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DIOGO HENRIQUE DE SÁ

PODEMOS ORDENAR MULHERES?


UMA ANÁLISE DOS PRINCIPAIS ARGUMENTOS
A FAVOR DA ORDENAÇÃO DE MULHERES.

Artigo apresentado em cumprimento


às exigências da matéria Lógica. Prof.
Rev. Ronaldo Bandeira Henriques.

SEMINÁRIO TEOLÓGICO PRESBITERIANO


REV. JOSÉ MANUEL DA CONCEIÇÃO
São Paulo – 2019
2

INTRODUÇÃO

A partir do século XIX, com o surgimento do movimento sufragista 1, as


mulheres foram ganhando cada vez mais destaque na sociedade ocidental.
Esse processo se acelerou durante as duas grandes guerras do século XX,
uma vez que, nesse período, as mulheres tiveram que ocupar o lugar dos
homens, tanto na produção industrial, quanto na agrária.

Já na segunda metade do século XX as pautas passaram da


reivindicação pela equiparação dos direitos civis com os homens, para a luta
pelos direitos à liberdade sexual, à maternidade e à reprodução. Dizendo-se
oprimidas pela sociedade patriarcal burguesa, as feministas, como passaram
a ser designadas, se aliaram a outros movimentos de caráter político-social
com viés socialistas.

Não demorou para que a tentativa, por parte das mulheres, de atingir
as esferas de tomada de decisão, chegasse à igreja. O resultado disso foi
que, cada vez mais elas vêm conquistando espaço dentro da comunidade e,
em algumas denominações cristãs tradicionais ou de orientação
neopentecostal, tem permitido que as mulheres sejam ordenadas como
oficiais das mesmas. No entanto essa postura não é hegemônica.
Denominações que adotam os preceitos confessionais reformados resistem a

1
Nome dado às diversas campanhas protagonizadas por mulheres inglesas e Norte-Americanas com o
objetivo de conquistar o direito da mulher de participar da vida política através do voto.
3

essa tendência sob a justificativa de que essa prática não é sustentada pela
Palavra de Deus.

Aqueles, porém, que defendem a ordenação feminina o fazem por


diversos motivos. A exemplo disso temos o pastor e doutor em Ciências da
Religião Hermes Carvalho Fernandes 2 que, em uma postagem em seu blog
pessoal, apresenta sete motivos para justificar a ordenação feminina, à saber:
em Cristo acabam as distinções étnicas, sociais e sexistas; a atividade
pastoral é, antes de tudo, um dom; O Dom de Profecia é dado tanto a homens
quanto a mulheres; o sacerdócio universal dos crentes; foi a uma mulher que
Jesus confiou o primeiro “ide” após Sua ressurreição; Há evidências de que
havia liderança feminina na igreja primitiva; e porque está comprovado a
capacidade feminina em exercer qualquer papel antes atribuído somente aos
homens3. Ao que tudo indica, embora divirjam na forma em que apresentam
suas defesas, as demais denominações defensoras do da ordenação
feminina, o fazem pelas mesmas razões.

As questões apresentadas, à primeira vista, parecem possuir um certo


grau de razoabilidade, e que exigem reflexão e, se necessário for, até mesmo
revisão atitudes. Dessa forma, chegamos à finalidade deste artigo, que é
analisar a partir de um ponto de vista reformacional, cada uma dessas
afirmações, verificando a plausibilidade da ordenação de mulheres para
ocupar cargos de oficiais na Igreja. Para fins analíticos, vamos dividir as
razões apresentadas pelo referido autor em: justificativas bíblicas e
justificativas histórico-sociais.

2
Hermes Carvalho Fernandes é pastor, escritor, psicólogo, ativista, conferencista e teólogo com
doutorado em Ciências da Religião, editor do blog HermesFernandes.com e colaborador do jornal digital
Diário do Centro do Mundo.
3
FERNANDES, Hermes C. 7 Razões Favoráveis à Mulheres Pastoras. Estudo Bíblico Gospel. Disponível
em: <https://www.estudosgospel.com.br/estudo-biblico-polemico-dificil/ordenacao-feminina-7-razoes-
favoraveis-a-mulheres-pastoras.html> Acesso em: 21 de maio de 2019.
4

1 A BIBLIA PERMITE A ORDENAÇÃO DE MULHERES?

1.1 JUSTIFICATIVAS BÍBLICAS: A BIBLIA PERMITE A ORDENAÇÃO DE


MULHERES?

Cinco das sete razões apresentadas pelo Dr. Hermes Fernandes em


sua postagem, possuem um caráter teológico-bíblico, uma vez que estão
alicerçadas em textos da própria Bíblia, assim sendo, é imprescindível
verificar se a interpretação dada para cada um destes textos realmente
apresenta uma defesa admissível para a ordenação de mulheres ao oficialato
da Igreja.

A questão se reveste de especial importância, pois se realmente as


razões apresentadas são bíblicas, as denominações que tem negado às
mulheres o direito de exercerem cargos de oficiais em sua estrutura
organizacional, estão labutando contra a vontade expressa do próprio Deus.
E, se assim for, devem rever imediatamente suas posições quanto a esta
questão.

1.1.1 Em Cristo acabam as distinções étnicas, sociais e sexistas.

A primeira razão que iremos analisar está relacionada ao fato de


Cristo ter colocado fim nas distinções étnicas, sociais e sexistas. Para
sustentar essa premissa, aqueles que a utilizam em sua apologia da
ordenação feminina empregam o seguinte verso das escrituras sagradas
5

“Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem
fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” 4. A questão aqui parece
seguir o seguinte silogismo:

“Se Cristo pôs fim nas distinções raciais, sociais e sexistas, mulheres
podem ser ordenadas.
Cristo colocou fim a essas distinções.
Portanto, mulheres podem ser ordenadas.”

Seguindo a conclusão acima, a situação de subordinação da mulher


em relação ao homem não está mais em vigor, dessa forma ela pode
exercer a função de oficial na Igreja.

O problema com essa conclusão é que ela esbarra em uma regra da


Hermenêutica Bíblica: a Lei do Contexto, que determina que para que haja
uma correta interpretação de um texto bíblico, o seu contexto deve ser
considerado. E ao observarmos o contexto em que esse verso está inserido,
podemos observar que Paulo está tratando da questão da justificação pela fé.
O texto, longe de defender que a possibilidade de ordenação de quem quer
que seja, está apenas afirmando que, pela fé em Cristo, qualquer pessoa,
independente de sua etnia, posição social ou sexo, é declarada justa por
Deus. Daí dizer que Paulo, aqui, autoriza a ordenação de mulheres é querer
que o texto diga aquilo o que ele realmente não diz.

É importante, para melhor esclarecer esse ponto, é que o ensino


sobre a salvação e o ensino sobre a administração e liderança na Igreja, são
distintos e não podem ser confundidos. Tentar aplicar os efeitos da afirmação
contida em Gl 3:28 à ordenação feminina nos traria outro problema. Pois o
referido texto, juntamente com o seu contexto, afirma categoricamente que
todos os que estão em Cristo estão justificados diante de Deus. E a
justificação é uma obra completa. Não está escrito que aqueles que estão em
Cristo possuem uma probabilidade – mesmo que grande – de serem
justificados, mas que já estão (ação acabada) justificados. Se aplicarmos
esse texto a ordenação de mulheres, precisaremos inferir que todos (sem
exceção) aqueles que creem em Cristo são oficiais da Igreja, e isso não é
verdade.

4
Conf. Gl 3:28.
6

Além disso, é importante entender que a antiga distinção feita por


Deus entre o seu povo Israel e os outros povos não instituía que todo o
israelita poderia ser sacerdote. E isso se aplica mesmo à tribo sacerdotal,
nem todos os levitas poderiam ser sacerdotes, logo, nem todos os cristãos
podem ser oficiais. Assim chegamos a outro detalhe que as vezes passa
despercebido para aqueles que defendem a ordenação feminina, é que a
subordinação da mulher ao homem não está vinculada a Queda 5 e sim ao
próprio ato criatório. Paulo, em outras passagens, deixa isso muito claro,
como 1 Co 11: 7-10 e 1 Tm 2:12,13. Assim, embora ambos, Adão e Eva
fossem representantes pactuais 6 do gênero humano, a Adão possuía a
autoridade no casal, uma vez que foi a ele que Deus instituiu como protetor e
cultivador da terra7. E por fim, o termo “um em Cristo” não significa “iguais em
Cristo”, e sim, “unidos em Cristo” 8.

1.1.2 A atividade pastoral é, antes de tudo, um dom.

Nesta seção, o pastor Hermes afirma que a atividade pastoral é um


dom, e, portanto, qualquer um pode exercê-lo, e para tanto, utiliza o texto de
Atos 11: 17-18. O problema é que esse texto não trata do dom pastoral e sim
do recebimento do espírito, o que foi evidenciado de alguma forma, talvez
com a manifestação da glossolalia, e sobre a salvação.

O erro de atribuir a um texto aquilo que ele não diz é recorrente no


desenvolvimento argumentativo desse pastor. Seria melhor, talvez, o uso de
Efésios 4:11-13, que diz assim:

E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e


outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores,
querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério,
para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à
unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem
perfeito, à medida da estatura completa de Cristo. 9

No entanto, diferentemente do que alguns possam pensar, apóstolos,


profetas, evangelistas, pastores e mestres, não são dons, e sim ministérios
5
Termo utilizado para se referir ao pecado cometido por Adão e Eva no Jardim do Éden. Quando ambos
comeram do fruto do conhecimento do bem e do mal, o que lhes era proibido pelo próprio Deus.
6
Para maiores informações sobre a relação pactual entre Deus e o homem, recomenda-se a leitura do
livro “Criação e Consumação: O Reino, a Aliança, e o Mediador” de Gerard van Groningen.
7
Conf. Gn 2: 15.
8
Conf. Rev. Augustus Nicodemos, citando Ann Coble, em seu artigo “Ordenação Feminina: o que o Novo
Testamento tem a dizer?” publicado pela Fides Reformata em 1997.
9
Conf. Ef 4:11-13.
7

que estão relacionados ao governo da igreja. O que esse texto realmente está
dizendo que, para o pleno aperfeiçoamento dos santos, Deus deu dons aos
homens, e inclusive para aqueles que exercem esses cinco ministérios.
Portanto, apesar de Deus conceder dons tanto a homens, quanto a mulheres,
isso não significa que foi concedido a elas o acesso ao ministério. No texto
sob análise, é afirmado apenas que aqueles a quem Deus chamou para o
ministério ele concedeu dons para que eles pudessem exercê-lo da melhor
forma possível. Isto posto, incorre em erro aquele que afirma ser o pastorado,
um dom.

1.1.3 O dom de profecia é dado tanto a homens quanto a mulheres.

A terceira razão pela qual as mulheres deveriam ser ordenadas está


relacionado a profecia de Joel que diz assim:

E há de ser que, depois derramarei o meu Espírito sobre toda a


carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos
terão sonhos, os vossos jovens terão visões. E também sobre os
servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito. 10

Para aqueles que utilizam esse texto para referendar a ordenação


feminina, o apóstolo Pedro afirmou que essa profecia se cumpriu durante a
descida do Espírito Santo, o que está registrado no segundo capítulo do livro
de Atos dos Apóstolos. E uma vez que a referida profecia afirma que as
“filhas profetizariam” e “sobre as servas seria derramado o Espírito”, elas
poderiam exercer o oficialato na igreja. Diante do exposto, podemos
transformar esse argumento no seguinte silogismo:

“Se as mulheres no Novo Testamento profetizavam, elas podem


exercer o oficialato.
As mulheres no Novo Testamento profetizavam.
Logo as mulheres podem exercer o oficialato.”

Bem, mais uma vez estamos diante de um argumento falacioso, uma


vez que deduz de um texto um ensino que ele não autoriza. Veja, é verdade
que no Novo Testamento, tanto homens como mulheres profetizavam. Lemos
inclusive, no livro de Atos, que Felipe possuía quatro filhas que
profetizavam11. A questão não é que as mulheres não profetizavam, o

10
Conf. Jl 2: 28-29.
11
Conf. At 21:8,9.
8

problema aqui é que em nenhum momento a Bíblia afirma, que, pelo fato de
uma pessoa ter o dom de profetizar, ela está habilitada a exercer o oficialato.
Na verdade, em nenhum dos textos que tratam da questão do oficialato 12, o
dom de profecia é colocado como requisito para a ordenação de qualquer
pessoa.

A partir do que foi apresentado o argumento tratado nessa seção, é


falacioso, pois faz ilações que não são passíveis de comprovação. O Novo
Testamento apresenta diversas pessoas que manifestaram o dom de
profecia, porém, em nenhum momento é dito que elas poderiam exercer o
oficialato devido a essa característica específica.

Resta ainda mais um último comentário sobre a questão do dom de


profecia nos dias de hoje, que é a razoabilidade desses dons ainda estarem
em vigor nos dias de hoje, o que dificultaria ainda mais a defesa da
ordenação feminina ligada a esse fator. Porém, devido o fato deste artigo não
tratar da atualidade dos dons, vamos nos abster de tratar desse assunto.

1.1.4 Foi a uma mulher que jesus confiou o seu primeiro “ide” após a
sua ressurreição.

Para efeito de argumentação, o pastor Hermes afirma nesse ponto que


Jesus teria confiado o seu primeiro “ide” após a ressurreição para uma
mulher. Afirma ainda que:

É possível que os discípulos tenham se sentido desprestigiados por


isso. - Por que a uma mulher, e não diretamente a nós? Talvez isso
indicassse (sic) a importância que Jesus atribuía ao gênero feminino
na difusão do Evangelho. 13

Dessa vez, o argumento apresentado se mostra destituído de


respaldo bíblico. Primeiro porque despreza o contexto em que ocorre assim
chamado “primeiro ‘ide’ após a ressurreição”. Se lermos o texto, mesmo que
de forma apressada, concluiremos que Maria Madalena foi orientada a
informar aos discípulos da sua ressurreição pelo fato dela ter ido até o seu
sepulcro no domingo ainda de madrugada 14. Em segundo lugar, esse
argumento é frágil pois conclui de forma errada que somente oficiais da igreja
poderiam pregar o evangelho. E em terceiro lugar, o referido escritor atribui
12
Conf. 1 Tm 3:1-7; Tt 1:5-9; e At 6:3.
13
FERNANDES, Hermes C.. Op. Cit.
14
Conf. Jo 20:1.
9

um sentimento de ciúmes por parte dos apóstolos que não é referendado em


nenhuma parte das Escrituras.

1.1.5 Há evidências de que havia liderança feminina na Igreja primitiva.

Esse argumento está, em grande parte alicerçada no texto de


Romanos 161-7. Aqui temos um texto curioso, e que exige um pouco de
nossa atenção, pois, somos apresentados a uma mulher sob o título de
διακονον (diácono, ou diaconisa no caso), o que eliminaria qualquer dúvida de
que ela exercia um cargo de oficial na igreja em Cencréia. A força da
evidência, no entanto, acaba quando se compreende que o termo διακονον
pode ter mais do que um significado, tais como: “ministro”, “diácono” ou até
mesmo “servo”. Assim sendo, os comentaristas bíblicos divergem sobre qual
a melhor tradução para διακονον neste contexto.

Dessa forma, levando em conta que a tradução de διακονον não


elucida o caso, precisamos apelar para outros textos que nos elucidem essa
questão. Como se trata de uma questão referente à ordenação de oficiais na
Igreja, precisamos verificar quais os critérios a ser preenchidos por aqueles
que exercem esse oficialato. Ao fazer esse pequeno exercício, é possível
verificar que todos os textos que tratam desse assunto, apresentam como
condição sine qua non15 para a ordenação, o fato de a pessoa ser do sexo
masculino. Veja, ele deve, dentre outras coisas, ser homem 16, marido de uma
só mulher17, e governar bem a sua própria casa 18 – função atribuída sempre
ao homem.

Diante do exposto, embora seja provável que Febe, a mulher em


questão, tenha tido exercido papel importante em sua comunidade, e que
Paulo a tivesse em mais alta conta, é impossível dizer, apenas pelo uso do
termo διακονον associado ao seu nome, que ela exercesse o oficialato em
sua igreja local, principalmente se levarmos em consideração os textos que
tratam do oficialato nas escrituras.

15
Sem a qual.
16
Conf. At 6:3.
17
Conf. Tt 1:5,6; 1 Tm 3:2,12.
18
Conf. 1 Tm 3:4,12.
10

Nesta passagem de Romanos também aparece a figura de Priscila


que, juntamente com o seu esposo Áquila, ensinaram o evangelho para
Apolo19, o que seria uma evidência de que ela exerceria algum cargo
eclesiástico. O que seria mais uma ilação precipitada, uma vez que o texto
não nos permite inferir essa dedução, principalmente ao levar em
consideração de que a grande comissão 20, dada por Jesus, para se fazer
discípulos de todas as nações, recai sobre todos os cristãos e não apenas
aos oficiais da Igreja.

Outra passagem apresentada pelo Dr. Hermes para sustentar o seu


argumento, é aquela que fala de Andrônico e Júnias 21, os quais são
apresentados como “notáveis entre os apóstolos”. Para esse autor Júnias
seria uma mulher, e a ela seria atribuído o título de Apóstolo. A dificuldade
dessa passagem se repousa em duas questões. A primeira se refere ao fato
de que os comentaristas divergem sobre o sexo de Júnias, uma vez que o
nome poderia ser dado tanto a mulheres, quanto para homens, e que,
conforme o Rev. Augustus Nicodemos Lopes 22, o segundo caso era o mais
comum, ou seja, o nome ser empregado para um homem e não para uma
mulher. A segunda dificuldade é que, ainda que fosse provado que Júnias de
fato era uma mulher, ainda sim, a construção da frase não deixa claro que ela
e Andrônico pertenciam ao colégio apostólico, pois a frase pode sugerir
apenas que ambos gozavam da estima dos apóstolos.

1.2 JUSTIFICATIVAS HISTÓRICO-SOCIAIS.

Duas das sete razões apresentadas pelo Dr. Hermes, estão ligadas a
aspectos histórico-sociais. Analisemos cada uma delas de forma separada,
como fizemos com as justificativas bíblicas, de maneira que possamos
verificar a consistência das mesmas.

1.2.1 O sacerdócio universal dos crentes.

Para essa seção, o já mencionado autor, apela para um dos pilares


da Reforma Protestante: o sacerdócio de todo aquele que crê. Segundo esse
pastor, o movimento de reforma ocorrido no século XVI defendia que todos os
19
Conf. At 18:24-26.
20
Conf. Mt 28:19-20 e textos análogos.
21
Conf. Rm 16:7
22
LOPES. Augustus Nicodemos. Op. Cit.
11

cristãos são sacerdotes, e por causa disso a mulheres podem ser ordenadas.
Comenta ainda que o oposto disso, implicaria em manter a distinção entre
leigos e clero, conceito muito presente no catolicismo romano. Para sustentar
esse argumento, afirma que os homens negam essa possibilidade às
mulheres pelo desejo de manter a proeminência.

Mais uma vez aqui temos uma incoerência lógica na análise que o
autor faz do conceito de sacerdócio universal. Isso ocorre porque
primeiramente ele afirma que todos são sacerdotes, e por conta disso,
habilitados a realizar duas atividades: anunciar o evangelho e oferecer
sacrifício espirituais, seguindo esse raciocínio, todos deveriam exercer o
oficialato, pois todos já estariam ordenados 23. Logo em seguida, parece
recuar dessa conclusão, ao afirmar que o sacerdócio universal pressupõe a
“possibilidade” de qualquer um, homem ou mulher, exercer o oficialato.

Existem alguns problemas com essa argumentação, pois confunde


oficialato com sacerdócio. Ao defender o sacerdócio universal do crente, os
reformadores estavam combatendo o ensino propagado pela Igreja Católica
Apostólica Romana, de que os fieis teriam o seu acesso à Deus vinculado a
intermediação do clero. Em nenhum momento, porém, os reformadores
pretenderam que todos os cristãos exercessem o oficialato. Isso fica muito
claro no conhecido diálogo entre Lutero e o sapateiro 24.

Estava claro para os reformadores que todos os que creem tem


acesso direto à Deus por intermédio do sumo sacerdote Jesus Cristo 25, que é
o único mediador26 entre Deus e os homens. Mas isso, evidentemente, não
significava que todos deveriam exercer o ensino ou governar a Igreja. Até
porque afirmar isso seria ir contra o preceito bíblico de que Deus deu
diferentes dons aos cristãos 27, para o pleno desenvolvimento dos santos.

Hermes parece reconhecer esse dilema, por isso recua em suas


conclusões e afirma que o sacerdócio universal apenas cria a possiblidade de

23
O Dr. Hermes mesmo, não faz essa conclusão de forma explicita, mas este seria o resultado lógico de
sua premissa.
24
Um sapateiro convertido perguntou a Lutero o que poderia fazer para servir melhor à Deus e ser um
cristão melhor. Lutero respondeu: “Faça um bom sapato e venda por um preço justo”.
25
Conf. Hb 2:17; 4:14.
26
Conf. 1 Tm 2:5.
27
Conf. Ef 4:11,12.
12

qualquer pessoa, independente do sexo, exercer o oficialato. O problema com


essa segunda parte de seu argumento, esbarra mais uma vez naquilo que já
vimos sobre os requisitos para a ordenação de oficiais da igreja. Além disso,
o seu malabarismo argumentativo acaba por anular a força de seu argumento.
Pois se o sacerdócio universal dos crentes não significa que todos os que
creem são oficiais – algo que o referido pastor parece reconhecer –, então
não existe razão para evocar essa questão para referendar a sua posição
sobre a ordenação feminina.

1.2.2 Porque está comprovado a capacidade feminina em exercer


qualquer papel antes atribuído somente aos homens.

Nesse ponto, embora tenha evocado alguns exemplos bíblicos, o autor


trata apenas de questões sociológicas. Afirmando que as mulheres vêm
acumulando uma série de conquistas no âmbito profissional e ocupando
espaços que antes eram ocupados apenas pelos homens, aqueles que, como
o pastor Hermes Fernandes, utilizam-se desse argumento para subsidiar a
sua defesa da ordenação feminina, afirmam que a Igreja precisa se adaptar
ao seu tempo.

Muito tem sido dito, nos últimos anos, sobre a relação entre a Igreja e a
cultura (inclusive com muitas obras publicadas sobre essa temática). As
mulheres realmente galgaram posições que antes eram restritas apenas a
homens. No entanto a Igreja não é uma instituição meramente humana que
segue o fluxo da cultura, ou os padrões humanos. A Igreja é uma instituição
divina que segue preceitos divinos, preceitos esses registrados na sagradas
Escrituras.

Foi o próprio Deus, através dos escritores do Novo Testamento, quem


determinou a maneira que a Igreja deveria ser governada. E, como já
verificamos, nela (nas Escrituras) estão registrados os requisitos exigidos
daqueles que exercerão o oficialato. O fato de haverem homens não
qualificadas exercendo cargos de oficiais na Igreja, não autoriza a ordenação
de mulheres, apenas apontam para a necessidade de maior rigor e critério
para a escolha dos líderes. A igreja jamais deve negociar os seus valores. Foi
próprio Deus, que determinou os rumos da Igreja, e ele não muda. E não
obstante ao fato da sociedade mudar e pressionar a Igreja para que se
13

coadune com os novos tempos, a Igreja deve permanecer irredutivelmente


ligado à Palavra de Deus.

Outro ponto a ser observado é que, embora essa afirmação seja


bastante polêmica, as mulheres têm assumido cada vez mais tarefas que não
lhes era comum até pouco tempo atrás. E, diferentemente do que tem sido
veiculado pelo movimento feminista, elas não estão se tornando mais felizes
por isso. Na realidade, muitas pesquisas realizadas nos últimos anos na área
da psicologia vêm apontando para um aumento da infelicidade e da
depressão entre as mulheres. Muito embora a culpa sempre seja atribuída a
fatores externos a elas próprias, como o preconceito, e o sociedade patriarcal,
a verdade é que as mulheres não se sentem felizes com suas “conquistas”. O
problema é que elas estão desempenhando o papel pelo qual não foram
constituídas para executar.
14

CONCLUSÃO

Uma das questões mais discutidas nas Igrejas nos dias de hoje está
relacionada à ordenação feminina. E, é claro, que isso tem dividido opiniões,
principalmente se levamos em consideração que a Igreja está inserido em um
contexto sociocultural, que está em constante mudança, principalmente na
era da pós-modernidade.

Grupos de interesses ligados aos mais diversos segmentos da


sociedade, pressionam a Igreja para que se adeque a nova realidade de um
tempo em que os absolutos dão lugar aquilo que é relativo. Muitas
denominações cristãs, no afã de se tornarem mais relevantes, procuram
meios de tornar a mensagem cristã mais palatável. Dessa forma, os valores
que antes eram inegociáveis, dão lugar a pautas mais amenas do ponto de
vista secular. Como diria Calvino: "Como se fosse vergonhoso para o Espírito
Santo ser em toda parte igual e conforme a si mesmo e estar sempre de
acordo consigo e em nada mudar.” 28

Por outro lado, é reconhecido que alguns ensinos da Bíblia possuem


um caráter situacional. Isto é, foram dados para atender uma necessidade
específica, como é o caso do uso do véu pelas mulheres, da necessidade de
esperar uns pelos outros para tomar a ceia, dentre outros. Seguindo essa

28
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. Tomo I. São Paulo: Editora UNESP, 2008. p. 88.
15

lógica, a intenção deste artigo, foi analisar se existem argumentos plausíveis


a favor da ordenação de mulheres para o exercício do oficialato. Para tanto,
foi feito a análise de um caso específico, um artigo escrito por um conhecido
pastor e publicado em um blog, que apresentava sete razões para justificar a
ordenação feminina. Embora seja análise de um caso específico, as razões
por ele apresentadas são bastante recorrentes em publicações que buscam
referendar tal prática.

Após uma análise cuidadosa de cada um desses argumentos,


podemos concluir que não é possível defender a razoabilidade dos mesmos,
de maneira que Bíblia não permite brechas para a defesa da ordenação
feminina para o oficialato da Igreja. O que nos leva a conclusão de que
aquelas denominações que têm adotado essa prática, estão incorrendo em
grande erro e desrespeitando à vontade expressa de nosso Senhor Jesus
Cristo.
16

BIBLIOGRAFIA

https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-o-movimento-sufragista/

http://www.escolacharlesspurgeon.com.br/files/pdf/Ordenacao_Feminina-
Augustus_Nicodemus.pdf

https://www.estudosgospel.com.br/estudo-biblico-polemico-dificil/ordenacao-
feminina-7-razoes-favoraveis-a-mulheres-pastoras.html

https://biblia.gospelprime.com.br/receptus/romanos/16/

Bíblia, versão Almeida Revista e Corrigida.

CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. Tomo I. São Paulo: Editora


UNESP, 2008.

CLARK, Gordon H. "Em defesa da teologia". Brasília, DF: Editora Monergismo,


2010.

GRONINGEN, G. Criação e Consumação: O Reino, a Aliança, e o Mediador.


São Paulo: Cultura Cristã. 2017.

WESTON, Anthony. A construção do argumento. São Paulo, SP: Martins


Fontes, 2015.

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