Você está na página 1de 4

Bíblia e Lutero

The Bible and Luther

Biblia y Lutero
Milton Schwantes

RESUMO
O autor apresenta a hermenêutica de Lutero, o doutor em Bíblia da
universidade de Wittenberg, em três temas: Lutero propagou a es-
critura, Luteor promoveu o retorno ás fontes, Lutero desafiou a en-
tender a escritura a partir de seu eixo “ o que promove Cristo”.
Palavras-chave: Martinho Lutero; Bíblia; hermenêutica; teologia
da libertação tradução da Bíblia.

ABSTRACT
The author presents the hermeneutics of Luther, the doctor in Bible
of the University of Wittenberg, in three themes: Luther spread out
the Scriptures; Luther fostered the return to the sources; Luther
challenged us to understand the Scriptures from the axis of “what
promotes Christ?”
Keywords: Martin Luther; Bible; hermeneutics; Liberation Theolo-
gy; translation of the Bible.

RESUMEN
El autor presenta la hermenéutica de Lutero, el doctor en Biblia de
la universidad de Wittenberg, en tres temas: Lutero propagó la es-
critura, Lutero promovió el retorno a las fuentes, Lutero desafió a
entender la escritura a partir de su eje “el que promueve a Cristo”.
Palabras clave: Martín Lutero; Biblia; hermenéutica; teología da li-
beración; traducción de la Biblia.

[Edição original página 31]

30 Milton SCHWANTES. Bíblia e Lutero


[Edição original página 31/32] de pessoas. Sabemos que a difusão des-
ta tradução foi e é muito grande^ A tra-
Há 500 anos nascia Martin Lutero dução de Lutero não só é uma bela obra
(10/11/1483). Seu nascimento foi lem- de arte. É principalmente uma obra po-
brado e comemorado não só entre lute- pular.
ranos. Isto é muito significativo. Mostra Segundo: Lutero promoveu o re-
que Lutero realmente não é um fenô- torno às fontes. Resgatou os originais.
meno particularista. Por exemplo, a Exercitou em sua vida, com dedicação
Comissão Mista Católica - Luterana in- progressiva, uma leitura bíblica que fos-
ternacional publicou um documento, em se além da tradução latina, da qual, em
que católicos e luteranos fazem uma a- seu
valiação comum do reformador. Tais ce-
lebrações são um sinal dos novos tem- [Edição original página 32/33]
pos ecumênicos.
tempo, se usava partir na exegese
Lutero foi professor de Bíblia em
bíblica, e que recorresse às línguas
Wittenberg. Passou a vida interpretando
bíblicas: ao hebraico, ao aramaico e ao
a Bíblia. Suas aulas, por exemplo, ver-
grego. É bem verdade que, neste
saram sobre Salmos, Romanos, Gálatas,
retorno às fontes, Lutero participa do
Gênesis. Suas obras são explicações e
momento cultural de seus dias. No início
aplicações da Escricultura. Por isso, ao
do XVI século, encontramo-nos na
comemorar o nascimento de Lutero, é
renascença, no florir do humanismo. O
justo que se pergunte pela contribuição
humanista Erasmo de Rotterdam
deste professor de Sagrada Escritura do
acabara de publicar, em 1516, uma
XV] século no que toca à difusão e com-
edição crítica do Novo Testamento
preensão da Bíblia.
grego. Contudo, não se faz jus a Lutero
Primeiro: Lutero propagou a Es- se atribuímos seu retorno aos originais
critura. Em conjunto com amigos ela- primariamente ao espírito humanista de
borou uma explêndida tradução da Bíblia seu tempo, do qual, sabidamente, se
para o alemão. Já antes de Lutero exis- distanciou com veemência. A razão de
tiam diversas traduções para o alemão. sua preocupção pelas fontes advém de
Ainda assim o texto elaborado por sua hermenêutica bíblica. Para ele, o
Lutero, a partir de 1521, tem qualidades evangelho de nosso Senhor mantém
muito peculiares: Lutero soube dar à sua uma vinvulação estreita com a
tradução uma linguagem aprimorada e linguagem bíblica. As letras — talvez
poética. Além disso, soube ser simulta- fosse melhor falar em: línguas bíblicas
neamente fiel "à boca do povo" e aos o- — são como que condutores
riginais bíblicos. Contudo, o decisivo não privilegiados do Espírito de Deus. Não
é que sua tradução seja de qualidade. há Palavra sem as palavras do texto. O
Decisiva foi a motivação que fez surgir a anúncio vivo do evangelho necessita da
Bíblia em alemão: facilitar acesso ao mediação da língua original. Para Lutero
texto sagrado ao maior número possível a função profética da Igreja é a de ir às

Revista Caminhando, v. 2, n. 2 [n. 3], p. 30-33, 2010 [2ª ed. on-line; 1ª ed. 1984] 31
raízes do testemunho escriturístico. Ao atestam, de modo contundente, que é
desistir de recorrer as suas raízes em preciso traduzir a Bíblia para nossos
grego, aramaico e hebraico, a dias-, difundi-la com entusiasmo. Não
comunidade de Jesus corre o risco de há mais quem ponha em dúvida que a
aprisionar o anúncio radical. A profecia Bíblia deve estar na mão do povo de
está correlacionada à fidelidade à Deus. Igualmente, é, hoje, indiscutível
palavra escrita. que cabe à igreja, em particular a seus
Terceiro: Lutero desafiou a enten- profetas-teólogos, ir às fontes originais,
der a escritura a partir de seu eixo. Em- para beber da água viva junto às fontes
penhou-se em iluminar o conjunto mais antigas. Validade e necessidade,
bíblico a partir de um foco. A Bíblia tem quer de traduções fiéis à boca do povo,
um núcleo! Por isso, ainda que Lutero quer de exegeses fiéis aos originais não
tenha insistido na letra e nos textos são seriamente contestadas. Neste par-
originais, de modo algum pode ser ticular poderíamos considerar-nos, em
agrupado entre os fundamentalistas. boa medida, gratificados aprendizes de
Não era de seu feitio identificar o Lutero.
evangelho com as páginas ou os Em relação à terceira questão,
versículos bíblicos, nivelando as somos companheiros de jornada de Lu-
peculiaridades, as diferenças e as tero. Pois, afinal, a pergunta pelo fio
tensões dentro da Bíblia. Sua paixão condutor da Escritura, justamente, é o
residia antes em visualizar, nos textos, que nos irmana com o reformador do
"was Christun treibet", isto é, "o que XVI século. Em que categorias devemos
promove a Cristo". Portanto, seus olhos
estavam voltados ao que era essencial. [Edição original página 33/34]

A redescoberta da justificação como


descrever o eixo da tragetória bíblica?
dádiva graciosa ao pecador incapaz de
Esta também é nossa questão. Lutero a
gerar sua salvação, o que, tornou-se
respondia em termos de justificação e
para Lutero, em conexão com a teologia
de cruz, servindo-lhe de modelo cate-
da cruz formulada como
gorias de teologia paulina. Em outros
condescendência radical de Deus com a
momentos e lugares da história da igre-
dor e os sofredores deste mundo, o foco
ja foram enfatizados outros conteúdos.
capaz de iluminar a Bíblia toda e de
A igreja antiga privilegiava os evange-
nucleá-la. Portanto, Lutero anima a uma
lhos. O pietismo dá destaque à conver-
leitura que busca o fio condutor da
são. Movimentos carismáticos realçam a
escritura.
leitura espiritual- Há, pois, uma varie-
Parece-me que, em nossos dias,
dade de enfoques. Não necessariamente
duas das questões incentivadas pelo
são excludentes. Podem complementar-
monge agostiniano de Wittenberg não
se.
carecem de discussão séria. As novas
Em nosso contexto estamos a-
traduções da Bíblia ora em difusão em
prendendo a formular o núcleo bíblico
nossa terra (Bíblia de Jerusalém, Bíblia
em termos de opressão e libertação. Es-
vozes, Bíblia na linguagem de hoje)

32 Milton SCHWANTES. Bíblia e Lutero


se eixo hermenêutico vem carregado
pelas experiências históricas de nossos
povos e, simultaneamente, pela
redescoberta da Bíblia em meio aos pro-
cessos libertadores latino-americanos.
Esse eixo não traz algo totalmente novo
na história dos cristãos, mas retoma
uma perspectiva quase que soterrada e
em todo caso reprimida em nossa histó-
ria recente: a vinculação decidida da
tradição bíblica com a experiência histó-
rico-revolucio-nária. Reencontramos
nessa leitura bíblica latino-
americana,modelos hermenêuticos tam-
bém exercitados em outros momentos
da cristandade: Inclusive sentimo-nos
irmanados com Lutero quando diz: Dig-
no de ser chamado de teólogo é aquele
que compreende Deus em paixão e cruz
(disputação e Heidelberg).

[Edição original página 33/34]

Revista Caminhando, v. 2, n. 2 [n. 3], p. 30-33, 2010 [2ª ed. on-line; 1ª ed. 1984] 33

Você também pode gostar