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Irmãos, não estou podendo falar. Mas vamos ao nosso trabalho.

Não farei outros comentários sobre o que aconteceu.


A estrutura do trabalho terá que ser essa: 1º capítulo:: a origem do Islã (Já está pronto) vamos pegar uma parte dele e
jogar para o 2º capítulo. Farei um acréscimos dos pilares (já está pronto).

2º capítulo: formação da filosofia islâmica: 2.1 A influência filosófica do império bizantino na formação do pensamento
islâmico. 2.2 principais filósofos do Islã (uma parte disso já está pronta) vamos ampliar. 2.2.1 Avicena; 2.2.2 Averróis;
2.2.3 Callan; e mais um ou dois.

3º capítulo: a influência da filosofia islâmica no desenvolvimento do pensamento moderno. (Período moderno vai de
1453 até 1789)

3.1 influência da filosofia islâmica no pensamento de Tomaz de Aquino;

3.2 influência do pensamento islâmico na escolastica; influência da filosofia islâmica na reforma protestante.
Avicena (980 - 1037)
Na metafísica de Avicena, Deus é um ser necessário. Ele faz uma distinção clara entre a existência e a
essência das coisas, argumentando que a forma e a matéria não podem interagir sozinhas e por conta própria
gerar o movimento, que é o que ele chama de fluxo vital do universo, nem gerar a própria existência. A
existência tem origem em uma causa que necessariamente coloca em relação a essência e a existência, somente
dessa forma a causa das coisas que existem podem coexistir com os efeitos.
Ele resolveu o problema da essência e dos atributos do mundo através de uma análise ontológica da
modalidade do ser que ele subdivide em três tipos: impossibilidade, contingência e necessidade. O ser
impossível é aquele que não existe. O ser contingente é o que tem necessidade de uma causa externa a si para
existir. Já o ser necessário, que é único, reflete a sua essência e tem a capacidade de gerar a primeira inteligência.
Dessa primeira inteligência deriva uma segunda, e depois uma terceira, dando sequência a todas as inteligências.
O ser necessário é a causa somente da primeira inteligência e as outras são resultados indiretos desta. Esse ser
necessário é Deus que conhece todas as coisas particulares e universais graças à sua ciência e à sua sabedoria.
Tanto Deus como o universo são eternos e não existe nem tempo nem espaço antes de Deus.
Essa definição modifica profundamente a compreensão sobre a criação do mundo. Ela não é mais o
capricho de uma vontade divina, mas o resultado do pensamento divino que pensa ele mesmo. A criação torna-
se uma necessidade e não mais uma vontade. O mundo se origina de Deus como excesso de sua inteligência.
Sobre as causas do mal no mundo, Avicena afirmou que ele é disseminado por acidente e que ele surge
por causa da imperfeição da natureza. Além disso o filósofo acreditava que o bem deve deixar espaço também
ao seu contrário.
O propósito da filosofia é de esclarecer e demonstrar através da razão as verdades reveladas por Deus.
Aos filósofos cabe fazer considerações e elucidações sobre as partes obscuras e ocultas das doutrinas divinas
reveladas.
Nos estudos de Avicena podemos encontrar também elementos da filosofia da ciência. Ele descreve um
método de investigação científica e se pergunta como é possível alcançar hipóteses, afirmações que não
necessitam de prova para que sejam consideradas verdadeiras ou deduções iniciais sem que elas sejam inferidas
das premissas. Para ele a solução é a combinação do antigo método indutivo aristotélico com um método que
utiliza a experimentação e a observação atenta do que se quer conhecer.
O homem, animal munido de razão, tem o poder de conhecer, através da alma racional, as formas
inteligíveis. Essas formas inteligíveis constroem a alma racional de três formas: primeiro através de uma
emanação, de um prolongamento da substância e natureza divina, através da qual o homem pode conhecer os
primeiros princípios; segundo através do raciocínio e da demonstração é possível conhecer as coisas inteligíveis
do mundo utilizando para isso a lógica; e terceiro através dos sentidos.

Sentenças:
- Um médico ignorante é um auxiliar da morte.
- O vinho é um amigo de quem é moderado e inimigo de quem é beberrão.
- A medicina deve conhecer as causas de doença e de saúde.
- A oração é inteiramente espiritual, é um encontro direto entre Deus e a alma, afastado de todas as limitações
materiais.
- Tudo o que não existe e depois passa a existir, é criado por algo diferente de si mesmo.
- A qualidade da vida é mais importante que a sua duração.
- A medicina não é uma ciência difícil e complexa como a matemática e a metafísica.

Médico e filósofo persa, Avicena foi de uma enorme influência na filosofia escolástica, sem falar na sua obra Canôn de
Medicina, que foi durante séculos a base do ensino desse ciência no Ocidente.

A filosofia de Avicena caracteriza-se por tentar fazer uma síntese do pensamento de Platão com Aristóteles. Essa
tentativa foi duramente criticada no século XII por Averróis. Vamos a alguns dos principais pontos da sua filosofia:

O universo, para Avicena, é constituído por três ordens: o mundo terrestre, cujo ponto mais alto é a alma humana; o
mundo celeste, cujo ponto mais alto é o primeiro causado; e Deus, que é o cimo supremo.
Avicena explica o mundo à maneira de Aristóteles, pois sua filosofia repete as teorias do ato e potência, matéria e
forma e as quatro causas. A diferença é que Avicena propõe uma tese original sobre a inteligência humana, que
segundo o filósofo persa, estabelece a união entre o mundo material e o mundo celeste pelos seus cinco graus.
Thonnard assim os resume:

A inteligência material, que é a faculdade antes de qualquer operação, e também é potência pura, mas na ordem
intencional;

A inteligência possível, que é a faculdade que possui apenas os primeiros princípios intelectuais;

A inteligência em ato, que é o ato primeiro, ou faculdade disposta a agir, porque possui a ideia ( a espécie impressa) e
a ciência em ato;

A inteligência adquirida, que conhece o ato segundo;

A faculdade intuitiva de ordem mística, chamada por Avicena de O Espírito Santo, porque une a alma a Deus. Essa
faculdade também é conhecida como o Espírito de profecia que, segundo Gilson, era o lugar que Avicena reservou
para o profeta Maomé.

Na sua filosofia, essas inteligências estão em potência, e para passarem ao ato, requerem a influência de um Intelecto
Agente.

Avicena insiste que a nossa alma está separada do intelecto agente, sendo espiritual e imortal. A existência de Deus,
para Avicena, é demonstrada pela noção de Ato puro e do primeiro motor de Aristóteles, de forma que para o filósofo
persa, Deus é o único ser cuja essência é idêntica à existência. Avicena esforçou-se para conciliar a noção platônica de
participação, a astronomia de Ptolomeu e o Deus aristotélico.

Mas Avicena negava uma crença fundamental da filosofia aristotélico-tomista, que é a união da alma e do corpo. Sua
filosofia, segundo Gilson, está amarrada à noção de necessidade dos filósofos gregos, e essa doutrina teve que ser
combatida pelos filósofos da escolástica. Avicena também nega o ato da criação, pois admitia que causas inferiores
atuavam como instrumentos da causa primeira.

A doutrina da inteligência ativa e da inteligência passiva em Avicena causou um espanto entre os cristãos, como diz
Gilson. No livro da Alma, Avicena diz que a alma é inteligente em potência, e só depois se torna inteligente em ato. Ele
compara a iluminação do sol na nossa visão com a nossa faculdade intelectual, que vê os particulares que estão na
imaginação e brilha sobre eles.

Um ótimo exemplo da filosofia islâmica

O filósofo Ibn Sina, conhecido no ocidente pelo nome latinizado de Avicena, influenciou muitos teólogos cristãos como
Santo Tomás de Aquino e Duns Scot. Nesse livro da Alma, Avicena descreve sua doutrina sobre a existência da alma e
sua constituição. Para ele a alma é uma agregadora das faculdades da percepção, sendo uma para suas faculdades. A
alma também é definida como aperfeiçoadora do corpo no qual ela habita, sendo também sua organizadora. Avicena
escreve um exemplo das faculdades de percepção e a distinção entre a percepção da forma e a percepção da
intenção. O exemplo é o da ovelha e do lobo, no qual a percepção que a ovelha tem do lobo, ou seja, de sua forma,
percebem primeiro os seus sentidos externos antes do interno. A ovelha possui a percepção da intenção da
adversidade do lobo e que é necessário fugir dele, sem que o sentido externo perceba isso. Assim, segundo Avicena,
primeiramente o sentido externo percebe o lobo, e em seguida o sentido interno, caracterizando assim o nome de
forma.É aquilo que as faculdades internas percebem sem os sentidos( externos), sendo por isso designado o nome de
intenção.

Avicena também possui uma avançada ciência a respeito da luz e das cores, percebendo claramente que a luz das
estrelas durante o dia não podem manifestar-se pela maior luminosidade do sol, sendo necessário que haja escuridão
para que a luz das estrelas possam brilhar.Sua opinião sobre a natureza do raio, da luz e das cores vão influenciar os
escolásticos Robert Grosseteste e Roger Bacon. Sobre a alma humana, Avicena estabelece cinco graus que são: a
inteligência material, a inteligência possível, a inteligência em ato, a inteligência adquirida e, por fim, uma faculdade
intuitiva, que Avicena chamará de intelecto sagrado. Essas inteligências existem em potência e para passarem para o
ato, necessitam de um intelecto agente, que está separado e faz parte do mundo celeste.

É recomendável antes de ler esse livro da alma de Avicena, ler uma introdução à sua filosofia, como por exemplo, “A
filosofia na idade média”, de Etienne Gilson, para poder compreender melhor a filosofia de Avicena, porque quem não
está acostumado com a linguagem da filosofia medieval pode achar o livro muito difícil de entender.

Averróis
Para Averróis, na filosofia de Aristóteles se encontra a mais alta verdade, sendo o filósofo grego um presente
de Deus para auxiliar as pessoas a conhecer tudo que possa ser conhecido, em especial o conhecimento da
verdade. A filosofia busca esta verdade através da razão, mas a razão filosófica para Averróis deve ser protegida
e amparada pela religião, pois se tanto a filosofia como a religião buscam a verdade, não pode haver discordância
entre as duas. Quando houver diferença entre as duas, o texto religioso deve ser interpretado utilizando-se dos
instrumentos racionais da filosofia, porque na razão é encontrada a única verdade. As diferenças entre filosofia
e teologia são somente diferenças de interpretação.
A religião dos filósofos é buscar conhecer tudo profundamente e esse é o melhor culto que eles podem
manifestar a Deus: conhecer intimamente a sua obra. A filosofia deve se preocupar com investigações teóricas
do fundamento das coisas e a religião deve se preocupar com as ações humanas.
Averróis divide a inteligência, o entendimento humano em duas partes, o intelecto potencial e o intelecto
possível ou ativo. O intelecto potencial é a inteligência de cada ser humano, de cada indivíduo, e ele é potencial
porque pode ou não se desenvolver, da mesma forma que podemos ou não ver as cores dos objetos dependendo
se temos ou não luz. A luz que vai possibilitar o intelecto potencial desenvolver suas capacidades é o intelecto
possível, que é uma emanação divina e nele se ligam todos ou outros intelectos.
Os conhecimentos produzidos por todas as inteligências humanas, por todos os intelectos potenciais,
ficam acumulados no intelecto possível. A inteligência humana individual é uma fantasia, uma imaginação que
é retirada do intelecto possível. A alma reflete em partes e de forma deturpada a inteligência suprema do
intelecto possível. O intelecto ativo ou possível é como o sol que através dos seus raios ilumina o intelecto
humano potencial e o possibilita ver todas as coisas em suas exuberantes cores.
Dessa forma, o conhecimento, a ciência, é eterna e não pode perder os seus componentes essenciais. A
ciência é como o sol que ilumina todos os outros conhecimentos humanos. Os indivíduos com suas criações,
conhecimentos e filosofias podem morrer, mas a ciência em si não morre, porque é universal e está conectada
com todos os humanos.
Averróis nega a imortalidade da alma. Acredita ainda que o conhecimento da ciência é o único caminho
para atingirmos a felicidade, o êxtase espiritual e religioso. A vida de todos os homens tem fim com a morte. E
a alma humana nasce e morre com o corpo.

Sentenças:
- Quem conhecer melhor a anatomia e fisiologia humana, vai aumentar sua fé em Deus.
- Todas as religiões são criação humana equivalentes e por conveniência pessoal e pelas circunstâncias
escolhemos uma.
- A mulher é um homem imperfeito.
- Na natureza nada é supérfluo.
- Quem fala sobre o que não é da sua conta, escuta o que não gosta.
- Conhecimento, estupidez, riqueza e pobreza não podem ser escondidas por muito tempo.
Finalmente, os averroístas defendem a teoria da dupla verdade: a teológica ou da fé e a filosófica ou da razão. Portanto,
é verdade, de acordo com a fé, que a alma é imortal e o mundo é criado; mas também é verdade, de acordo com a
razão, que a alma é corruptível e o mundo é eterno. Daqui se retirou, nos séculos XVIII e XIX, a defesa de uma total
autonomia da razão perante a fé, que se opõe à tese agostiniana de que a verdade é única.

Alhazen
FILOSOFIA E ÓTICA

À primeira vista, o leitor deste artigo pode ficar atônito ao se deparar com um título que possua a pretensão de relacionar a ótica com
a filosofia. Como é possível a ótica, com suas leis matemáticas e rígidas leis físicas, ter alguma espécie de vínculo com uma área do
conhecimento responsável, entre outras coisas, por refletir a política, a arte e a sociedade em que vivemos? Será factível detectar um
elo entre ambos terrenos do conhecimento humano?

Não é fácil desfazer a concepção corrente de que a ótica somente se confine à física ou a matemática, mas podemos iniciar a discussão
a partir do ponto de que a matemática e a física são partes integrantes da filosofia.

Lembremo-nos das intensas querelas entre Aristóteles e Platão em torno do uso excessivo da geometria como elemento explicativo
para interpretar os fenômenos naturais. Entretanto Aristóteles procura dar importância aos entes matemáticos quando menciona
fortemente a presença destas entidades na astronomia. Nos Segundos Analíticos Aristóteles “argumenta que certas ciências, tais
como astronomia, ótica e harmônica, são subordinadas à matemática”. (1)
Deste modo, a citação de Aristóteles acaba por revelar justamente a intrínseca rede de dependência entre as ciências. Já na Idade
Média esta subordinação epistemológica ganhará a denominação de ciências intermediárias em São Tomás de Aquino. Destarte, um
raio de luz pode ser entendido como uma reta, noção oriunda da geometria.
Contudo, a preocupação dos filósofos da antiguidade clássica com a ótica é muito forte, principalmente concernente à visão. Em
outras palavras, algumas vertentes filosóficas procuravam dar suas interpretações de como a imagem de um objeto se projetava para
os olhos. Surgem, assim três correntes filosóficas bastante definidas na antiguidade clássica:

1. Extramissionista – Aquela que sustentava a existência de raios projetados pelos olhos, captando a imagem do objeto observado.

2. Intromissionista – Esta defendia a concepção de que raios saíam dos corpos em direção aos nossos olhos.

3. Combinação das duas teorias precedentes – Esta nova doutrina buscar defender a idéia de que raios são tanto lançados pelos
olhos quanto pelos objetos. No meio do caminho se dá a formação das imagens, a partir do cruzamento das duas imagens.

As três teorias serão colocadas em questionamento quando surge no cenário cultural medieval, um matemático chamado Ibn Al
Haitham, denominado pelos latinos como Alhazen.

Segundo o matemático árabe, se a visão depende exclusivamente da projeção de raios para que algo possa ser enxergado, então,
desta forma, por qual motivo não observamos nada ao nos encontrarmos em plena escuridão? Entretanto, Alhazen não se limitou a
realizar uma crítica à teoria dos raios visuais, passa a indagar de que material são produzidos estes raios.

“Ora, diz Alhazen, se eles são feitos de substância material, podemos constatar que eles podem ferir os nossos olhos, no momento
em que são lançados dos órgãos visuais”.

A partir deste instante, Ibn Al Haitham, fornece inúmeros exemplos para tornar cada vez mais claro o fato de que são as imagens das
coisas é que penetram em nossos olhos, não havendo nenhuma possibilidade de ocorrer o contrário. Um dos exemplos usados por
ele é aquele em que descreve o que acontece com as nossas vistas quando olhamos exaustivamente para o sol. É fácil constatar que
pouco tempo depois há uma geração de ardor e desconforto em nossos olhos. Portanto, este exemplo evidencia que para se garantir
a produção da visão, não é necessário reiterar ou mesmo defender a existência de raios visuais.

É claro que Alhazen não foi o único matemático ou pensador do Islão a trabalhar com as questões da ótica. Alkindi e Alfarabi, partindo
dos trabalhos de Alhazen, desenvolvem e executam a concepção de que para cada ponto do objeto visto há uma correspondência
com a retina. Desta maneira, fica evidente que se observo diretamente uma bola de futebol, cada parte desta bola está dividida em
tantos pontos que estão interligados com pontos da minha própria retina, formando, assim, o objeto integralmente no órgão visual,
garantindo a percepção do objeto. Os trabalhos árabes em ótica foram de fundamental importância, pois acabaram por influenciar
uma série de outros pensadores ocidentais europeus como, Kepler, Descartes e Snell.
Al Biruni
O matemático persa Abu Rayhan al-Biruni, nascido no ano de 973 em Khwarezm, no actual
Uzbequistão, passou a vida a viajar pela Ásia Central, a fazer observações astronómicas e
geográficas, a estudar e a escrever. Personalidade tolerante e ecléctica, aprendeu muitas línguas
diferentes e estudou culturas variadas. Sendo a maior parte da sua obra dedicada a temas de
matemática, astronomia e áreas próximas (96 manuscritos de um total de cerca de 150
referenciados, e 15 dos 22 que sobreviveram até hoje), escreveu também trabalhos sobre
medicina e farmacologia, metais e pedras preciosas, religião e filosofia, e ainda uma monumental
história da Índia, que chegou até aos nossos dias, estando traduzida em várias línguas. Trabalhou
até ao fim da vida, vindo a morrer em Ghazna, no actual Afeganistão, por volta de 1050.
Al-Biruni foi um dos vultos mais eminentes da ciência e da cultura do mundo islâmico, nos
séculos que se seguiram à rápida expansão da religião muçulmana, a partir da península arábica,
pela Ásia Central até à Índia, e pelo norte de África até à Península Ibérica. Algumas das
características principais do ambiente cultural e científico em que o cientista persa se destacou
são provavelmente familiares a muitos leitores. Estou a pensar sobretudo na ideia de que o mundo
islâmico dos séculos VIII a XV foi o “portador” ou “transmissor” das grandes tradições científicas
clássicas, nomeadamente da fabulosa herança grega, até ao renascimento europeu.
No ocidente da idade moderna encontram-se amiúde referências à ciência islâmica como
de mera tradução e repetição dos clássicos. Renan, por exemplo, escreveu que “a ciência dita
árabe de árabe só tem a língua (...) não é árabe nem sequer muçulmana”. Sob tal ponto de vista,
o árabe tomou conta dos livros científicos enquanto o europeu dormia ou pensava noutras coisas.
Esta visão reflecte, para além de meros preconceitos ligados a circunstancialismos
históricos, uma atitude muito difundida que consiste em afirmar simplesmente “o que eu não vejo
não existe”.
De facto as grandes obras da antiguidade clássica – como as de Euclides, Arquimedes,
Apolónio, Diofanto, Ptolomeu, etc. – foram traduzidas, estudadas e comentadas pelos cientistas
islâmicos. Mas dizer só isso é redutor. No período em causa floresceu no mundo islâmico uma
cultura muito rica e, no caso que aqui mais nos interessa, uma ciência com contribuições originais
em várias áreas do conhecimento (sobretudo em matemática, astronomia e afins), e sem rival
durante muitos séculos. Isto pode afirmar-se apesar de que tal ambiente científico não está ainda
completamente estudado, nem sequer no mundo islâmico contemporâneo, onde naturalmente
essa realidade histórica é mais bem conhecida. No milénio a seguir ao século VIII estão
identificados mais de mil cientistas islâmicos activos. Como fontes conhecem-se milhares de
manuscritos e instrumentos científicos, mas muitos mais permanecem ainda hoje por analisar, ou
sequer por catalogar.
Em matéria de transmissão de patrimónios culturais e científicos, pode estabelecer-se um
interessante paralelo entre a actividade de tradução de clássicos, nomeadamente gregos e
indianos, patrocinada pelos califas de Bagdad nos séculos VIII e IX, e a escola de tradutores
instituída em Toledo, sob patrocínio eclesiástico e real, nos séculos XII e XIII. Esta escola foi criada
com o objectivo de obter versões latinas, que vieram a ter muita influência na Europa, das mais
importantes obras de autores de língua árabe, cujos nomes foram frequentemente latinizados.
Em ambos os casos há culturas em ascensão que procuram o diálogo com outras de qualidade
estabelecida, e nesse encontro tem importante papel a mais universal de todas as linguagens, a
linguagem da ciência.
Várias das obras traduzidas da língua árabe em Toledo eram ainda clássicos gregos, que em
certos casos chegaram por esta única via ao ocidente cristão. Mas muitas eram originais de
autores islâmicos, e a sua importância é atestada pelo facto de algumas, séculos depois, terem
sido impressas na Europa.

Nos limites estreitos deste artigo, é impossível dar uma ideia da abundância e diversidade
das contribuições científicas do mundo islâmico. (O leitor interessado na Matemática pode
consultar com proveito o capítulo de Maria Fernanda Estrada na recente História da
Matemática publicada pela Universidade Aberta.) Assim, farei referência só a alguns grandes
nomes e aos temas que trataram.
Uma área em que a contribuição islâmica foi notável foi o estudo das equações, de tal forma que o capítulo da
Matemática que trata do assunto tem um nome de origem árabe, a Álgebra. O nome deriva de al-jabr, expressão que
figura no título de uma obra de Mohamed ibn Musa al-Khwarizmi (séculos VIII-IX). A expressão significa qualquer coisa
como “reconstrução”, e refere-se à operação de adicionar uma mesma quantidade a ambos os membros de uma
equação. Esta ideia está presente num sentido alternativo da palavra “algebrista”, que na Península Ibérica foi durante
muito tempo sinónimo de “endireita”. No Don Quijote, por exemplo, encontra-se este trecho, relativo a um personagem
que tinha partido umas costelas ao cair do cavalo: “En esto fueron razonando los dos, hasta que llegaron a un pueblo
donde fue ventura hallar un algebrista, con quién se curó el Sansón desgraciado.”

O livro de Álgebra de al-Khwarizmi foi muito influente – porventura mais do que o seu mérito intrínseco
mereceria – devido à utilidade prática das matérias apresentadas, em particular a solução de equações do 1º e 2º graus,
e regras com aplicação em questões de heranças, comércio e contabilidade. Ao mesmo autor se deve um tratado,
posteriormente traduzido para latim, sobre os sistemas de numeração indiana. As nossas
palavras algarismo e algoritmo derivam do nome de al-Khwarizmi. Quanto aos símbolos que vulgarmente usamos para
designar os números naturais mais pequenos

0 , 1, 2 , 3 , 4 , 5 , 6 , 7 , 8 , 9

ainda hoje lhes chamamos, com alguma impropriedade histórica, “algarismos árabes”.
A Aritmética (ou teoria dos números, como hoje se diz) e a Álgebra com as suas equações foram temas
estudados pelos matemáticos islâmicos, com cada vez maior pormenor e profundidade e ultrapassando a herança grega,
ao longo dos séculos seguintes. A escrita decimal dos números, e a prática dos algoritmos com eles, foram-se
generalizando. Um dos grandes nomes nestes temas é o matemático e poeta persa Omar Khayyam (séculos XI-XII), com
importantes estudos sobre a extracção de raízes e investigações algebro-geométricas sobre as equações do 3º grau. Ao
seu nome está também associada a famosa fórmula, usualmente atribuída a Newton, sobre potências de somas, a cuja
beleza Fernando Pessoa / Álvaro de Campos dedicou um curto poema.

Outra área em que os cientistas do mundo islâmico se destacaram foi na trigonometria – isto é, o estudo e
cálculo com ângulos e triângulos – no plano e na esfera. As aplicações em vista eram várias, principalmente no domínio
da astronomia, da geografia e da cartografia. Alguns dos nomes mais relevantes nestes temas são o de al-Biruni e o de
al-Battani (séculos IX-X), latinizado para Albatenius, autor de importantes estudos astronómicos. Na trigonometria
esférica destacou-se também Jabir ibn Aflah (século XII), de Sevilha, cujo nome foi latinizado para Geber.

Ainda na área da Matemática, há referência a estudos pioneiros sobre criptografia, a ciência das comunicações
seguras.

Parte integrante da tradição científica islâmica no período em causa são as centenas de instrumentos,
astronómicos e outros, que ainda hoje se conservam. Para além da sua sofisticação científica e técnica, muitos destes
instrumentos, como esferas, relógios de sol e astrolábios, são verdadeiras obras de arte.

Astrolábio árabe, Toledo - 1068

Nem só nas ciências matemáticas e afins houve contribuições científicas de relevo por estudiosos islâmicos.
Entre outros nomes que se poderiam citar, destacam-se al-Haytham (séculos X-XI), latinizado para Allacen, autor de um
influente tratado de Óptica, o químico Jabir ibn Haiyan (século VIII), latinizado também para Geber, e o famoso médico-
filósofo persa Abu Ali ibn Sina (séculos X-XI), latinizado para Avicena, autor de um Canon médico que ficou texto de
referência. Com obra sobretudo em filosofia, e enorme impacto na Europa medieval, é de menção obrigatória Abu al-
Walid ibn Rush (século XII), nascido em Córdova e com nome latinizado para Averróis.

Uma parte substancial da actividade dos cientistas islâmicos nas áreas da matemática, da geografia e da
astronomia estava relacionada com temas religiosos: a elaboração do calendário lunar, o cálculo das horas de oração
por métodos astronómicos, e a determinação, em cada local, da direcção sagrada de Meca, a qibla, necessária para as
orações e para a orientação das mesquitas. Este último problema é muito interessante do ponto de vista matemático.
A qibla em cada local é definida pela direcção de Meca ao longo do arco de círculo máximo que une os dois
pontos. Se a Terra fosse plana, a linha mais curta entre os dois pontos seria um segmento de recta e o problema seria
muito simples: conhecidas as coordenadas de dois pontos numa quadrícula desenhada no plano, é imediato achar a
direcção que vai de um para o outro. Mas sobre uma esfera vê-se que a questão é diferente, e substancialmente mais
difícil, sendo necessário usar técnicas de trigonometria esférica. A este problema dedicaram os cientistas islâmicos muita
atenção, o que explica em larga medida o seu interesse pela geometria da esfera, mas também a actividade regular de
determinação das coordenadas geográficas de inúmeros locais, em que de novo se destacou al-Biruni.

Apesar da sua motivação religiosa, o problema matemático levantado pela determinação da qibla é do maior
interesse noutros contextos. Por exemplo, imaginemos que estamos no Recife e queremos navegar para Lisboa.
Conhecemos as coordenadas geográficas do ponto de partida e do ponto de chegada. Que direcção devemos seguir?
Este problema, à partida da viagem, é exactamente o mesmo que o da determinação da direcção de Meca. As diferenças
aparecem porque, ao contrário da situação da determinação da qibla, que é estática e, para cada local, se resolve de
uma vez só, aqui o problema é dinâmico: se nós, depois de sairmos do Recife, navegarmos sempre na mesma direcção
que calculámos à partida (usando a bússola para manter o rumo constante), não viremos dar a Lisboa. O matemático
que esclareceu esta questão foi o português Pedro Nunes (1502-1578), precisamente em resposta a uma dúvida de um
navegador chegado da América do Sul, o capitão da armada, explorador do Brasil e futuro governador da Índia Martim
Afonso de Sousa. O que Pedro Nunes mostrou foi que um arco de círculo máximo (que é a rota directa e mais curta) não
é uma linha de rumo constante, e que é preciso, em viagem, estar sempre a ajustar o rumo – de uma forma que ele
explica – para chegar ao destino desejado seguindo a rota do círculo máximo. Em alternativa, pode seguir-se uma linha
de rumo constante – a que hoje se chama loxodrómica – a partir do Recife e até Lisboa, mas esse rumo é diferente da
direcção que vai de uma cidade a outra ao longo do círculo máximo. Esta opção é tecnicamente mais simples (porque a
determinação do rumo a seguir é fácil), mas a viagem fica mais longa. Os estudos de Pedro Nunes tiveram grande
influência na Europa em matéria de teoria da navegação e cartografia.

Nas suas investigações sobre a linha de rumo, Pedro Nunes cita várias vezes o sevilhano Geber (Jabir ibn Aflah).
Noutras obras de Pedro Nunes, sem dúvida o mais notável cientista português do século XVI, e mesmo de sempre, há
referências a variados autores de língua árabe.

*
No mundo islâmico floresceram uma ciência e uma cultura notáveis, que assimilaram e desenvolveram tradições
alheias, mas que deixaram contribuições próprias relevantes e variadas. Para al-Biruni, o viajado cientista persa, o
islamismo era uma cultura mais do que uma religião, e a língua árabe uma língua de ciência e de cultura mais do que a
língua do Corão. À distância de mil anos, a sua erudição e o seu labor científico causam profunda admiração, e a sua
tolerância inspira a maior simpatia.

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