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Igreja Cristã.
Uipirangi Câmara1
Introdução
A trajetória das mulheres, ao longo dos séculos, foi permeada por lutas,
resistências e, infelizmente, subjugações em diversas frentes da sociedade.
Sejam nos palcos políticos, econômicos ou educacionais, as mulheres têm
batalhado para reivindicar seu espaço e voz. Esse cenário não é diferente no
contexto religioso, particularmente na igreja cristã, onde muitas tradições ainda
se mostram resistentes à ideia de mulheres em cargos de liderança, em
especial o pastorado.
Embora a igreja cristã tenha sido berço de muitas transformações
espirituais e sociais, nem todas as suas alas abraçaram o protagonismo
feminino. Frequentemente, argumenta-se contra a liderança feminina usando
pretextos hermenêuticos, referências a tradições culturais ou uma interpretada
fidelidade inabalável às Escrituras.
No entanto, esse texto panorâmico tem a proposta de lançar um olhar
crítico sobre essas alegações. Sugiro que a resistência ao pastorado feminino
pode estar menos ancorada numa leitura fiel da Bíblia e mais enraizada em
vieses cognitivos. Estes vieses, por vezes subliminares, reforçam uma
estrutura de poder de gênero, pendendo a balança em favor dos homens. Para
desembrulhar esse emaranhado de interpretações e perspectivas, navegarei
por um estudo interdisciplinar que une Teologia, Psicologia Cognitiva e Estudos
de Gênero.
Preciso, entretanto, moldar o artigo (Que panoramicamente, são
reflexões que precisam de aprofundamento) num quadro que inclua a
perspectiva acadêmica e prática, procurando ser didático, sem, no entanto,
carregar o texto de maneirismos estruturais que se exigem de textos mais
científicos.
1
Batista. Professor de Teologia, Pós Doutor em Direito e Gênero, Doutor em Ciências da Religião.
1. A Intersecção entre Viés Cognitivo e Heurística na Dinâmica
Eclesiástica
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subalternizada não é um deslize isolado da cronologia, mas um eixo que
transpassa eras e cosmovisões, legando consequências que ecoam até hoje.
De civilizações ancestrais como egípcios, sumérios e romanos, a figura
feminina frequentemente estava sob o jugo de um olhar simplista e redutivo. A
mulher, em muitos destes contextos, era mais um bem do que um ser: uma
extensão dos desejos e direitos de pais ou maridos. Estas concepções eram
entalhadas não apenas no tecido social, mas também eram canonizadas em
textos filosóficos, literários e jurídicos.
O surgimento do cristianismo sinalizou uma ruptura em muitas destas
visões. Versículos como Gálatas 3:28 ressaltavam a inclusão, sugerindo uma
igualdade transcendente. Entretanto, à medida que a igreja navegava pelos
séculos, encontramos momentos de hesitação e retrocesso. A história cristã,
por vezes, ecoa as dicotomias da cultura envolvente: por um lado,
reconhecendo líderes, profetisas e discípulas; por outro, enfatizando textos
que, fora de contexto, pareciam endossar a subordinação feminina.
Uma das pedras no sapato da Teologia cristã sobre gênero tem sido
essa inclinação para abraçar versículos isolados, em detrimento de uma
compreensão mais panorâmica das Escrituras. Quando ancoramos nossa
Teologia em versículos isolados que parecem validar concepções patriarcais,
criamos um cristianismo amputado, que omite o vasto repertório de vozes
femininas e ensinamentos sobre paridade que pulsam nas páginas bíblicas.
A visão distorcida sobre a feminilidade não nasceu no cristianismo.
Contudo, a forma como certos segmentos do cristianismo se apropriaram e
amplificaram esta visão atesta o poder dos vieses culturais e heurísticas em
nosso trato com as Escrituras. Serve como lembrete de que a Teologia, por
mais divina que se pretenda, é também um produto de seu tempo, entrelaçada
à cultura e à história que a circundam.
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O coração da questão muitas vezes reside na formação teológica.
Instituições de ensino teológico, seminários e escolas bíblicas têm o dever de
garantir que seus currículos abordem as Escrituras de forma abrangente e
imparcial. Isso envolve não apenas estudar as passagens frequentemente
citadas em debates sobre o papel das mulheres, mas também mergulhar nas
ricas narrativas, ensinamentos e exemplos de liderança feminina em toda a
Bíblia.
Para qualquer mudança substancial ocorrer, é vital que as instituições
reconheçam e enfrentem os vieses que moldaram suas práticas e crenças. Isso
pode envolver sessões de treinamento, workshops e até momentos de
introspecção e confissão coletiva. Confrontar esses vieses não é apenas um
passo em direção à justiça, mas também à verdadeira integridade teológica.
É fundamental que as mulheres não apenas sejam ouvidas, mas que
também ocupem posições de influência e decisão. A igreja deve ativamente
buscar criar e ampliar espaços onde as vozes femininas possam contribuir para
a Teologia, a liturgia e a prática pastoral. Afinal, uma igreja que reflete
plenamente o corpo de Cristo é aquela que valoriza e incorpora a diversidade
de seus membros.
Enquanto o caminho à frente pode parecer desafiador, também é repleto
de oportunidades. Com cada barreira superada, a igreja tem a chance de se
tornar mais representativa, justa e verdadeiramente universal. O espírito do
Evangelho é um de inclusão, amor e justiça, e ao abraçar essa visão, a igreja
pode se mover em direção a um futuro em que todas as pessoas são
valorizadas e reconhecidas por seus dons e vocações.
Em resumo, o futuro da igreja depende de sua capacidade de refletir, aprender
e crescer. Ao enfrentar os desafios da ordenação feminina com coragem,
humildade e amor, ela pode trilhar um caminho que honra tanto a tradição
quanto a transformação, sempre buscando refletir o coração e a missão de
Cristo no mundo.
5. Considerações Provisórias
6. Referências
6
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