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No ano de 1974, na cidade de Uberaba, MG, quando exercia meu primeiro ministério
pastoral na única Igreja Batista existente ali, descobri num “Sebo” o livro que agora está aqui
digitado na íntegra. Foi uma jóia garimpada e mais preciosa pra mim do que eu mesmo podia
imaginar quando o encontrei. Li-o diversas vezes. Num português arcaico, que agora tentei
atualizar sem alterar o significado do original (que guardarei sempre comigo), esta obra é
como um clássico que nunca deveria ter saído de circulação no meio dos batistas. Não me
consta que tenha sido reproduzida recentemente por qualquer editora. Se o foi, que me
perdoem a ignorância do fato os editores. Mas achei que não poderia ficar com seu conteúdo
apenas para mim. Não considero um acaso a descoberta desse volume perdido naquela
livraria. Deus tinha um propósito e acredito que esse era justamente o de eu colocar seu
conteúdo à disposição de todos os interessados. A Internet está aí pra isso, permitindo que
meu desejo seja, agora, realizado, graças ao Senhor nosso Deus.
O ensino aí ministrado é de autoria de A.B. Langston. Precisa dizer mais alguma
coisa?
PREFÁCIO
O conteúdo deste livro foi dado, pela primeira vez, em aulas na “Chautauqua Baptista”
no Rio de Janeiro. A sua aceitação foi além das minhas esperanças e, devido à insistência dos
membros da classe, que as preleções tivessem maior divulgação, decidi publicá-las em forma
de livro.
E numa viagem aos Estados Unidos tive então o ensejo de reunir os materiais que
havia dado nas aulas, neste livro. Passando alguns meses no Seminário Batista de Lousville,
Ky., preparei-o e o apresentei ao corpo docente do dito Seminário para satisfazer as
exigências do grau de Doutor em Philosofia. A tese foi aceita e o grau conferido.
Julgando que o livro seria útil para o nosso trabalho no Brasil pedi licença ao
Seminário para publicá-lo em português. Voltei portanto dos E. U., já com o livro em Inglês e
recorri ao meu amigo Almir Gonçalves que tem muita prática em verter obras do Inglês para o
Português, conseguindo dele esta tradução. Examinando-a cuidadosamente, achei-a fiel ao
meu pensamento. Lanço aqui um voto de gratidão ao irmão Almir por mais este serviço
prestado, não particularmente a mim, porém, à Causa Batista no Brasil.
Em apresentar este livro ao público penso prestar mais um serviçozinho à Causa, a que
tenho dado os melhores anos da minha vida.
Rio de Janeiro, 21 de Outubro de 1932.
Ass. A.B. Langston
O ilustrado Amigo Dr. A. B. Langston honrou-me com o convite para traduzir a bela e
substanciosa tese que apresentou perante um dos maiores Seminários Batistas do mundo, na
América do Norte, e que versa sobre o importante tema O PRINCÍPIO DE
INDIVIDUALISMO EM SUAS EXPRESSÕES DOUTRINÁRIAS. Como indigno tradutor,
não podia deixar de ler e reler a tese como o máximo cuidado. E apesar disso, longe de se me
tornar enfadonha a tarefa, cada vez q empreendia com duplicado prazer.
Não obstante a minha incompetência para formular juízo em trabalhos de tal natureza,
tenho a presente tese como uma das melhores do gênero, talvez a que com maior clareza e ao
mesmo tempo distinção de conceitos apresenta o magno assunto sob o ponto de vista cristão,
ou melhor, bíblico. É uma exposição fiel aos princípios básicos que determinam as grandes
doutrinas da fé batista. Creio que a sua publicação em nossa língua será um dos melhores
serviços que o seu mui digno autor presta à Causa da evangelização e do doutrinamento
bíblico em nossa estremecida Pátria.
Assim possam tirar todos, da leitura desta obra, o proveito que logrei, apesar da
desvantagem, que só raramente se não verifica, em trabalhos traduzidos, – é o meu sincero
voto.
Vitória, 18 de agosto de 1931.
Ass. Almir S. Gonçalves
APRESENTAÇÃO
Honra-me muito apresentar ao público esta valiosa obra do professor Dr. Langston, “O
Princípio do Individualismo em suas Expressões Doutrinárias” . Há muito tempo que eu
esperava que o Dr. Langston escrevesse uma obra dessa natureza, e isso por diversos motivos.
Penso ser fundamental essa fase de doutrina na instrução religiosa e secular, e
ninguém mais do que os Batistas precisa enfatizar o princípio de Individualismo, e ninguém
mais competente para escrever sobre este assunto, eu penso, do que o Dr. Langston.
Essa fase de filosofia que deve ser ensinada ao indivíduo não somente como princípio
fundamental de doutrina, isto é, relativamente à religião, mas também como instrução básica
no preparo do indivíduo para poder assumir dignamente responsabilidade em qualquer fase de
atividade, é um estudo que há muitos anos vem ocupando a mente do Dr. Langston. Ele tem
estudado essa matéria apaixonadamente, examinando-a com perícia em suas múltiplas fases
de aplicação na vida do indivíduo, tanto em suas relações para com Deus como para com o
próximo e para com as coisas em geral, e nos apresenta nesta obra o estudo desta matéria com
uma expressão toda sua, muito original e simpática.
É uma excelente obra, fruto de um intelecto superior e de um coração piedoso,
trabalho de um grande mestre com longos anos de experiência em estudar e em ensinar. Este
trabalho do Dr. Langston é uma valiosa contribuição, e de valor crescente, que o grande
professor faz a um povo que lhe será sempre grato.
Esta obra da lavra do Dr. A. B. Langston, e que é dada à luz da publicidade com o
título – “O Princípio de Individualismo Em Suas Expressões Doutrinárias” – ou – “Um
Exame Dos Alicerces das Crenças Batistas”, constitui mais uma evidência de que o seu autor
tem, em grande medida, o dom de interpretar e originalidade para ilustrar as verdades divinas.
É um livro novo, cheio de coisas novas. Por isso, creio que os Batistas Brasileiros
terão na leitura desta obra original, vasto campo para proveitosa meditação. Que o Senhor seja
servido abençoar ricamente o autor, o “Fundo Htacher Pró Publicação de Livros” e a “Casa
Publicadora Batista” no grande serviço que estão prestando à nossa denominação.
Introdução
Capítulo I
O Princípio de Individualismo verificado através do estudo da Doutrina da Criação do
Homem
Capítulo II
O Princípio de Individualismo em sua relação com a Doutrina do Pecado
Capítulo III
O Princípio de Individualismo em sua relação com a Doutrina da Salvação
Capítulo IV
O Princípio de Individualismo em sua relação com a Doutrina do Reino de Deus.
Capítulo V
O Princípio de Individualismo em sua relação com a Doutrina da Igreja
Capítulo VI
O Princípio de Individualismo em sua relação com a Doutrina da Interpretação
individual da Bíblia
Capítulo VII
Conclusão
A.B. LANGSTON
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
O PRINCÍPIO DE INDIVIDUALISMO
VERIFICADO ATRAVÉS DO ESTUDO DA DOUTRINA DA CRIAÇÃO DO HOMEM
Deus é uma pessoa. Ele pensa, sente e quer. Ele tem consciência própria e direção
própria. Todos estes poderes pessoais em Deus são perfeitos e perfeitamente coordenados.
Cada um em particular e todos em geral preenchem perfeitamente o seu lugar na
personalidade. Esses poderes também se destinam aos mais elevados objetivos possíveis. E
assim, temos não somente um Deus pessoal como também um Deus santo. Santidade
caracteriza tanto a personalidade toda como cada elemento que a constitui. Deus é uma pessoa
perfeita.
Muito mais se poderia dizer com respeito à personalidade de Deus; porém o que mais
nos interessa aqui é a personalidade como tal e não a interpretação dela. Com já dissemos na
Introdução, o fundamento filosófico do princípio de Individualismo é o fato da existência de
um Deus pessoal, que criou o homem à sua imagem e semelhança. Isto nós presumimos. São
infinitas as proporções da sua personalidade. Ele é a fonte de vida, de modo que existe por si
mesmo. Ora, esta Personalidade infinita, santa, existente por si mesma, consciente, voluntária,
que sente, pensa e dirige-se, propôs-se a criar uma personalidade finita à sua própria imagem
e semelhança.
Encontramos em Gênesis 1.26-27 a seguinte declaração: “E disse Deus: Façamos o
homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar,
sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que
se arrasta sobre a terra. Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou. O homem é, portanto, uma criatura de Deus, mas semelhante a Ele.
A Bíblia vai além da mera declaração do fato da criação. Ela nos fala de como Deus criou o
homem. Lemos em Gênesis 2.7: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-
lhe nas narinas o fôlego da vida e o homem tornou-se alma vivente.” De sorte que o homem é
uma alma ou espírito incorporado. É o elo de ligação entre o universo físico e o espiritual. O
corpo o liga ao universo físico, ao passo que a alma o liga ao universo espiritual. Mui
maravilhosa criatura! A coroa da criação! Não admira que o Salmista exclamasse: “sou
assombrosamente e maravilhosamente feito”
Ora bem, a semelhança do homem com Deus não se descobre no corpo. Este é do pó, é
da terra. É material, mas material elevado e consagrado ao mais nobre objetivo que é possível
existir. Devido a sua relação com a alma, o corpo recebe algo da santidade que nas priscas
eras se atribuía às coisas intimamente relacionadas com Deus. Deus chegou até a proferir
solene maldição sobre quem quer que deitasse mãos violentas neste material altamente
reputado! Ver Gên. 9.5-6. O corpo é a morada da alma. A glória do corpo provém do fato de
que ele é a habitação e o instrumento de uma alma feita à imagem e semelhança de Deus. É a
alma humana que projeta luz sobre o seu corpo material.
Não obstante, porém, o fato de se diferirem radicalmente, profundamente mesmo,
entre si, a alma e o corpo, sendo este matéria e aquele espírito, há ainda assim uma íntima
relação entre eles. Esta intimidade de relação, todavia, não chega nunca ao ponto de
identificação. Corpo e alma não se identificam. O homem foi criado alma e então colocado
num corpo material. Talvez não fosse exatamente esta a ordem da criação mas o fato em sei
permanece o mesmo. Damos ao corpo toda a majestade e glória que lhe são próprias, mas,
repetimos, não encontramos nele vestígios de semelhança a Deus.
Onde é, então, que se verifica a semelhança do homem a Deus? É na alma. É na
natureza espiritual do homem. Deus é espírito, e na alma é que encontramos a semelhança
entre o homem e Deus.
Permita-se-me uma digressão, suficiente para chamar a atenção à imperiosa
necessidade que há de se pensar de Deus em termos espirituais. Nunca pensaremos
corretamente acerca do homem enquanto não pensarmos corretamente acerca da Deus. E vice-
versa, nunca pensaremos corretamente acerca de Deus enquanto não pensarmos corretamente
acerca do homem. Ambos, Deus e o homem, são espíritos. E devemos pensar de cada um
deles em termos do espírito. Em nossos pensamentos não damos forma, cor ou peso à
eletricidade. Costumamos pensar de eletricidade em termos de poder ou ação. E por que não
pensarmos de Deus e do homem em termos de pensamento, vontade, sentimento, consciência-
própria e direção-própria ? Perdemos a verdadeira noção de espírito quando o caracterizamos
numa forma qualquer ou o localizamos no espaço. O espírito, como outras coisas invisíveis, é
conhecido por suas manifestações. E espírito se manifesta por si mesmo, pode ser conhecido e
deseja ser conhecido. E a maior manifestação do espírito, de Deus mesmo é o espírito
humano. O homem foi criado à semelhança de Deus. Esta semelhança a Deus está no homem.
O homem é semelhante a Deus.
Ora, a bem da clareza, ainda que não encontraremos na criação tal distinção,
apresentaremos esta semelhança do homem a Deus de dois pontos de vista: a semelhança
natural e a semelhança moral do homem a Deus. Digo que não existe tal distinção na criação
simplesmente pela razão de que a primeira criação, como bem sabemos, não se completou até
que Cristo veio e fundou seu Reino. Todavia, as divisões acima sugeridas levar-nos-ão à
clareza em nossa apresentação do assunto: a semelhança do homem a Deus.
Antes, porém, de discutirmos a semelhança natural e moral do homem a Deus,
desejamos acentuar uma verdade relativamente à criação, verdade sobre que passamos por
alto muitas vezes: a saber, a parte que Cristo tomou na primeira criação, sua natural relação
com a raça humana. É da pena do Dr. Mullins, em seu livro A Religião Cristã em sua
Expressão Doutrinária, o seguinte: “O Novo Testamento claramente ensina que Cristo era não
somente o meio, mas também o fim de toda a criação. ‘Pois n’Ele foram criadas todas as
coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, quer sejam tronos, quer dominações, quer
principados, quer potestades; todas as coisas têm sido criada por Ele e para Ele. Ele é antes de
todas as coisas e n’Ele subsistem todas as coisas’.(Col.1.16-17); “...por quem criou
igualmente os mundos” (Heb. 1.2) É Ele a fonte e o alicerce de todos os poderes naturais do
homem. “...a verdadeira luz que, vinda ao mundo, alumia a todo o homem” (João 1.9). A
imagem divina na constituição original do homem deriva-se de Cristo. Cristo sustém a
natureza em geral e o homem em todas as suas atividades. D’Ele provém os nossos poderes
naturais de razão, vontade, consciência e emoção.”
O fato da participação de Cristo na primeira criação tem um efeito mui decisivo sobre
o seu trabalho na segunda criação. Como prontamente se pode ver, a primeira criação é
natural; a segunda criação é espiritual. Cristo é o cabeça natural da velha raça, exatamente
como é, agora, o cabeça espiritual de uma nova raça. Como afirmei, o fato da autoridade
(headship) natural de Cristo sobre a raça é de tão grande significação na sua obra como
Salvador da humanidade que não poderíamos tocar no assunto sem acentuá-lo de modo
especial. Como bem disse o Dr. Mullins, “Esta é a chave da significação de muitas coisas na
história e experiência humanas.”
Passemos agora à discussão da semelhança natural e moral do homem a Deus.
Comecemos pela semelhança natural, em nosso estudo.
Semelhança natural a Deus quer dizer que o homem foi criado uma pessoa finita
exatamente como Deus é uma pessoa infinita. Não levantaremos aqui a questão sobre se a
essência do espírito finito é a mesma do espírito infinito, mesmo porque ninguém jamais
descobriu a essência de qualquer espírito. Mas o que afirmamos é que o homem, espírito
humano, finito, é semelhante ao espírito divino e infinito. Vimos já que Deus quer, pensa,
sente; Ele tem consciência-própria e direção-própria. E o homem também quer, pensa e
sente. O homem também é consciente de si mesmo e dirige-se. Os dois espíritos são
semelhantes no sentido de se manifestarem do mesmo modo. No tocante à natureza de cada
um deles em sua essência, não se sabe, mas o homem é uma pessoa da mesma maneira que
Deus o é. Todavia, um é finito, o outro infinito; um é humano, divino o outro; um é limitado,
o outro absoluto.
Ora, a semelhança natural do homem a Deus tem, com o seu ser, a sua natureza, a
mesma relação que as cores dum quadro têm com o mesmo quadro. Não é possível
separarem-se as cores e ainda conservar o mesmo quadro. O homem é por natureza imortal
porque foi criado semelhante a Deus. Ele não pode perder a semelhança natural a Deus
porque faz parte da sua natureza. Uma pessoa é uma unidade indivisível. A morte, que é a
separação da alma, não tem poder sobra a pessoa. Assim a nossa semelhança natural a Deus,
que existe por si mesmo, salvaguarda a nossa imortalidade. Deus é uma pessoa, o homem é
uma pessoa, mas não são iguais, apenas semelhantes.
Em segundo lugar consideraremos a semelhança moral do homem a Deus. Daí, a
pergunta: Foi, na primeira criação, o homem de fato feito moralmente semelhante a Deus?
Vejamos. Quando se considera a criação mora, ou a criação de um ser moralmente bom,
depara-se imediatamente um novo método na criação. A semelhança natural do homem a
Deus é o resultado direto da vontade de Deus. A única vontade envolvida em todas as coisas,
inclusive o homem na sua semelhança natural a Deus, é a vontade de Deus. Mas não se pode
fazer o homem bom por este método, de “uma só vontade”. Um homem bom é a decorrência
ou conjunto de duas vontades, a saber, a do Criador e a da criatura. Quando Deus chegou ao
ponto de fazer o homem moralmente semelhante a Ele, mudou de método na criação –
consultou a vontade do homem. Deus levou a criação ao mais elevado progresso e ao último
ponto possível, e então ficou à espera de cooperação do homem, a criatura mais alta, a fim de
coroar a obra toda por um ser moralmente bom. O Criador, pode-se dizer, tomou a criatura
como participante ou sócia no trabalho da criação espiritual. Desse momento em diante
deveria haver mútua associação, mútua comunhão e mútua compreensão entre ambos. Como
isto é simultaneamente condescendência divina e enobrece ao homem!
Em verdade, nem podia ser de outra maneira. Para elevar a criação ao mais alevantado
nível, – o nível espiritual, – dizemo-lo reverentemente, era preciso que Deus esperasse pelo
homem; o Criador teria de esperar pela cooperação da criatura , porque só assim é que se
podia fazer o homem bom moralmente. É este o plano divino; não o de descer ao plano em
que se achava o homem, mas ao contrário, o de erguer o homem ao elevado plano de
companhia espiritual com Deus. Este fato lança abundantíssima luz, tanto a respeito da
natureza do homem, como também da de Deus. Porque é o esforço do infinito para trazer o
finito à sua presença, sem destruí-lo. É o esforço do Criador para trazer a criatura à sua íntima
companhia, sem consumi-lo. É o esforço de um Deus amoroso e todo sábio para trazer o
homem à sua comunhão, sem que este perdesse a própria individualidade. Uma graciosa
condescendência, mas também é uma maravilhosa exaltação!
Dizendo, pois, que o homem foi moralmente criado à semelhança de Deus, não
fazemos significar que a bondade inerente ao homem estava na mesma base da sua
semelhança natural a Deus. Este era, certamente o alvo em vista, mas ainda não fora
realizado. A semelhança moral do homem a Deus não tem com o seu ser a mesma relação que
as cores têm com o quadro. As “cores” na semelhança moral do homem a Deus só poderiam
tornar-se “fixas” por um ato da livre vontade do homem. Este é o ponto crucial de tudo. Será
assim? Fará o homem uma decisão acertada? Cooperará ele com Deus? Corresponderá ele à
vontade de Deus? Escolherá a natureza moral semelhante à natureza moral de Deus?
Desse modo a criação tornou o pecado necessário? Não; porém possível. Todas as
probabilidades eram contrárias à hipótese do homem deixar de cooperar com Deus; todas as
suas tendências eram, por assim dizer, “para Deus”; eram agradáveis todas as perspectivas.
Todo o impulso da personalidade era para o bem; tudo apontava, tudo tendia para uma
escolha boa e feliz e consequentemente para a elevação do nível da criação ao nível espiritual,
– alvo e mira da criação toda. (* Ver sobre este ponto o nosso raciocínio em “O Ser
Antropológico” – nota do copista deste livro). E isto foi tão longe até onde Deus podia
coerentemente chegar, em fazer o homem moralmente bom, como Ele próprio. Deus deu ao
homem boas tendências, mas o homem podia cair. A alma não estava ainda estabelecida,
firmada na sua moralidade. Somente em Deus de infinitos recursos se arriscaria a tanto. E por
que se arriscou? É o preço tributado à liberdade; Deus o pagou se hesitação. Escolha é a mãe
do caráter.
Parece evidente, então, que esta semelhança moral do homem a Deus pode perder-se.
É possível ao homem abusar dessa oportunidade, que Deus lhe deu, de se tornar seu
cooperador na obra da sua própria criação e na de outros, à semelhança moral do Criador? É
possível a ele inverter a tendência “ascendente” da criação e resultar daí uma tendência
descendente, uma queda. É possível a ele negar todas as tendências da sua natureza. É
possível ao homem, filho “por natureza” de Deus, perder seu direito espiritual à filiação e
tornar-se um pródigo, desperdiçar os recursos herdades de seu pai, numa vida desenfreada.
Estou certo de que a criação toda esperou ansiosamente, como que sem respirar, até que o
homem fizesse a sua momentosa decisão.
O Apóstolo Paulo, no oitavo capítulo de sua Carta aos Romanos, falando de quanto
sofreu a natureza como conseqüência da momentosa decisão do homem, assim se expressa:
“A ardente expectativa da criação, aguarda a manifestação dos filhos de Deus. Pois a criação
ficou sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na
esperança de que também a própria criação será libertada do cativeiro da corrupção para a
liberdade da glória dos filhos de Deus. Ora, sabemos que toda a criação juntamente geme e
está com dores de parto até agora.” Rom. 8.19-22 . A decisão do homem envolveu toda a
criação. Como já mostramos, Deus operando só, já elevara a criação a um nível
excessivamente nobre. Mas para elevá-la ainda mais e colocá-la em o nível espiritual, Ele
precisava da cooperação humana. Obteve-a? Qual foi a decisão do homem? Foi esta a hora
crucial na criação. O peso ou equilíbrio da vontade humana poderia levar a criação a um
glorioso término ou fazê-la retroceder em ignominiosa derrota. Que seria, então? A resposta a
esta momentosa pergunta será dada no capítulo seguinte.
Assim o homem foi criado naturalmente semelhante a Deus por ter sido feito um
pessoa tal como Deus é. Ele foi também criado moralmente semelhante a Deus, de modo que
todas as suas tendências morais se dirigiam para Deus. O homem foi criado com propensão
para o bem. Convém notar, todavia, que essas tendências e essa propensão para o bem
precisavam de confirmação de sua parte. Uma vez confirmadas por ele, tornar-se-iam tão
inerentes na sua personalidade como a semelhança natural a Deus já o era. Gên.3.22 é uma
passagem bíblica que sustenta vigorosamente esta idéia: “Disse Deus Jeová: Eis que o homem
se tem tornado como um de nós, conhecendo o bem e o mal. Agora para que ele não estenda a
mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente, Deus Jeová o enviou para
fora do jardim do Éden, a fim de cultivar a terra de que havia sido tomado. Assim expulsou ao
homem, e ao oriente do jardim do Éden pôs os Querubins e o chamejar de uma espada que se
volvia por todos os lados, para guardar o caminho da árvore da vida”. O homem não foi
criado santo como Deus é santo. Mas foi criado um pessoa com todos os seus decorrentes
atributos e com todas as tendências da sua alma voltadas para Deus.
Antes de prosseguirmos a verificar os fatos que constituem o princípio de
Individualismo tal como elucidado no estudo da doutrina da Criação do homem, façamos uma
digressão suficiente a fim de examinar dois dos atributos fundamentais da personalidade, os
quais são: consciência-própria e direção-própria. Torna-se necessário notar, embora
ligeiramente, estes dois atributos da personalidade, e isto por causa de sua relação direta com
o princípio de Individualismo.
Consciência própria é a habilidade ou faculdade que a pessoa tem de reflexão própria
do eu, sobre si mesmo ao seu íntimo; atributo este que o faz competente e eficaz explorador
das vastas regiões de sus própria alma. Como resultado deste peculiar atributo da
personalidade, ele pode realizar longas incursões dentro dos limites de seu próprio ser,
observando-lhe o conteúdo, ficando ao par da sua natureza, e informando-se das suas
possibilidades. É isto que alicerça e sustenta todo o progresso não só da matéria como do
espírito. O progresso da alma é a alma do progresso. E se a alma for o que é, digamos, o que
deve ser, só pode progredir, por se tornar ciente de seus próprios poderes, necessidades e
possibilidades. Assim, a consciência-própria fornece ao homem esta oportunidade de se
conhecer. É uma dádiva áurea de Deus. Tiremos, pois, dela a melhor vantagem!
A consciência-própria tem ainda uma relação muito interessante com a salvação. Só ao
ser, dotado de consciência-própria, é possível a salvação. Nas suas observações introspectivas
chega o homem à conclusão de que é perdido. Ele vê a sua própria condição de ruína. Aspira
por alguma coisa melhor. Busca um Salvador na base do conhecimento que tem da sua
condição de perdido. Ver Lucas 15.17-20.O “pródigo”, “tornando em si”... levanta-se
arrependido e volta à casa paterna.
O segundo atributo da personalidade que vamos considerar, de passagem, por causa da
relação vital que tem com o princípio de Individualismo, é o de direção-própria. Direção
própria, quer dizer, a habilidade que o homem tem de orientar as múltiplas forças e atividades
da própria alma para uma finalidade elevada e definida. O homem é autômato. Em certo
sentido como é um automóvel. Ambos são feitos de peças. O “volante” do automóvel
corresponde, num certo sentido, à vontade humana. Para qualquer lado que se dirija a
vontade, a acompanha o homem, exatamente como o automóvel obedece à rota da roda de
direção. É maravilhosa a combinação, tanto no homem como no automóvel, especialmente
quando todas as peças cooperarem harmoniosamente. Todavia, é fatal a ausência dessa
cooperação. Divisões na personalidade são tão fatais à sua direção como é no automóvel uma
roda de direção que não funcione regularmente. O homem, porém, tal qual saiu da mão de
Deus, se acha no pleno domínio de si mesmo. E isto é direção própria.
De igual maneira, esta direção-própria se relaciona de modo interessante e definido
com a salvação. Se a consciência-própria desperta o desejo da salvação, por sua vez a direção-
própria, com a ajuda de Deus, consegue-a. Somos salvos pela graça, por meio da fé.
Mas, que tem tudo isto a ver com o princípio do Individualismo? Muito, na verdade. O
que se tem dito neste Capítulo se relaciona com o princípio do Individualismo de duas
maneiras distintas, pelo menos. Primeiramente, porque o verifica. É relativamente fácil
deduzir-se dos fatos decorrentes da criação do homem, os que constituem o princípio de
Individualismo. O princípio de Individualismo surge da semelhança natural do homem a
Deus. Vimos Deus reconhecendo a liberdade do homem quando bem pudéramos desejar que
tal não se desse. E visto que responsabilidade sempre é correspondente com liberdade, torna-
se claríssimo que Deus não só criou o homem livre e responsável como também o trata nesta
mesma base. Igualmente, a competência do homem decorre da sua semelhança natural a
Deus. Seir então difícil entender realmente liberdade e responsabilidade à parte de alguma
espécie de competência. Um estudo da doutrina da Criação do homem, portanto, verifica
claramente o princípio de Individualismo.
Recebemos também deste estudo uma concepção clara de como este princípio opera
nas doutrinas de Pecado, Salvação, Reino, Igreja e a da Interpretação Individual das
Escrituras. O estudo da doutrina da Criação do homem não só nos dá o princípio como
também a chave para a sua aplicação a todas as relações da vida.
De pé, pois, estão as condições em que nos vão revelar as ações intermediárias, e as
interações das duas vontades, a de Deus e a do homem. Estamos certos de que Deus
reconhece todos os homens como livres e iguais em sua presença. Não resta dúvida de que Ele
reconhece todos os homens estritamente responsáveis pelo uso que fazem de sua liberdade. É
claro também que a competência da alma, para entender-se diretamente com Deus, não pode,
razoavelmente, ser negada.
Como irão estes fatos influenciar na futura relação entre Deus e o homem? De onde,
de que princípio partirá a história? Haverá, daqui para a frente, conflito ou cooperação entre a
vontade de Deus e a do homem? A fim de prosseguir em seu plano, levará Deus sempre em
consideração a liberdade humana ou arrepender-se-á de haver dado ao homem a liberdade?
Cancelará Deus a liberdade do homem e retornará ao nível natural da criação? Haverá uma
queda em Deus, ou no homem, ou em nenhum deles? Porque, se Deus vier a cancelar a
liberdade humana e regressar ao nível natural da criação, haverá então uma queda, senão em
Deus, pelo menos da parte de Deus. Mas se o homem conservar a sua liberdade, poderá cair.
Momentosos problemas, pois, acham-se envolvidos na liberdade do homem. Ainda assim, o
homem é verdadeiramente livre. Deus o criou livre, responsável e competente.
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CONCLUSÃO
Embora tenha sido dado, no começo de cada capítulo, um breve sumário do capítulo
precedente, é de conveniência apresentar aqui um sumário geral dos pontos mais salientes, de
modo a reunir em forma mais concisa, os resultados deste estudo. Propusemo-nos a examinar
o alicerce das doutrinas batistas. Na consecução desse desideratum foi necessário verificar
primeiramente o princípio que serve de base à doutrina batista. O princípio em questão foi
posto em relação com as doutrinas de Pecado, Salvação, Reino de Deus, Igreja e a da
Interpretação Individual das Escrituras.
Para se verificar o Princípio do Individualismo examinamos a doutrina da Criação,
principalmente a do homem, a fim de vermos exatamente o que ocorreu nela. Vimos, neste
exame, que Deus usou de dois métodos na Criação. Em primeiro lugar decretou, falou, e as
coisas existiram. A vontade divina era, e é ainda, a única vontade que há nesta parte da
criação que inclui todas as coisas criadas, até mesmo o homem em sua semelhança natural a
Deus. Quando, porém, chegou ao ponto de criar o homem à sua semelhança moral, ao ponto
de erguer a criação ao mais elevado nível espiritual, Ele mudou o método. Chamou à ação a
vontade da criatura que criara. E daí por diante a criação havia de prosseguir em conjunto,
com a ação simultânea de suas vontades, a de Deus e a do homem. Dos fatos verificados no
exame da doutrina da Criação revelou que o homem foi criado livre, responsável e
competente. Verificamos, igualmente, que o processo da criação foi por um momento
embargado, detido, enquanto o homem decidia se atuaria em cooperação com Deus ou se
procederia em oposição a Ele.
Na doutrina do Pecado chegamos ao inesperado, – uma verdadeira surpresa. Todos os
indícios eram de que o homem não deixaria de cooperar com Deus e que a Criação se ergueria
imediatamente ao nível espiritual. (Nota do copista: O autor aqui fala de surpresa não da
parte de Deus, obviamente, e sim de quem examina a criação do ser humano). Todavia, por
alguma coincidência estranha inexplicável, o homem agiu ao contrário da vontade divina.
Abusou da liberdade. O que fora feito possível pela criação, o homem tornou real por seu
próprio ato. Apareceu o pecado. O homem caiu. E com ele caíram as mais caras esperanças de
toda a criação. A queda resultou em discórdia e confusão sobre todas as coisas. Tornou-se
homem contra homem, animal contra animal, e a própria terra assumiu uma atitude hostil para
com a humanidade.
Quando foi estudada a doutrina de Salvação, verificou-se que uma nova força
penetrara na raça. Onde o pecado espalhara, fragmentara, Cristo, – essa nova força – ,unira e
tornaria coeso. Cristo veio para desfazer o que o pecado fizera. A salvação teria de ser um
novo começo, uma nova criação. Deus, por Cristo, o meio e o alvo da primeira criação, teria
de continuar a obra de criar, não somente um indivíduo, mas uma raça na semelhança moral
de Deus. O mesmo método empregado na primeira é usado nesta segunda criação, a saber, a
ação simultânea de duas vontades, a humana e a divina. Verificou-se que a salvação é um
processo puramente moral e que ocorre inteiramente acima do plano de natureza. A salvação é
sobrenatural. O resultado da salvação foi paz no homem e com Deus. E todos os indícios são
de que esta paz se estenderá finalmente a toda a criação.
Acompanhamos o indivíduo desde a salvação até dentro do Reino. Ele tornou-se agora
membro duma nova raça, um novo organismo, cuja cabeça é Cristo, e cuja vida é divina.
Dentro deste Reino destina-se o indivíduo à realização de todas as suas possibilidades.
Enquanto a salvação coloca o mundo à disposição do homem salvo, o Reino coloca o salvo à
disposição do mundo. Tornaram-se universais as responsabilidades do homem e sua liberdade
se aperfeiçoa pela soberania de Cristo. Dentro do Reino adquire o homem uma nova
competência proporcional às suas universais responsabilidades. O indivíduo no Reino
funciona “universalmente”.
A fim de funcionar neste círculo universal, vimos o homem entrando numa
organização, a igreja local. O homem levou consigo para dentro dessa organização todas as
suas prerrogativas e responsabilidades em relação ao Reino de Deus. Estando o Reino em
primeiro lugar, tanto pelo tempo como pela importância, as obrigações do homem para com
ele eram fundamentais e decisivas. Torna-se, então, a organização um método um plano, por
onde os interesses do Reino terão de ser conservados e os seus propósitos cumpridos.
Encontramos também dentro da organização igualdade entre seus membros, uma forma
democrática de governo, e um simbolismo nas ordenanças; todas estas surgindo diretamente
dos interesses do Reino. Encontramos também uma permanente necessidade de cooperação,
não só da parte do indivíduo para com o indivíduo, senão também cooperação da parte de uma
organização com outras organizações congêneres.
No último capítulo, em que tratamos do Princípio de Individualismo em sua relação
com a Interpretação Individual das Escrituras, encaramos o assunto sob dois pontos de vista.
Demonstramos, pelo estudo da natureza da verdade moral, que o homem bom, o puro de
coração, é o único em condições de realmente entender a palavra, o espírito e a vida das
Escrituras. Caráter é o que vale no conhecimento da Vontade de Deus. Mostramos também
que deve haver uma “vontade de crer” naquela verdade que tenha uma “vontade” de dirigir e
orientar a vida do homem, como efetivamente acontece a toda verdade moral. Chegamos
também a semelhante conclusão aproximando-nos da questão pelo ponto de vista do método
divino na revelação e preservação da verdade. A verdade foi revelada através da vida e na
vida. A experiência muito se relaciona não somente com a revelação da verdade, como
também com a sua preservação. Sendo isto verdade, alguém que tivesse experiência
semelhante àquela do Livro, poderia interpretá-lo. Estas duas linhas de aproximação
produzem um efeito cumulativo que dificulta qualquer tentativa de refutação do princípio
batista de que o indivíduo cristão é competente para interpretar por si mesmo a Bíblia.
A conclusão geral é, portanto, que os Batistas absolutamente não têm necessidade de
desculpar-se pela posição que assumem, a qual vem não deles mesmos, mas é derivada dos
princípios que se alicerçam profundamente na própria natureza das coisas. Estes princípios se
assinalam com os marcos da criação, porque de lá saíram. As crenças batistas não são o que
os Batistas têm pensado, mas o que lhes tem sido outorgado por princípio, preceito e exemplo.
Tão somente queremos o direito de receber e usar, para o bem da humanidade e para a glória
de Deus, o que nos vem das mãos liberais de um Pai celestial todo sábio e todo amor.
Concedemos a todos os outros o mesmo privilégio, “pois reputamos como cristãos e irmãos
na obra do Senhor, e herdeiros conosco da vida eterna, todos aqueles que têm comunhão com
Deus por nosso Senhor Jesus Cristo. Apreciamos a sua camaradagem, e mantemos que a
união espiritual de todos os crentes não somente é, mas será sempre uma preciosa realidade.
Esta união espiritual não depende de organização externa nem de ritual. É mais profunda,
mais elevada, maior e mais fundamental que todas as exterioridades. Todos os que se acham
realmente unidos com Cristo são nossos irmãos numa salvação comum, quer estejam na
comunhão católica (*) , na protestante, ou ainda mesmo em nenhuma. Com todos os
verdadeiros cristãos nos regozijamos nas convicções básicas da nossa fé”. Nós, os Batistas,
pleiteamos o privilégio de sermos fiéis a nós mesmos, fiéis à nossa mensagem, e fiéis ao
nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo. “Além disso requer-se nos despenseiros que cada um se
ache fiel” (I Cor. 4.2)
(*) Observação do copista: o autor tem razão aqui também, uma vez que, por
desconhecimento doutrinário alguém que é salvo pode estar ainda comprometido com um
sistema religioso pressupostamente cristão mas divergente da ortodoxia neo-testamentária.
Mas perguntamos, atualmente, se a doutrina católica romana suporta o ensino do Princípio de
Individualismo conforme exposto neste documento? O indivíduo católico romano que aceitar
a verdade aqui exposta, deixará ou não de ser católico romano?