Você está na página 1de 4

A Bíblia do ponto de vista feminino

O século 20 testemunhou grandes mudanças nas atitudes com relação ao status


e papel das mulheres. A educação das mulheres foi uma das chaves para abrir
novas oportunidades no mercado de trabalho, e para dar maior respeito ao
trabalho tradicionalmente feito por mulheres.
Uma mudança de perspectiva da Bíblia também era necessária, não porque as
mulheres se relacionem com Deus ou vêem a Bíblia de forma diferente dos
homens, ou porque todas as mulheres pensem da mesma forma, mas porque, até
recentemente, quase toda interpretação bíblica era feita por homens.

Na cultura secular e na igreja, a masculinidade se tornou a norma do que significa


ser humano e era fácil marginalizar, mesmo que inconscientemente, a
contribuição e importância das mulheres. Teólogos focalizaram principalmente a
maneira como Deus lida com os homens, considerando mais importante na
teologia e na história cristã as coisas que os homens fazem, enquanto as
mulheres, os papéis que elas exercem, a fé, a experiência e os interesses delas
ficavam em segundo plano. Tanto homens quanto mulheres acostumaram-se a
aprender sobre fé a partir de exemplos bíblicos de homens como Pedro,
enquanto o exemplo de mulheres como Maria eram subconscientemente vistos
como "apenas para as mulheres"!
Portanto, toda a igreja, mulheres e homens, se beneficia com a valorização da
experiência de fé por intermédio das mulheres nas Escrituras, com a recuperação
da importância esquecida das mulheres na história da missão da igreja e com a
retificação do desequilíbrio no qual mulheres e o sexo feminino foram
marginalizados nas traduções da Bíblia, na teologia e na igreja.

Parceiros iguais
Gênesis começa com o fato de que homens e mulheres foram criados iguais à
vista de Deus e na presença um do outro. A criação de ambos é considerada
muito boa (Gn 1.31). A mulher é criada a partir do homem, não para mostrar
subordinação, mas para mostrar que ela é semelhante a ele, em contraste com os
outros seres criados, e para demonstrar a interdependência que Paulo, em 1 Co
11.11-12, diz ser característica da raça humana: "No Senhor, todavia, a mulher não é
independente do homem, nem o homem independente da mulher. Pois, assim
como a mulher proveio do homem, também o homem nasce da mulher. Mas
tudo provém de Deus.”

Rivalidade e competição
Os problemas entre homem e mulher só começaram depois que a desobediência
causou a "queda" da humanidade em Gn 3. Então, ao invés da mutualidade e
complementaridade do Éden, tiveram início a rivalidade e a competição. De Gn 4
em diante, isto acontece como cumprimento da previsão de que o homem
dominaria a mulher (Gn 3.16). Este não era o ideal de Deus, mas parte das
consequências inevitáveis da queda. Se Gênesis estabelece o cenário, o drama se
desenrola na história da salvação no restante da Bíblia. Não há uma palavra
inequívoca no Antigo Testamento sobre a situação das mulheres, mas os homens
prevalecem, assumem o poder até na vida religiosa e as mulheres parecem ser
raramente vistas ou ouvidas. O que está registrado aparece, na maioria das vezes,
na forma de narrativa descritiva. A questão que isto levanta é se a narrativa afirma
a vontade de Deus para os papéis e status de homens e mulheres em todas as
culturas em todos os tempos, ou se simplesmente descreve o que estava
acontecendo na época (da mesma forma que, por exemplo, apresenta a
poligamia e a escravidão), para que possamos aprender, imitando o que é bom e
corrigindo o que não é. As Escrituras registram muitas coisas que não defendem!

Deus e a Bíblia são preconceituosos?


Será que a Bíblia como tal favorece os homens em detrimento das mulheres? E o
patriarcado (no sentido mais amplo, o sistema de homens no poder) é justificado
pelo próprio texto? Estaria Deus tratando as mulheres dessa forma? É bem mais
provável que aquilo que encontramos descrito aí está para ilustrar como o status,
a função e a experiência das mulheres ficam longe do ideal divino de igualdade.
Há indicações suficientes disto no texto em si.

Embora grande parte da história focalize as atividades dos homens, as mulheres


estão presentes e têm papéis importantes. A liderança não é restrita a homens.
Tanto Débora, a juíza (Jz 4), quanto Hulda, a profetisa (2Rs 22), assumem papéis
responsáveis de liderança que não são descritos no texto como algo excepcional.
Elas são respeitadas.

Do Antigo ao Novo
O fato de a maioria dos líderes serem homens representa a cultura patriarcal
desenvolvida na época. Não há mandato divino para tal. As mulheres foram
excluídas do sacerdócio do Antigo Testamento, mas muitos homens também
foram! E o Novo Testamento nos apresenta um sacerdócio de todos os crentes,
homens e mulheres! No Antigo Testamento, a circuncisão era o sinal de que se
pertencia ao povo da aliança de Deus — um sinal que, fisicamente, só podia ser
colocado no corpo de homens. Mas com o nascimento da igreja surgiu um novo
sinal. O batismo incluía fisicamente homens e mulheres, judeus e gentios.

Nas cartas do Novo Testamento há várias indicações de que quaisquer restrições


sobre mulheres se aplicam dentro da cultura e do contexto específicos. Nos casos
em que há diferença entre detalhes de uma situação do primeiro século e do
presente, o princípio do ensinamento é que deve ser seguido. Logo, quando Paulo
indica em 1 Tm 2 que as mulheres não devem ensinar ou ter autoridade sobre
homens, ele está se dirigindo a um problema específico de ensinamento falso e
autoridade injusta em Éfeso. Em tal contexto as mulheres deviam parar o que
estavam fazendo de errado. O princípio permanente para hoje é que as mulheres
são proibidas de ensinar o que é errado, mas não por isso proibidas de ensinar o
que é correto! Nisto elas podem servir de exemplo de conduta para os homens,
assim como os exemplos dos homens geralmente são aplicados a mulheres.

Sabemos, com base em Atos e nas epístolas, que mulheres eram proeminentes
entre os líderes em quase todas as primeiras igrejas que se reuniam nos lares.
Lídia era líder em Filipos; Febe era diaconisa em Cencréia (Rm 16.1).

Os crentes são recomendados por Paulo a ensinarem uns aos outros (Cl 3.16) e
nenhuma exceção aqui impede mulheres de ensinar homens. Há registro de
Priscila ensinando Apolo (At 18.26).

As listas de dons no Novo Testamento (Rm 12; ICo 12; Ef 4) não especificam sexo.
Dada a cultura patriarcal da época, não é de admirar que os líderes homens
fossem mais numerosos que as mulheres, mas esta é uma descrição, não um
padrão.

Uma indicação disto pode ser vista em 1 Tm 3.2, que diz que, para alguém ser
candidato ao episcopado, precisa ser "marido de uma só mulher". Isto poderia
indicar a necessidade de ser casado e monogâmico ou, mais provavelmente, ter
pureza e fidelidade no casamento.

Num contexto em que era provável que a maioria dos líderes fossem homens e,
quase com certeza, casados, isto serve de regra para a situação de Éfeso naquela
época, não sendo uma proibição futura para todos os homens solteiros ou para as
mulheres! 1 Tm 3.12 faz a mesma exigência no caso dos diáconos, mas isto não
pode significar que todos os diáconos devem ser homens, já que Paulo chama
Febe de diaconisa em Rm 16.1. A liderança e responsabilidade bíblica na igreja
devem ser baseadas no caráter, chamado e compromisso cristão, não em
questões de gênero ou sexo.

Deus masculino ou feminino?


Muitas pessoas têm uma imagem mental de Deus como sendo homem, ou pelo
menos mais masculino que feminino. Isto se deve em grande parte às imagens
de Deus na arte primitiva, e à descrição de Deus como "ele" ou "pai". Mas Dt
4.15-16 lembra Israel de que Deus não tem forma ou aparência. Eles não deviam
fazer imagens de escultura (ou supostamente formar imagens mentais) de Deus
como homem ou mulher. Masculino e feminino são diferenças biológicas na
humanidade criada. Ambos os sexos refletem igualmente uma imagem do
Criador.

O masculino ou o feminino deve ser usado para refletir o fato de que a natureza
de Deus é pessoal, não impessoal. "Aquilo" não serve. O uso de "ele" para Deus
indica que Deus é uma pessoa. Não está relacionado com o sexo (àquilo que é
biologicamente determinado) ou gênero (aquilo que é socialmente determinado).
Ultimamente as imagens femininas de Deus nas Escrituras (tais como dar a luz ou
prover alimento) foram redescobertas. O mesmo aconteceu com o uso de termos
femininos com relação a Deus, por exemplo, a Sabedoria no Antigo Testamento.
Classificações gramaticais masculinas e femininas são usadas, mas elas não
transmitem necessariamente o ser ou a essência.

Também houve progresso no reconhecimento da valorização social do masculino


que é inerente a muitas línguas e a consequente marginalização das mulheres —
colocando-as de lado, ignorando-as ou considerando-as atípicas no que tange à
experiência humana. Esta não é a visão bíblica. No passado, quando Deus era
considerado masculino, o erro estava em considerar a masculinidade como sendo
mais semelhante a Deus.

O exemplo de Jesus não introduziu um movimento revolucionário para derrubar a


cultura judaica de dominação masculina da sua época. Porém ele claramente
quebrou as regras do seu tempo. Ele ensinou mulheres; discutiu teologia com
elas; aceitou adoração delas; elevou sua posição em discussões sobre divórcio; e
tocou mulheres ritualmente "impuras". Tais ações não parecem grande coisa
pelos padrões atuais, mas foram atos notáveis na época e iam além do que era
aceitável. Isto abriu caminho para seus seguidores fazerem o mesmo. No passado,
o fato de Jesus ter nascido como homem era considerado vantajoso para os
homens.

Se encarnação significa que "Deus se fez um homem", então a redenção das


mulheres fica em cheque ou pelo menos é secundária, e Jesus é mais bem
representado no sacerdócio por homens que por mulheres.

Mas a Bíblia jamais usa a masculinidade de Jesus como instrumento de


comparação; usa apenas sua humanidade, que é comum a homens e mulheres. E
o Novo Testamento ensina nitidamente o sacerdócio de todos os crentes; todos
podem chegar a Jesus e todos podem representá-lo na terra.

Na encarnação Jesus representa um modelo de humanidade, não de


masculinidade. As mulheres, assim como os homens, podem encontrar seu
padrão nele e seguir seu exemplo em todos os aspectos.

Você também pode gostar