. Compre em http://bit.ly/DVamazon e o livro físico autografado com
mimos em http://julund.com.br/docevampira

ALMA VAMPIRA
Duda enfrenta novos desafios, sem memórias vive uma rotina nova ao lado
da família, dos semeadores e de um possível novo amor. Esther não suporta a
realidade e, num ato extremo, transforma a vida de Duda para sempre
deixando sua alma ainda mais perdida. Duda, confusa, perambula entre dois
mundos até que se sente obrigada a tomar uma grande decisão para seu
futuro. Por amor vale tudo e até onde podemos ir em seu nome?.Compre em
http://bit.ly/AVamazon
Table of Contents
Sumário
Playlist
São tantos devaneios loucos a me torturar...
Quem sabe o príncipe virou um sapo...
No mais, estou indo embora...
Teus sinais me confundem da cabeça aos pés...
Quem sabe eu precise de uma camisa de forças...
Ela fazia muitos planos, e eu só queria estar ali...
Quem inventou o amor, me explica, por favor...
Na balada disponível, ela tá maluca, fora da casinha ...
Parecia inofensiva, mas te dominou...
Cansado de correr na direção contrária, sem pódio de chegada...
Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar...
Saber amar é saber deixar alguém te amar...
Na bruma leve das paixões que vem de dentro...
E eu acho que gosto mesmo de você...
Vento ventania, me leve sem destino...
O seu amor é como uma chama acesa...
Ando por aí querendo te encontrar...
Nós somos medo e desejo...
Já me esqueci de te esquecer...
Posso ver o caminho que me leva a você...
Deixa o coração em flor se abrir...
E tudo ficou tão claro, um intervalo na escuridão...
Agradecimentos

Você também pode gostar