Ao entrar no aspecto do cuidado, o autor coloca, logo de início, a
necessidade de compreender as diversas maneiras de usos das drogas e de entender as relações que essas pessoas que usam mantêm consigo e com o ambiente social que as cercam, pois para aproximar essas pessoas do cuidado é importante que termos pejorativos, como “drogado”, “viciados”, dentre outros sejam excluídos do vocabulário dos profissionais de saúde. Esses termos acabam criando uma discriminação e afastam as pessoas que usam desse cuidado que é tão necessário e aproximam as mesmas do tráfico, da violência e do crime, essa aproximação se dá por conta de uma identificação e de uma necessidade de se sentirem como igual, pois ao serem categorizados sentem-se excluídos e desse modo acabam procurando lugares onde possam se sentirem pertencentes, como no tráfico, onde eles serão tratados como iguais e sem nenhum julgamento dentro do grupo. Para enfatizar essa aproximação, Méllo cita um estudo etnográfico de Alberti e Iñgnez: [...] concluiu que há uma rede de amizades e solidariedade nesse ambiente de consumo que também lhes favorece a permanência nesse espaço. Eles indicam que alguns dos programas de “tratamento” oferecidos a esses usuários falham por enfatizarem somente as “atividades desviantes”, isolando-os do convívio social com amigos e familiares e lhes fazendo “experimentar um sentimento de isolamento e de perda de relações sociais” (Alberti e Íñiguez, 2008, p. 443) Quando os autores citados colocam que nesses ambientes de consumo existe uma rede de amizade, prova-se que o cuidado não deve ser imposto, pois para que a pessoa que usa se sinta confortável, ela terá que confiar no profissional que está oferecendo este cuidado. Para que essa confiança seja conquistada é importante, como já comentado, que esses termos sejam abolidos para que exista uma comunicação que facilitará o tratamento e o tornará mais suportável, desse modo, descomplicando para ambos os lados. Reiterando sobre esses termos ditos pejorativos, percebe-se que no senso comum há uma desvalorização ainda maior dessas indivíduos que fazem uso de drogas, é retirado dessas pessoas até mesmo o posto de seres humanos, sendo chamados de “zumbis”, atribuindo consequentemente a visão de sujeitos sem caráter e fracas, que são dispostas a tudo para conseguir usar a sua droga, o que é totalmente descartado no estudo etnográfico, quando Alberti e Iñgnez trazem que: Ao contrário do que podemos imaginar, atitudes como o roubo contra a família, intimidação e prostituição foram comportamentos rejeitados pelo grupo de consumidores pesquisados. E mais: a pesquisa comprovou que as próprias medidas repressivas - fundamentalmente centradas na condenação da “aparência desleixada dos usuários” e realizadas sob a alegação exclusiva de que a atividade de consumo é crime - acabam estimulando problemas de ética ou dignidade, impelindo os usuários a realizar roubos, a fim de obter dinheiro para consumir droga (Alberti e Íñiguez, 2008, p. 443). Contudo, se diferenciando desse sendo comum, o autor acrescenta que o uso de drogas lícitas é também muito prejudicial, traz como exemplo a bebida alcoólica que, segundo Furtado e Méllo (2010), num estudo em Fortaleza-CE, é relacionada à violência domestica. O autor entende que a bebida não faz pessoas violentas, mas o consumo dela contribui para o aumento da necessidade de homens demonstrarem sua masculinidade, muitas vezes agindo com a força física, porém que essa droga é altamente prejudicial é inegável, e o fato de não ser vista como algo ruim acaba prejudicando o cuidado. Esse prejuízo se dá a partir do momento em que a droga não é colocada como ilícita, o individuo que é dependente e até mesmo as pessoas a sua volta não enxergam como alguém que precisa de um cuidado, é algo visto como um escape, e não um vício, diferente daqueles que usam as ilícitas, fazendo, assim, com que o cuidado seja prejudicado. O presente trabalho trata de uma droga que não é ilícita, é tida como algo natural e que não leva a pessoa que abusa dela a ser vista como alguém doente ou dependente que necessita de cuidado, porém um estudo publicado pelo periódico "PLOS One", mostra que o consumo excessivo de açúcar eleva os níveis de dopamina no organismo de forma similar ao que acontece com a cocaína e que esse consumo está diretamente ligado ao sobrepeso e à diabetes, que nos dias de hoje se tornaram doenças muito frequentes. Nesse contexto, percebe-se que o açúcar assemelha-se ao álcool a partir do momento que, por ser lícita e aparentemente não prejudicial, é colocada como uma droga do bem, usada apenas para liberar o estresse e lidar com a ansiedade, desconsiderando-a como prejudicial. Contudo, partindo do estudo citado, o cuidado para com essas pessoas é de extrema necessidade, pois, o açúcar é altamente prejudicial quando usado de uma forma excessiva, possibilitando o desenvolvimento de doenças que poder levar essas pessoas à um estado de angústia, à vista disso vivendo sua vida em função dessa doença. No Brasil existe uma grande distinção em relação ao tratamento exposto às pessoas que usam as drogas ilícitas e lícitas, enquanto as que usam as lícitas são vistas como pessoas “normais” e que não precisam de nenhum tipo de punição ou tratamento, as que usam as ilícitas são tratadas como traficantes, sendo levadas às prisões e deixando totalmente de lado o cuidado do qual elas necessitam. Essas pessoas que usam drogas ilícitas são levas às cadeias e às Comunidades Terapêuticas (CTs), mas nenhuma dessas tem uma real preparação para conseguir cuidar dessas pessoas da maneira correta, segundo Méllo (apud Alves e Lima, 2013, p. 20) “A predominância das Comunidades Terapêuticas tem contribuído para a hegemonia do modelo de atenção baseado na internação e na abstinência como objetivo terapêutico exclusivo”. Essas CTs acabam isolando e segregando essas pessoas, sem oferecer sequer um tratamento de saúde, provando que nelas não existe nenhum tipo de cuidado, e que, possivelmente sairão em estado tão crítico como quando entraram, tornando-se, assim, um lugar que só gera mais sofrimento em vez de realmente cuidar e acolher. Essa ideia equivocada de cuidado apresenta-nos uma realidade que está cada vez mais presente em nossa sociedade, a negligência psicológica. Partindo do pressuposto do sujeito como um ser subjetivo, essa falta de cuidado apresentada mediante as necessidades, focando apenas na questão objetiva, que seria o uso em si das drogas, evidencia-nos a falta de ética envolvida nessas questões. Quando trazemos esse cuidado para o âmbito das drogas licitas, no contexto do uso abusivo do açúcar, nos olhos devem voltar- se não somente para a droga em si, mas a história por trás que faz esse uso. Ou seja, devemos considerar o individuo como um todo, considerando seus aspectos subjetivos em harmonia com as consequências impostas pelo excesso do uso, de modo que, nosso foco não seja a droga, mas o sofrimento emocional que envolve a situação. O que outrora foi posposto, como centraliza Hart (2014) Ficou cada vez mais claro pra mim que nossos próprios preconceitos sobre utilização de drogas e nossas políticas punitivas em relação aos usuários faziam com que a as pessoas que usassem drogas parecessem menos humanas e menos racionais. O comportamento dos usuários sempre foi explicado em função das drogas, em primeiro lugar, e não considerados à luz de outros fatores igualmente importantes do mundo social (...). (Hart, 2014, p. 250)
Ademais, fica claro que o problema não está restritamente relacionado
ao uso das substâncias, mas o por que do uso abusivo, até onde o prazer para com a droga se esvai e a necessidade dela para enfrentar suas questões adentra como referência na situação, referenciando sempre a posição do sujeito como um ser pensante, com sofrimentos, com história e refém de uma sociedade marcada por estereótipos negativos ao seu respeito e o lugar que o mesmo ocupa na sociedade. Este deveria ser o foco de toda e qualquer profissional da saúde, como afirma Baudelaire nos seus escritos “paraísos Artificiais”: O vinho é como [o ser humano]: não se saberá nunca até que ponto podemos estimá-lo ou desprezá-lo, amá-lo ou odiá-lo, nem de quantos atos sublimes ou perversidades monstruosas ele é capaz. Portanto, não sejamos mais cruéis com ele do que com nós mesmos e tratemo-lo como um igual. (2007, p. 187)
O cuidado qual referenciamos é aquele voltado para toda e qualquer
pessoas que carrega uma sofrimento humano, na perspectiva que no reconhecimento de seu estado as pessoas que usam essas drogas, licitas ou ilícitas possam participar desse cuidado de si, que se encontrem, que se considerem parte do meio e o cuidado oferecido, quando nos enxergamos partes de algo, necessários, importantes, somos capazes de mudanças, como afirma o Governo Federal sejam “comprometidas com a promoção, prevenção e tratamento, na perspectiva da integração social e produção da autonomia das pessoas” (Brasil, 2004a, p. 5).