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A terceira edição do Nosso Lugar Virou Parque

A^Diegues &
vem demonstrar o interesse crescente pelas P. Nogara
questões relativas à conservação ambiental, à
biodiversidade e ao papel das populações
tradicionais na defesa de seu modo de vida
dependente do uso sustentável dos recursos
naturais. O fato desse trabalho ter sido
realizado por cientistas naturais e sociais, em
envolvimento direto com as comunidades
caiçaras aponta para a necessidade de se
construir uma nova ciência da conservação
ambiental no Brasil, a partir de uma reflexão
sobre a nossa realidade ecológica e cultural e
não a partir da transposição de modelos dos
países do Norte.
Esta publicação, que conta com o apoio da
Fundação Ford, foi realizada a partir de
trabalho de campo dos pesquisadores do
NUPAUB-USP.
A conservação do m u n d o n a t u r a l ,
através de p a r q u e s nacionais e outras
áreas protegidas t o r n o u - s e u m dos
maiores objetivos das políticas públicas
de m e i o - a m b i e n t e . C o m o , no e n t a n t o , a
Antonio Carlos Diegues
quase totalidade dessas unidades prevê
raulo José Navajas Nogara
o d e s l o c a m e n t o dos antigos m o r a d o r e s ,
p r i n c i p a l m e n t e das c o m u n i d a d e s
tradicionais tais como sertanejos,
c a i ç a r a s e c a b o c l o s , os p a r q u e s
n a c i o n a i s , c u j o m o d e l o foi i m p o r t a d o d o s
E s t a d o s U n i d o s no i n í c i o d e s t e s é c u l o
t o r n a r a m - s e t a m b é m u m sinal de
conflito, e e m m u i t o s casos, de opressão
desses g r u p o s sociais. Hoje, já é aceito O NOSSO LUGAR VIROU PARQUE
por grande parte dos cientistas que a
presença dessas populações tradicionais
L s t u d o 5 o c i o a m b í e n t a l d o Saco de
dentro dos parques, não
M a m a n g u á - P a r a t i - K í o de J a n e i r o
n e c e s s a r i a m e n t e l e v a à sua d e s t r u i ç ã o
mas pode contribuir significativamente
para o ê x i t o dessas unidades de
c o n s e r v a ç ã o . Para q u e e s s a c o n t r i b u i ç ã o
5a. edição
seja d e v i d a m e n t e i n c o r p o r a d a , é preciso
m u d a r os p a r a d i g m a s da c i ê n c i a da
c o n s e r v a ç ã o do m u n d o n a t u r a l , essa
t a m b é m i m p o r t a d a de p a í s e s c o m
ecossistemas e culturas distintas
d a q u e l e s q u e t e m o s e m nosso país. Este
livro, f r u t o de t r a b a l h o de u m
antropólogo e um biólogo acenam para a
n e c e s s i d a d e da c o n s t r u ç ã o d e u m m o d o
novo de ver a relação e n t r e c o m u n i d a d e s
tradicionais e parques que poderíamos pau lo
c h a m a r d e e t n o b i o l o g i a da c o n s e r v a ç ã o . 200:5

Capa: Frederico Carvalho


© da organização, 2005, Antonio Carlos Diegues

© direitos de publicação, 2005. do

Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas


e Áreas Úmidas Brasileiras (NUPAUB-USP)

Rua do Anfiteatro, 181 — Colmeias — Favo 6


05508-060 São Paulo - Brasil

O NOSSO
(55 I I) 3091.3307 / 3091.3142 / 3091.3425 / 3091.3089
home page: www.usp.br/nupaub
LUGAR VIROU TARQU
e-mail: nupaub@usp.br

i L s t u d o S o c i o a m b i e n t a l d o S^co de
A p o i o : Fundação F o r d

Mamanguá - f a r a t i - K'o de Janeiro


Projeto Gráfico e Diagramação
Eiiane Cristina Santos
5a. edição
Capa
Frederico Corvaího

Revisão dos originais


Antonio Carlos Diegues

Fotos de capa e encartes C-Oordenação geral

Paulo José Navajas Nogara Antonio Carlos Diegues


Antonio Carlos Diegues

Catalogação na Fonte
BibliotecáriarVera Lúcia de Moura Accioli Cardoso CRB-8/2269

Diegues.Antonio Carlos Sant'Ana


O nosso lugar virou parque: estudos socioambiental do Saco do Mamanguá Pcscjuisadorcs dc Campo
- Parati - Rio de Janeiro / Antonio Carlos Sant'Ana Diegues e Paulo José Navajas
Nogara. 3a. ed. São Paulo: Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações
Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras. USR 2005.
1 '^'^lo J o s é N a v a j a s N o g a r a (£)iólogo)

Bibliografia: I75p. <^°° 301.31 R o s a n a G r a n i e r i (estagiária - Qcncias Sociais)


ISBN: 85-87304-0 M I8*.ed. 301.32
R o k s o n 5 , i v 3 K o c h a (pcscjuisaJor - Oéncias Navais)

I. Ecologia humana. II.Antropologia marítima. III. Natureza e sociedade. V i m „ K n w a m u r a G o n ç a l v e s (cstagiáría - Qências Sociais)
IV. Populações tradicionais em áreas naturais protegidas.V. Nogara. Paulo José
Na vajas-VI.Titulo.
Pref á cio

N ESSES DE-z ANOS que se passaram entre a p r i m e i r a e d i ç ã o do


Nosso Lugar virou Parque (1994) e hoje, o Saco de M a m a n g u á
sofreu u m a série de m u d a n ç a s sociais, dentre as quais a diminuição
drástica das atividades agrícolas, que desapareceram na maioria
dos povoados e praias, circunscrevendo-se a lugares mais distantes
onde a l g u n s c a i ç a r a s ainda praticam o cultivo e a p r o d u ç ã o de
farinha da m a n d i o c a . A v e n d a das posses aos turistas, aliada às
dificuldades impostas pela legislação ambiental, fizeram c o m que
'is roças ficassem cada vez mais distantes do local de moradia.
Ao a b a n d o n o g r a d a t i v o da l a v o u r a , c o r r e s p o n d e r a m um
'aumento das atividades pesqueiras, sobretudo da pesca artesanal
do c a m a r ã o branco de alto valor de mercado, o incremento da renda
gerada pelo transporte de turistas e a intensificação do artesanato
feito de caixeta. T o d a s essas novas atividades f a z e m c o m que o
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E PREFÁCIO

caiçara local fique cada vez mais dependente da compra de produtos conhecido que tenha u m barco motorizado, o que n e m s e m p r e é
industrializados da cidade e menos ligado aos ciclos naturais que possível. H á muito tempo, a p o p u l a ç ã o v e m solicitando u m barco
regiam seu m o d o de vida. à Prefeitura de Parati que garantiria o transporte público, mas s e m
E s s a s novas atividades, principalmente o turismo, s ã o sazonais resultado.
e exercidas principalmente nos poucos meses de v e r ã o e durante Nesta s i t u a ç ã o , os barcos motorizados dos donos de casas de
os feriados, gerando alguma renda que acaba q u a n d o termina a veraneio que s ã o deixados com seus caseiros, acabam s e r v i n d o
e s t a ç ã o dos turistas ou a construção da casa do veranista. É preciso para o transporte desses moradores locais. N u m caso, a única trilha
ressaltar a i n d a que i n ú m e r a s m a n s õ e s estão sendo c o n s t r u í d a s , da M a r g e m P e n i n s u l a r teve seu t r a ç a d o tradicional alterado por
principalmente na região peninsular pertencente à Reserva passar n a praia de u m p r o p r i e t á r i o de fora, tendo este feito u m
Ecológica, área non-edificmidi. outro caminho, mais penoso, por se tratar de u m a subida í n g r e m e .
A i n d a que mais da metade dos moradores afirme que os turistas No entanto, porque ele cede seu barco para o transporte de doentes,
t r a z e m b e n e f í c i o s ao lugar, outros v ê e m essa a t i v i d a d e c o m o referido p r o p r i e t á r i o é " d e s c u l p a d o " por situações como esta.
ceticismo, u m a v e z que os veranistas que c o n s t r u í r a m suas casas U m aspecto positivo é a diminuição da m i g r a ç ã o para os bairros
de luxo trazem seus mantimentos de fora, c o n s u m i n d o pouco no pobres de Parati. Nota-se t a m b é m u m a o r g a n i z a ç ã o crescente da
c o m é r c i o local. p o p u l a ç ã o local e m torno da A M A M , criada e m 1992, que inclui
O s problemas de s a ú d e s ã o particularmente graves e m toda a tanto turistas como moradores. A s gestões mais recentes da A s -
á r e a , sobretudo pelas m á s c o n d i ç õ e s sanitárias, já que n ã o existe s o c i a ç ã o têm conseguido algumas m u d a n ç a s importantes, como
á g u a tratada e poucos moradores têm fossas sépticas o u esgotos. por exemplo, o fim da a h v i d a d e dos barcos de arrasto de c a m a r ã o ,
N a maioria das vezes, a á g u a é coletada e m riachos que d e s c e m que v i n d o s de Parati v a s c u l h a v a m o interior do Saco, p r o v o c a n d o
das montanhas, e m princípio, de á g u a pura. N o momento da cap- a morte de i n ú m e r o s filhotes de peixes. A partir de m e a d o s d a
tação, os tanques ficam descobertos e a á g u a t a m b é m é u s a d a por década de 1990, a A M A M , e m colaboração com os pescadores locais,
animais selvagens o u domesticados. A l é m disso, grande parte dos c o m e ç o u a implementar os dispositivos de e x c l u s ã o de arrasto
moradores n ã o usa latrinas, o que contribui para o surgimento de {DEAs), constih.u'dos por b*locos pesados de cimento com vergalhões
várias enfermidades transmissíveis como a hepatite. A d e m a i s , têm de ferro que r e t ê m as redes usadas para capturar ilegalmente o
aparecido t a m b é m alguns casos de leishmaniose, u m a espécie de c a m a r ã o . A p e s a r da resistência dos donos de barcos e de várias
úlcera de pele que se não tratada apropriadamente pode trazer pro- a m e a ç a s , a i m p l e m e n t a ç ã o desses d i s p o s i t i v o s , a p o i a d a p e l a
blemas sérios à s a ú d e . O fato do r e c é m c o n s t r u í d o posto de s a ú d e C a p i t a n i a dos Portos e pelo Ibama, e l i m i n o u a pesca de arrasto e,
funcionar com pouca regularidade, com rara p r e s e n ç a de m é d i c o s como consequência, os estoques pesqueiros voltaram a se reproduzir
e falta de remédios também não tem colaborado para u m a melhoria beneficiando os pescadores locais. A l é m disso, a A M A M c o n s e g u i u
das c o n d i ç õ e s de s a ú d e local. N o entanto, algumas melhorias no construir sua sede na Praia do C r u z e i r o onde s ã o feitas as reuniões
setor de saúde, como tratamento dentário, tem ocorrido por iniciativa da A s s o c i a ç ã o , c u r s o s de m e l h o r i a do artesanato e v e n d a de
da A M A M — A s s o c i a ç ã o de Moradores e A m i g o s do M a m a n g u á . produtos locais.
A s s o c i a d a às c a r ê n c i a s de s a ú d e está a falta de transporte A A M A M t a m b é m tem combatido o projeto de c o n s t r u ç ã o de
regular para levar os doentes à cidade de Parati, onde p o d e m "•'ma marina no F u n d o do Saco, por iniciativa de ricos proprietários
receber a l g u m tratamento, ainda que precário. P o r é m , muitos têm C o n d o m í n i o L a r a n j e i r a s e tem c o n s e g u i d o b l o q u e a r essa
d i f i c u l d a d e d e pagar o frete e r e c o r r e m a a l g u m parente o u c o n s t r u ç ã o com a c o l a b o r a ç ã o do Ministério Público.
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE PREFÁCIO

U m a atividade cada vez mais importante para os moradores é o experiência importante nesse sentido foi realizada pelas c o m u n i -
artesanato especializado em reproduções de e m b a r c a ç õ e s feitas de dades do Parque Estadual da Ilha do Cardoso e m C a n a n é i a , litoral
caixeta e que já s ã o consideradas u m a das mais a p r i m o r a d a s e m sul paulista, onde os caiçaras s ã o donos de pousada e tentam m a n -
todo o Brasil. A o m e s m o tempo, c o m e ç a m a surgir iniciativas de ter v i v o s o m o d o de v i d a , as d a n ç a s e as m ú s i c a s tradicionais. A
manejo florestal que p o d e r ã o garantir a r e p r o d u ç ã o de u m a das aquicultura familiar baseada no mexilhão e na ostra pode ser tam-
poucas manchas de caixeta ainda existentes no litoral fluminense. bém u m a alternativa para essas comunidades, como v e m ocorrendo
Por outro lado, é verdade que o m o d o de v i d a tem se mantido, na Reserva Extrativista M a r i n h a do M a n d i r a e m C a n a n é i a .
e m parte porque ainda n ã o existem estradas que coloquem a região C o l o c a r essas c o m u n i d a d e s e m contato u m a s com as outras,
ao alcance do turismo de massa. O m e s m o pode ocorrer c o m a trocando e x p e r i ê n c i a s , é u m a atividade fundamental neste m o -
instalação da energia elétrica. Por enquanto, a energia para escola mento. O importante é que, a t r a v é s d c u m conjunto de atividades
e para o centro de s a ú d e é garantida por placas solares e pequenos dependentes dos recursos naturais, os c a i ç a r a s p o s s a m melhorar
geradores. O acesso por mar a Parati-Mirim, onde existe transporte sua r e n d a e s u a qualidade de v i d a , guardando sua c o n d i ç ã o de
por ônibus para Parati, é feito por barcos a motor pertencentes a produtores a u t ó n o m o s . N e s s e processo, é fundamental que eles
moradores da região. tenham tempo suficiente para se a d a p t a r e m às m u d a n ç a s que, aliás,
A U n i d a d e de C o n s e r v a ç ã o existente - Reserva E c o l ó g i c a , n ã o já v ê m ( K o r r e n d o , f r e q u e n t e m e n t e a u m ritmo muito a c e l e r a d o , mais
existe n o S N U C (Sistema Nacional de U n i d a d e de C o n s e r v a ç ã o ) e, r á p i d o do que aquele ao qual estão acostumados.
portanto, no futuro, deverá passar por u m a m u d a n ç a de categoria.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável ou Reserva Extrativista
que p r e v ê e m o uso controlado dos recursos naturais p o d e r i a m ser
aplicadas à á r e a costeira habitada das c o m u n i d a d e s e ao corpo de
á g u a do p r ó p r i o Saco de M a m a n g u á . Pela sua riqueza biológica,
essa área estuarina deveria ser de uso exclusivo dos moradores
locais para atividades de pesca e aquicultura. D e v e r i a estender-se
t a m b é m às áreas usadas para a agricultura, manguezais e caixetais.
A implementação de uma marina, no entanto, pode ser u m a a m e a ç a
direta a essa proposta, devido aos impactos negativos que teria
para a pesca e para a aquicultura.
A s áreas de floresta nas regiões mais elevadas que não são usadas
produtivamente pelas comunidades poderiam ser transformadas
e m outras unidades de proteção integral como Parque Nacional. Já
a i m p l e m e n t a ç ã o de u m a Reserva de Desenvolvimento Sustentável
ou de u m a Reserva Extrativista p r e v ê e m u m a sólida o r g a n i z a ç ã o
c o m u n i t á r i a , d a qual já existe u m e m b r i ã o na A M A M .
É importante que as c o m u n i d a d e s se o r g a n i z e m para retirar o
m á x i m o proveito do turismo, seja a t r a v é s da c o n s t r u ç ã o de p o u -
sadas o u da a m p l i a ç ã o de suas casas para receber turistas. U m a
PREFÁCIO . . . . . . . v

INTHOPUÇÃO. . . . . . . . 17

1. A HISTÓRIA SOCIOAMBIENTAL . . . . . 23

A Hístót-13 de M^m^nguá na Histói-i3 4e Parati 26

Elementos da Histói-ia Oi-aMo Saco de Mamanguá . . 32

2- Os DIVERSOS ESPAÇOS HUMANIZADOS . . . . 4-1

^- Os MORAPORES . . . . . . . 51

Os ECOSSISTEMAS, SEUS RECL/RSOS E OS

Wsos PELA P O P U L A Ç Ã O L O C A L . . . . . 57

Os Ecossistemas da Região . . . . . 57
SUMÁRIO
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

7. SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS. . . . 1 2 3


3) A M^t3 Atlântica . • • • • • ^/
b) A Zon^ Esiu^Hn^ . . 62 A Terra dos Escravos . . . . . . "126
O Vso dos Recursos Naturais pela Os Vários Mares . . . . . . . 127
População Local
- O M^r-de-Pentro: o Estuário . . . . . 127
As Formas de Utilização dos Recursos - O AUt Grosso . . . . . . . 130
Naturais da Mata Atlântica ^5
O Tempo da Natureza, o Tempo Mercantil
3) aç3
h) O Extr^tivismo . . . . . 68 e o Tempo da Memória . . . . . 135
c) A Agricultura 4g Suhsistênci:^. . • . . 70
H. SISTEMAS DE A C E S S O Ã T E R R A
As Formas de Utilização dos Recursos E A O S RECURSOS N A T U R A I S . . . . . 143
Naturais do Mangue . . . . . 75

As Formas de Utilização dos Recursos 9. A V I P A PO LUGAR S E N T I P A PELOS M O R A D O R E S . . 153

Naturais da Zona Estuarina. • • • . . 77


10. A RESERVA E C O L Ó G I C A PA J U A T I N C A : UMA N O V A
A Ciência do Concreto e a Ciência Moderna . 81
PROPOSTA PE Á R E A N A T U R A L PROTEGIPA!* . . 159

5. O M O D O PE V I P A E AS T E C N O L O G I A S C A I Ç A R A S . . . 8 7
A Reserva vista pelos Moradores . 1 5 9
Populações Tradicionais Caiçaras . . . . 88
A Conservação da Biodiversidade e uma Nova
Fabricação da Farinha 94
Concepção de Planos de Manejo . . . . 1 6 1
A Tecnologia Patrimonial na Pesca . • . . 95

As Embarcações . . . • . . 97 CONCLUSÁO . . . . . . . . 167

6. As PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS . . • . 1 0 1 BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . 171

Os Pescadores 105
TABELAS
^) Pesc^doi-es Ernh^rc^dos . . . . 105
ty) PG5c:i4ore5 Attes:}n:)is. . . . . . 109

Os Lavradores . . . . . • • 112 "í^belal. População de Mamanguá . . . . 52


Os Empregados dos Turistas . . . . . 117 "Tabela 2. Idade dos Casais, por Faixa Etária,
Os Artesãos 117 em Porcentagem . . . . . 53
Os Comerciantes. . . . . . . 117 Tabelas. Média de Filhos por Casal . . . . 54
Os Aposentados . . . . . 118 "Tabela 4. Local de Nascimento dos Pais . . . 54

A Complementaridade de Atividades Económicas . .11H '^^^^k 5. Grau de Alfabetização dos Pais . . . 55

"^'"íbcU 6. Caça: Espécies mais Caçadas . . . 69


o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

Tabela 7a- Extrativismo: Espécies Vegetais Tabela 26. Atividades Complementares


Utilizadas no Artesanato . . . 71 por chefe de família . . . .

Tabela 7b. Extrativismo: Madeiras Utilizadas nas Tabela 27, Renda Familiar. . . . .
Construçõesde Casas, Canoas e Barcos . • 72
Tabela 28. Festas que Participam os Chefes de Família •
Tabela 7c. Extrativismo: Espécies Vegetais
Tabela 29. Situação da Posse da Terra em Porcentagem
Utilizadas na Alimentação . . 73
Tabela 30. Problema Segundo os Chefes de Famílias
Tabelas. Lavoura: Calendái-ioAgrícola- . . 74
Tabela 31. Opinião sobre Turismo .
Tabela 9. Mangue: Recursos Naturais
Extraídos do Mangue . . . . . 77 Tabela 32. Grau de Informação sobre a Reserva
Ecológica da ^uatinga . . . .
Tabela 10. Zona Estuarina: Utilização dos
Recursos Estuarinos . . - . . 79 Tabela 33. Opiniões sobre a Reserva Ecológica
daJuatinga . . . . .
Tabela 11- Principal Atividade Económica dos Chefes
de Família ^ ^ 7 5 0 ; . . . . . 103

Tabela 12. Principal Atividade Económica


dos chefes de Família por Área 104- MAPAS

Tabela13. Pesca Embarcada - Tipo de Pesca . . 105

Tabela 14-. Pesca Embarcada - Função no Barco . . 105


Mapa 1. Localização do Saco de Mamanguá
Tabela 15. Pesca Embarcada - Tempo
de Embarque Cem anos) . . . . 106 Mapa 2. Distribuição das Antigas Fazendas na
Região do Saco do Mamanguá .
Tabela 16. Pesca Embarcada - Preferência de Trabalho. 107

Tabela 17. Pesca Artesanal - Tipo de Pesca Praticada . 109 Mapa 3. Distribuição da População nos Diversos
Ambientes do Saco de N\^m^D^u^ .
Tabela 18. Pesca Artesanal - Propriedade dos

Aparelhos de Pesca . . . . . 110

Tabela 19. Pesca Artesanal - Com Quem Trabalha • • 110

Tabela 20. Pesca Artesanal - O Que Fazia

Antes de Pescar 111

Tabela 21. Lavoura - Espécies Plantadas. . . . 113

Tabela 22. Lavoura - Com Quem Trabalha . . 115

Tabela 23. Lavoura - Distância do Terreno da Roça . . 115

Tabela 24. Lavoura - Posse do Terreno . .116

Tabela 25. Lavoura - Destino do Produto . . , 116


Introdução

E STE TRABALHO f o i r e a l í z a d o p o r p e s q L i i s a d o r e s d o NUPAUB


( N ú c l e o d e A p o i o à Pesquisa s o b r e P o p u l a ç õ e s H u m a n a s c
Areas Ú m i d a s Brasileiras da U n i v e r s i d a d e de São Paulo), fazendo
parte de u m esforço conjimto de conhecimento da região costeira
de Parati - Rio de Janeiro, com o Departamento de Antropologia da
U n i v e r s i d a d e L a v a i - C a n a d á . E s s e programa conjunto de pesqui-
sas é c o o r d e n a d o pelo prof. Y v a n B r e t o n (Lavai) e pelo prof. Antonio
Carlos D i e g u e s (USP). Entre as várias pesquisas propostas, d u a s já
I t i r a m terminadas: Espaço, Pesca e Turismo em Trindade (Rj), com
'"•-'latório publicado por Steve Plante e Y v a n Breton (1994) e o
presente estudo. O primeiro trabalho pretende analisar a ocitpa-
ç ã o do e s p a ç o pelos moradores d a Praia de T r i n d a d e (RJ), sobretu-
a p ó s os conflitos entre a p o p u l a ç ã o local e a Brascan que
Pretendia instalar aí u m grande complexo turístico na d é c a d a de
"^^^ Ênfase especial foi d a d a à questão dos impactos d o turismo e
^^'T pesca sobre a c o m u n i d a d e d a Praia de T r i n d a d e .
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende fornecer subsídios ao conhecimen- ca e m b a r c a d a " abriu u m a nova d i m e n s ã o na r e p r o d u ç ã o social e
to d a á r e a estuarina e de M a t a Atlântica que foi transformada e m cultural dos moradores, sobretudo os jovens que p a s s a r a m a ex-
o u t u b r o d e 1 9 9 2 na RESERVA E C O L Ó G I C A E S T A D U A L DA J U A T I N G A . O fato plorar recursos m a r i n h o s distantes d e s u a s v i l a s e praias, dentro
de sor u m a u n i d a d e de p r o t e ç ã o restritiva, que legalmente n ã o de u m sistema de trabalho bastante distinto daquele caracteriza-
permite a p r e s e n ç a de p o p u l a ç ã o em seu interior, causa conflitos e do c o m o pesca de subsistência e pesca artesanal. N e s s e sentido,
impactos sobre o m o d o de v i d a tradicional caiçara a i n d a existente s u r g i u u m g r u p o de "pescadores m a r í t i m o s " , c o m d i n â m i c a p r ó -
na á r e a . A i n d a que haja, n o texto d a lei d e c r i a ç ã o da R e s e r v a , pria, v i v e n d o quase que exclusivamente do ambiente m a r i n h o e
m e n ç ã o sobre a i m p o r t â n c i a da cultura local ( c a i ç a r a ) , a a p l i c a ç ã o seus recursos, que, desde a d é c a d a de 7 0 , p a s s o u a ser estudado
da legislação atual restritiva quanto ao uso dos recursos naturais pela "antropologia m a r í t i m a " . Essas novas p r á t i c a s socioculturais
repercutirá sobre as formas tradicionais d e uso dos recursos natu- da "gente do m a r " d ã o ao ambiente marinho u m a d i m e n s ã o antro-
rais. Por outro lado, a d e c l a r a ç ã o dessa reserva d e v e r á acarretar o pológica e s ã o marcadas pelas propriedades naturais socializa-
fim, o u pelo menos a r e d u ç ã o , da e s p e c u l a ç ã o imobiliária que já é das. E s s a s práticas, no entanto, não d e p e n d e m exclusivamente
visível na área e que por si só tem causado m u d a n ç a s consideráveis do mar, meio " n a t u r a l " socializado, m a s t a m b é m d e formas d e
no m o d o de v i d a da p o p u l a ç ã o local. o r g a n i z a ç ã o da p r o d u ç ã o (Diegues, 1 9 9 3 ) . C o m o surgimento d a
D e v e - s e ressaltar que o E s t a d o d o R i o de Janeiro é u m dos que "pesca e m b a r c a d a " configura-se uma relação complexa entre os
m a i s apresentam conflitos entre as p o p u l a ç õ e s moradoras de á r e - pescadores artesanais (e alguns t a m b é m de subsistência) e os
as naturais protegidas e as a d m i n i s t r a ç õ e s dessas u n i d a d e s de pescadores embarcados, ainda que, muito frequentemente, os se-
c o n s e r v a ç ã o . E s t u d o recente do N U P A U B ( V i a n n a , A d a m s & g u n d o s voltem à pesca artesanal n o p e r í o d o do " c l a r o " ( q u a n d o
Diegues, 1 9 9 4 ) mostra que cerca de 7 4 % das u n i d a d e s d e conser- não se pesca s a r d i n h a ) , nos longos p e r í o d o s de defeso (quando
v a ç ã o restritivas do Estado do R i o d e Janeiro tem p o p u l a ç ã o e m essa pesca é proibida) e t a m b é m durante o tempo e m que se espe-
seu interior, gerando u m a série de conflitos que i n c i d e m negati- ra u m n o v o embarque.
vamente sobre a c o n s e r v a ç ã o da área e sobre o m o d o de v i d a das O u t r o s processos, no entanto, colaboram para alterar o m o d o
p o p u l a ç õ e s locais. d e v i d a tradicional, como o surgimento das igrejas "crentes", e d o
O s resultados dessa c a r a c t e r i z a ç ã o p r e l i m i n a r m o s t r a m q u e turismo.
as p o p u l a ç õ e s de M a m a n g u á , apesar de seu isolamento g e o g r á - A p e s a r desses processos, e da forte e m i g r a ç ã o que tem ocorri-
fico relativo, estão inseridas em processos de m u d a n ç a social e do, os moradores das praias de M a m a n g u á ainda d e p e n d e m , para
cultural que passaram a alterar seu modo de vida tradicional, prin- '1 r e p r o d u ç ã o de seu modo de v i d a , do uso dos recursos naturais,
cipalmente a partir dos anos 4 0 - 5 0 . E n t r e os processos socioeco- da Mata Atlântica, seja d a p r ó p r i a z o n a estuarina. N e s s e sen-
n ó m i c o s e n v o l v i d o s na m u d a n ç a social deve-se ressaltar o início tido, sua v i d a é marcada pelas d u a s e s t a ç õ e s principais, o tempo
da "pesca e m b a r c a d a " , pela qual os jovens passaram a pescar fora q>-iente e o tempo frio. Sobretudo a partir dos anos 7 0 criou-se
da á r e a , e m barcos de sardinha, as traineiras. E s s e tipo de pesca ^•nia outra e s t a ç ã o ; a dos turistas que entre d e z e m b r o e fevereiro
que se c o n t r a p õ e à pesca artesanal realizada n o interior d o e s t u á - casas, assentam barracas o u p a s s a m o dia no lugar, v o l -
rio é r e s p o n s á v e l pelo aparecimento d c u m g r u p o d e moradores ''indt) a P a r a t i - M i r i m o u a Parati. É t a m b é m nesse p e r í o d o que
que p a s s a m a maior parte do tempo na captura da s a r d i n h a e '^^••'itos moradores se transformam e m a r t e s ã o s , p r o d u z i n d o v á -
outras espécies, e m u n i d a d e s de p r o d u ç ã o (as traineiras) muito '^>s artigos, c o m o miniaturas de barcos, gamelas, p á s s a r o s , feitos
mais complexas que as existentes anteriormente (a canoa). A "pes- *• ^' " l a d e i r a de caixeta.
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
INTRODUÇÃO

A o r g a n i z a ç ã o social ainda é baseada na família extensa e no


O N U P A U B pretende, c o m esse trabalho, dar subsídios ao plane-
parentesco. U m a parcela importante tem sua subsistência assegu-
jamento e plano d e manejo dessa á r e a que e m s u a M a r g e m Penin-
rada pela pequena agricultura, sobretudo o cultivo da mandioca,
s u l a r faz parte d a Reserva Ecológica d a Juatinga. E s s e p l a n o d e v e
d a q u a l extraem a farinha, base d a a l i m e n t a ç ã o local.
necessariamente e n v o l v er a p o p u l a ç ã o de M a m a n g u á n ã o s ó pelo
O dinheiro para aquisição dos produtos industrializados é con- grande conhecimento que p o s s u e m dos recursos naturais, d e seus
seguido pela v e n d a do excedente de peixe, dos artigos de arte- ciclos de r e p r o d u ç ã o , como t a m b é m porque ali é s e u " l u g a r " .
sanato, do emprego com turistas ( c ons t r u çã o , caseiros, dias de
O trabalho de pesquisa se iniciou e m julho d e 1993, c o m u m
trabalho, e t c ) .
censo p r e l i m i n a r que cobriu a totalidade das famílias (cerca d e
U m a das p r e o c u p a ç õ e s do trabalho é t a m b é m analisar o i m - 119), colhendo i n fo rmaçõ es básicas. Posteriormente, a t é d e z e m -
pacto da t r a n s f o r m a ç ã o do Saco de M a m a n g u á e m R e s e r v a E c o - bro do m e s m o ano foram aplicados 35 questionários atingindo
lógica E s t a d u a l , que pela legislação atual n ã o admite a p r e s e n ç a cerca de 30% das famílias de moradores, de forma aleatória, dis-
de p o p u l a ç ã o e m seu interior. Essa legislação é hoje ainda muito! tribuídas na M a r g e m Peninsular, na M a r g e m Continental e no
rígida no que se refere ao uso dos recursos naturais, limitando ei F i m d o do Saco. A l é m disso, foram feitos cerca de 08 históricos de
proibindo atividades tradicionais como o corte de m a n g u e para aj v i d a , especialmente com pessoas mais idosas. H o u v e u m esforço
c o n s t r u ç ã o de moradias; corte de á r v o r e s para a fabricação de! de quantificação das variáveis escolhidas com o intuito de forne-
canoas; de ci pós para manufatura de cestas e balaios; de caixeta cer d a d o s e m p í r i c o s organizados que p u d e s s e m ser utilizados no
para artesanato e até a lavoura de subsistência. O decreto de cria- Plano de Diretor da Reserva, que d e v e r á ficar a cargo do l E F e do
ç ã o dessa Reserva tem gerado u m ambiente de a p r e e n s ã o entre IBAMA.
os moradores, principalmente de vi do à d e s i n f o r m a ç ã o sobre o
o presente trabalho é somente u m estudo preliminar de M a -
significado dessa " á r e a natural protegida".
m a n g u á , n ã o pretendendo apresentar u m a análise exaustiva e
C o m o e m toda " u n i d a d e de c o n s e r v a ç ã o " , o I B A M A (Instituto
teórica d a s c o n d i ç õ e s d e p r o d u ç ã o e r e p r o d u ç ã o das c o m u n i d a -
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)
des c a i ç a r a s a í residentes. F o i feito u m esforço particular para se
e o l E F (Instituto E s t a d u a l de Florestas do R i o de Janeiro) pre-
dar u m a abrangência interdisciplinar, reunindo algumas das pers-
t e n d e m estabelecer u m "plano de manejo", instrumento de
pectivas e m C i ê n ci a s Naturais e Ciências Sociais. E l e aponta para
zoneamento e p l a n i f i c a ç ã o a m b i e n t a l pelo q u a l se pretende
'1 realização d e pesquisas mais aprofundadas, sobretudo, aquelas
d i s c i p l i n a r o u s o do solo e dos recursos naturais. A t é hoje, no
qi.ie partem d a perspectiva d a etnociência.
entanto, esses estudos s ã o realizados de forma t e c n o c r á t i c a , s e m
n e n h u m a consulta à p o p u l a ç ã o de moradores que aí r e s i d i a m
antes m e s m o do estabelecimento da R e s e r v a E c o l ó g i c a . É
n e c e s s á r i o , portanto, que esses planos de manejo sejam repen-
s a d o s para que tenham a l g u m a utilidade e n ã o sejam s i m p l e s -
mente instrumentos de r e p r e s s ã o , de p r o i b i ç õ e s e r e s t r i ç õ e s ao
m o d o d e v i d a tradicional dos moradores. N e s s e sentido, a parti-
c i p a ç ã o dos m or a dor e s é fundamental para o plano de uso d a
R e s e r v a , garantindo a c o n s e r v a ç ã o tanto d a d i v e r s i d a d e bioló-
gica quanto da d i v e r s i d a d e sociocultural (Diegues, 1993).
o N o s s o LUC;AK V I R O U PARQUE

A Místóría
Socioambiental

O S A C O P O M A M A N C L / Â é u m a área litorânea de tipo estuarina


ou de " r i a " , inserida no d o m í n i o da Mata Atlântica, forma-
da por u m a reentrância do mar de a p r o x i m a d a m e n t e 9 k m de
comprimento por 1,5 k m de largura. Situa-se no m u n i c í p i o de
Parati, no extremo sudeste do Estado do Rio de Janeiro, sendo
acessível somente por barco ou por u m a trilha para pedestres que
^t-* inicia e m P a r a t i - M i r i m . Essa área m a r i n h a é c i r c u n d a d a por
lormações montanhosas e m que sobressaem o Pico do C a i r u ç ú
(1070 m), o Pico da Cajaíba (667 m) e outros menos íngremes (Mapa
" 1 )• Apresenta u m clima ú m i d o , com altos índices p l u v i o m é t r i c o s
' 1 -500-2.400 m m / a n o ) , principalmente no v e r ã o .
Essa região ainda apresenta vestígios claros d e s u a história
'vologica, isto é a história da relação entre o h o m e m e a natureza.
'^í> somente há ruínas de vários engenhos de c a n a - d e - a ç ú c a r ,
remontam ao século passado, mas t a m b é m marcas de várias
''^'vidacies h u m a n a s ligadas a ciclos e c o n ó m i c o s do passado, como
A HISTÓRIA SOCIOAMBIENTAL
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

bananais abandonados, estradas que l e v a v a m aos caixetais, re-


cobertas pela v e g e t a ç ã o de mangue. H á , sobretudo, os m o m e n t o s
mais importantes dessa história na m e m ó r i a dos mais velhos que
por sua v e z n a r r a m a história dos "antigos", de personagens q u a -
se míticas, escravos fugidos e ex-escravos que f u n d a r a m alguns
povoados, como o da Praia do C r u z e i r o ou C u r u p i r a . N a p r i m e i -
ra praia, a c r u z ainda existente marca a f u n d a ç ã o do povoado por
u m ex-escravo. N a segunda, a d e n o m i n a ç ã o indígena (curupira:
corpo de menino) traz à l e m b r a n ç a u m dos m a i s espantosos e
populares entes fantásticos das matas brasileiras, representado
por u m a n ã o de calcanhar para a frente ( C â m a r a C a s c u d o , 1972).
Vê-se, portanto, que as marcas n ã o s ã o somente materiais, mas
sobretudo r e p r e s e n t a ç õ e s simbólicas que, como afirma G o d e l i e r
(1984), aparecem no c o r a ç ã o das relações materiais do h o m e m
com a natureza como u m a parte ideal, pela qual se exercem as
três f u n ç õ e s do conhecimento: representar, organizar e legitimar
as relações dos h o me n s entre si e com a natureza.

Nesse sentido, há necessidade de se c o m e ç a r a fazer no Brasil,


de forma sistemática, a história ecológica n ã o somente e m nível
nacional, m a s t a m b é m regional e até local. E s s a história ecológi-
ca, como proposta por Worster (1988), n ã o deve ser s i m p l e s m e n -
te a história dos ciclos e c o n ó m i c o s , mas principalmente a história
das relações complexas, materiais e simbólicas que os h o m e n s , ao
longo do tempo histórico, d e s e n v o l v e r a m com o m u n d o natural e
com os outros homens.
Essa história ainda está por ser feita no Saco de M a m a n g u á .
O s elementos que constam deste trabalho s ã o somente as p r i m e i -
ras indicações para u m a história ecológica da r e g i ã o que deve ser
realizada de forma interdisciplinar, reunindo v á r i a s di sci pl i nas
como a etnoecologia, a antropologia, geografia h u m a n a , arquite-
tura, economia.
U m a das primeiras características desse processo é que a hi s-
lória de M a m a n g u á n ã o pode ser entendida s e m a análise de sua
inserção nos processos socioambientais de Parati, u m dos m u -
•^'cípios que mais revelam os p r i m ó r d i o s d a o c u p a ç ã o do litoral
^'•»l-fluminense.
A HISTÓRIA SOCIOAMBIENTAL
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

M u s s o l i n i (1980a), Parati se t o m o u célebre na p r o d u ç ã o d e aguar-,


A HISTÓRIA DE MAMANGUÁ
dente, e n ã o na fabricação de a ç ú c a r . F i c o u tão célebre que Parati
NA HISTÓRIA DE PARATI
veio a ser, n o s u l do Brasil, s i n ó n i m o de aguardente.

O litoral de Parati foi território dos índios guaianases. A i n d a hoje,


existem a l d e i a s g u a r a n i s , particularmente n a s cabeceiras d o rio "(...) a aguardente, simples subproduto d o aristocrático a ç ú -

P a r a t i - M i r i m . Parati v e m provavelmente do v o c á b u l o i n d í g e n a car, muito m a i s d e m o c r á t i c a que ele e que, nos pequenos en-

parati, n o m e d a d o a u m peixe muito c o m u m na r e g i ã o e que se genhos q u e se c o n s e r v a r a m d a é p o c a colonial, constitui hoje a

tornou a espécie mais capturada e c o n s u m i d a no Saco de M a - única p r o d u ç ã o , tendo relegada por completo a do a ç ú c a r , que
antes era e s s e n c i a l " (Mussolini, 1980a: 224).
m a n g u á . A cultura indígena deixou marcas p r o f u n d a s no m o d o
d e v i d a local. A p o p u l a ç ã o local, genericamente d e n o m i n a d a d e
" c a i ç a r a " é fruto da m i s c i g e n a ç ã o entre o índio, o colonizador A i n d a segundo M u s s o l i n i (1980a), a faixa litorânea de São P a u -

e u r o p e u e o negro. A s tecnologias patrimoniais d e f a b r i c a ç ã o d a lo e R i o de Janeiro e r a m verdadeiras á r e a s de d e s e r ç ã o , à m e d i d a

farinha, de instrumentos de pesca, de c o n s t r u ç ã o de canoas e s t ã o que o povoamento a v a n ç a v a para o interior e as frentes pioneiras,
sobretudo a do café, se afastavam da costa para o planalto.
p r o f u n d a m e n t e m a r c a d a s pela influência indígena ( M u s s o l i n i ,
M u i t o s n ú c l e o s h u m a n o s da região litorânea do s u l do R i o de
1980a).
Janeiro e norte de São Paulo floresceram nos "interstícios" da gran-
Parati foi f u n d a d a no século X V I I e elevada à c o n d i ç ã o de vila
de l a v o u r a , gravitando e m torno de centros maiores para onde
e m 1660. O cultivo d a c a n a - d e - a ç ú c a r foi a atividade mais i m p o r -
e n v i a v a m seu parco excedente: farinha de mandioca, peixe seco,
tante a partir do século xvili quando os engenhos se estabelece-
aguardente.
r a m na r e g i ã o . N o Saco de M a m a n g u á ainda p o d e m ser encontra-
d a s 05 r u í n a s desses engenhos.
" D e c a i n d o os n ú c l e o s de p o v o a m e n t o q u e eles centra-
A r e g i ã o de Parati se transformou n u m centro colonial impor-
l i z a v a m , voltaram a fechar-se sobre si mesmos, entregando-se
tante d e e x p o r t a ç ã o de ouro, proveniente das M i n a s G e r a i s no
a u m a economia de quase trocas, com o decorrente estreita-
final do s é c u l o X V I I I e para seu transporte se u t i l i z a v a a antiga
mente d e s e u horizonte e c o n ó m i c o e c u l t u r a l " ( M u s s o l i n i ,
trilha dos guaianases.
1980a: 223).
E m m e a d o s d o s é c u l o XIX, Parati chegou a exportar u m a pro-
d u ç ã o c o n s i d e r á v e l de café, f u m o e aguardente, u s a n d o a v i a
Esse processo ocorreu t a m b é m e m Parati, c o m a d e c a d ê n c i a
m a r í t i m a . A d e c a d ê n c i a d a região se d e u c o m a c o n s t r u ç ã o d a
da sede d o m u n i c í p i o e de s u a base e c o n ó m i c a .
Estrada de Ferro D . Pedro II, e m 1877, e com a abolição d a escra-
vatura — base da monocultura local — poucos anos depois. M e s -
" A i m p r e s s ã o q u e se tem do litoral, é q u e a v i d a a l i foi
m o a p ó s s e u apogeu e c o n ó m i c o , continuou-se a plantar cana-de-
simplificada e m seus elementos culturais e, e m c o m p a r a ç ã o
a ç ú c a r para a p r o d u ç ã o de aguardente, muito apreciada dentro e
c o m o passado, r e d u z i d a a ponto pequeno. T a l v e z seja este o
fora d a r e g i ã o . S u r g i u t a m b é m a monocultura d e b a n a n a , que já
aspecto que mais cause a i m p r e s s ã o de d e c a d ê n c i a . É c o m o se
utilizava m ã o - d e - o b r a assalariada (Mussolini, 1980a).
v i v e s s e d o q u e s o b r o u d e outrora, tendendo-se, e m geral, a n -
A região d e Parati durante o p e r í o d o colonial foi, d e a l g u m a
tes a empobrecer esses restos que a lhes acrescentar n o v o s
forma, u m a p ê n d i c e dos grandes centros exportadores, particu-
elementos. A q u e l e s produtos locais que u m d i a c o n s t i t u í r a m
larmente R i o de Janeiro e a região das M i n a s Gerais. C o m o afirma
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE A HISTÓRIA SOCIOAMBIENTAL

g é n e r o s d e u m a economia de subsistência, s e m grande signifi- ç õ e s : a d a rede, c o m o mestre-proeiro e demais pescadores, e a


c a ç ã o e c o n ó m i c a , passaram, a representar os ú n i c o s g é n e r o s tripulação do barco. A tripulação da rede v e n d i a a p r o d u ç ã o à do
d a e x p l o r a ç ã o l o c a l " ( M u s s o l i n i , 1980a: 223). barco que, por sua v e z , fazia a c o m e r c i a l i z a ç ã o e m Santos. Foi
a t r a v é s da pesca e m b a r c a d a que p r o v a v e l m e n t e os p r i m e i r o s
A p r o d u ç ã o de aguardente continuou sendo a atividade mais moradores da região de Parati tomaram contato c o m Santos, para
importante do município nas primeiras d é c a d a s do século atual, onde muitos m i g r a r a m atraídos pelo grande crescimento d a Bai-
sendo transportada nas célebres canoas de voga para ser v e n d i d a xada Santista nos anos 40 e 50.
no R i o de Janeiro, e m municípios v i z i n h o s , m a s principalmente A i n t r o d u ç ã o da pesca da s a r d i n h a c o m traineiras m o b i l i z o u
e m Santos. u m n ú m e r o c o n s i d e r á v e l de pescadores-lavradores da r e g i ã o que
já n ã o e n c o n t r a v a m emprego e formas de subsistência e m suas
" E l a s l e v a v a m o excedente das praias d a r e g i ã o de Parati, praias. Isso l e v o u a u m a grande m i g r a ç ã o de jovens para o traba-
sobretudo a aguardente, mas t a m b é m ovos, peixe seco o u sal- lho de embarcado e m traineiras. U m a outra atividade que atraía
gado, frutas, e trazendo de volta latas de querosene, sacos de os jovens para fora das praias era o trabalho nos bananais de S a n -
sal, a n z ó i s , tecidos. A l g u m a s dessas canoas c h e g a v a m a trans- tos e t a m b é m do litoral s u l do Rio de Janeiro.
portar a t é 14 p i p a s de aguardente o u 480 litros. M a s u m dia as A d e c a d ê n c i a do litoral s u l fluminense nas p r i m e i r a s d é c a d a s
canoas de voga desapareceram; por volta de 1920, barcos de do s é c u l o XX n ã o significou u m a p a r a l i s a ç ã o total das atividades
cabotagem c o m e ç a r a m a lhes roubar a p r i m a z i a nos transpor- económicas, mas u m redirecionamento das mesmas, com o
tes de carga, e para as pescarias elas n ã o se prestavam. Sobrou surgimento de novos centros e c o n ó m i c o s , como Santos, e m São
u m a o u outra, como sobraram uns poucos de seus tripulantes, Paulo.
que nos contam as aventuras dos tempos das conoas de voga. N e s s e sentido, a pesca c o m e ç o u a substihair as atividades agrí-
V i a g e m penosa e m condições de m a u tempo, quando, n ã o raro, colas até e n t ã o predominantes e m Parati. N o entanto, n ã o se trata
f i c a v a m n o mar a carga e m e s m o a canoa e a tripulação, n u n c a niais da pesca de subsistência, geradora de pequeno excedente,
m a i s se o u v i n d o falar no destino que l e v a r a m . M a s os velhos mas d a pesca comercial e posteriormente, industrial. A l é m da
representantes da é p o c a das canoas à voga r e l e m b r a m c o m pesca da sardinha, surgiu t a m b é m a grande rede de arrasto {trawl),
s a u d a d e : 'Bons tempos aqueles' " (Mussolini, 1980a: 225). inicialmente i n t r o d u z i d a e m Santos por armadores migrantes ja-
poneses. Por volta de 1957, esse trawl japonês foi substituído pela
O desaparecimento das canoas de voga c o i n c i d i u , a grosso rede de arrasto portuguesa que se d i f u n d i u por toda a costa bra-
m o d o , com o surgimento das traineiras, redes de pesca da s a r d i - sileira. C o m o afirma M u s s o l i n i (1980b):
nha {Sardinella aurita) na Ilha G r a n d e , onde muitos pescadores de
Parati, i n c l u i n d o M a m a n g u á , c o m e ç a r a m a embarcar. E s s a rede " A a r t i c u l a ç ã o desta parte do litoral paulista c o m o litoral
tinha sido introduzida por e s p a n h ó i s na Baía da G u a n a b a r a por c o n t í g u o do Estado do R i o já estava estabelecida e m fins do
volta de 1910 (Soeiro, 1959), difundindo-se por todo o litoral s u - sé cu l o passado, q u a n d o u m a frota de canoas de voga da re-
deste e s u l do Brasil; chegando à Ilha G r a n d e entre 1930 e 1940, g i ã o de S ã o Sebastião ia até Parati, para dali tansportar para o
onde, segundo M u s s o l i n i (1959), havia proprietários de redes trai- porto de Santos aguardente e m pipas (...). A s relações dentro •
neiras sem barco. Para lá i a m os barcos de Santos, e m b a r c a n d o a desse trecho litorâneo se mantiveram constantes e m seu dese-
rede traineira c o m sua tripulação. H a v i a portanto d u a s tripula- nho básico q u a n d o a pesca, de uns 35/40 anos a esta parte.
A HISTÓRIA SOCIOAMBIENTAL
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

p a s s o u a a s s u m i r c a r á t e r comercial e destaque crescente entre c o m ofertas irrisórias a que os lavradores n ã o resistiam, por
as outras subculturas regionais e os barcos de pesca desbanca- n ã o conhecer o valor exato do dinheiro. Estes, analfabetos e m
r a m as canoas à voga c o m o elementos de transporte e co- s u a maioria, eram enganados de várias formas, i n c l u s i v e as-
m u n i c a ç ã o . Pelas m e s m a s rotas, se b e m c o m ritmo d i v e r s o , s i n a n d o contratos de arrendamento, meia o u parceira, onde
c o n t i n u a r a m a circular barcos, peixes, h o m e n s e i n o v a ç õ e s a c a b a v a m cedendo seus direitos de posse, sem saber.
técnicas pesqueiras, muito embora, evidentemente, as confi- O s benefícios para as p o p u l a ç õ e s n ã o foram muitos: se por
g u r a ç õ e s espaciais intra-regionais se alterassem e m f u n ç ã o do u m lado a estrada trouxe u m a via de transporte r á p i d o e es-
significado e c o n ó m i c o que as unidades envolvidas a d q u i r i r a m coamento, o turismo por ela a t r a í d o provocou violenta espe-
ou p e r d e r a m e, e m consequência, do papel positivo e negativo c u l a ç ã o imobiliária, e u m a tendência dos empreendimentos a
que elas p a s s a r a m a desempenhar na redistribuição das po- privatizar as praias onde se instalam. O s habitantes originá-

p u l a ç õ e s d a á r e a " (p.247). rias e s t ã o sendo e m p u r r a d o s para as favelas e empregos de


baixa r e m u n e r a ç ã o , deixando de lado todo u m m o d o de v i d a
O e s v a z i a m e n t o importante da região se a g r a v o u c o m a cons- secular e tradicional, embora frágil na c o n f r o n t a ç ã o c o m os
t r u ç ã o d a V i a D u t r a , e m 1940, deslocando o eixo e c o n ó m i c o p a r a novos valores trazidos pela estrada" (Mattoso, 1979:11).
o V a l e do Paraíba. A partir de 1955, a c o m u n i c a ç ã o de Parati c o m
o exterior se fazia cada v e z menos por barco e canoas à voga e E m alguns casos, as p o p u l a ç õ e s c a i ç a r a s reagiram a esse pro-
m a i s pela estrada de C u n h a . Acentuou-se o processo de m i g r a ç ã o cesso de e x p o l i a ç ã o , e na praia de T r i n d a d e , p r ó x i m a ao Saco de
para outras á r e a s , como por exemplo. A n g r a dos R e i s onde, e m M a m a n g u á , os moradores conseguiram reaver parte dos terrenos
1950, se instalou o estaleiro da Verolme, seguido, e m 1974, pela apropriados pela multinacional Brascan para a í instalar u m c o m -
i m p l a n t a ç ã o d a U s i n a N u c l e a r que empregou 9.000 o p e r á r i o s . plexo turístico. (Mattoso, 1979)
A c o n s t r u ç ã o da Br-101, ligando Rio de Janeiro a S ã o Paulo E m 1970, a EMBRATUR encomendou o Projeto T u r i s c o m o obje-
pelo litoral, nos anos 70, trouxe grandes impactos tanto ecológi- tivo de " r a c i o n a l i z a r " as implantações turísticas para o futuro tra-
cos como sociais para toda a região litorânea de ambos os esta- çado da Br-101. Para a região da Juatinga, que engloba M a m a n g u á ,
dos. I n ú m e r o s manguezais foram aterrados, e o grande movimento foi estimada a capacidade de mais de 12.000 leitos de hotéis. E m -
de terra c a u s o u a a c e l e r a ç ã o de processos erosivos, assoreando bora não tenha sido implantado esse projeto, a o c u p a ç ã o turística
cerca de 70 praias e enseadas (Mattoso, 1979). O fácil acesso dos L' grande na maioria das praias do município. A r e g i ã o de M a -
turistas de São Paulo e R i o de Janeiro acelerou a i m p l a n t a ç ã o de m a n g u á escapou parcialmente dessas i m p l a n t a ç õ e s organizadas,
e m p r e e n d i m e n t o s turísticos e loteamentos, trazendo a v a l o r i z a - por ser mais isolada e n ã o dispor de acesso por terra, mas a í tam-

ç ã o das praias. A e s p e c u l a ç ã o imobiliária e a a ç ã o dos " g r i l e i r o s " isem se intensificou a c o n s t r u ç ã o de casas de turistas e a e x p u l s ã o

que já era grande nos anos 60 tornou-se ainda mais violenta, pro- dos " c a i ç a r a s " .

v o c a n d o a e x p u l s ã o dos pescadores de s u a s praias. Por outro lado, e m 1971, o Estado criou o Parque N a c i o n a l d a
c'rra da Bocaina, no entanto, deixou de fora a r e g i ã o de M a -
" A partir do simples projeto d a R i o - Santos, os p r o p r i e t á - •^i^^nguá; e m 1983, criou-se a Á r e a de P r o t e ç ã o A m b i e n t a l do
rios de terras s u r g e m como que do n a d a , d e m a r c a n d o á r e a s airuçú, a qual engloba a região estudada; e e m 1992, foi criada a
enormes a partir de pequenas escrituras, 'grilando' terras, ex- eserva Ecológica da Juatinga por Decreto E s t a d u a l , tendo c o m o
p u l s a n d o os lavradores com violência e a m e a ç a s o u m e s m o ^'"1 dos objetivos o fomento d a cultura caiçara local, " c o m p a t i b i -
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
A HISTÓRIA SOCIOAMBIENTAL

l i z a n d o a utilização dos recursos naturais c o m os preceitos pre-


servacionistas". A i n d a que exista, subjacente à proposta, a conser-
v a ç ã o da b i o d i v e r s i d a d e e da s ó c i o - d i v e r s i d a d e , n ã o está ainda
clara a forma a t r a v é s da qual esse objetivo p o d e r á ser a l c a n ç a d o .

ELEMENTOS DA HISTÓRIA ORAL

DO SACO DE MAMANGUÁ

A i n d a n ã o foi realizado u m levantamento histórico da região estu-


dada baseado e m documentos. N o entanto, a partir de relatos orais,
p r i n c i p a l m e n t e de antigos moradores, foi possível t r a ç a r u m bre-
v e e s b o ç o d a c o l o n i z a ç ã o do Saco de M a m a n g u á . A i n d a que a
história do Saco de M a m a n g u á tenha seguido, e m linhas gerais, a
p e r i o d i z a ç ã o do que ocorreu no Município de Parati, há espe-
cificidades que p o d e m ser apreendidas com esses depoimentos.
N o início do s é c u l o X I X , existiam grandes fazendas produtoras
de c a n a - d e - a ç ú c a r e aguardente no F u n d o do Saco de MamangLiá,
s e n d o que a l g u m a s de suas ruínas ainda p o d e m ser vistas na re-
gião. A p r i n c i p a l delas f o i a fazenda Santa M a r i a , de propriedade
do padre Manoel A l v e s , que trabalhava com a m ã o - d e - o b r a escra-
v a , cuja lenda conta que esse grande proprietário fazia a m a r r a r
os escravos recalcitrantes no mangue, para que fossem d e v o r a -
dos pelos mosquitos. U m a outra fazenda importante era a de
P a r a t i - M i r i m , de propriedade de u m outro padre, Francisco A n -
tonio ( M a p a 2).
A p ó s a libertação dos escravos, muitos deles m i g r a r a m para
locais p r ó x i m o s a Parati-Mirim, como P a t r i m ó n i o ; outros ficaram
no Saco de M a m a n g u á , d a n d o origem às famílias O l i v e i r a , N a s c i -
mento e Vilela.
S e g i m d o o Sr. A g e n o r Vilela, morador antigo de C u r u p i r a , a
maior c o n c e n t r a ç ã o de moradores, a vila existente na praia do
C r u z e i r o , na M a r g e m Peninsular, teria sido fundada pelo seu a v ó ,
Sr. J o ã o L u i s V i l e l a , ex-escravo alforriado por volta de 1860. A l i ,
ele teria fincado u m a c r u z e c o n s t r u í d o u m a antiga capela, hoje
desaparecida.
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE A HISTÓRIA SOCIOAMBIENTAL

"O meu avô foi nascido era filho de escravo, foi nascido e criado D o início a t é meados deste século h o u v e u m a é p o c a de gran-
no sítio da Costeira. Foi ele que fez a igreja do Cruzeiro, antes não de fartura no Saco de M a m a n g u á e a p o p u l a ç ã o , segimdo u m outro
tinha igreja. O pessoal queria um povoado mais divertido. Aí meu entrevistado, o Sr. Z i z i n h o (Ponta do L e ã o ) era muito maior que a
avô achou que devia fazer uma cruz, aífez a cruz. Aí depois ele foi a presente:
Parati, trouxe o padre, rezou a primeira missa. Aí ele foi e construiu
uma igreja de estuque. Era um povoado bem movimentado, aquele, "Antes, Mamanguá produzia muito, o mais forte era banana e
com baile todo sábado. Tinha um engenho de cachaça na Praia do cana, mas tinha também café, feijão, mandioca. Criação também ti-
Engenho onde o pessoal bebia cachaça. Aí depois meu avô morreu, e nha, produzia bastante. Isso até mais ou menos 1960, aífoi diminu-
meu pai continuou no sítio do Cruzeiro, que era de meu avô" (Seu indo, diminuindo, até que..." (Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .
A g e n o r , Praia de C u r u p i r a ) .

O Saco de M a m a n g u á era conhecido pela s u a p r o d u ç ã o de


A l i , u m a sobrinha de seu a v ô teria se casado c o m o a v ô do Sr. aguardente, farinha de mandioca, pequena c r i a ç ã o . A p r o d u ç ã o
L e o n e l O l i v e i r a , t a m b é m ex-escravo da fazenda Rio G r a n d e , cuja era embarcada nas célebres "canoas de v o g a " e v e n d i d a e m A n -
família é considerada " d o lugar". O pai do Sr. A g e n o r , R u f i n o gra dos Reis, Ilha G r a n d e e Mangaratiba, de onde traziam merca-
V i l e l a , teria m u d a d o para C u r u p i r a , tendo sido p r o p r i e t á r i o de doria (café m o í d o , b a n h a , came-seca, etc.) para v e n d e r na r e g i ã o .
outras fazendas antigas, como a F a z e n d a V i l e l a , p r ó x i m a a L a - O s comerciantes muitas vezes trocavam essa mercadoria c o m os
ranjeiras. A l é m dessas, cita como fazendas antigas, a fazenda de produtos locais. A última canoa de voga do Saco de M a m a n g u á
C u n h a , do C o s t a . continuou operando até o imcio da d é c a d a de 50.
C o m a morte do padre M a n u e l A l v e s , a fazenda Santa M a r i a O contato dos moradores da Praia do Sono, e de outras praias
teria sido v e n d i d a à família R a m o s , que passou, já no início do do lado oposto ao F u n d o do Saco de M a m a n g u á , c o m Parati era
século XX, a p r o d u z i r banana para ser comerciaUzada e m Parati. feito por essas canoas, a partir do p r ó p r i o Saco, pois n ã o existia
O s antigos moradores a r r e n d a v a m as terras das fazendas, pagan- ainda o c a m i n h o que hoje leva a P a r a t i - M i r i m . M a m a n g u á tam-
do o arrendamento c o m dois dias de trabalho por m ê s p a r a os b é m manteve ligações e contatos com as praias do " m a r de fora",
fazendeiros. sobretudo Cajaíba. Parte d a c a n a - d e - a ç ú c a r plantada a í era trans-
N a d é c a d a de 40, o Sr. A g e n o r p a s s o u a v i v e r na fazenda S a n - portada para ser beneficiada, dentro do Saco de M a m a n g u á , na
ta M a r i a , onde parte do m a n g u e z a l chegou a ser d r e n a d o para o Praia do E n g e n h o .
plantio de banana. H o u v e aí u m a grande p r o d u ç ã o até que a fa- A pesca, por outro lado, além da h e r a n ç a indígena, era prati-
z e n d a foi v e n d i d a ao Sr. Gibrail, que m a n d o u retirar o bananal e cada pelos escravos para abastecimento das fazendas. U m a rede
i n t r o d u z i u búfalos. A criação n ã o d e u certo e os búfalos foram muito utilizada era a " t r o l h a " , espécie de rede de cerco, feita de
vendidos. E s s e novo proprietário chegou a explorar intensivamen- a l g o d ã o , e m que o p e r a v a m d u a s canoas. S e g u n d o o Sr. A g e n o r ,
te a caixeta para a p r o d u ç ã o de tamancos. M a m a n g u á era muito rico e m peixe e o que n ã o era c o n s u m i d o
imediatamente era salgado e seco para posteriormente ser v e n d i -
"È, depois que o Gibrail comprou, ele acabou com o bananal todo, Q u a n d o a captura era grande, entregava-se u m a parte para a
mandou arrancar o bananal e botou um bocado de gado lá... de búfa- a l i me n t a çã o de porcos, nas fazendas.
lo, c boi comum também" (Seu Agenor, Praia de C u r u p i r a ) . O fim do p e r í o d o da "fartura", como c h a m a m os moradores
de M a m a n g u á , se d e u a partir das d é c a d a s de 40 e 50, q u a n d o as
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE A HISTÓRIA SOCIOAMBIENTAL

fazendas fracassarani e a r e g i ã o pouca coisa tinha a exportar. " C o m os processos de m i g r a ç ã o , e ê x o d o r u r a l , pela espe-
Vár ios moradores s a í r a m para fora da área, trabalhando e m ba- culação imobiliária, o terreno c o m e ç o u a ser invadido e constru-
nanais e outras atividades agrícolas e m Santos, R i o de Janeiro e ç õ e s p r e c á r i a s se instalaram no início, h a v e n d o e v o l u ç ã o nos
A n g r a dos R e i s . materiais utilizados; apesar de n ã o haver n e n h u m a infra-es-
trutura urbana até setembro deste ano (1979), elementos do
"Na época em que os outros foram trabalhar nos bananais em bairro e d a prefeitura estimam entre 1.000 e 1.500 as constru-
Santos, acho que nem existia pesca aqui ainda. O pessoal ia a pé para ções foram levantadas, a maioria com pequenos aterros o u fun-
lá. Você sabe o que é isso? Sair daqui e viajar nove dias pra chegar em d a ç õ e s m a i s altas. A l i , habitam antigos moradores do Sono,
Santos. Eu mesmo fui trabalhar lá porque em Santos era o único da Cajaíba, de T r i n d a d e , Laranjeiras, das r o ç a s e m geral e que
lugar em que se ganhava um dinheirinlw. Levei um ano trabalhando trabalham agora na c o n s t r u ç ã o c i v i l , no c o m é r c i o , no setor de
lá e trouxe de volta três contos e quinhentos mil reis. Deu pra casar, serviços domésticos ou municipais.
pras despesas com o casamento. Fiz o terno, arrumei a noiva e teve
D e produtores (ao menos de subsistência), passam a consLuni-
até baile e ainda sobrou dinheiro" (Seu D o n d i n h o , 70 anos. Praia
dores urbanos, sofrendo o impacto de u m a sociedade urbana
do Lopes).
da qual n ã o fazem parte. Perdem os meios de p r o d u ç ã o , e com
eles muitos dos traços culturais que p e r d u r a r a m até então. Já
Por essa é p o c a (1935-40), jovens como o Sr. A g e n o r , sem tra- n ã o s ã o da roça, mas da cidade t a m b é m n ã o são. Muitos tem a
balho, c o m e ç a r a m a se dirigir para Ilha G r a n d e , p r i n c i p a l centro ilusão que melhoraram a vida, porque tem acesso a algims bens
para onde afluíam os barcos de Santos, para trabalhar nas redes de c o n s u m o que talvez n e m conhecessem. G r a n d e parte deles
traineiras de propriedade de portugueses radicados no local. O s tem consciência que foi 'empurrada para lá' " (Mattoso, 1979).
barcos de Santos i a m até lá e p e s c a v a m à meia com os p r o p r i e t á -
rios das redes.
Essa m i g r a ç ã o para a Ilha das Cobras parece ter aumentado com
a c o n s t r u ç ã o da BR-101, nos anos 70, e continua intensa até hoje.
"Eu tinha 19 anos quando embarquei numa traineira de Ilha Gran-
de e fiquei uns cinco anos aí por fora. Tinha os barcos de Santos que
"Hoje não tem um terço do povo que tinha antes, quando eu era
vinham para a Ilha Grande e pegava as redes (traineiras) dos portu-
moço. O povo saiu daqui, tem uns 40% na Ilha das Cobras, uns 10%
gueses para pescar a meia. Então pesquei muito naqueles barcos, lá
em Angra, mas tem muitos em Santos e aí por fora. A miséria tá
pro Cabo Frio. O primeiro que embarquei se chamava o Rei do Mar.
grande. Então vive do quê? Vive do biscate, vive do vício. E não tem
Eu só tinha trabalhado na lavoura e um pouco na pesca pequena aqui
condição de voltar, já vendeu a terra" (Seu Z i z i n h o , Ponta do Leão).
dentro e embarquei como homem de convés" (Seu A g e n o r , Praia de
Curupira).
A história de v i d a do Sr. D o n d i n h o revela a riqueza anterior e
a d e c a d ê n c i a de M a m a n g u á . Q u a n d o ele chegou de P a r a t i - M i r i m
H o u v e t a m b é m u m a g r a n d e m i g r a ç ã o p a r a a periferia d e para morar p r ó x i m o à praia do Lopes (em 1940), na M a r g e m C o n -
Parati, como a Ilha das C o b r a s , onde v i v e m centenas de ex-mora- tinental, a m i g r a ç ã o para fora d a área já tinha c o m e ç a d o :
dores de M a m a n g u á . Segundo Mattoso (1979), até 1950 havia nessa
área pantanosa cerca de 50 p a l h o ç a s de pescadores. "Quando cheguei aqui, tinha ainda muito morador. Na Praia
Grande, tinha casa à beça, mas os velhos que venderam a posse foram
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E A HISTÓRIA SOCIOAMBIENTAL

morrendo e o pessoal mais novo foi indo embora. Outros venderam e nha). A i n d a se c o n s t r ó e m as casas de pau-a-pique c o m madeiras
ficaram por aí. Nós vendemos a posse pro pessoal de fora e ficamos locais (mangue, caixeta, fibras). E s s e m o d o de v i d a sobrevive e m
tomando conta da propriedade desse pessoal" (Seu D o n d i n h o , Praia M a m a n g u á n ã o s ó pelo relativo isolamento g e o g r á f i c o da r e g i ã o ,
do Lopes). como t a m b é m pela grande d e p e n d ê n c i a do uso dos recursos n a -
turais r e n o v á v e i s da mata e do mar.
A m i g r a ç ã o e o embarque dos jovens nas traineiras trouxeram M a i s recentemente, alguns moradores conseguiram c o m p r a r
t a m b é m conseqiãências sobre a o r g a n i z a ç ã o d a pesca locaL Por barcos motorizados (botes e canoas), e m geral depois de v e n d e r
falta de m ã o - d e - o b r a , a " t r o l h a " , que requeria o trabalho conjun- suas terras o u parte de suas " p o s s e s " ; outros u s a m essas embar-
to de v á r i a s canoas e pescadores, foi abandonada. E m seu lugar, ca çõ e s no arrasto d o c a m a r ã o sete-barbas, atividade proibida d e n -
h o u v e a p r e d o m i n â n c i a do "tresmalho", rede pequena que pode tro d o S a c o d e M a m a n g u á . E s s a p e s c a é, n o e n t a n t o , mais
ser manejada por u m só pescador, ajudado por u m filho. frequentemente praticada pelos pequenos barcos de arrasto que
v ê m de Parati e para lá l e v a m a p r o d u ç ã o . E s s a pesca é u m a das
"Nós pescava com rede de trolha, com duas canoas e quatro ho- re sp o n sá v e i s pela d e s t r u i ç ã o dos estoques pesqueiros d a r e g i ã o
mens. Uma largava a rede, depois encostava na outra pra recolher o estuarina, u m a v e z que, com rede de arrasto de m a l h a r e d u z i d a ,
peixe. Essa pesca acabou faz alguns anos e o pessoal começou a com- capturam u m a grande quantidade de peixes jovens.
prar o fio de náilon pra fazer o "tresmalho" (Seu A g e n o r , Praia de A c o m e r c i a l i z a ç ã o do excedente do pescado e do c a m a r ã o é
Curupira). feita localmente, a t r a v é s de pequenos comerciantes, que por s u a
vez d e p e n d e m de "atravessadores" maiores residentes e m Parati.
É durante esse p e r í o d o que, segundo o Sr. Z i z i n h o , se inicia a U m fator importante de m u d a n ç a foi a chegada do protestan-
v i n d a de turistas para M a m a n g u á , que p a s s a r a m a construir ca- tismo na r e g i ã o , i n t r o d u z i d o inicialmente antes d a d é c a d a de 50,
sas de veraneio e m terrenos comprados dos moradores locais. N a c m C u r u p i r a . O n ú m e r o de igrejas protestantes aumentou conside-
maioria desses sítios, os novos proprietários p r o i b i r a m as r o ç a s ravelmente nas últimas d é c a d a s e hoje cerca de 34% dos m o r a d o -
de m a n d i o c a ao m e s m o tempo e m que n a d a c o m p r a v a m na re- res s ã o crentes. A m u d a n ç a do catolicismo para o protestantismo
g i ã o , pois tudo traziam de suas cidades de origem, p r i n c i p a l m e n - coincidiu com u m período de desorganização social de M a m a n g u á
te R i o de Janeiro e São Paulo. É dessa é p o c a t a m b é m a c o n s t r u ç ã o e com u m p e r í o d o de e m i g r a ç ã o . F o r m a s de ajuda m ú t u a , como o
do c o n d o m í n i o de turistas na praia do E n g e n h o . m u t i r ã o (localmente chamado de p u t i r ã o ) , quase desapareceram,
Hoje, s e g u n d o os mais velhos, os moradores de M a m a n g u á a s s i m como u m rico folclore baseada e m festas e d a n ç a s como a
d e p e n d e m cada v e z mais dos turistas visitantes das temporadas roda de chiba, cirandas, marrafo, caranguejo, das quais n ã o parti-
e daqueles que aí c o n s t r u í r a m suas casas de veraneio. M u i t o s de- c i p a v a m os que se h a v i a m convertido ao protestantismo. D e s a -
les, a p ó s v e n d e r e m suas posses o u delas serem expropriados pe- pareceu t a m b é m a Bandeira do D i v i n o , mas a i n d a hoje os m o r a -
los especuladores imobiliários, tomam-se caseiros, muitas vezes, dores antigos o r g a n i z a m a folia de Reis, no imcio do ano. A ajuda
das terras que lhes pertenceram. rnutua ainda existe, por exemplo, na tirada de u m a á r v o r e para
A p e s a r disso, o m o d o de v i d a tradicional caiçara a i n d a é do- c o n s t r u ç ã o de canoas.
minante na r e g i ã o , u m a v e z que grande parte das famílias v i v e m
da pesca de subsistência, das roças de mandioca, da pequena c a ç a
e pesca, da fabricação d a farinha nos " a v i a m e n t o s " (casa de fari-
2
O s Diversos spaços
Mumanízados

O S A C O P E M A M A N C L / Â pode ser visto como u m e s p a ç o geo-


gráfico e social composto por vários " l u g a r e s " , onde v i v e m
seus moradores. H á o "lado de c á " , o "lado de l á " e o "o f i m d o " .
O s lados s ã o as d u a s margens da zona estuarina, onde se distri-
b u e m as casas. E l a s t a m b é m s ã o d i v i d i d a s pelas muitas praias e
costões, u n i d a d e s de agru-pamentos locais, que l e v a m nomes de
antigos moradores (Praia do C o s t a , do L o p e s , das M o ç a s ) , de ani-
mais (Praia das A n t a s , das Pacas), de c o n s t r u ç õ e s antigas (Praia
do E n g e n h o ) , de acidentes geográficas (Baixios) (Mapa 3). O " f u n -
d o " é a parte final, a mais distante, localizada at r ás do m ang ue e
do caixetal, onde a v i d a é difícil, pela distância e pela grande
quantidade de mosquitos ( m u r u i m , pó l v o r a, borrachudo) que e m
noites de lua e s e m vento tornam a v i d a dos moradores quase
impossível.
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE O S DIVERSOS ESPAÇOS HUMANIZADOS

Para efeito de identificação, denominou-se a M a r g e m Leste de


M a r g e m Peninsular. Assemelha-se a u m a península e a í e s t ã o lo-
En—tOt d * Pafitl I calizados os grandes picos da região: o Pico da Cajaíba, o Pico do
C a i r u ç ú , a Pedra da Jamanta, o Morro P ã o de A ç ú c a r e finalmen-
te o Morro de M a m a n g u á .
A M a r g e m Peninsular se diferencia da Continental por apre-
sentar v á r i a s cararacterísticas p r ó p r i a s dos sistemas insulares.
U m a primeira característica é seu isolamento maior, pois n ã o há
n e n h u m a estrada ou c a m i n h o que a liga a P a r a t i - M i r i m e Parati,
como ocorre c o m a Continental, de onde sai a trilha que leva à
primeira localidade citada. Q u a n d o o mar-de-dentro fica agita-
••/.Populações
do, a p o p u l a ç ã o pode ficar ilhada por vários dias, pois apenas as
Fundo do Saco
1. Ponta da Foiça e m b a r c a ç õ e s maiores, motorizadas (baleeiras o u botes), se arris-
CONTINENTAL
2. Ponta do Regale cam a sair da M a r g e m Peninsular para atravessar para a Continen-
MARGEM
PENINSULAR 3. Regate
Margsm Contlnontal tal, de onde as pessoas p o d e m tomar a trilha. E s s a característica
4. Currupira não é somente geográfica, mas parece ter implicações sociais e
5. Praia das Moças
6. Pontal CLilturais. A l é m de ser mais populosa, a M a r g e m Peninsular apre-
7. Praia do Lopes
senta u m a p o p u l a ç ã o que se relaciona mais c o m as c o m u n i d a d e s
8. Costão
9. Praia Grande t a m b é m mais ilhadas, como a Cajaíba, u m a península, acessível
10. Praia das Pacas
11. Ponta do LeSo por terra a partir da Praia dos Engenhos. E s s a característica " i n -
12. Praia Guarda-mó
s u l a r " n ã o i m p e d e outros tipos de contato c o m o m u n d o exterior.
13. Ponta do Carro
Margam Panlniular
E m alguns casos esse contato chega a ser mais intenso do que o
14. Ponta do Buraco existente na M a r g e m Continental, na m e d i d a e m que u m n ú m e r o
15. Praia do Sobrado
16. Praia da Venda maior de jovens é embarcado, frequentando outros portos e v o l -
17. P. da Porceano
18. Praia do Engenho
tando im:\ v e z por m ê s às suas praias de origem. E s s a característica
19. Praia das Anlas " i n s u l a r " n ã o foi estudada aprofundadamente na pesquisa, per-
20. Ponta da Romana
21. Praia do Costa manecendo u m aspecto a ser aprofundado por estudos poste-
22. Praia do Pimenta
23. Praia do Cruzeiro
riores. N a M a r g e m Peninsular, e m sua parte p r ó x i m a à " b a r r a " ,
24. Baixio estão as melhores praias de areia de M a m a n g u á , pequenas e cer-
FUNDO DO SACO
25. Ponta do Bananal
cadas de pedras e matas.

Fonce: Marinha do Brasil (1981). Adaptado por Nogara. 1994. E m s u a grande maioria, foram c o m p r a d a s por especuladores
Escala aproximada de 1:50.000 imobiliários que, s e m d ú v i d a , a g u a r d a m o c a s i ã o m a i s propícia
para revender. O p r e ç o já é alto, e os especuladores p e d e m cerca
de 1.200 dólares por metro e m algumas praias. A d e c l a r a ç ã o dessa
M a p a 0 5 - d i s t r i b u i ç ã o da f o p u l a ç ã o nos [^ívcrsos
margem como parte da Reserva Ecológica da Juatinga, e m 1993, e
A m b i e n t e s do ^ ^ c o de Mamansjaá
como " á r e a twn edificandi" a m e a ç a estragar os planos dos especu-
O S DIVERSOS ESPAÇOS HUMANIZADOS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

ladores. N a s praias mais p r ó x i m a s do m a n g u e , do p o v o a d o do longas c a m i n h a d a s . O povoado do C r u z e i r o é o ú n i c o que agrega


Estaleiro, o ú n i c o de M a m a n g u á e m direção ao F u n d o do Saco, se u m certo n ú m e r o de serviços. N ã o existe escola s e c u n d á r i a e m
concentram os moradores locais e até recentemente havia poucos Mamanguá.
moradores de fora, a n ã o ser u m a propriedade antiga de turistas na E m 1993, foi c o n s t r u í d o u m posto de s a ú d e no p o v o a d o d o
praia da Ponta do Bananal. N e s s a área, as posses têm menor valor, C r u z e i r o , cujo funcionamento é precário porque n ã o tem pessoal
e m v i r t u d e do fundo mais lodoso e dos ataques dos mosquitos. m é d i c o regular e r e m é d i o s . Por outro lado, a inexistência quase
A outra m a r g e m , aqui d e n o m i n a d a M a r g e m C o n t i n e n t a l , fica total de fossas sépticas e o uso de á g u a n ã o tratada facilitam a
p r ó x i m a a P a r a h - M i r i m , localidade a que se interliga por u m a existência de várias d o e n ç a s transmissíveis.
trilha. M a i s d a m e t a d e d e s s a m a r g e m , a t é a P r a i a G r a n d e , é A m o r a d i a tradicional é a de p a u - a - p i q u e , feita de m a d e i r a de
composta de " s í t i o s " e praias adquiridas por turistas. E s s a mar- mangue, da mata, de barro, c o m cobertura de s a p é . E s t a última
gem tem u m a d e n s i d a d e d e m o g r á f i c a menor que a M a r g e m Pe- v e m sendo substituída pela telha de amianto, pela d i f i c u l d a d e
ninsular. cada v e z m a i o r e m se obter o s a p é . O mobiliário da casa é s i m -
A partir d o estreitamento da z o n a estuarina, à altura d a Ponta ples, feito e m geral c o m madeira local (caixeta) e o f o g ã o é à le-
do B a n a n a l , inicia-se o F u n d o do Saco, onde o corpo d ' á g u a volta nha, na maioria dos casos. E m a l g u m a s casas existe o f o g ã o a
a se alargar d a n d o lugar a u m extenso e magnífico m a n g u e z a l . gás, mas este c o m b u s t í v e l tem p r e ç o elevado, sobretudo pelo
E s s a área é m a r c a d a pela existência de muitos rios r e s p o n s á - transporte.
veis pelo rebaixamento da salinidade. F o i t a m b é m a área onde se A dieta alimentar é simples, constituída pela farinha de m a n -
instalaram as várias fazendas e engenhos de c a n a - d e - a ç ú c a r a dioca fabricada continuamente, pelo peixe e ocasionalmente pela
partir do s é c u l o XVIII e XIX. Aí, as atividades e c o n ó m i c a s mais re- carne de c a ç a . O c o n s u m o de v e r d u r a s é quase inexistente. A fru-
l e v a n t e s s ã o a l a v o u r a e o artesanato, ao c o n t r á r i o d a s d u a s ta mais c o n s u m i d a é a banana, plantada p r ó x i m a à s casas. A l -
margens, e m que a pesca e o turismo s ã o mais importantes. guns poucos moradores p o s s u e m galinhas, que s ã o criadas sol-
Pode-se constatar que existem diferenças importantes no que tas. O s r e m é d i o s caseiros, sobretudo ervas, s ã o utilizados para o
d i z respeito 'a o c u p a ç ã o do território entre essas três á r e a s . N e s s e tratamento das d o e n ç a s mais simples.
sentido, as análises tentarão levar e m conta essas diferenças. A maioria dos moradores, com e x c e ç ã o de muitos que m o r a m
O Saco de M a m a n g u á é u m local distante dos centros u r b a - mais distantes do mar, como os do F u n d o do Saco, p o s s u i tam-
nos, acessível somente por e m b a r c a ç ã o ou por u m a trilha para bém ranchos de s a p é , onde g u a r d a m suas canoas e petrechos de
pedestre, que partindo da M a r g e m Continental chega a Parati- pesca.
M i r i m . A M a r g e m Peninsular é somente acessível por barco. A s C a b e m aqui a l g u m a s reflexões sobre a n o ç ã o de " t e r r i t ó r i o "
c o m p r a s das mercadorias e o atendimento m é d i c o se f a z e m e m " l u g a r " existente nos tipos de culturas e sociedades tradicio-
Parati, distante três horas de barco. O frete elevado torna a i n d a nais a que pertence a de M a m a n g u á .
m a i s alto o p r e ç o dos produtos já caros na capital do m u n i c í p i o . O U m elemento importante na relação entre p o p u l a ç õ e s tradicio-
abastecimento local é precário, feito por três " v e n d a s " , u m a na '•i^^is e a natureza é a n o ç ã o de " t e r r i t ó r i o " , que pode ser definido
M a r g e m Continental e d u a s na Peninsular, que v e n d e m alguns como u m a p o r ç ã o da natureza e e s p a ç o sobre o qual u m a so-
produtos de c o n s u m o imediato, a p r e ç o s elevados (óleo, sal, café). ciedade determinada reivindica e garante a todos, o u a u m a parte
O local tem três escolas p r i m á r i a s , sendo u m a na M a r g e m Pe- ^ ^ seus membros, direitos estáveis de acesso, controle o u uso so-
ninsular e d u a s na M a r g e m Continental, obrigando as c r i a n ç a s a a totalidade o u parte dos recursos naturais aí existentes que
Os DIVERSOS ESPAÇOS HUMANIZADOS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

ela deseja o u é capaz de " u t i l i z a r " (Godelier, 1984). E s s a p o r ç ã o do e outras á r v o r e s frutíferas. N a s c o m u n i d a d e s m e n c i o n a d a s , é es-
m u n d o natural fornece, e m primeiro lugar, a natureza do h o m e m treita a r e l a ç ã o c o m a Mata Atlântica, nicho importante para s u a
como espécie, m a s t a m b é m : r e p r o d u ç ã o social. D a l i retiram a madeira para suas canoas, p a r a
a) os meios de subsistência; a c o n s t r u ç ã o , equipamentos de pesca, instrumentos de trabalho,
b) os meios de trabalho e p r o d u ç ã o ; medicamentos, etc. (Diegues, 1988).
c) os meios de p r o d u z i r os aspectos materiais d a s r e l a ç õ e s so- A l g u m a s dessas sociedades se r e p r o d u z e m e x p l o r a n d o u m a
ciais, aqueles que c o m p õ e m a estrutura determinada de u m a multiplicidade de habitats: a floresta, os estuários, m a n g u e s e as
sociedade (relações de parentesco, etc.) (Godelier, 1984). áreas já transformadas para fins agrícolas. A e x p l o r a ç ã o desses
O território d e p e n d e n ã o somente do tipo de meio-físico ex- habitats diversos exige n ã o só u m conhecimento aprofundado dos
plotado, m a s t a m b é m das relações sociais existentes. Para muitas recursos naturais, das é p o c a s de r e p r o d u ç ã o das e s p é c i e s , m a s a
p o p u l a ç õ e s tradicionais que exploram o meio m a r i n h o , o m a r tem utilização de u m c a l e n d á r i o complexo dentro do q u a l se ajustam,
s u a s " m a r c a s " de posse, geralmente pesqueiros de boa p r o d u t i v i - com maior o u menor integração, os diversos usos dos ecossistemas.
d a d e , descobertos e guardados cuidadosamente pelo pescador O território das sociedades tradicionais, distinto daquele d a s
artesanal. E s s a s " m a r c a s " p o d e m ser físicas e visíveis, c o m o as sociedades urbanas industriais, é descontínuo, marcado por vazios
" c a i ç a r a s " instaladas na laguna de M u n d a ú e M a n g u a b a ( A l ) . E l a s aparentes (terras e m pousio, á r e a s de estuário que s ã o u s a d a s para
p o d e m t a m b é m ser invisíveis, como os " r a s o s " , tassis, corubas, a pesca somente e m algumas estações do ano) e tem levado autori-
e m geral lajes submersas onde há certa a b u n d â n c i a de peixes de dades da c o n s e r v a ç ã o a declará-lo parte das " u n i d a d e s de con-
fundo. E s s e s pesqueiros s ã o marcados e guardados e m segredo s e r v a ç ã o " , p o r q u e " n ã o é usado por n i n g u é m " . A í reside, m u i t a s
a t r a v é s do sistema de " c a m i n h o e c a b e ç o " pelos pescadores do vezes, parte dos conflitos existentes entre as sociedades tradicio-
Nordeste ( M a l d o n a d o , 1993), o u seja, os locais m a i s p r o d u t i v o s nais e as autoridades conservacionistas.
do m a r s ã o localizados pelo pescador que os d e s c o b r i u por u m A q u e s t ã o do e s p a ç o ocupado pelas c o m u n i d a d e s c a i ç a r a s foi
complexo sistema de triangulação de pontos para o q u a l usa a l - estudado por Winter, Rodrigues e M a r i c o n d i (1990), demonstran-
g u n s acidentes g e o g r á f i c o s d a costa, como torres de igrejas, picos do como a n o ç ã o espacial, nos p a r â m e t r o s da cultura e m o d o s de
de morro, etc. (Diegues, 1983; 1993). Para as sociedades tradicio- vida c a i ç a r a s d a r e g i ã o de G u a r a q u e ç a b a ( P a r a n á ) s ã o distintos
nais de pescadores artesanais, o " t e r r i t ó r i o " é muito m a i s vasto das culturas urbanas. O s autores r e a l ç a m a i m p o r t â n c i a dos espa-
que para as "terrestres" e sua " p o s s e " é m a i s fluida. A p e s a r d i s - ços de trabalho e p r o d u ç ã o agrícolas apropriados coletivamente,
so, ela é c o n s e r v a d a pela " l e i do respeito" que c o m a n d a a ética blinda que trabalhados a nível familiar. D a d o o c a r á t e r i n f o r m a l
reinante nessas c o m u n i d a d e s ( C o r d e l l , 1982). da "posse coletiva", esses terrenos s ã o a l v o fácil da e s p e c u l a ç ã o
Para as sociedades tradicionais camponesas, o território tem imobiliária e os primeiros a serem vítimas de grilagem.
d i m e n s õ e s m a i s definidas, apesar da agricultura itinerante, atra- L a d e i r a (1992) enfatiza a n o ç ã o de e s p a ç o e território para os
vés do p o u s i o , demarcar a m p l a s á r e a s de uso, s e m limites m u i t o ^"íírí7íf/-MÍ7i/í7s, relacionada c o m os mitos ancestrais que os l e v a m
definidos. M u i t a s dessas á r e a s , como no caso das c o m u n i d a d e s 'IS m i g r a ç õ e s de v á r i o s pontos do Brasil e de outros países limí-
c a i ç a r a s de S ã o P a u l o Bagre, e m C a n a n é i a (SP), s ã o " c o m u n s " , isto '^'"ofes, para o oceano, mais especificamente no litoral entre R i o de
é, posse de u m a c o m u n i d a d e onde seus m e m b r o s f a z i a m s u a s J^ineiro e P a r a n á . E s s e e s p a ç o é marcado por lugares m a r c a d o s
r o ç a s . A terra e m descanso ou o " p o u s i o " é a marca da posse, pela t r a d i ç ã o , onde a c a m p a m e m suas viagens. U m a parte desse
onde depois de colhida a mandioca ficam os p é s de banana, limão tt>rritório g u a r a n i , sobretudo os litorâneos, de S ã o P a u l o , P a r a n á e
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE O s DIVERSOS ESPAÇOS HUMANI/A

Rio de Janeiro foram transformados e m á r e a s naturais protegidas,


e a p r e s e n ç a ocasional desses indígenas, e m sua m i g r a ç ã o , tem
causado conflitos com as a d m i n i s t r a ç õ e s dessas áreas.
U m aspecto relevante na definição de "culturas tradicionais"
é a existência de sistemas de manejo dos recursos naturais marca-
dos pelo respeito aos ciclos naturais, à sua e x p l o t a ç ã o dentro d a
capacidade de r e c u p e r a ç ã o das espécies de animais e plantas utili-
zadas. E s s e s sistemas tradicionais de manejo n ã o s ã o somente for-
mas de e x p l o r a ç ã o e c o n ó m i c a dos recursos naturais mas r e v e l a m
a existência de u m complexo de conhecimentos a d q u i r i d o s pela
tr adição herdada dos mais velhos, de mitos e símbolos que l e v a m
à m a n u t e n ç ã o e ao uso sustentado dos ecossistemas naturais.
A l é m do e s p a ç o de r e p r o d u ç ã o e c o n ó m i c a , das relações so-
ciais, o território é t a m b é m o "locus" das representações e do imagi-
n á r i o m ito lóg i c o dessas sociedades tradicionais. A íntima r e l a ç ã o
do h o m e m c o m seu meio, sua d e p e n d ê n c i a maior e m r e l a ç ã o ao
m u n d o natural, comparada ao do h o m e m urbano-industrial faz
c o m que os ciclos d a natureza (a v i n d a de c a r d u m e s de peixes, a
a b u n d â n c i a n a s roças) sejam associados a e x p l i ca çõ e s míticas ou
religiosas. A s r e p r e s e n t a ç õ e s que essas p o p u l a ç õ e s fazem dos d i -
versos habitats e m que v i v e m , t a m b é m se constroem a partir do
maior o u menor controle de que d i s p õ e m sobre o meio-físico.
A s s i m , o cai ç a r a tem u m comportamento familiarizado c o m a
mata, se adentrando nela para retirar os recursos de que precisa;
ele t a m b é m n ã o tem receio de explorar os estuários e lagunas cos-
teiras protegidas a t r a v é s de suas técnicas de pesca, m a s muitos
têm u m verdadeiro p a v o r do m a r aberto, do " m a r de fora", da
" p a s s a g e m da ba r r a ", dos naufrágios e d e s g r a ç a s associadas ao
oceano que n ã o controla ( M o u r ã o , 1971).
Os M o r a d o r e s

^ STE TRABALHO SE CONCENTRA exclusivaiTiente na p o p u l a ç ã o


de moradores, que v i v e m habitualmente nos vários "lugares",
praias ou povoados, e portanto trata marginalmente de u m outro
tipo de p o p u l a ç ã o , a dos turistas que c o n s t r u í r a m casas s e c u n d á -
rias e m M a m a n g u á .
A o c o n t r á r i o do que se poderia pensar, os moradores apresen-
tam u m a certa mobilidade espacial, m u d a n d o de u m lugar para
^>iitro, dentro do Saco como t a m b é m para fora dele, a t r a v é s dos
processos m i g r a t ó r i o s . A mobilidade dentro da r e g i ã o se dá atra-
^ "^'^ casamentos, pelos quais geralmente a noiva deixa sua praia
c vai morar na do seu marido. Muitas vezes, famílias inteiras
" n i d a m de u m lado para outro e m virtude da v e n d a de sua " p o s -
' passando a v i v e r e m outra praia onde t ê m o u a d q u i r i r a m
^>nia outra " p o s s e " . A l g u m a s famílias d e i x a m t a m b é m lugares
^ mto atacados por maruins, m u d a n d o - s e para outros considera-
' '^^rios infestados. E m alguns p e r í o d o s , como na lua-cheia, os
o N o s s o LuGAií ViKou P A R Q U E OS MORADORES

povoados recebem dezenas de jovens embarcados que visitam suas A p o p u l a ç ã o local se distribui nas seguintes praias: Ponta d o
famílias, t o m a n d o - s e mais calmos depois de s u a saída. S u c e d e m 13ananal - 1 família; Baixio - 21 famílias; C r u z e i r o - 18 famílias;
t a m b é m casos e m que a saída da família do i r m ã o mais velho, c o m Praia d o Pimenta -1 família; Praia do Costa - 2 famílias; Ponta da
a v e n d a da terra, colabora para desestruturar a v i d a das famílias Romana - 14 famílias; Ponta do E n g e n h o - 1 família; Ponta d o
dos outros i r m ã o s que permaneceram no lugar, c a u s a n d o u m Sobrado - 1 família; Ponta do Buraco - 1 família.
abandono gradahvo das terras e a m u d a n ç a para outros " l u g a r e s " A M a r g e m Continental, mais p r ó x i m a a P a r a t i - M i r i m , apre-
onde moram outros parentes. N u m desses casos recentes, no Baixio, senta u m a p o p u l a ç ã o de 33 famílias, dispersas n a s seguintes p r a i -
u m dos irmãos mudou-se para uma outra praia para que sua família as e c o s t õ e s c o m moradores locais: Praia das M o c a s - 1 família;
tivesse m a i s a m p a r o dos parentes durante os meses e m q u e está Pontal - 7 famílias; Praia d o L o p e s - 1 família; C o s t ã o - 5 famílias;
embarcado. Praia G r a n d e - 9 famílias; Ponta d o L e ã o - 6 famílias; Ponta d o
O Saco de M a m a n g u á tem 119 famílias de moradores, c o m C a rro - 3 famílias; Ponta do Descalvado - 1 família.

527 pessoas e 21 propriedades de turistas. N o F i m d o d o Saco existem duas a g l o m e r a ç õ e s de moradores,


onde v i v e m 23 famílias: Regate, c o m 11 famílias e C u r u p i r a , c o m
Tabela I - População de Mamanguá 12 famílias ( M a p a 3).

NÚMERO NÚMERO PROPR, DE


MARGEM FAMÍLIAS PESSOAS TURISTAS Tabela 2 - Idade dos Casais, por Faixa Etária, em Porcentagem
Continental 33 28.0 120 23.0 08 38.0
15-25 26-35 36-60 + 50
MARGEM TOTAL
23 19.0 100 19.0 01 5.0 % % % %
F. do Saco

53.0 307 58.0 12 57.0 Continental 6.0 21.5 29.5 43.0 100
Peninsular 63
F do Saco 0.7 27.2 27,2 45,5 100
119 100 527 100 21 100
Peninsular 23.5 18.5 31,0 26.3 100
TOfAL 9,8 22.8 29,2 38,2 100
N a M a r g e m Peninsular encontra-se a maior d e n si d a d e de mo-
radores d o Saco de M a m a n g u á . O povoado da praia do C r u z e i r o ,
c o m 18 famílias e 96 pessoas, quase todas aparentadas, constitui-
A análise (Tabela 2) revela que 9,8% dos casais e s t ã o n a faixa
se no centro mais importante da região. A í se localizam t a m b é m o
^"tária d e 15 a 25 anos; 22,8%, n a faixa entre 26 e 35 anos; 29,2% n a
posto de s a ú d e , u m a escola, a igreja católica da r e g i ã o , o estaleiro
f^iixa etária entre 36 a 50 anos e 38,2% tem idade superior a 50
e u m dos bares de M a m a n g u á . O Baixio apresenta o maior n ú m e -
anos. A situação etária mais n o r m a l é a da M a r g e m Peninsular,
ro de moradores da região, 116 moradores, ainda que espalhados
^''ide mora mais da metade da p o p u l a ç ã o de M a m a n g u á , pois
por u m a e x t e n s ã o maior de terra, inexistindo u m centro que agi
^ i s t e m 23,5% dos casais entre 15 e 25 anos, e somente 26,3% c o m
mere os moradores (Mapa 3).
s^r^ ^ ^""'^^ ^^^^ ^ ^ M a r g e m Continental apre-
A s casas d o s turistas se encontram concentradas na Praia d o
tot^^-T " " ^ ^ p o p u l a ç ã o mais v e l h a , pois mais de 40% d o s casais
E n g e n h o , onde existe o único c o n d o m í n i o d o Saco de M a m a n
C i d a d e superior a 50 anos.
(8 casas de turistas); na Ponta d a R o m a n a (4 casas de turistas)
Baixio de Dentro (4 casas de turistas). '^aio^*^'^''^"^" famílias d a M a r g e m P e n i n s u l a r apresentam a
' ' " r p r o p o r ç ã o de filhos por casal, as d a M a r g e m Continental
Os MORADORES
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E

p o s s u e m menor m é d i a . E s s a p r o p o r ç ã o talvez se explique pelo dores das praias de M a m a n g u á e de outras praias, situadas a duas

n ú m e r o r e d u z i d o d e casais novos c o m filhos e a maior porcenta- ou três horas d e caminhada. É t a m b é m na M a r g e m P e n i n s u l a r

gem de casais c o m idade superior a 50 anos nessa M a r g e m . que esse intercâmbio é maior, pois cerca de 15,7% d o s pais d e
família s ã o provenientes de praias p r ó x i m a s . Por outro lado, é na
Margem Continental, a mais influenciada pelo turismo, que mora
Tabela 3 - Média de Filhos por Casal o maior n ú m e r o de pessoas que m i g r a r a m para M a m a n g u á , d e
outras regiões d o país.
MARGEM MÉDIA DE FILHOS
Pode-se constatar que grande parte dos moradores se distri-
POR CASAL
buem por cerca d e 7 o u 8 famílias (os C o n c e i ç ã o , Santos, N a s c i -
Continental 3.5
mento, O l i v e i r a , S o u z a , C a m p o s , Mattos, Spíndola), entre as quais
3.8
F. do Saco as pessoas se casam. N a M a r g e m Peninsular, por exemplo, exis-
Peninsular 3.8 l tem entre 3 o u 4 grandes famílias que agregam a quase totalidade
da p o p u l a ç ã o .
O grau de analfabetismo dos pais, como pode ser atestado pela
A m i g r a ç ã o para fora de M a m a n g u á parece ter sido intensa n o
Tabela 5 é d e cerca d e 50%, sendo maior na M a r g e m P e n i n s u l a r
passado, principalmente a p ó s o esvaziamento e c o n ó m i c o d a re^
(62%) e menor na M a r g e m Continental (27%). A porcentagem
gião nos anos 50. E s s a e m i g r a ç ã o continua até hoje, talvez e m es-
maior de alfabetizados na M a r g e m Continental pode ser explicada
cala menor que no passado. H á u m n ú m e r o significativo d e ve-^
pela existência d e d u a s escolas primárias, ao c o n t r á r i o d a M a r -
lhos s e m filhos, morando sobretudo na M a r g e m Continental - onde gem Peninsular, onde existe somente u m a , obrigando as pessoas
verificou-se t a m b é m a maior porcentagem d e filhos d a r e g i ã o - e a deslocamentos maiores.
t a m b é m no F u n d o d o Saco.

Tabela 5 - Grau de Alfabetização dos Pais


Tabela 4 - Local de Nascimento dos Pais
MARGEM TOTAL ANALFABETO SEMI- ALFABETIZADO OUTROS
MAMANGUÁ JUATINGA FORA
MARGEM TOTAL ANALFABETO

22.2% Continental 18 27.7% 1 1,1% 61.1% 0.0%


72.2% 5.5%
Continental 18
0.0% Fundo do Saco 9 44.4% 22.2% 33.3% 0.0%
09 100% 0.0X
Fundo do Saco
5.2% Peninsular 37 62.1% 10.8% 24,3% 2.7%
78.9% 15.7%
Peninsular 38
9,2% TOTAL 64 50.0% 12,5% 35.9% 1.5%
80% 10.7%
TOTAL 65

Dentre o s p a i s d e família, 80% nasceram e m M a m a n g u á e so- O Saco de M a m a n g u á tem duas religiões dominantes: a católi-
^' com 58,5% dos habitantes e a "crente" ( Assem bl ei a d e D e u s ,
mente 9,2% v e m d e fora d a região, e m geral h o m e n s q u e se c a s a m
" a g r e g a ç ã o Cristã do Brasil, Igreja Católica Brasileira) c o m 34%.
c o m m u l h e r e s d o lugar. C e r c a d e 10,7% p r o v ê m d e praias p r ó x i -
" ca l i z a m- se aí 5 igrejas, sendo 1 católica e 4 "crentes". O s " c r e n -
mas, m a s fora d e M a m a n g u á , como Sono, Cajaíba. Aliás, existe
se concentram mais n a M a r g e m Peninsular, pois três d a s
i i m inter c â m bi o significativo d e pessoas e contatos entre os mo ra -
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

quatro igrejas protestantes aí se encontram. N o F u n d o do Saco


existe a igreja "crente" mais antiga de M a m a n g u á (da d é c a d a d e
40) e na M a r g e m Continental n ã o existe n e n h u m a igreja.
O s pastores crentes v ê m d c fora de M a m a n g u á ( U b a t u b a ,
Parati) e m barcos, trazendo, para alguns cultos, músicos que u s a m
instrumentos desconhecidos em M a m a n g u á , como a c o r d e ã o ,
clarineta, etc. Entretanto, os cultos durante a s e m a n a s ã o organi-j'
zados p o r líderes religiosos que m o r a m no local.
Os ecossistemas, seus

ecursos c os u S O S
lar o p u i a ç aã o L o c a

Os ECOSSISTEMAS PA REGIÃO

^) A M^tg Atlântica

O Saco de M a m a n g u á apresenta v á r i o s e s t á g i o s d e s u c e s s ã o
da Mata Atlântica, ecossistemas de transição (manguezal) p a r a
í-ima importante zona eshaarina, do tipo " r i a " ou " f i o r d e " .
A Mata Atlântica ainda apresenta segmentos bem conserva-
^^tís, sobretudo nas á r e a s montanhosas mais elevadas, c o m as
^^^guintes f o r m a ç õ e s : Mata Primária de Encosta, Mata S e c u n d á r i a
^ Encosta c o m suas variações de desenvolvimento. Mata de P l a -
J^'cie C o s t e i r a o n d e se l o c a l i z a u m i m p o r t a n t e c a i x e t a l e o
'^^"lí^guezal (Foto 5).
^ ^^^^ Primária de Encosta se siHia entre 350 e 1000 metros
Cair^'*'^*^^' ^^^'^^"^^ encostas do lado oeste do pico do
•"uçú Q Pedra da Jamanta e nos maciços do morro P ã o de A ç ú c a r
O s ECOSSISTEMAS, SEUS R E C U R S O S E os Usos
o Nosso LLCÍAK VIIÍCU PAKQUI:

crescimento r á p i d o . A l é m das espécies já citadas, existem o i m -


b i r u ç u {Pseudobombax grandiflorum), timbuíba (Enterolobium
contortisiliquum), fedegosa {Senna macranthera) e grande quanti-
dade de epífitas, b r o m é l i a s e orquídeas.
A Mata de capoeira, localmente conhecida como " t i g u e r a " ,
ocupa á r e a s que já foram lavoura e se encontram a b a n d o n a d a s
ou em pousio. O caiçara local, fazendo agricultura itinerante e m
pequenas á r e a s , depois de três a quatro anos de cultivo, deixa o
local para p l a n t a r e m outro. N a s terras muito enfraquecidas e ácidas
aparecem o c a p i m gordura (Melinis minutiflora), o s a p ê (Imperata
brasiliensis), a samambaia (Alsophila armata), as e m b a ú b a s (Cccropia
spp) entre outras. A Mata de c a p o e i r ã o , apresenta as m e s m a s es-
pécies de flora d a mata de capoeira, e m maior g r a u de desenvol-
vimento, b e m como u m maior n ú m e r o de palmeiras; p a l m e i r a
brejaúba [Astrocaryum tucuma), palmeira indaiá (Attalea dúbia), e
o início do aparecimento das espécies ocupantes d a mata secun-
dária, já citadas anteriormente.
A M a t a de P l a n í c i e C o s t e i r a existe e m terras b a i x a s , a m -
plamente irrigada por cursos d ' á g u a , no final do Saco de M a -
e Pico da Cajaíba, apresentando uma v e g e t a ç ã o densa o bem
m a n g u á , a p ó s u m extenso m a n g u e z a l . C o n s t i t u i - s e n u m a mata
conservada, onde existem á r v o r e s altas, formadoras do estrato
perenifólia, c o m espécies como o palmito (Euterpes edulis), canela
ar bór eo superior. Aí se destacam os cedros {Cedreln fissilis), as ca-
[Ocotea spp, Nectandra spp), g u a p u r u v u (Shizolobium parahyba). N a
nelas {Ocotca spp, Nectnthirn spp), a canafístula (Cassm spp). N o es-
interface c o m o m a n g u e , existem m a n c h a s de caixeta (Tabebuia
trato inferior existem mirtáceas, leguminosas, palmeiras, etc.
cassinoides), formando u m importante caixetal muito utilizado para
o artesanato local.
"Do pedrão pra baixo, aquele morro grande que tem ali, o Cairuçú
O extrato arbustivo é composto principalmente por pimenteiras
é mata virgem" (Seu Benedito da C o n c e i ç ã o , Praia do Baixio,
{MolUnedia spp), gravatas (Nidularium innocantii) e banana do mato
Cruzeiro).
U^ronielia antiacantha). E s s a área foi intensivamente utilizada há
'"•luito tempo, pelas grandes fazendas e hoje aí existem r o ç a s de
A Mata Secundária de Encosta é consequência do uso h u m a -
subsistência.
no por muitas g e r a ç õ e s , resultando na existência de matas e m
estado s e c u n d á r i o de s u c e s s ã o vegetativa. A maior parte das en- O M a n g u e z a l situa-se no final da zona estuarina, composto de

costas se encontra ocupada por lavouras, matas de capoeiras e mangue v e r m e l h o (Rizophora mangle), m a n g u e branco (Laguncu-
cnpocirõos c nas vertentes dos morros da Margem Continental, ^^f'(i racemosa) e m a n g u e preto (Avicenia Shaueriana). E s s a vegeta-
peia mata secundária de encosta, menos explorada. oferece substrato a u m grande n ú m e r o de bivalves (ostras, por
Nas matas s e c u n d á r i a s jovens há u m a a b u n d â n c i a de e m - t e m p l o ) e t a m b é m p r o t e ç ã o a i n ú m e r a s e s p é c i e s de peixes e
b a ú b a s {Cccropia spp) e de outras espécies de madeira moio, de ^«•^•stáceos.
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o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

A d e s c r i ç ã o e a análise d a fauna d a M a t a Atlântica se t o m a m animais... Nós só caçava aqui no nosso local, não precisava subir"
ainda m a i s complexas d e v i d o à precariedade dos levantamentos (morador da Praia do C r u z e i r o ) .
faunísticos existentes. A fauna d a Floresta Atlântica permanece
rica em diversidade biológica, com pouquíssimas espécies já descri- S e g u n d o Martinelli (1983), existem na r e g i ã o os seguintes ani-
tas totalmente extintas. N o entanto, as p o p u l a ç õ e s remanescentes, mais: o n ç a pintada (Panthera onça); jaguatirica (Felis pardalis); gato
via d e regra, estão representadas e m muitos casos por apenas u m do mato (Felis tigrina); paca (Caniculus paca); coati (Nasua nasua);
n ú m e r o perigosamente r e d u z i d o de indivíduos. Pelo fato de as cotia (Dasyproeta agouti); cachorro do mata [Cerdocyon thous); m ã o
pesquisas faunísticas n ã o terem sido realizadas e m p r o f u n d i d a d e I pelada [Procyon crancrivorus); o u r i ç o - C a x e i r o (Coendou villosus);
antes do desmatamento, acredita-se que muitas espécies pouco cons- t a m a n d u á s (Myrmecophagidae spp); porcos do mato (Tayassu); ta-
p í c u a s tenham sido exterminadas s e m que delas sequer h o u v e s s e tus (Dasypodidae spp); saguis (Callicthrix spp); c a x i n g u e l ê (Sciurus
conhecimento de sua existência ( C â m a r a , 1991). spp). A l é m de d i v e r s a s espécies de aves como: macuco (Tinamus
D e acordo c o m a análise d a f a u n a e flora realizada pela S E M A solitarius); j a c u (Penélope spp); j u c u p e m b a (Pepile superciliares);
(Secretaria E s p e c i a l do Meio Ambiente) e m 1983, referente a p o n - jacutinga (Pepile jacutinga); tucanos (Rhamphastos spp); p i c a - p a u s
ta d o C a i r u ç ú , r e g i ã o esta confrontante ao Saco d e M a m a n g u á , (Picidae) e outros passarinhos.
i n ú m e r a s espécies habitam a área, entre elas a l g u m a s a m e a ç a d a s
de e x t i n ç ã o , c o m o o m u r i q u i (Mono) (Brachyteles arachnoidis), já "Passarinho miúdo tem bastante, tem sabiazinho ainda, sanhaçú,
citado para a r e g i ã o por A g u i r r e (1971) e confirmado, a t r a v é s d e surucuá, dorminhoco, trocai, maritaca... Agora os outros passari-
c o m u n i c a ç ã o verbal, por D r . C o i m b r a Filho, especialista e m p r i - nhos maiores tá fraco, diminuiu, mas diminuiu por causa de que?
matologia e do preguiça de coleira (Bradypiis torqiiatus). Diminuiu por causa das frutas que acabou. Sabiá-cica, era o que mais
tinha, cadê o sabiá-cica? Urú, outro passarinho que tinha muito, ti-
"Macaco-Grande, de óculos, o tal de muriqui, ainda tem, tem nlia bandos e bandos, hoje você não vê mais... é passarinho que nin-
poucos mais tem.... Sabe que ele jnudou-se muito dessa parte daqui guém mata.... Saracura, outro pássaro que tinha no mangue, antiga-
por causa da tiração de palmito, do barulho... As comidas dele são o mente a gente sai aí no mar, de canoa, a maré tava vazia , dia de
palmito, dos passarinhos também, agora não tem mais... É difícil pegar camarão e tinha duas, três pela maré afora. Hoje não tem mais....
encontra, ele é muito arisco, só gosta de lugar bem deserto, lugar de Socó tinha bastante também, mas fracassou. Outro passarinho
córrego, cachoeira, de gruta ... e mais ele pressente a gente" (Seu que sumiu daqui foi o vira-bosta, tratam como gralha, hoje não tem
Benito d a C o n c e i ç ã o , Praia do C r u z e i r o ) . mais" (Seu O r l a n d o d a C o n c e i ç ã o , Praia do C r u z e i r o ) .

É importante considerar as informações colhidas durante o tra- F o r a m levantados, durante o trabalho de c a m p o , a l g u n s no-
balho de c a m p o , pois t a m b é m i n d i c a m que outrora grande quan- populares referentes aos diversos p á s s a r o s que habitam o
tidade d e a n i m a i s e r a m vistos p r ó x i m o s aos n ú c l e o s d e h a b i t a ç ã o •*-ícal: sabiá, s a n h a ç ú , s u r u c u á , dorminhoco, trocai, maritaca, tu-
e que atualmente estão restritos às á r e a s m a i s inacessíveis como cano, jurita, papagaio. T a m b é m verificou-se a grande quantidade
as encostas do Pico do C a i r u ç ú . répteis, cobras (jararacas, j a r a c u ç u , coral, u r u t u , m u ç u r a n a ,
surucucu, etc) e lagartos, b e m como a n h l j i o s .
"Antigamente, nóis morava ali, nois saindo, indo na casa de uni A s aves u t i l i z a m os m a n g u e z a i s para acasalamento e n i d i -
vizinho, passava pelo mato encontrava passarinho, encontrava vários 'cação. Entre elas podem-se observar a garça branca (Egretta thula).
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o m a r t i m pescador {Ceryle torquata) e o colhereiro (Ajaia ajaia) entre A m b r ó s i o et alli (1993), a p ó s analisar as v a r i a ç õ e s espaciais e
outros. E n q u a n t o os m a m í f e r o s como o m ã o - p e l a d a (Procyon temporais das propriedades hidrológicas e de c i r c u l a ç ã o , conclui
crancrivorus) p r o c u r a m o m a n g u e como fonte potencial d e a l i m e n - que a região n ã o apresenta as características típicas de u m estuário,
to. Já os anfíbios e répteis s ã o menos frequentes. I devido às correntes de m a r é pouco intensas, associadas à fraca
O s organismos s e d e n t á r i o s a d e r e m ao substrato vertical d a s circulação gravitacional, decorrente da pequena descarga de á g u a
raízes a é r e a s , caules, e plântulas de Rhizoplwra mangle. O s t r a s e doce. A estrutura térmica é fracamente estratificada, a distribui-
c i r r i p é d e s e outros a n i m a i s que p o d e m se retrair dentro d e tubos, ção de sedimentos no fundo permite caracterizar a área como de
p e r m a n e c e m inativos durante m a r é baixa. A b a i x o do nível míni- baixa energia, o que ocasiona intensa deposição d e lama. E s s e autor
mo d e m a r é podem-se encontrar, fixas ao substrato, p o p u l a ç õ e s t a m b é m sugere que o sistema d e v e ser utilizado c o m o refúgio de
de b r i o z o á r i o s , h i d r o z o á r i o s e tunicados. peixes j u v e n i s .
O s organismos v á g e i s t ê m ritmos de atividades relacionados A p r o d u ç ã o p r i m á r i a é m a i o r na p o r ç ã o m é d i a d a z o n a
às m a r é s . Peixes como G o b i i d a e e Blenniidae, c o s t u m a m p e r m a - estuarina, o n d e se encontram melhores c o n d i ç õ e s nutricionais,
necer enterrados no lodo o u entre as algas durante a m a r é baixa. decrescendo e m d i r e ç ã o à barra (entrada d a zona estuarina). Nesta
H á t a m b é m aqueles que adentram o m a n g u e z a l somente durante porção, formada pela barra e pelo c i n t u r ã o de ilhas p r ó x i m a s ,
a p r e a m a r à procura de alimento. p r e d o m i n a m c o s t õ e s e f o r m a ç õ e s rochosas c o m o a ilha d a C o t i a
C r u s t á c e o s e g a s t r ó p o d e s p r e d o m i n a m nesta região, sendo sua e a ilha da P r e g u i ç a , nas quais existem polvos, lagostas, garoupas

distribuição intimamente relacionada à m u d a n ç a nos níveis de e badejos.

m a r é . O s caranguejos o c u p a m buracos ú m i d o s o u apresentam N o interior da zona estuarina aparecem o parati (Mugil curema);
comportamento migratório, subindo em árvores (Cintrón & a corvina (Micropogon operculares); o robalo (Centropomus spp); o
N o v e l l i , 1986). vermelho (Lutyanus aya); a pescadinha-branca (Cynoscion leiarchus);
N a s á r e a s mais p r ó x i m a s ao m a n g u e z a l encontram-se o caran- a sardinha-lage (Opisthonema oglinum); a tainha (Mugil platunus);
guejo g u a i a m u m (Cadisoma guanhumi); caranguejo maria-mulata a guaivira (Oligoplistes saurus); a salema (Anisotremus virginicus);
(Geniopsis cruentato); c a r a n g u e j o uca (Ucides cordatus); ostra a sororóca (Scomberomus maculatus); a m o r é i a - p i n t a d a (Gynwthorax
(Crassostrea brasiliensis); c a m a r ã o branco (Penaeus shimitti); maris- occllatus); o c a m a r ã o branco (Penaeus shmitti) e outros.
co (Mytilus edulis). Entre os peixes, há o robalo (Centropomus sp); a N o s baixios e praias arenosas, e m a m b a s as margens, ocorrem
tainha (Mugil platunus); a pescada branca (Cynoscion leiarchus); a diversos tipos de c r u s t á c e o s (siris e carangueijos) e m o l u s c o s
bivalves ( v ô n g o l e ) .
corvina (Micropogon opercularis).

b) A Zona Estuarina
O Uso DOS RECURSOS NATURAIS

A área a q u á t i c a do Saco de M a m a n g u á , de p r e d o m í n i o de á g u a ^'ELA P O P U L A Ç Ã O LOCAL

salobra, constitui-se n u m a " z o n a estuarina", conceito q u e se apli-


ca n ã o s ó à s f o r m a ç õ e s estuarinas típicas, mas t a m b é m a outros locais como o Saco do M a m a n g u á , onde o m o d o d e v i d a tra-
ambientes costeiros d e transição como baías, l a g u n a s costeiras, •^'Tdlsd''^'"'^^^ n i a n t é m presente, a p o p u l a ç ã o combina ativi-
deltas, á r e a s i n u n d a d a s pela m a r é e as de e n t r e - m a r é s , afetadas gcta^"^ ^ Pequenas agriculturas de subsistência, extrativismo ve-
por diferentes regimes d e descarga d e á g u a doce ( M i r a n d a , 1990). ' ' P^sca, c a ç a , coleta e artesanato (Diegues, 1988).
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o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

E s s a c o m b i n a ç ã o de práticas e usos dos recursos naturais é, de cesso de m u d a n ç a e sobretudo de v i n c u l a ç ã o maior à economia


u m lado, u m a forma de utilização de vários ecossistemas, segun- capitalista de mercado e que essa articulação passa a d e m a n d a r
do s u a s características e de acordo com os "ciclos n a t u r a i s " , v i - determinados recursos naturais (e n ã o outros) n u m a intensidade
sando r e d u z i r os riscos d a d e p e n d ê n c i a de u m s ó recurso natural nunca antes vista no lugar. É o caso do c a m a r ã o que p a s s o u a ter
que poderia se esgotar, a m e a ç a n d o a sobrevivência do grupo. D e mercado há somente algumas d é c a d a s , sendo que antes da práti-
outro lado, essa c o m b i n a ç ã o de atividades e usos está e m b a s a d a c a do arrasto era marginalmente capturado. O m e s m o ocorre hoje
n u m conjunto de conhecimentos e práticas que Levi-Strauss (1989) c o m o palmito, a caixeta, o caranguejo, etc. E s s a s novas d e m a n -
d e n o m i n a de "ciência do concreto". N e s s e sentido, existe no local das tem impacto n ã o somente sobre a intensidade do uso, mas
u m a extensa taxionomia folk, segundo a qual os vegetais e os a n i - t a m b é m sobre as tecnologias patrimoniais de pesca, a l g u m a s das
mais s ã o classificados e m categorias como forte e fraco, v i v o e quais foram substituídas por outras menos seletivas e mais pre-
n ã o v i v o , de couro e escama, masculino e feminino, b o m e m a u datórias. Trata-se, portanto, de processos pelos quais o valor de
para o c o n s u m o , visível e invisível, bicho e n ã o bicho ("macaco não u s o (consumo) é substituído pelo valor de troca o u mercado.
se deve matar: é uma pessoa"). O uso de determinadas plantas o u
peixes pode ser aconselhado o u desaconselhado s e g u n d o as situ- As Formas de Utilização dos Recursos
a ç õ e s como d o e n ç a , gravidez, etc, e está t a m b é m envolto e m i n - Naturais da Mata Atlântica
terdições expressas por tabus . O s moradores conhecem t a m b é m
u m certo n ú m e r o de espécies que n ã o tem uso definido: O uso dos recursos da mata se faz por meio da c a ç a e m pequena
escala que serve para consumo d o m é s t i c o , da e x t r a ç ã o de m a d e i -
"Aquela planta eu conheço, mas aqui não se usa." ra, bambus, sementes e cipós para diversos fins: artesanato, cons-
trução de casas, canoas e barcos, utensílios d o m é s t i c o s , medica-
E s s e vasto conhecimento foi explorado na pesquisa de forma mentos e a l i m e n t a ç ã o . P o r é m , é a t r a v é s d a agricultura de subsis-
somente parcial e incompleta, constituindo ainda u m campo aberto tência que se d á a p r i n c i p a l o c u p a ç ã o do solo.
para estudos mais aprofundados de etnociência (etnobotânica,
etnoictiologia). a) Caça
M a r q u e s (1994) discute e m profundidade se o conhecimento e
as p r á t i c a s tradicionais s ã o necessariamente "conservacionistas" Hsta é u m a atividade que serve apenas para c o n s u m o p r ó p r i o ,
dos recursos naturais e ecossistemas. A s s i m como n ã o se pode s o n d o realizada e m pequena escala o ano todo. É u m a atividade
partir do princípio de que os ecossistemas estão necessariamente secular que v e m sofrendo alterações:
e m equilíbrio, n ã o se pode afirmar, sem u m a análise detalhada,
se as p r á t i c a s tradicionais de uso dos recursos naturais s ã o forço- "Meu pai, uma vez, caçou um porco legítimo que pesava xms 80
samente "conservacionistas". N o entanto, o relativo grau de con- 'piilos, aí, a gente arnnnava ele, dava pros vizinhos, salgava, aprovei-
s e r v a ç ã o de muitos recursos naturais verificado e m M a m a n g u á é l^va, não botava fora não... E aí sobrevivia, né... Quando eu me entendi
fruto de práticas culturais embebidas de longo e profundo conlicci- Po''gente, eu no caso estou com 45 anos, que cacei com meu pai, no caso
mento dos processos ecológicos, através d a "ciência do concreto"/ levava um facãozinho, ou levava um xilozinho para come uma
ou do saber tradicional. É importante se acentuar, no entanto, que fofinha seca lá no mato, no caso de se perde... Já encontrava alguma
essa r e g i ã o sofre, desde muito tempo, u m a m p l o e p r o f u n d o prO' '-oisa, mas com dificuldade. Raras as vezes a gente voltava sem trazer
o Nosso L U G A R V I R O U PARQUE Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS Usos

um objeto. Ou um pássaro grande, um jacu, um macuco ou caça, sempre. foi com o advogado, fiquei lá dois dias. E a outra vez fez oito dias lá
Mas depois, de 30 anos, a uns 25 anos atrás, veio fracassando 50% e com o diretor do Estado do Rio de Janeiro... Na mata aqui mesmo...
até mesmo os caçadores já desanimaram, que vai no mato e não mata Naquela época não cevava não, era nos barro... Quem fica no mato, é de
nada " (morador d a praia do C r u z e i r o ) . fora, a turma aqui da área, eles vão no mesmo dia, sai cinco horas da
4 manhã e volta seis horas da tarde, porque eles não aprofundam no
O motivo deste fracasso está relacionado c o m atividades pre- mato. Eles não vão lá no centro, eles ficam na beirada", (morador da
d a t ó r i a s exercidas nos ú l t i m o s anos, c o m o a e x t r a ç ã o d e p a l m i t o Praia do C r u z e i r o ) .
e outras á r v o r e s frutíferas que constituem a base d a a l i m e n t a ç ã o
d a s e s p é c i e s d a fauna local, b e m como o a u m e n t o do b a r u l h o d e - ^ C o m a d i m i n u i ç ã o de a b u n d â n c i a d a s e s p é c i e s faunísticas,
corrente do crescente desenvolvimento turístico e do a u m e n t o do verifica-se que atualmente t a m b é m é necessário adentrar na mata
n ú m e r o d e c a ç a d o r e s , que p r o c u r a m n a c a ç a u m complemento primária e m busca da c a ç a , cada v e z mais rara e encontrada, c o m
da a l i m e n t a ç ã o familiar. mais frequência, nas encostas do Pico d o C a i r u ç ú .
O s m é t o d o s e h o r á r i o s de c a ç a v a r i a m d e acordo c o m a e s p é -
"Hoje em dia, perde-se tempo pra encontrar alguma coisa e às cie procurada, aves, pacas, cotias, tatus, porco-do-mato, etc. S ã o
vezes não se encontra nada. Tá muito fraco... Mas eu lhe digo, isso ato utilizados cachorros para c a ç a r os animais maiores, apitos q u e
que acabou mais foi a tiração de palmito, do barulho... O palmito é s i m u l a m o c h a m a d o d a s aves, cevas e a r m a d i l h a s p r ó x i m a s à s
alimento de muitos passarinhos... A matança do palmito é o seguinte, palmeiras e á r v o r e s frutíferas, e " e s p e r a " , nas r o ç a s de m a n d i o c a ,
que eu acho coisa errada, é que eles cortam o pé de palmito, e se o lugares p r o c u r a d o s pelos animais .
palmito encostou naquele pau, o cara derruba aquele pau, aí o outro Esta a t i v i d a d e é intensificada nos meses frios ( i n v e r n o ) , q u a n -
pau, três, quatro paus para tirá hum só palmito... E ali ele não tá do a a t i v i d a d e p e s q u e i r a é m e n o s intensa e n o s m e s e s s u b s e -
escolhendo qual o pau que abate, às vezes é pau de lei, um cedro ou quentes, d e agosto a n o v e m b r o , q u e t a m b é m c o r r e s p o n d e m à
outro pau de fruta... Aiitigamente tinha gente que não dava prô mato, época e m q u e o m a c u c o {Tinamus solitárias), e s p é c i e bastante
era mais meu pai e meu tio que pertubava uma caça.... O meu irmão procurada, c o m e ç a a "piar", levando a u m aumento da caça. O s
João, aquele bem forte, foi criado com carne de caça.... Ah, hoje em dia passarinhos s ã o c a p t u r a d o s a t r a v é s d e a r m a d i l h a s (arapucas)
tem mais caçador" (morador da Praia do C r u z e i r o ) . ou abatidos por meio de estilingues, servindo t a m b é m c o m o fonte
de alimento.
A s á r e a s e a d u r a ç ã o d a c a ç a d a , m u d a r a m d e acordo c o m
a b u n d â n c i a d a c a ç a . N o r m a l m e n t e , esta a t i v i d a d e é exercida d" " O cachorro, qualquer caça eles corria. Agora, o que eles caçavam
rante o d i a , sendo que o c a ç a d o r local s a i para c a ç a r ao a n muito é porco-do-mato, cotia, paca... Costuma muito o cachorro andá
nhecer (5 h o r a s d a m a n h ã ) , retornando ao entardecer (6 h o r a s ua corda, só saía quando encontra o rastro... O tatu, éfácil apanha ele
tarde). ^ ^loite, de dia só com cachorro que acha a toca dele... A paca também só
^ noite, a não ser com cachorro bom de rastro que vai no trilho e tira ela,
"Eu caçava era nas encostas, do pedrão pra baixo... Eu caçava com ^ite ela se amoita, quando não se entoca, arruma um lugarzinho e deita
o meu irmão, e às vezes vinha gente defora pra caça aí. Vinha muita prá aguarda a noite par marisca outra vez, e só com lua escura... Caça
gente, eu cacei com um advogado e com um diretor do estado... <^otia, })iais fio engodo, tá na época agora do frio, porque não tem tanta
vezes nós ia de nianliãe voltava tarde. Só quando eu pousei na mata, l fi'nta no mato, ela vem par cá mais na roça... Na ceva para paca e cotia,
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE O s E C O S S I S T E M A S , S E U S R E C U R S O S E OS U s o s

tem diversas coisas que elas comem, mandioca, abricô, jaca, coco pindola
Tabela 6 - C a ç a : Espécies mais C a ç a d a s
e outras frutas. Ela é chegada na jaca, só que ela não come o favo, ela
NOME NOME MÉTODO
come o caroço que dá dentro do favo... Você deixa ali dois, três, quatro HABITAT
POPULAR CIENTÍFICO DE CAÇA
dias e quando chega no quinto, sexto dia, você vai espia a paca. Agora
Paca Canicu\u$ paca Mata primária sozinho ou com
macuco, é na época que ele está piando, no mês de agosto/setembro/
Cotia Dasyproeta agouti Mata secundária cachorro,
outubro até novembro, que é época boa par caça, agora ales pegam Porco do mato Tayassu spp Mata de planície armadilhas com
muito de gaiola no chão, ceva com mandioca... Macaco a gente não Lavouras ceva. espera
caça, a gente encontra ele, ele é um bicho diferente dos animais, é uma nas lavouras

pessoa, matar um macaco é matar um ser humano..." (morador d a Tatu Dasypodidae spp Mata primária sozinho ou com
praia do C r u z e i r o ) . Mata secundária cachorro
Mata de planície

A s p r i n c i p a i s espécies m a i s comumente c a ç a d a s , p o d e m ser Capivara Hydrochaeris Mata de planície sozinho ou com


melhor v i s u a l i d a d a s na tabela 6: hydrochaeris várzeas cachorro

Gambá Didelphis marsupialis Mata primária sozinho ou com


b) O Extrativismo Coati Nasua nasua Mata secundária cachorro, armadilas
Mata de planície com ceva

O e x t r a h v i s m o de espécies vegetais é realizado v i s a n d o princi- Jacu Penélope spp Mata primária sozinho com apito,
palmente: a l i m e n t a ç ã o , c o n s t r u ç ã o de casas, canoas, barcos, uten- Macuco Tinamus solitarius Mata secundária armadilhas com
Nliambu bem conservada ceva
sílios de pesca e diversos tipos de artesanatos. O s moradores reti-
Uru
r a m frutas, madeiras, como a caixeta (Tabebuia cassinoides) que é
encontrada a t r á s do mangue, sementes, cipós, b a m b u s , e outros Diversos Geral com arapucas,
passarinhos c o m estilingue
produtos utilizados no artesanato.
A cultura tradicional se revela n ã o apenas no conhecimento Obs.; Consideram-se "Moios secundárias" as áreas de mata secundária de encosta, mata
preciso das espécies como t a m b é m pelo respeito às fases d a lua, de capoeira e capoeirão. Considera-se "geral" todos os ecossistemas e suas
variações presentes no Saco de Mamanguá.
pois a e x t r a ç ã o de madeiras só é feita na lua minguante, para que
n ã o sejam atacadas por c u p i n s , rachem o u lasquem. A l é m disso,
m a d e i r a n ã o é retirada de maneira aleatória, escolhendo-se os
so de e x t r a ç ã o do palmito, assunto já citado anteriormente n o
exemplares de acordo com o tipo de uso, que, na maioria das ve-
^ ^'poimcnto oral de u m morador da praia do C r u z e i r o , a respeito
zes, é d o m é s t i c o .
motivos de fracasso da c a ç a .
A atividade de extrativismo vegetal perde s u a c a p a c i d a d e
sustentação diante da atividade predatória decorrente da extraç^
O palmito égrande alimento pra esses passarinhos, macaco tam-
ilegal e intensiva do palmito (Euterpes edulis) nesta última d é c a d a ,
come a casca, mete o dente e come... O palmito, ele é uma árvore que
trazendo consigo n ã o s ó a m e ç a s de e x t i n ç ã o d a e s p é c i e , como
guando tem um cacho que está maduro, tem outro que está madurando,
t a m b é m i n ú m e r o s impactos negativos sobre as espécies anii
outro que está verdinho. Quer dizê, não há falta de alimento para os
que tem no palmito sua principal fonte de alimento. H á t a m b é m
pn^saros. Mas com essa matança de palmito, o bicho não tem o que
impacto sobre outras espécies vegetais predadas durante o proces- ^">uer... Além disso, antes o pessoal cortava o palmito com macliado.
o Nosso Luc.AK Viiíou P A R Q U E Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E os Usos

hoje eles cortam com facão, quédizê, éfilhote, peqiieninho... Você pro-
Tabela 7a - Extrativismo: Espécies
cura um palmito aí, nem prá remédio. Acabou demais. (...) A tiração de
Vegetais Utilizadas no A r t e s a n a t o
palmito tem uns dez anos... Olha, o palmito de primeira, o palmital
começava ali na beira da casa... Outro dia eu tive lá na mata do Martin ESPÉCIES ÁREA DE MAIOR
UTILIZAÇÃO
de Sá, nesse mato fechado, eu fui dar uma volta por lá e não acredito, (NOME POPULAR) OCORRÊNCIA

até lá naquelas alturas eles estão explorando o palmito, é brincadeira, Caixeta Mata de planície Artesanato (gamelas,
ali é mata virgem" (morador da Praia do C r u z e i r o ) . próxima ao mangue barquinhos, peixes e aves de
madeira), canoas, batente de
porta e janelas, utensílios
A s principais espécies e n v o l v i d a s no extrativismo vegetal, sua domésticos
utilidade e seu principal local de ocorrência p o d e m ser melhor
Palha de broto Mata primária
vistos nas Tabelas 7a, Tb, 7c: de breiaúba Matas secundária Artesanato, abanador
Mata de planície
c) A Agricultura de Subsistência
Bambu japonês Mata primária Estantes, armários,
Mata secundária vara de pesca
M u s s o l i n i (1953) trata da agricultura o u l a v o u r a de subsistência
Bambu preto Mata primária
c o m o sendo o cultivo p a r a garantir a sobrevivência d a s p o p u l a - Construção da casa de taipa
Mata secundária
ç õ e s locais.
A l a v o u r a m a i s c o m u m é a de mandioca e b a n a n a , feita a p ó s Bambu gigante Mata primária Bica de água. covo
Mata secundária pesqueiro (cercada)
l i m p e z a d o terreno, u m m ê s antes do plantio. A área c u l t i v a d a é
quase s e m p r e pequena, de algumas poucas tarefas (20m x 20m). T:iquara lixa Mata primária
Covo pesqueiro
K e m p e r s (1993) calcula que para cada meio hectare de roça exis- Mata secundária

tem cerca de 5 ha de pousio. Taquara açu Mata primária


Tapiti (prensa de mandioca)
A s r o ç a s se localizam, na maioria dos casos, nas encostas p r ó - Mata secundária
x i m a s às casas, m a s t a m b é m e m á r e a s de p o u s i o o u de mata,
Cipó camburá Mata primária Envasar, amarrar
distantes, por vezes, a horas de c a m i n h a d a . Estas ú l t i m a s s ã o v i - Cipó ferrinho Mata secundária estuque (casa de taipa)
sitadas c o m m e n o r frequência, sendo atacadas por a n i m a i s que se
Cipó balaio Mata primária
a l i m e n t a m d e raízes de m a n d i o c a (paca, cotia). O s lavradores Construção de balaios
Mata secundária
p o d e m ficar aí v á r i o s dias, trabalhando e m o r a n d o e m ranchos
Cipó timbupeba Mata de planície Balaio para guardar isca
p r o v i s ó r i o s de s a p ê . A l g u n s têm ali sua casa de farinha. A p r o v e i -
para pesca
tam t a m b é m a s u a estada para caçar.
Cipó imbé
N a r e g i ã o , s ã o conhecidas e plantadas por volta de 10 espécies Mata primária
Utilizado para todo tipo
Matas secundária
diferentes de mandiocas (Manihot esculenta), as quais s ã o defini- de amarração
Mata de planície
das s e g u n d o u m a taxionomia própria: A i p i m b a h i a . A i p i m tupã/
^^P^tiaba Pimentinha Mata secundária Construção de covos
A i p i m vareta. A i p i m seda. A i p i m manteiga. A i p i m alecrim. A i p i m
pesqueiros (cercada)
ipê. A i p i m m a r i c á . A i p i m landi. A i p i m negra. Esta v a r i e d a d e de
espécies plantadas na m e s m a roça tem como objetivo d i m i n u i r a
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E o s U s o s

Tabela 7b - Extrativismo: Madeiras Utilizadas nas


Tabela 7c - Extrativismo: Espécies Vegetais
C o n s t r u ç õ e s de Casas, C a n o a s e Barcos
Utilizadas na A l i m e n t a ç ã o

ESPÉCIES ÁREA DE MAIOR UTILIZAÇÃO ESPÉCIES (NOME POPULAR) ÁREA DE MAIOR OCORRÊNCIA
(NOME POPULAR) OCORRÊNCIA

Jacatirão. Cubata. Mata primária Palmito Mata primária, mata secundária, mata de planície
Tatuzinlio Vara fisga Matas secundária Madeiramento do telhado
Fruta abuta
(vermelha/preta) Mata de planície
B.icuparí Mata primária, mata secundária, mata de planície
Mata primária Guaricica
Coluna da casa. tábua de
Canela Matas secundária
barco madeira de telhado
Mata de planície Brejaúba
Indaiá
Caixeta Mata de planície Batente de porta e janela
Palmeira Natal Mata primária, mata secundária, mata de planície
Mata primária Coco mamona
Madeiramento de telhado,
Timbuiba Matas secundária Araçá
construção de canoa
Mata de planície
Ingá macaco
Ingá ferrinho Mata primária Mata primária, mata secundária, mata de planície
Ing:i cipó
Ingá flecha Matas secundária Construção de canoas
Ingá concha Mata de planície
Obs.:Consideram-se Matas secundárias as áreas de mata secundária de encosta, mata
Mata primária Construção de canoas de capoeira e capoeirão
Cobi
Mata secundária
Mata primária
Guapuruvu Matas secundária Construção de canoas \e de todo o c u l t i v o e m r e l a ç ã o a d o e n ç a s e / o u p r a -
Mata de planície ,i;ns. Deste modo, o cultivo da mandioca se constitui e m importante
Mata primária o\idência do tipo d e r e l a ç ã o que as c o m u n i d a d e s locais estabe-
Canafístula Construção de canoas
Matas secundária lecem c o m a n a t u r e z a , v i s a n d o d i m i n u i r a v u l n e r a b i l i d a d e deste
e barcos
Mata de planície
l^iodiito c o m o u m todo, e m r e l a ç ã o a d o e n ç a s ( M o r e i r a , 1993). T a l
Mata primária
Aricurana Construção de canoas itiMdade, c o m o é m a n e j a d a , p o d e ser u m ponto d e p a r t i d a p a r a
Matas secundária
e barcos ostudos m a i s a m p l o s que d e m o n s t r e m as estratégias d a p o p u l a ç ã o
Mata de planície
'(>cnl para m a n t e r u m a e l e v a d a b i o d i v e r s i d a d e .
Mata primária
Ipê Construção de canoas,
Matas secundária '^lém d a m a n d i o c a , há o plantio de c a n a - d e - a ç ú c a r (Saccharum
barcos e pontilhão de cais
Mata de planície
"(ficinalc), m i l h o v e r d e {Zca mays) e feijão {Camvalia sp), citados
Jequitibá Mata primária Construção de canoas 'anteriormente. E s t a s l a u v o r a s s ã o regidas por u m c a l e n d á r i o q u e

Cedro Mata primária Construção de canoas ^'^^'rmina as é p o c a s de l i m p e z a d o terreno, p l a n t i o e colheita,


Matas secundária e barcos
^n'^' ostão relacionadas na T a b e l a 8.
Louro Mau primária Construção de canoas
-^lém d a l a v o u r a , plantam-se á r v o r e s frutíferas n a s p r o x i m i -
Matas secundária e barcos
cèr "Moradias, p a r a c o n s u m o d o m é s t i c o , e e m a l g u n s casos,
Figueira parda Mata primária Construção de canoas
Matas secundária as frutas, c o m o a b a n a n a , s ã o v e n d i d a s . A s p r i n c i p a i s e s p é c i e s
«arvores frutíferas p l a n t a d a s s ã o :
O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

Tabela 8 - Lavoura: C a l e n d á r i o Agrícola - louro (dores e m geral);


- erva doce (dores e m geral);
LIMPEZA
ESPÉCIE PLANTIO COLHEITA
DO TERRENO - tachagem (inflamação de garganta/boca);

a partir de 12
- hortelã preta (dor de barriga, verme);
Mandioca julho/agosto agosto/setembro
meses após plantio - camomila (cólicas, verme, desarranjo);
- santa maria (cólicas);
a partir de 12
Cana-de-açúcar fevereiro março/abril - maria preta (machucados e m geral, extrai-se o
meses após plantio
s u m o e p õ e - s e no machucado);
a partir de 3
Milho verde julho/agosto setembro/outubro - saião (pneumonia e problemas respiratórios, extrai-
meses após plantio
se o s u m o e toma-se três vezes ao d i a ) ;
a partir de 3 a 4 - poejo (tosse, gripe).
Feijão junho/julho agosto/setembro
meses após plantio

T a m b é m u t i l i z a m o cipó abutá como r e m é d i o contra c â n c e r de


- abacaxi {Amuas comhuosus); seio (cozinha-se a raiz de abutá verde, toma-se o líquido e b a n h a -
- laranja {Citrus sp); se o seio durante q u i n z e a vinte dias).
- limão {Citrus sp);
- manga {Maugifera indica); As Formas de Utilização dos
- banana {Musa paradisiaca); Recursos Naturais do Mangue
- abacate {Persea americana);
- maracujá {Passiflora edulis); O mangue é u m verdadeiro reservatório de recursos naturais para
- jaca {Artocarpus integrifolia); u s o d o m é s t i c o , onde s ã o coletados a n i m a i s , madeiras, folhas, etc.
- jabuticaba {Myrciana trunciflora); As árvores são utilizadas como combustível, convertidas e m lenha
- coco bahia (cocos nucifera); ou c a r v ã o , b e m c o m o na c o n s t r u ç ã o de casas, pois s u a m a d e i r a
- goiaba {Psidium guajava); 'oferece e m geral alta resistência (Hertz, 1988).

- mamão {Carica papai/a); A s espécies a r b ó r e a s , como o m a n g u e preto o u siriúba {Avi-


- pitanga {Eugenia uniflora); ^einiia shaueriana), s ã o aproveitadas de i n ú m e r a s maneiras: s e u
- caju {Anacardium occidentale). ^'onco, serve c o m o c o l u n a / b a s e para as c o n s t r u ç õ e s d a s casas de
pau-a-pique, típicas do litoral; a casca e suas folhas s ã o q u e i m a d a s
T a m b é m p r ó x i m o às moradias, nos quintais, costuma-se plan-
^t^rvindo como repelente aos insetos que se encontram e m g r a n d e
tar, e m poucos canteiros, flores, ervas medicinais e raras horta-
^l^iantidade nas p r o x i m i d a d e s do m a n g u e durante a l u a cheia e
liças, c o m o couve, cheiro-verde e condimentos para a cozinha,
<>va. N a s raízes do m a n g u e v e r m e l h o {Rizophora mangle) desen-
como pimenta-malagueta. Kempers (1993) cita algumas ervas medi-
^ ^>Kem-se ostras {Crassostrea brasilienses) que são coletadas durante
cinais que, s o m a d a s às i n f o r m a ç õ e s coletadas durante o trabalho
maré baixa o ano todo.
de c a m p o , s ã o as seguintes:
^ região do m a n g u e oferece à p o p u l a ç ã o fonte de alimento
- boldo (dor de barriga); ^mo caranguejos, ostras, mariscos que s ã o coletados o u captura-
- cidreira (dor de barriga, calmante); ''"^ a t r a v é s da pesca.
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S

O caranguejo {Ucides cordatus) é muito explorado e merece u m a Tabela 9 - Mangue: Recursos Naturais Extraídos do Mangue
abordagem u m pouco m a i s detalhada. Atualmente, o caranguejo
PRODUTO USO USUÁRIO
v e m sofrendo a a ç ã o p r e d a t ó r i a pelos coletores de fora do Saco de
M a m a n g u á , especificamente pelos de M a g é (RJ), durante o v e r ã o Tronco de mangue
Combustível vegetal população local
(novembro a janeiro), "época em que os caranguejos saem para fora das vcrmellio, preto, branco

tocas para brigar", segundo os moradores locais, e que p o d e ser


Construção de casas,
entendida c o m o é p o c a de r e p r o d u ç ã o . Relatos i n d i c a m t a m b é m Tronco de mangue preto população local
coluna de casas
que os coletores de M a g é colocam armadilhas na boca de i n ú m e r a s
Folha e casca de mangue moradores próximos
tocas, e e s c a v a m m u i t o s buracos de g r a n d e s d i m e n s õ e s p a r a Repelente de insetos
preto ou Siriúba ao mangue
coletarem os caranguejos, prática considerada muito p r e d a t ó r i a
pelos moradores. Ostra Alimento população local

Caranguejo população local e


Alimento
" O caranguejo que eles apanham no mangue, eles exploram o coletores de fora
ma}igue. Porque eles cavocam, eles pegam aqueles pedaços de saco
plástico verde tipo nylon. Então botam na boca do buraco. Então não
botam um só pedaço, eles botam em diversos buracos. O mangue é As Formas de Utilização dos Recursos
grande, então, no momento em que eles vão procurar, eles perdem Naturais da Zona Estuarina
buraco. Então todos os caranguejos que saem, eles se enrolam com
unhas no saco. Aí alguns eles apanham e outros apodrecem, porque A zona estuarina do Saco de M a m a n g u á abriga i n ú m e r a s espécies
eles não vão apanhar, apodrecem... Faz alguns anos que o caranguejo de grande i m p o r t â n c i a para a pesca artesanal que representa a
diminuiu, simplesmente no tamanho. Antigamente o caranguejo era base da a l i m e n t a ç ã o d a c o m u n i d a d e local. A pesca é u m a das
grande, gordo, agora a gente tá pegando um caranguejo miúdo, por- atividades e c o n ó m i c a s mais importantes da r e g i ã o d o Saco de
que não tem tempo de crescer, é do tamanho de um siri. A época que o Mcimanguá.
caranguejo sai da toca é a época em que ele tá bonito, já houve a criação,
A s espécies m a i s frequentes e procuradas pelos pescadores
eles vão para a toca quando eles estão criando, tão ovados " (morad i >r " tcsanais no interior do Saco do M a m a n g u á s ã o parati {Mugil
da Praia do C r u z e i r o ) . ' '"ema), corvina {Micropogon operculares), robalo {Centropomussp)
^ c a m a r ã o branco {Penaeus schmitti). O c o r r e m durante o ano intei-
T a l atividade, a l é m de prejudicar diretamente a p o p u l a ç ã o lo- |o e s ã o capturadas pela pesca de tresmalho, espera, tarrafa o u
cal pelo e x t e r m í n i o de u m a fonte de alimento, tem forte a ç ã ^ ""»ha. E x i s t e m t a m b é m espécies sazonais que frequentam a área
impactante sobre o p r ó p r i o ecossistema do mangue, pois além d e ^*>nio a tainha {Mugil platunus), tendo como p r i n c i p a l é p o c a o
acabar com u m a espécie da cadeia alimentar, prejudica o funciona- '•"^erno, sendo pescada com rede-de-espera nas p r o x i m i d a d e s do
mento do m e s m o . mangue ou m e s m o no R i o G r a n d e e Rio da F a z e n d a . A pesca c o m
O s principais produtos retirados do M a n g u e e utilizados pcl'^ e de espera tem importância fundamental, pois s ã o capturados

p o p u l a ç ã o local p o d e m ser vistos na Tabela 9: ^ nimeras espécies de peixes como: pescada-branca {Cynoscion leiar-
Am ^^^^^oplistes saurus), vermelho {Lutyanus aya), bagre
^'^relo {Arius spixii) e, principalmente, o c a m a r ã o branco {Penaeus
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S

schmitti) que representa a maior fonte de renda para o pescador


artesanal da região.
Tabela 10 - Z o n a Estuarina; Utilização dos R e c u r s o s Estuarinos
A s m e d i d a s das redes v a r i a m , sendo normal a j u n ç ã o de redes
c o m o p r o p ó s i t o de aumentar a capacidade de captura, como ESPÉCIE ÁREA DE ÉPOCA DE MÉTODO DE TAMANHO DA
tresmalhos que v ã o de 25 b r a ç a s até 200 b r a ç a s . A s malhas e os fios (NOME MAIOR MAIOR CAPTURA MALHA PADRÃO
POPULAR) OCORRÊNCIA OCORRÊNCIA (TIPO DE REDE) (em cm)
das redes t a m b é m v a r i a m dependendo do tipo de captura.
Dentre os m é t o d o s de pesca, a rede de tresmalho é a m a i s Tresmalho 3.S
c o m u m e n t e utilizada, pois se trata de u m a rede específica para o Parati Geral Ano todo Espera 3.0
Tarrafa (rio) 2.7
parati, que ocorre e m a b u n d â n c i a na região. A especificidade do
uso dos diferentes tipos de rede será melhor tratado posteriomente Para fora da Espera 5.0
Corvina Verão
no tópico referente às tecnologias patrimoniais na pesca. ponta do leão Batedeira 6.0

O conhecimento e m p í r i c o dos pescadores d a r e g i ã o deter- Perto de Espera


m i n a os m e l h o r e s locais e m é t o d o s de pesca das e s p é c i e s deseja- parceis Tarrafa
Robalo Inverno
Linha
das (Tabela 10).
Mergulho
A pesca de c a m a r ã o c o m arrasto de fundo, exercida na costa, é
Geral, Tresmalho.
feita pela rede e m forma de saco com malha bastante pequena que
Tainha rio grande, Inverno Espera 5.5
é arrastada pelo fundo removendo o lodo, habitat do c a m a r ã o . rio da fazenda 3.0
Tarrafa
Recentemente, este tipo de atividade tem sido realizado no interior
Espera
do Saco do M a m a n g u á , onde há abundância de c a m a r ã o branco Pontal 3.5
Camarão Tarrafa
[Pencaus schmitti) por pequenos barcos de arrasto, o que é ilegal. para dentro Verão 1.2
Puçá
Geral 1.0
A realização deste tipo de pesca no interior do Saco de M a m a n - Arrasto (PE)
guá causa grande impacto à complexa e rica cadeia trófica, u m a Pescada,
vez que é grande a quantidade de fauna acompanhante, composta Goete,
Carapau, Espera
por i n ú m e r a s espécies j u v e n i s de organismos. A m a l h a utilizada Geral Ano todo variável
Sororoca, Tresmalho
para tal atividade é pequena e a rede captura, além do c a m a r ã o , Cuaivtra
uma grande variedade de organismos marinhos.
Vôngole Baixios e Coleta manual
A utilização deste petrecho de pesca foi iniciado pelos pes- Ano todo
praias arenosas Mergulho
cadores de fora do Saco do M a m a n g u á e, posteriormente, adota-
Polvos. Parte anterior
da por a l g u n s pescadores locais que c o m p r a r a m pequenos barcos Lagostas. da zona Verão Mergulho
de arrasto. roupas. estuarina (boca) Ano todo Linha de mão
O abuso na utilização deste petrecho chegou a tal ponto que já Badejos e lageados
se observa a escassez do c a m a r ã o , outrora abundante na região, o
que tem l e v a d o os p r ó p r i o s pescadores locais n ã o - m o t o r i z a d o s ^
se voltarem contra essa prática. Deve-se considerar que tal ativi-
d a d e a l é m de p r e d a r a e s p é c i e de c a m a r ã o b r a n c o {Pcfieaii>
schimitti), acaba t a m b é m com a fauna acompanhante composta
Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E

pelas e s p é c i e s j u v e n i s de todos os peixes a c i m a citados. Pelo fato O Sr. Licínio, morador do c o s t ã o , afirma que, a t r a v é s da obser-
de n ã o apresentarem tamanho m í n i m o para c o m e r c i a l i z a ç ã o , es- s a ç ã o dos processos naturais, "os antigos" a p r e n d e r a m a fazer as
tes s ã o jogados d e volta ao mar sem ao menos p o d e r e m c o m p l e - cercadas, pois quando u m tronco cai na á g u a , c o m e ç a a atrair cracas,
tar s e u ciclo de v i d a o u chegar à m a t u r i d a d e sexual. algas, limo, ostras que, por sua vez, atraem peixes, c o m o robalos,
badejos, vermelhos etc.
"Eu tenho 1.200 braças de rede de cowwa de nialha sessenta, não
tem nada aí, não pega nada. Eu atravesso, eu boto uma rede daqui para
lá e chego lá e vou apanhar e pego dois peixes. Na época do meu pai, há A CIÊNCIA D OC O N C R E T O E

uns 10 anos atrás, você botava uma rede de quarenta braças e você A CiHNCiA MODERNA

apanhava uma quantidade de peixe... Então a exploração é muito


grande, acabou-se, não tem mais aquela abundância de peixe. E cada O saber dos " a n t i g o s " se confronta c o m a ciência m o d e r n a q u a n -
vez tá pior, para ser sincero, cada vez pior" (morador da Praia do do da tentativa de i n t r o d u ç ã o recente do c h a m a d o "recife artifici-
Cruzeiro). a l " {fish attracting device) por pesquisadores de fora d a á r e a . E s s e s
recifes artificiais, formados por u m a espécie de p i r â m i d e de p n e u s
A s s i m sendo, verifica-se que o impacto causado pela prática \elhos tem por objetivo atrair certos tipos d e peixes, c r i a n d o u m
deste tipo d e pesca na r e g i ã o a s s u m e grandes p r o p o r ç õ e s , já que liabitat artificial. É u m a técnica concebida e elaborada e m países
t a m b é m acaba c o m os recursos m a r i n h o s utilizados pela maioria >u nnçados como o J a p ã o , onde se u s a m blocos de cimento colo-
da p o p u l a ç ã o tradicional n ã o - m o t o r i z a d a , que d e p e n d e direta- cados no mar, sendo depois exportada para países do Terceiro
mente destes recursos pesqueiros como fonte de alimento o u fon- Mundo. Essa tecnologia foi criada a partir de conhecimentos cien-
te adicional d e renda. li ticos,que comportam n o ç õ e s apuradas de s u c e s s ã o ecológica. A o
N o t o u - s e t a m b é m a e x i s t ê n c i a d e pesqueiros ou cercadas, mesmo tempo, no caso de M a m a n g u á pensava-se e m usar essas
atratores de organismos marinhos feitos c o m madeiras locais que ^'>nstruções, imersas na á g u a , para dificultar o arrasto ilegal d e
resistem m a i s na á g u a , como: siriúba, encontrada no m a n g u e ; '•imarão .
saputiaba e p i m e n t i n h a , presentes nas capoeiras. São aglomera- Essa iniciativa c a u s o u g r a n d e p o l é m i c a no l u g a r e n a s r e u n i -
ç õ e s d e troncos de m a d e i r a apoitadas por pedras de formato re- *'t-'s o r g a n i z a d a s pela A M A M (ASSOCIAÇÃO D E MORADORES D E
tangular o u redondo, colocados e m lugares estratégicos onde não *^1AMA\'CUÁ), cujo presidente era, no m o m e n t o , u m a turista c o m
p a s s a m os barcos d e arrasto d e c a m a r ã o . A s cercadas t a m b é m ^-i^a no local — e n ã o teve g r a n d e r e c e p t i v i d a d e por parte d o s
são colocadas e m lugares secretos, para evitar que m e r g u l h a d o - ' " ' ' M d o r e s . H o u v e o p o s i ç ã o , d e u m l a d o , p o r parte d e a l g u n s
res de P a r a t i - M i r i m os cerquem c o m tarrafa e r e a l i z e m a pesca P^^*^<idores locais que p r a t i c a m a pesca ilegal d e arrasto e, d e
s u b m a r i n a e m s e u interior. I^Hih o, por parte de p e s c a d o r e s de rede que t e m i a m estragos e m
O s peixes c o m e ç a m a procurar estes cercados para a l i m e n t a ç ã o ^ "as redes. A p e s a r d e s s a o p o s i ç ã o , h á u m a c o n c o r d â n c i a geral
e p r o t e ç ã o , normalmente a p ó s o quinto m ê s de sua implantação. A \uJ^' p e s c a d o r e s d e que a pesca d e arrasto é p r e j u d i c i a l ao
captura se faz por meio da pesca c o m linha de m ã o . Esta prática, y ^' ^ P a r q u e tem c o n t r i b u í d o para a p a u p e r i z a ç ã o b i o l ó g i c a d a
h e r d a d a dos "antigos", merece maior a t e n ç ã o , porque representa ''^^ t^vstuarina.

mais u m a forma tradicional e n ã o p r e d a t ó r i a d e utilização dos cii-iir'^'^ ''^Í*^'Ç'^o e m adotar u m a nova tecnologia, p r o p u g n a d a por
recursos naturais d e s e n v o l v i d a pela p o p u l a ç õ e s tradicionais. '^t'^s, poderia ser analizada como u m a r e a ç ã o d a " t r a d i ç ã o "
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE O s E C O S S I S T E M A S , S E U S R E C U R S O S E OS U S O S

contra a " m o d e r n i d a d e " , o u pelo "conservacionismo inato" d a s A s s i m , n a L a g o a d e M u n d a ú - M a n g u a b a s ã o conhecidos sob o


p o p u l a ç õ e s tradicionais e m adotar novas técnicas d e manejo pes- nome d e " c a i ç a r a s " , descritos p o r Diegues (1983) e, sobretudo,
queiro portadoras de benefícios sociais e e c o l ó g i c o s claros. por Marques (1991). Tanto as " c a i ç a r a s " quanto os " p e s q u e i r o s "
E s s e n ã o parece ser o caso e m M a m a n g u á , pois, c o m o foi vis- sào verdadeiras unidades de recursos artificialmente i n d u z i d a s e
to, certos pescadores locais conhecem, d e longa data, os "recifes ninnipuladas pelos pescadores artesanais, concentrando biomassa.
artificiais" (pesqueiros), como p ô d e se verificar anteriormente. O Além disso, a c o n s t r u ç ã o e i m p l a n t a ç ã o desses habitats artificiais
"recife artificial l o c a l " tem algumas vantagens evidentes sobre o revelam u m a m p l o e profundo conhecimento tradicional sobre as
" i m p o r t a d o " , pois é c o n s t r u í d o com madeira local, d e espécies correntes m a r i n h a s , o substrato e m que eles r e p o u s a m e sobre o
vegetais conhecidas, ao contrário dos p n e u s que s ã o trazidos d e processo de s u c e s s ã o ecológica que aí se cria. M a r q u e s (1991) des-
fora, c o m alto custo de transporte. A l é m disso, todo o processo d e creve, c o m m i n ú c i a s , o etnoconhecimento dos pescadores
c o n s t r u ç ã o e instalação d o " p e s q u e i r o " é d e conhecimento dos lagunares de M u n d á u sobre as espécies de flora e fauna aquáticas
moradores locais podendo ser feito e colocado na á g u a por u m a que se fixam nos p a u s d a " c a i ç a r a " , dando-lhe nomes locais. Pri-
o u d u a s pessoas, u s a n d o a canoa a remo. A o contrário, a confec- meiro aparece o "cabelo" (macroalgas), depois o " l i m o " (perifiton),
ç ã o d o "recife artificial importado" necessita material especial i depois o " b u z a m e " (Terrinidae) e o " s u r u r u " {Mytclla charruam).
d a d o s e u peso, n ã o pode ser arrastado para o local de instalaçãí Essas espécies atraem peixes que v i v e m nas " c a i ç a r a s " d e forma
pelas canoas mas exige barcos motorizados mais possantes. A l e n mais ou menos permanente como a " c a r a p e b a " {Eugerres brasi-
disso, há indicações d e que o p n e u , depois de u m certo tempt lianus), o " c a m u r i m " {Centropomus spp) e t a m b é m a l g u m a s e s p é -
imerso, libera elementos químicos prejudiciais ã flora e à fauni cies d e p e i x e q u e a í b u s c a m u m abrigo t e m p o r á r i o , c o m o a
aquáticas. " s a l e m a " {Asrchosargus sp) e o vermelho {Lutjanus spp).
M a i s do que isso, o " s e g r e d o " é u m elemento cultural i m E m M a m a n g u á , os pescadores t a m b é m e n u m e r a m as espécies
portante para o êxito d o " p e s q u e i r o " , pois este é instalado nai que aparecem nos " p e s q u e i r o s " e seus hábitos alimentares, mas
p r o x i m i d a d e s d a casa d o pescador, e m lugar g u a r d a d o secre somente u m a pesquisa mais aprofundada p o d e r á revelar a rique-
tamente para que outros pescadores, sobretudo "os d e fora", n ã J do etnoconhecimento ictiológico a c u m u l a d o .
v e n h a m se beneficiar deles, pescando e m sua p r o x i m i d a d e . N 6 f l Deve-se ressaltar t a m b é m que esses habitats a q u á t i c o s artifici-
se sentido, essa técnica patrimonial está imersa na cultura l o c f l ^lis existem na costa oeste d a África, conhecido localmente sob o
apresentando nítidas vantagens sobre o " o u t r o " recife a r t i f i d j nome de "akadjás", descritos e analisados por u m a vasta biblio-
Dentro dessa perspectiva, n ã o se pode falar em " r e j e i ç ã o " íí''nfia internacional (Bourgeoignie, 1972).
tecnologia m o d e r n a , m a s n u m a proposta que, v i n d o d e fora, Í H Tornam-se aparentes, nos casos citados, o confronto d e dois
nora a realidade cultural local. N a s reuniões p r o m o v i d a s p < H í^'iberes", o etnoconhecimento, ou saber tradicional e o moder-
A M A M os pescadores n e m mencionaram a existência d o s "p^B ^"-científico. D e u m lado, está o saber a c u m u l a d o das p o p u l a ç õ e s
q u e i r o s " q u e somente foram conhecidos no final d a pesquiB ^•"'i^iicionais sobre os ciclos naturais, a r e p r o d u ç ã o e m i g r a ç ã o d a
e t n o g r á f i c a . Pode-se avaliar, portanto, os riscos da i n t r o d u ç ã o ^ ' '"^^i. a influência d a lua nas atividades de corte da madeira, d a
c h a m a d a "tecnologia m o d e r n a " sem um conliecimento p r é v i o ^ J^^^^'i, sobre o manejo tradicional dos recursos naturais, etc. D o
realidade cultural local. ci) ^^^^ ^ conhecimento científico, oriundo de u m tipo de ciên-
E interessante notar que os " p e s q u e i r o s " d e M a m a n g u á ciMil'^'^^""^'^'^ qne, dentro d e seus paradigmas, n ã o d á lugar ao
tem t a m b é m e m outras regiões d o Brasil, sob diferentes n o m ^ ^^'ciniento folk, tido como "lugar c o m u m " , pré-científico. A p e -
O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

sar d a c o n t r i b u i ç ã o d a etnociência no entendimento d a r e l a ç ã o n a l é, implicitamente, reconhecer que as p o p u l a ç õ e s tradicionais


l i o m e m - n a t u r e z a e sobre a p r ó p r i a estrutura d a p e r c e p ç ã o e dO| jíão sujeitos h i s t ó r i c o s , portadores desse c o n h e c i m e n t o e que
saber sobre o " m u n d o n a t u r a l " , os trabalhos de etnoecologia, portanto, d e v e m ser considerados c o m o agentes fundamentais no
e t n o b o t â n i c a , etnoecologia s ã o vistos c o m d e s c o n f i a n ç a pelos conhecimento e sobretudo na g e s t ã o o u manejo das á r e a s c h a m a -
biólogos e e c ó l o g o s de f o r m a ç ã o a c a d é m i c a clássica. das naturais. E s s e reconhecimento poderia retirar u m a parte d o
O desconhecimento das práticas do saber tradicional está rela- poder conferido pela ciência à s c o r p o r a ç õ e s t e c n o - b u r o c r á t i c a s e
cionado, de u m lado, com a aplicação de paradigmas de u m a ciência a c a d é m i c a s que se autoconferem a exclusividade d o saber científi-
positivista e reducionista e de outro lado c o m as c a r a c t e r í s t i c a s d a co e dos princípios e metodologias que regem os c h a m a d o s " p l a -
p r o d u ç ã o e r e p r o d u ç ã o d o s a b e r folk d e n t r o d a s p r ó p r i a s nos de m a n e j o " das á r e a s naturais protegidas.. D e s c o n h e c e n d o e
c o m u n i d a d e s tradicionais. E s s e saber está imerso e m p r á t i c a s e a t é rejeitando o saber tradicional, as c o r p o r a ç õ e s a n i n h a d a s nos
técnicas tradicionais de manejo do m u n d o natural e, nesse sentido, ó rg ã o s ambientais decisórios como IBAMA, Secretarias de Meio-
é m a r c a d o pela s u a aplicabilidade prática, c o m o é o caso do saber Ambiente e U n i v e r s i d a d e s acabam atribuindo à fiscalização e à
embutido n a c o n s t r u ç ã o e g e s t ã o dos " p e s q u e i r o s " . E m muitos repressão policial o papel da " g u a r d i ã e s da b i o d i v e r s i d a d e " e os
casos, essas p r á t i c a s s ã o marcadas pelo " s e g r e d o " que permite, únicos defensores do " m u n d o n a t u r a l " . Procedendo a s s i m , cau-
por exemplo, aos pescadores artesanais o acesso a recursos natu- s a m e alimentam conflitos insolúveis com as p o p u l a ç õ e s de mora-
rais r e n o v á v e i s limitados, considerados como "bens c o m u n s " (cor- dores das á r e a s naturais protegidas, i m p e d i d a s de p r o d u z i r e
pos de á g u a , etc). C o n s e r v a n d o esse conhecimento, transmitido reproduzir s e u conhecimento tradicional, suas p r á t i c a s e c o n ó m i -
somente d c forma oral c passando-o somente a seus filhos o u c a s e tecnologias patrimoniais e s e u m o d o de v i d a , relegados a
c o m p a n h e i r o s , os pescadores p o d e m evitar o u restringir o acesso objetos do folclore.
aberto a esses recursos nahirais. N e s s e sentido, reside a q u i u m A ciência d o concreto, que se revela e m M a m a n g u á n ã o somen-
primeiro patamar da " i n v i s i b i l i d a d e " desse tipo de conhecimento te n o caso do " p e s q u e i r o " , n ã o é menos científica, c o m o afirma
e tecnologias patrimonais. É de se ressaltar que esses últimos Lévi-Strauss, e m seu trabalho: A Ciência do Concreto (1989). C o m o
t a m b é m p o d e m ser apropriados por outros pescadores d a co- a f i r m a Lévi-Strauss, o conhecimento tradicional não é menos cien-
m u n i d a d e a t r a v é s d e processos sociais marcados pelo compadrio, tífico, e seus resultados n ã o s ã o menos reais q u e o d a ciência mo-
c o m o foi a n a l i s a d o por C o r d e l l (1982). E s s a " i n v i s i b i l i d a d e " tam- derna baseada na o b s e r v a ç ã o e na e x p e r i m e n t a ç ã o .
b é m pode ser acentuada nos momentos de d e s e s t r u t u r a ç ã o dos
modos de v i d a tradicional e o saber correspondente pode acabar " E x i s t e m dois m o d o s diferentes do pensamento científico,
desaparecendo com fim dos "antigos", pela sua morte ou migração. '•ím e outro, funções, n ã o certamente estágios desiguais do de-
Por outro lado, essas práticas cognitivas e técnicas p o d e m se tornai senvolvimento do espírito humano, mas dois níveis estratégicos
inadequadas q u a n d o s u r g e m graves perturbações ecológicas, cort ^'in que a natureza se deixa abordar p e l o conhecimento científico
a l t e r a ç õ e s d e s a l i n i d a d e d a á g u a , assoreamento de estuários ~~ u m a p r o x i m a d a m e n t e a j u s t a d o ao d a p e r c e p ç ã o e d a
desaparecimento de espécies causado por i n t e r v e n ç õ e s humanai • P a g i n a ç ã o , e outro deslocado; como s e as relações necessárias,
desastradas. objeto d e toda encia, neolítica o u moderna, p u d e s s e m ser
N o fundo, subjacente a essa discussão está a questão d o contrc atingidas por dois caminhos diferentes; u m muito p r ó x i m o d a
le d o poder sobre o conhecimento científico e c o m o este reforça a ""•^iiição sensível e outro mais d i s t a n c i a d o " (p. 30).
estruturas do poder. Reconhecer a i m p o r t â n c i a do saber tradici<3
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE 1

A análise, ainda que preliminar do saber e das tecnologia patri-


m o n i a l e m b u t i d a s n o " p e s q u e i r o " revela que sua descoberta n ã o
se d e v e ao mero acaso, mas à longa o b s e r v a ç ã o de f e n ó m e n o s
naturais, do comportamento dos peixes. T a m b é m se d e v e à experi-
m e n t a ç ã o d e tipos de madeira que melhor s e r v e m d e substrato
para a c o n s t r u ç ã o desses recifes artificiais, enquanto habitats c r i - S
ados pelo h o m e m .

O M o d o d c V i d a e as
T"ccnologías (Caiçaras

O Mopo DE VIDA existente nas praias de Parati é, e m termos


gerais, específico às p o p u l a ç õ e s caiçaras que habitam o lito-
ral cie São Paulo e R i o de Janeiro. Estas p o p u l a ç õ e s , e m seu m o d o
de vida, se distinguem das " c a i p i r a s " , de " s e r r a - a c i m a " (planal-
1"), por basearem s u a subsistência n u m complexo c a l e n d á r i o de
«"tividades s o c i o e c o n ó m i c a s e culturais ligadas à Mata Atlântica e
^o litoral. A d e m a i s , por serem resultado da m i s c i g e n a ç ã o de ín-
*^*"s, portugueses, e e m menor quantidade, de negros, h e r d a r a m
*^<*nhecimentos e técnicas e desenvolveram u m a série de tecnologias
P'^tiimoniais. C o m o foi dito anteriormente, durante o p e r í o d o
^*-*'onial, baseado na monocultura com trabalho escravo, essas
^^"ininidades h u m a n a s , frequentemente isoladas geograficamen-
'^^ praias, v e n d i a m seu excedente nas cidades o u nas p r ó p r i a s
'^^^*^s e engenhos. C o m a d e c a d ê n c i a d a economia colonial.
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE O M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S

essas c o m u n i d a d e s tiveram s u a p o p u l a ç ã o a u m e n t a d a pelos es- atividades e c o n ó m i c a s de pequena escala, c o m o agricultura e


cravos alforriados e posteriormente libertados, como ocorreu e m pesca, coleta e artesanato. Economicamente, portanto, essas
Parati. c o m u n i d a d e s se baseiam no uso de recursos naturais r e n o v á -
E s s a ligação entre a utilização d o mar e d a mata, seguindo os veis. U m a característica importante desse m o d o de p r o d u ç ã o
ciclos naturais dos quais os caiçaras tinham e a i n d a têm u m gran- mercantil (petty mode of production) é o conhecimento que os
de conhecimento, constitui-se, portanto, n u m elemento central produtores t ê m dos recursos naturais, seus ciclos biológicos,
dessa cultura (Diegues, 1988). O u como afirma Mussolini: hábitos alimentares, etc. E s s e " k n o w - h o w " tradicional, pas-
sado de g e r a ç ã o e m geração, é u m instrumento importante para
" C o n h e c e o h o m e m muito bem as propriedades das p l a n - a c o n s e r v a ç ã o . C o m o essas p o p u l a ç õ e s e m geral n ã o t ê m o u -
tas ao seu redor, bem como os f e n ó m e n o s presos ã terra e ao tra fonte d e renda, o uso sustentado d e recursos naturais é d e
m a r e que os norteia no sistema de v i d a anfíbia que leva, d i v i - fundamental importância. Seus p a d r õ e s d e c o n s u m o , baixa
d i n d o suas atividades entre a pesca e a agricultura d e peque- densidade populacional e limitado desenvolvimento tecnoló-
no vulto, com poucos excedentes para troca ou para v e n d a ; os gico fazem c o m que sua interferência no meio ambiente seja
ventos, os " m o v i m e n t o s " das á g u a s , os hábitos dos peixes, seu pequena. O u t r a s c a r a c t e r í s t i c a s importantes d e m u i t a s so-
p e r i o d i s m o , a é p o c a e a lua adequada para p o r abaixo u m a ciedades tradicionais são: a c o m b i n a ç ã o de v á r i a s atividades
á r v o r e o u l a n ç a r à terra u m a semente o u u'a m u d a o u colher o económicas (dentro de u m complexo calendário), a reutilização
que p l a n t o u " (1980a:225). dos dejetos e o relativamente baixo nível d e p o l u i ç ã o . O uso
cauteloso dos recursos naturais é parte integrante de s u a cultu-
ra, u m a ideia expressa no Brasil pela palavra "respeito" que se
POPULAÇÕES TRADICIONAIS CAIÇARAS 9 aplica n ã o somente à natureza como t a m b é m aos outros m e m -
bros da c o m u n i d a d e " (p.l42).
N a perspectiva deste trabalho, os moradores do Saco d e M a m a n -
g u á se i n c l u e m no conceito (por vezes a m b í g u o ) d e culturas ou A S culturas e sociedades tradicionais se caracterizam pela:
sociedades tradicionais. d e p e n d ê n c i a d a natureza, dos ciclos naturais e d o s recursos
Dentro dessa visão, "culturas tradicionais" ( n u m certo senti- naturais r e n o v á v e i s a partir do qual se constrói u m " m o d o d e
do todas as culturas s ã o tradicionais) s ã o p a d r õ e s d e compor- ^ vida";
tamento transmitidos socialmente, modelos mentais u s a d o s p a i ^ ^ l H conhecimento aprofundado d a natureza e de seus ciclos que
significadoíM
perceber, relatar e interpretar o m u n d o , símbolos e se reflete na e l a b o r a ç ã o d e estratégias d e uso e d e manejo dos
socialmente compartilhados, além de seus produtos materiaisÉM recursos naturais. E s s e conhecimento é transferido de g e r a ç ã o
próprios do modo de p r o d u ç ã o mercantil. Segundo D i e g u e ^ H •^'11 g e r a ç ã o por v i a oral;
(1992c): H '"loção d e " t e r r i t ó r i o " ou e s p a ç o onde o grupo social se repro-
duz e c o n ó m i c a e socialmente;
" C o m u n i d a d e s tradicionais estão relacionadas com u m tip^^B •iioradia e o c u p a ç ã o desse "território" por várias g e r a ç õ e s , ain-
de o r g a n i z a ç ã o e c o n ó m i c a e social c o m pouca o u n e n h u i n ^ H que alguns membros i n d i v i d u a i s possam ter se deslocado
a c u m u l a ç ã o d e capital, n ã o u s a n d o força d e trabalho assalaí^H para os centros urbanos e voltado para a terra d e seus ante-
riado. N e l a produtores independentes estão e n v o l v i d o s e m W P«issados;
O M O D O D E V I D A E AS T E C N O L O G I A S
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

e) i m p o r t â n c i a d a s atividades d e subsistência, a i n d a q u e a pro- populações. E s s e "auto-reconhecimento" é frequentemente, nos


d u ç ã o d e " m e r c a d o r i a s " possa estar mais o u menos d e s e n v o l - dias de hoje, u m a identidade construída ou r e c o n s t r u í d a , como
v i d a , o que implica u m a relação com o mercado; | resultado, e m parte, de processos de contatos c a d a v e z m a i s
fl r e d u z i d a a c u m u l a ç ã o de capital; J conflituosos c o m a sociedade urbano-industrial, e c o m o s "neo-
g) i m p o r t â n c i a d a d a à u n i d a d e familiar, d o m é s t i c a o u c o m u n a l m niitos" c r i a d o s p o r esta. Parece p a r a d o x a l , m a s o " n e o - m i t o

às r e l a ç õ e s d e parentesco o u c o m p a d r i o para o e x e r c í c i o d a j ambientalista o u conservacionista" explícitos na n o ç ã o d e á r e a s

atividades e c o n ó m i c a s , sociais e culturais; J naturais protegidas sem p o p u l a ç ã o tem contribuído para o forta-
lecimento dessa identidade sociocultural e m p o p u l a ç õ e s como os
//) i m p o r t â n c i a das simbologias, mitos e rituais associados á ca J
quilombeiros d o Trombetas, os c a i ç a r a s d o litoral paulista, etc.
à pesca e atividades extrativistas; .>fl
Para esse processo tem contribuído a o r g a n i z a ç ã o d e m o v i m e n -
/•) a tecnologia utilizada é relativamente s i m p l e s , d e i m p a c t o H
tos sociais, apoiados por entidades n ã o - g o v e r n a m e n t a i s , influen-
mitado sobre meio ambiente. H á u m a r e d u z i d a d i v i s ã o t é c i B
ciadas pela ecologia social, por cientistas sociais, etc.
ca e social d o trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo p r o d B
tor (e s u a família) d o m i n a o processo d e trabalho a t é o p r o d f l Essas características, mencionadas anteriormente, n ã o d e v e m

to final; ^ ser tomadas d e forma isolada, m a s constituem u m a totalidade


que pode ser traduzida por " m o d o d e v i d a " , n o sentido que lhe
j) fraco poder político, q u e e m geral reside com os grupos de
atribui A n t ô n i o C â n d i d o , e m Parceiros do Rio Bonito (1964). Nesse
poder dos centros urbanos;
trabalho. C â n d i d o descreve e analisa a "cultura c a i p i r a " como
k) auto-identificação o u identificação pelos outros de se perten-
modo de v i d a p r ó p r i o das p o p u l a ç õ e s interioranas do Estado d e
cer a u m a cultura distinta das outras.
São Paulo, formada pela contribuição d o s colonizadores portu-
U m d o s critérios m a i s importantes para a definição d e "cultu- gueses, e m s e u cruzamento c o m o elemento indígena, e margi-
r a s " o u " p o p u l a ç õ e s " tradicionais, além do m o d o d e v i d a , é, sem nalmente, c o m o negro. A d e m a i s não a considera equivalente à
d ú v i d a , o "reconher-se" como pertencente àquele grupo social cultura o u sociedade de folk, mas corresponderia melhor à deno-
particular. E s s e critério remete à questão fundamental d a " i d e n - minação d e "civilizatiou traditionelle" d e V a r a g n a c o u d e cultura
tidade", u m dos temas centrais d a antropologia. Historicamente, camponesa.
sobretudo no início do século, quando a antropologia europeia e
norte-americana se preocupava quase que exclusivamente com "(...) a sociedade caipira tradicional elaborou técnicas q u e
as c h a m a d a s "sociedades p r i m i t i v a s " nos territórios colonizados, permitiram estabilizar as relações d o grupo c o m o meio (em-
a identidade d o " o u t r o " (Massai, B o r o r ó , M a n d i n g a , etc.) era fa- bora e m nível q u e r e p u t a r í a m o s hoje p r e c á r i o ) , mediante o
cilmente determinada pelo pesquisador, sobretudo porque havia conhecimento satisfatório d o s recursos naturais, a s u a explo-
u m a clara distinção étnica. Nesse sentido, mesmo no Brasil, o "ou- *'*^Ção sistemática e o estabelecimento de u m a dieta c o m p a -
tro" a t é recentemente era identificado com o " í n d i o " , havendo tível com o m í n i m o vital - tudo relacionado a u m a v i d a social
pouca p r e o c u p a ç ã o c o m outras formas d e alteridade. O surgi' de tipo fechado, com base na economia de s u b s i s t ê n c i a " ( C â n -
mento d e outras identidades sócio-culturais, c o m o a "caiçara"/ dido, 1964:19).
fato m a i s recente, tanto a nível d e esHidos a n t r o p o l ó g i c o s quanto
a nível d e auto-reconhecimento dessas p o p u l a ç õ e s c o m o porta- C â n d i d o enfatiza a obtenção d o s meios d e subsistência e as
d o r a s d e u m a cultura e um m o d o d e v i d a diferenciado d e outras j '^^''s d e solidariedade existentes nos bairros caipiras, entendi-
o Nosso LuGAií V I R O U P A R Q U E O M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S

do como u m agrupamento territorial, mais o u menos denso, cujos sivo, quase e x cl u si v o e m e s m o abusivo dos recursos d o meio, cri-
limites s ã o t r a ç a d o s pela participação d o s moradores e m traba- iindo-se, desse m o d o , u m a intimidade muito p r o n u n c i a d a entre o
lhos d e ajuda m ú t u a (p.47). A l é m disso, o m o d o d e v i d a caipira é iiomem e s e u hábi ta t. .t, . . v
m a r c a d o pela estreita ligação das r e p r e s e n t a ç õ e s simbólicas e re-
ligiosas c o m a v i d a agrícola, a c a ç a , a pesca e a coleta. " C o n h e c e o h o m e m muito bem as propriedades das p l a n -
tas ao seu redor — para remédios, para co nst r uçõ es, para cano-
" M a g i a , medicina simpática, i n v o c a ç ã o d i v i n a , e x p l o r a ç ã o as, para jangadas — b e m como os f e n ó m e n o s naturais presos
da fauna e d a flora, conhecimentos agrícolas fundem-se n u à terra e ao m a r e que o norteia no sistema d e v i d a anfíbia que
sistema que abrange, na m e s m a continuidade, o c a m p o e leva, d i v i d i n d o suas atividades entre a pesca e a agricultura
mata, a semente, o ar, o bicho, a á g u a e o p r ó p r i o c é u . D o b r a d de pequeno vulto, c o m poucos excedentes para troca o u para
sobre s i m e s m o pela economia d e subsistência, encerrado no \'cnda: os ventos, os movimentos das á g u a s , os hábitos dos pei-
quadr o dos agrupamentos vicinais, o h o m e m aparece ele p r ó - xes, seu periodismo, a época e a u'a adequadas para p ó r abaixo
prio c o m o segmento d e u m vasto meio, ao m e s m o tempo na- uma á r v o r e o u lançar à terra u m a semente o u u ' a m u d a o u
tural, social e sobrenatural" ( C â n d i d o , 1964:138). colher o que p l a n t o u " (Mussolini, 1980: 226).

A respeito d o ajuste ecológico entre a cultura caipira e o me:' Essas últimas a f i r m a ç õ e s nos remetem à q u e s t ã o das socieda-
natural. C â n d i d o afirma que o equilíbrio e c o l ó g i c o se estabel í tradicionais e da sustentabilidade. É importante recordar que
e m f u n ç ã o das c o n d i ç õ e s primitivas do meio: terra v i r g e m , ab o Inodo de p r o d u ç ã o que caracteriza essas formas sociais de produ-

d â n c i a de c a ç a , pesca e coleta, fraca densidade d e m o g r á f i c a , li ^•ão é o da pequena p r o d u ç ã o mercantil; isto é, ainda que p r o d u z a m
tando a c o n c o r r ê n c i a vital. Q u a n d o apesar disso o meio n a mercadoria para a v e n d a , s ã o sociedades que garantem sua sub-
se exauria, o caipira procurava outro local para s u a agricultur sistência a t r a v é s d a p e q u ena a g r i c u l t u r a , p e q u e n a p e s c a , ex-
de subsistência. ti-itivismo. São formas de p r o d u ç ã o e m que o trabalho assalariado
Q u e i r o z (1973) t a m b é m , e m seus vá ri o s trabalhos, pesquiso ('casional e n ã o é u m a relação determinante, prevalecendo o tra-
essa p o p u l a ç ã o tradicional composta de sitiantes, caipiras e t^'ilho a u t ó n o m o o u familiar. E a pequena p r o d u ç ã o mercantil,
caras, definindo-a como lavradores cuja p r o d u ç ã o é orientada pa como bem lembrou Barel (1974), é u m a d a s formas sociais que
a subsistência; s ã o e m larga escala auto-suficientes e independen- ^'m uma história muito mais longa que aquelas dominantes, como
tes e m r e l a ç ã o à economia urbana; seus estabelecimentos s ã o de Íl^lt^nidal e a capitalista. A pequena p r o d u ç ã o mercantil nunca foi
tipo familiar, concentrando os chefes de família a iniciativa doS ^'Pc'udente, p o r é m sempre existiu articulada a outras formas
trabalhos efetuados na u n i d a d e d e p r o d u ç ã o , trabalhos que não J>minantes como a escravocrata, a feudal e a capitalista. A o r d e m
se d i s t i n g u e m , m a s que se confundem com todas as atividades da ^^wivocrata e a feudal desapareceram, mas a pequena p r o d u ç ã o
v i d a cotidiana. O g é n e r o d e v i d a do c a m p o n ê s se forma e m fu"^ ^^^rcantil continua existindo e mesmo na sociedade capitalista,
ç ã o d a cidade, c o m a qual aparece e m equilíbrio d e complemen- Pnrui'^!"^."^""^^"^"^ históricos e e m certas regiões, ela floresce,
taridade, d e tal o r d e m que a cidade necessita muito mais dele ào do e ^ ^'^^"'^ ^'"Irar em crise (o que sucede, por exemplo, nos bolsões
que ele dela. (p.35) EsT^i"^*'^ subsistência, e m certas regiões mais isoladas),
D e s c r e v e n d o as culturas litorâneas, M u s s o l i n i (1980) afif'^^ deve ""^'^ p e r m a n ê n c i a histórica desse m o d o d e p r o d u ç ã o se
que o m o d o d e v i d a c a i ç a r a resultou n u m aproveitamento intt^^^ ' o seu sistema de p r o d u ç ã o e r e p r o d u ç ã o ecológica e social.
O M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E

São sociedades mais hiomogêneas e igualitárias que as capitalis rança indígena. E x t r a í d a da raiz da m a n d i o c a b r a v a o u " r a m a "
c o m pequena capacidade de a c u m u l a ç ã o de capital, o que dificu [Wnnihot utilisshm), da qual os moradores extraem o á c i d o c i a m -
ta a e m e r g ê n c i a de classes sociais'. A s relações sociais c o m o drico (origem d a toxidade) a t r a v é s da " p r e n s a " de m a d e i r a , onde
compadrio funcionam como verdadeiras relações de p r o d u ç ã o , colocam os tapitis (cestos de timbopeva) cheios da m a s s a de m a n -
m o afirma G o d e l i e r (1984), na medida e m que p o d e m determi dioca ralada.
a forma social de acesso aos recursos, colaboram na organiza A totalidade dos moradores de M a m a n g u á tem sua casa de
dos processos de trabalho e, finalmente, m a r c a m a distribuição farinha o u u t i l i z a m a da família extensa. N o " a v i a m e n t o " está
trabalho i n d i v i d u a l o u coletivo. A s relações de c o m p a d r i o , também o forno de barro, c o m o tacho de cobre, a parte de maior
m u i t a s dessas sociedades, facilitam o acesso a zonas de p r o d u valor, onde é torrada a farinha, n u m processo lento e d e m o r a d o ,
(pesca, por exemplo) que de outra forma seria interditado. C o (indc a f u m a ç a densa chega a prejudicar a vista. Este trabalho,
tuem-se t a m b é m na base da solidariedade grupai, juntamente lunt.imente c o m o ralar da " r a m a " , é de responsabilidade p r i m o r -
outras formas de c o o p e r a ç ã o , como o m u t i r ã o . A l é m disso, a ,iial das m u l h e r e s .
nologia u t i l i z a d a tem impactos e c o l ó g i c o s r e d u z i d o s sobre Além da fabricação da farinha, t a m b é m soca-se a m e n d o i m no
ecossistemas que utilizam, permitindo a renovabilidade dos es piiào e, por vezes, os g r ã o s de café colhidos localmente. Moe-se a
ques e a sustentabilidade dos processos ecológicos f u n d a m e n t - " t ,ina em pequenas moendas de madeira para fazer a garapa. A ca-
N a maioria das vezes, sobretudo e m regiões tropicais, essas liiaça n ã o é mais feita em M a m a n g u á , mas encontra-se ainda mora-
dades tradicionais apresentam u m a fraca densidade populaci lUtr que leva a cana para ser moída fora e ser transformada e m aguar-

A s festas, as lendas, e a simbologia mítica, a l é m da relig' ^ lente, ficando ele c o m u m terço da quantidade p r o d u z i d a .

a f i r m a m a c o e s ã o social, mas de forma a l g u m a f a z e m d e s a p a


cer os conflitos, c o m o parecem fazer crer os que c o n s i d e r a m
sociedades como totalmente igualitárias. A TixNOLOGiA PATRIMONIAL NA PESCA

À m e d i d a e m que os processos fundamentais d e p r o d u ç ã o


r e p r o d u ç ã o e c o l ó g i c a , social, e c o n ó m i c a e c u l t u r a l funciona As redes de uso local t a m b é m trazem a influência d o s índios que
pode-se afirmar que s ã o sociedades sustentáveis. E s s a sustenta- 'i^.n a m redes de ticum para emalhar o peixe, e o m o d o de c e r c á -
bilidade, no entanto, está associada a u m baixo nível d c desen- tendo-se depois n ' á g u a para assustá-lo e para que fique apri-
v o l v i m e n t o das forças produtivas, a u m respeito pela conserva- sionado nas m a l h a s . A s redes de emalhar tiveram t a m b é m a i n -
ç ã o dos recursos naturais. "^'i-'ncia portuguesa, principalmente o tresmallw, o e q u i p a m e n t o
's u lilizado pelos caiçaras de M a m a n g u á para a pesca do parati.
^^'^mnlho atualmente usado já n ã o tem os três p a n o s de rede, de
FABRICAÇÃO DA FARINHA IJ^-i llias de tamanho diferenciado, u s a d a pelos portugueses. C o m o
^ screve M u s s o l i n i , essa rede de três panos era conhecida antiga-
A f a r i n h a d e m a n d i o c a , juntamente c o m o peixe, e a l g u m a s ve- mente
- pelo nome de "feiticeira", porque o peixe que nela batia
z e s a c a r n e de c a ç a é o alimento b á s i c o do c a i ç a r a . O processo de "''•^'scapava:
f a b r i c a ç ã o d a f a r i n h a , b e m como os n o m e s d o s aparelhos, é htí'
^ que se conhece hoje como tresmalho é u m a rede de for-
' Para u m a discussão sobre o tema, ver Diegues, 1983; cap.XII. retangular e de comprimento a p r o x i m a d o d e 90 metros.
O M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

composta de u m a única parede de malhas uniformes, de ta O p e s c a d o r de M a m a n g u á u s o u t a m b é m , a t é recentemente,


n h o que permita prender o peixe pela c a b e ç a . É e m p r e g a d o a rede de " t r o l h a " (como se d i z localmente) o u " t r ó i a " , u t i l i z a d a
três maneiras diferentes: (í) deixando-se a rede e m posi cin d u a s c a n o a s a t r a v é s d a s q u a i s os p e s c a d o r e s c e r c a v a m o
transversal à correnteza. E l a se transforma, e n t ã o , e m "rede peixe.
e s p e r a " , c o m o se d i z no litoral, sendo visitada e m interval A l é m do a n z o l , e m p r e g a v a m t a m b é m o e s p i n h e i , técnica de
regulares de a l g u m a s horas para a despesca; (2) N a pescari pesca de origem portuguesa que consiste n u m aparelho formado
conliecida nas costas paulistanas como "pesca de caceio". N e s ' por u m a corda mestra e m que se p e n d u r a m os a n z ó i s , de tama-
caso, a rede é l a n ç a d a n ' á g u a da maneira a c i m a descrita, c o m nhos diferentes, segundo o peixe a que se destina. O espinhei é
diferença, p o r é m , de que o pescador, de dentro de u m a c a n lançado, a n z o l por a n z o l , de dentro da canoa, ficando fundeado
m a n t é m seguro na m ã o u m cabo que se prende à tralha por meio de bóias na parte superior e de poitas, na inferior. E l e é
cortiça, de sorte que a rede v a i a c o m p a n h a n d o o m o v i m e n \o e recolhido, quando ocorre a despesca. H o j e o espinhei é
da canoa que se desloca; (3) Finalmente, ainda se usa o tresi usado m a i s por barcos motorizados (botes) que p e s c a m fora do
lho p a r a fazer o "cerco" e m pleno m a r " (Mussolini, 1980a: 233) Saco de M a m a n g u á .
O b s e r v o u - s e t a m b é m a existência, na casa de u m pescador, de
O tresmallw foi t a m b é m usado para a pesca da tainha, e ne " m n n z u á s " o u covos para pescar peixes demersais. H á t a m b é m
caso, juntavam-se mais de u m a rede (o temo), pertencente freq alguns pescadores que fazem os pesqueiros o u cercadas, onde fin-
temente cada u m a a u m pescador diferente. D u r a n t e essa ca-se no fundo d a zona estuarina, p r ó x i m o à sua casa, galhos de
realizada nos meses frios (maio-julho), e r a m utilizadas di ar\'t)re para "atrair peixes", especialmente o robalo, que depois
noas p a r a efetuar o cerco da tainha. D e acordo c o m a d e s c r i ç sãt> capturados c o m anzol o u rede. Trata-se de u m a v e r s ã o s i m -
detalhada de M u s s o l i n i (1980b), caracteriza-se c o m o a pesca m ples dos "atratores de peixes". .
tradicional do litoral paulista e fluminense. A partilha da
ç ã o se fazia entre os participantes, depois de se d e d u z i r o "ter
que cabia aos d o n o s d a s redes. As EMBARCAÇÕES

H o j e a tainha pode ser c a p h j r a d a c o m o tresmalho simples


m e s m o utilizado para a pesca do parati; sendo n e c e s s á r i o apenas A e m b a r c a ç ã o m a i s utilizada tanto para o transporte quanto para
o trabalho de u m pescador, ajudado frequentemente por u m ou •1 pesca é a canoa, feita de madeiras locais, como o g u a p u r u v u ,
dois filhos, ficando toda a p r o d u ç ã o para a família. cedro, canafístula, ingá, jequitibá, canela, figueira, cobi, caixeta e
A t é a d é c a d a de 1950, o tresmalho era feito localmente com timbuíba. Estas últimas ainda são abundantes e m M a m a n g u á , mas
fios de a l g o d ã o , o que obrigava a constantes tingimentos. Coloca- cedro e a canafístula e s t ã o se tomando mais raros. E s s a s á r v o r e s
v a - s e a rede n u m a canoa, embebida n u m líquido de casca de S'io retiradas e m dias de l u a fraca, a minguante, pois a " á g u a v e m
aroeira, cobi o u m a n g u e , deixando-se depois secar na praia, eit> P*^ra as r a í z e s " e n ã o dá bicho. A l é m disso, o jequitibá e o cedro,
estruturas feitas de p a u s do mato. Posteriormente, o fio de algO' ' i L i i t o procurados como madeira para as canoas, depois de der-
d ã o foi substituído pelo fio de náilon, que d i s p e n s a tal atividade- ' '^'tíados d e v e m permanecer longos meses no c h ã o .
A p a n a g e m d a rede é hoje, quase sempre, c o m p r a d a e m Parati e
entralhada pelos pescadores locais. O alto p r e ç o d a paragem tem Apmrecem os brotos e quando eles secam, está na hora dc tirar o
dificultado cada v e z m a i s sua aquisição e m M a m a n g u á . *'0)ico do mato. Se não espera a madeira secar, dá a canoa do ar-

4
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE O M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S

rependimento, porque ela racha e o camarada fica arrependido" (Seu t.ir" a á g u a da canoa; e a gamela, feita de caixeta, na q u a l se guar-
L e o n e l do C r u z e i r o ) . Jci o peixe depois de "consertado" (escamado e limpo).
A baleeira e o bote s ã o outros tipos de e m b a r c a ç õ e s encontra-
A s á r v o r e s usadas d e v e m ser grandes, podendo-se fazer u m a das na r e g i ã o . A baleeira é u m a e m b a r c a ç ã o de 8 a 12 metros de
canoa grande e u m a menor. comprimento, s e m cobertura o u casario, feita c o m t á b u a s parcial-
mente superpostas e calafetadas, c o m p r a d a s e m geral fora de
" O cedro é a melhor madeira pra canoa em todo o litoral, mas tem M a m a n g u á . Originalmente v i e r a m de Santa Catarina, onde os pes-
que ser árvore grande. Sefor pequena, a canoa entorta" (Seu Licínio, cadores a ç o r i a n o s as c o n s t r u í a m e com elas p e s c a v a m .
Costão).
O Sr. Licínio, morador da M a r g e m Continental, foi u m dos
1
primeiros a comprar u m a baleeira motorizada, há uns 40 anos atrás,
A retirada do tronco de dentro da mata s ó é possível c o m a por volta de 1950, c o m o capital que a c u m u l o u depois de ter sido
a j u d a de parentes e amigos, pois a m a d e i r a pesada é retirada à por três anos contramestre e m traineira. N a é p o c a , h a v i a trocado
mão. sua canoa motorizada por esse tipo de e m b a r c a ç ã o d e v i d o à ca-
A s canoas grandes p o d e m ser " b o r d a d a s " , pois nelas acres- pacidade de transportar u m a maior quantidade d a s m e r c a d o r i a s
centa-se u m a tábua lateral para agiientar os mares. N o passado, que ele c o m e r c i a l i z a v a .
essas canoas grandes u s a v a m t a m b é m u m a vela para ajudar na
A o c o n t r á r i o d a canoa, a baleeira precisa de m a i s m a n u t e n ç ã o ,
n a v e g a ç ã o , mas atualmente os moradores que têm recursos colocam
calafetagem e pintura. A cada seis meses as baleeiras s ã o retira-
o motor de centro.
das da á g u a para a m a n u t e n ç ã o e pintura. E s s e trabalho é feito no
A s técnicas de se fazer a canoa s ã o de origem indígena, a i n d a pequeno estaleiro do Sr. L e o n e l , no C r u z e i r o , onde t a m b é m s ã o
que hoje se u s e m o machado, a plaina, o e n x ó . E x i s t e m e m M a - feitos os consertos com os motores de centro, cuja p o t ê n c i a v a r i a
m a n g u á cerca de 6 fazedores de canoas, ainda que o m a i s conhe- entre 9 e 18 cavalos a vapor. E s s a s e m b a r c a ç õ e s s ã o hoje usadas
cido seja o dono do pequeno estaleiro de C r u z e i r o , que hoje v i v e para o transporte de carga (material de c o n s t r u ç ã o ) , para as c o m -
mais do concerto de e m b a r c a ç õ e s motorizadas, botes e baleeiras. pras e m Parati e p a r a o "frete dos turistas". E m muitas dessas
T o d o s eles a p r e n d e r a m na prática, " v e n d o os outros f a z e r e m " e baleeiras, os p r o p r i e t á r i o s a r m a m u m a cobertura de madeira o u
e m geral c o n s t r u í r a m a primeira canoa p a r a uso p r ó p r i o . plástico, p a r a tornar a v i a g e m dos turistas m a i s a g r a d á v e l .
Q u a n t o ao bote é c o n s t r u í d o de m a d e i r a , e m geral de tamanho
"Aprendi a profissão com meu pai, homem de poucas palavras.
pequeno, entre 7 e 12 metros, tendo u m pequeno casario na popa,
Ensinar, ele não ensinava, mas eu ficava ajudando ele fazer as cano-
onde fica o motor e a roda do leme. E s s a s e m b a r c a ç õ e s (umas
as, vendo o jeito que ele tinha, esticando as linhas" (Seu L e o n e l , do
quatro o u cinco) apareceram m a i s recentemente e m M a m a n g u á ,
Cruzeiro).
sendo utilizadas para o arrasto de c a m a r ã o , dentro e fora do Saco.
Na e s t a ç ã o turística, os botes t a m b é m são usados para o transpor-
A l é m d a canoa, a maior parte dos petrechos s ã o feitos m a n u - te de passageiros, geralmente a partir de P a r a t i - M i r i m .
almente, c o m material local como: a poita, pedra a m a r r a d a com
cipó, cabo o u p e d a ç o de rede que serve como â n c o r a : os cestos e
balaios, feitos do cipó timpopeva, e m que se colocam os peixes
depois d a pesca ( s a m b u r á s ) ; a cuia feita de c a b a ç a s , p a r a se "esgo-
A s práticas
económicas e

A wNiPAPE BÁSICA de trabalho é a família, n u c l e a r o u extensa.


A primeira é fundamental nas lidas agrícolas. O s filhos a j u -
l i . i m na l i m p e z a da terra, no plantio e na colheita. A m u l h e r , a l é m
do duro trabalho d o m é s t i c o , ajuda na fabricação d a farinha de
m a n d i o c a , atividade feita semanal o u quinzenalmente d e p e n d e n -
do d o tamanho da família. N a casa de farinha, que à s vezes serve
'1 mais de u m a família, ocorrem formas de c o o p e r a ç ã o inter-fami-
'itir. N a pesca artesanal n ã o - m o t o r i z a d a , o p a i e m geral trabalha
com os filhos, e na embarcada, a tripulação se constitui de p a -
'í^^ntes e amigos. A s formas de c o o p e r a ç ã o no interior da família
•^'^^tonsa acontecem durante a c o n s t r u ç ã o das casas de taipa, re-

"^iptirtnnte esclarecer que, neste levantamento, foi levada em conta somente


' 'itividnde económica dos pais de família, não tendo sido computada aquela
'•-'^lizada pelos filhos menores ou daqueles não casados. Como as crianças
começam cedo a ajudar os pais em seus trabalhos, a mão-de-obra empregada
carias atividades, sobretudo na pesca artesanal e na agricultura locais,
1 L'xceção da pesca embarcada, é maior do que aquela aqtii indicada.
As PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

tirada de á r v o r e s do mato para a c o n s t r u ç ã o de canoas, etc. E s s a C o m o pode ser observado pela Tabela 11,37% dos pais de famí-
c o o p e r a ç ã o se constitui n u m a das bases das atividades e c o n ó m i - lia trabalham na pesca (embarcada e artesanal). A l a v o u r a ocupa
cas locais, t a m b é m pelo fato de grande parte dos moradores per- 21% e a atividade de caseiro, 18,5% dos pais de família.
tencerem a u m pequeno n ú m e r o de famílias extensas (4 o u 5 e m
Mamanguá). Tabela 11 - Principal Atividade Económica
A s relações familiares s ã o fundamentais n ã o somente nas ati- dos Chefes de Família (Censo)
v i d a d e s e c o n ó m i c a s mas permeiam, de forma nítida, as várias
esferas da v i d a social, sobretudo através do sistema de compadrio. ATIVIDADE
ISjo. %
São as ligações familiares que garantem t a m b é m o acesso ao pei-
Pescadores Embarcados 36 30,0
xe capturado por u m membro da família extensa, q u a n d o
Pescadores Artesanais motorizados 4 3.5
existe a " m i s t u r a " para as refeições.
Pescadores Artesanais não-motorizados 4 3.5
A n t e s , a c o o p e r a ç ã o a t r a v é s do p u t i r ã o ( m u t i r ã o ) era u m ele-
mento f u n d a m e n t a l de c o o p e r a ç ã o entre as famílias. L a v r a d o r e s de Subsistência 25 21,0

Caseiros 22 18.5
"Isso terminou faz uns dez anos, depois não teve mais... Putirão
Aposentados 10 8.5
era um trabalha pro outro, ajuda. Fazia a roça dele num dia, outro
Artesãos 9 8.0
dia ele vinha pra mim, e num outro dia eu trabalhava pra ele. Era pra
planta, pra colher, tudo era putirão... Antigamente fazia o putirão, Pedreiros 3 2.5

chegava 30 pessoas, trabalhava e à tarde fazia a festa. Aí o pessoal 2 2.0


T r a n s p o r t a d o r e s d e turistas
trabalhava com prazer, e depois se divertia" (Seu Z i z i n h o , Ponta
Comerciantes 1 1.0
do L e ã o ) .
Sem i n f o r m a ç ã o 3 1.5

A pouca frequência do p u t i r ã o hoje pode ser atribuída a u m a TOTAL 1 19 100,0


grande r e d u ç ã o da p o p u l a ç ã o , com a m i g r a ç ã o , e à i n t r o d u ç ã o do
trabalho assalariado diarista o u "por e m p r e i t a d a " , antes nos ba-
nanais, e agora na propriedade dos turistas. A necessidade cres- Para melhor c o m p r e e n s ã o dos dados relaHvos à atividade eco-
cente de ter dinheiro v i v o para comprar os produtos que já não nómica, outros dados e tabelas serão apresentados, originados n ã o
p r o d u z e m revela a d e p e n d ê n c i a cada v e z maior do mercado e mais c m censo, mas e m análise de amostra de 35 pais de famílias
cada v e z m e n o r das atividades de subsistência. pesquisados.
O s moradores s ã o , e m sua grande maioria, pescadores (embar- C o m o pode ser observado pela Tabela 12, a M a r g e m P e n i n s u -
cados, artesanais e de subsistência), lavradores, caseiros, e artesãos. é a que apresenta a maior p r o p o r ç ã o d c pescadores que i n d i -
N o entanto, existem poucos moradores especializados e m cada a pesca embarcada como atividade p r i n c i p a l . Estes, junta-
uma das atividades e c o n ó m i c a s , pois, e m s u a grande maioria, 'iiente com os mestres se concentram no povoado do C r u z e i r o . A
c o m b i n a m m a i s de u m a atividade durante o ano, sobretudo a •^'^voura é a segunda atividade principal mais importante dessa -
pequena l a v o u r a e a pesca de subsistência. N e s s e sentido, p o d e m ^ ' " í f ^ e m , o c u p a n d o 25%, seguida do artesanato que emprega 10%
ser considerados, e m grande parte, lavradores-pescadores. ^^os chefes de família.
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

Tabela 12 - Principal Atividade Económica Os PESCADORES


dos Chefes de Família por Á r e a

Os pescadores, que representam 37% dos chefes de família, p o -


MARGEM TOTAL ARTES CASEIRO CONSTR. LAVOURA
dem ser d i v i d i d o s e m " e m b a r c a d o s " , "artesanais n ã o - m o t o r i z a -
ContinenuI 10 — 30.0% 10% 30% dos" e "artesanais motorizados".

F do Saco 05 40.0% 20.0% — 20%


a) Pescadores Embarcados
Peninsular 20 10.0% 10.0% — 25% í
Segundo o Censo, a pesca embarcada ocupa cerca de 30% dos chefes
TOTAL 35 11.4% 17.1% 2.8% 25% :\c f a m í l i a . A a n á l i s e d a a m o s t r a p e s q u i s a d a d e m o n s t r a os
seguintes tipos de pesca embarcada:

Tabela 12 (cont.) - Principal Atividade Económica Tabela 13 - Pesca Embarcada - T i p o de Pesca


dos Chefes de Família por Á r e a

MARGEM TOTAL SARDINHA CAMARÃO CAÇÃO


MARGEM TOTAL PESC.ART PESC. EM. TURIS.

ContinenuI 2 100,0% — —
ContinenuI 10 — 10.0% 20.0%
Fundo d o Saco 1 100.0% — —
F do Saco 05 — 20,0% —
Peninsular 10 40.0% 20.0% 30.0%
Peninsular 20 10.0% 45,0% —
TOTAL 13 60.0% 15.3% 23.0%
TOTAL 35 5.71% 31.4% 5,7%

A pesca embarcada é realizada e m traineiras, na pesca d a sar-


dinha (60,0% d o total), e nos barcos que c a p t u r a m c a ç ã o (23%) e
Já n a M a r g e m Continental, as atividades ligadas ao turismo c a m a r ã o (15,3%). E s s e s barcos s ã o provenientes principalmente
o c u p a m o maior contingente de pais de família de todo o Saco de de A n g r a dos Reis, Parati e Ubatuba (SP), onde m o r a m seus p r o -
M a m a n g u á , representadas por 30% de caseiros e 20% de trabalha- Pnetários.
dores voltados ao setor turístico. A lavoura é t a m b é m u m a ativi-
d a d e p r i n c i p a l importante, ocupando 30% dos chefes de família. Tabela 14 - Pesca Embarcada - Função no B a r c o

A í v i v e m t a m b é m 2 dos 3 pequenos comerciantes de pescado.


"MARGEM TOTAL CONT-MESTRE CONVÉS MESTRE
N o F u n d o do Saco, cerca de 40% dos pais de família declaram
ter no artesanato s u a atividade p r i n c i p a l , s e g u i d a d a lavoura •Continental 2 100,0% —
(20%). O u t r o s 20% d e c l a r a m ser caseiros, trabalhando princi-
palmente no C o n d o m í n i o de Laranjeiras. O s pescadores embar-
^"-^do d o Saco 1 100,0% — —
c a d o s (20%) s ã o p o u c o s n o Regate, m a s m a i s n u m e r o s o s e m ^^ninsular 10 10.0% 60.0% 30.0%
Currupira.
13 15.3% 61.5% 23.0%
A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

p e r í o d o d e e s p e r a , cerca de 70% deles se d e d i c a v a m à pesca


C o m o pode-se observar pela Tabela 14,61,5% dos entrevistados
artesanal, à agricultura e ao artesanato.
na amostra s ã o " h o m e n s do c o n v é s " o u " t r i p u l a n t e s " , existindo
A grande maioria dos embarcados (69,2%) a f i r m o u preferir a
entre eles aqueles que trabalham como geladores, cozinheiros, etc.
pesca e m b a r c a d a às outras atividades porque permite u m a renda
Já 23% deles s ã o mestres e 15,3% são contramestres, a t i v i d a d e s de
maior e ter acesso aos benefícios sociais. A p e s a r da a t r a ç ã o exercida
i m p o r t â n c i a no barco de pesca.
pela pesca e m b a r c a d a , sobretudo entre os jovens, cerca de 30,7%
Q u a n t o ao tempo que e s t ã o embarcados, a g r a n d e m a i o r i a
dos embarcados prefeririam trabalhar por conta p r ó p r i a . C o n s t a -
(92,3%) está embarcada há mais de 10 anos, e somente cerca de
ta-se, por outro lado, que na M a r g e m Peninsular existe u m a prefe-
7,7% entre 1 e 4 anos, o que pode revelar a crise por que p a s s a a
rência pela pesca embarcada maior do que nas outras á r e a s .
pesca de s a r d i n h a no litoral sudeste, decorrente sobretudo da
queda grande dos estoques, o que tem levado a p e r í o d o s de defeso
cada v e z m a i s longos. Isso força os jovens do lugar a procurar Tabela 16 - Pesca Embarcada - Preferência de Trabalho

outras a t i v i d a d e s e c o n ó m i c a s . Somente n a M a r g e m P e n i n s u l a r
MARGEM TOTAL C O N T A PÓPR. EMBARCADO
existe u m recrutamento para a pesca e m b a r c a d a , o que enfatiza a
i m p o r t â n c i a d e s s a atividade n a á r e a . 50,0% 50.0%
Continental 02

Fundo do Saco 01 100.0% —


Tabela 15 - Pesca Embarcada - Tempo de Embarque (em A n o s )

Peninsular 10 20.0% 80.0%


MARGEM TOTAL 1-4 5-9 + 10
TOTAL 13 30.7% 69.2%
Continental 02 — — 100.0%

Fundo do Saco 01 — — 100.0% A r e n d a dos embarcados depende da f u n ç ã o que exercem no


t^arco, v a r i a n d o de acordo c o m o tipo de pesca. A " p a r t i l h a " (di-
Peninsular 10 10.0% — 90.0%
viscão da p r o d u ç ã o ) n u m a traineira se processa d a seguinte for-
TOTAL 13 7.6% — 92.3% m a : descontadas as despesas (gelo, óleo c o m b u s t í v e l e rancho), o
í-^ono do barco fica c o m a metade das partes, sendo as restantes
^íivididas entre as diversas funções: o mestre proeiro: 4 partes; o
"Embarquei pela primeira vez quando tinha 18 anos e foi pela
contra-mestre: 2 partes; o motorista: 2,5 partes; o cozinheiro 1,5
necessidade de ganhar um pouquinho mais. Eu nunca tinha saído
P<irtes; o gelador: 2 partes; o caiqueiro: 1,5 partes e cada tripulan-
pra fora, de embarcado, mas meus primos foram me ensinando... Eles
( c o n v é s ) g a n h a 1 parte cada.
são do Cruzeiro e sempre tinham trabalhado em traineira... Agora,
A p o s i ç ã o de mestre é muito respeitada entre os pescadores
eu não embarco todo o tempo, tenho fatnília efilho pequeno... Tam-
^'mbarcados e os artesanais. E l e s t ê m a responsabilidade sobre a
bém no defeso eu volto pra casa e toco minha roça" (Seu Luís, pes-
' " p i i l a ç ã o e o sucesso da pescaria.
c a d o r e m b a r c a d o do Baixio).
106 107

C e r c a de 30% dos pescadores embarcados n ã o e s t a v a m pes- " O mestre tem que ter sabedoria, porque ele tem que levar o barco
c a n d o no p e r í o d o da pesquisa de c a m p o (junho-dezembro), seja 0'ide acha que deve levar. Tem que ser competente pra matar muito
pela i n t e r d i ç ã o do defeso, seja por avaria nas e m b a r c a ç õ e s . N o P^'ixe, mas não deve arriscar com a tripulação, que depende dele. Uns
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

tetupo atrás, um deles sumiu na Ponta da Juatinga porque abusou do "Hoje, se não tiver instrumento de navegação, não navega. Anti-
mar, arriscou muito. Bateu tempo ruim e ele não quis nem saber, gamente, o povo conhecia o tempo pelos astros, quando olhava as
tocou pra frente. Morreu ele e os filhos" (Seu Luís, Baixio). estrelas, o sol, e a lua. Sabia o vento que ia dar. A mocidade lioje só
usa instrumento" (Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .
O u t r a qualidade apreciada pela tripulação é o empenho na pes-
caria, a boa captura que, segundo os pescadores, depende do es- b) Pescadores Artesanais
tado do barco, do tipo do material de pesca, e t a m b é m d a "sorte".
Segundo o C e n s o , somente 7% dos chefes de família a f i r m a r a m
"Pra ser mestre-proeiro, a pessoa tem que ter vocação. Tem que depender exclusivamente da pesca artesanal, i n c l u i n d o aí tanto
agiientar temporal lá na proa. Às vezes, fica a noite inteira sem dor- aqueles que s ã o primordialmente de subsistência como aqueles
mir, só olhando. Dá só um cochilo, quando termina a pescaria" (Seu que já tem baleeiras e botes motorizados. N o entanto, é importan-
Licínio, C o s t ã o ) . te destacar que 62,.8% afirmaram praticar esse tipo de pesca como
a t i v i d a d e complementar (ver Tabela 26). E s s a porcentagem é ele-
O s mestres de barco do lugar (cerca de 8) preferem escolher a \a no F u n d o do Saco (80%) e na Continental (70%). M e s m o na
tripulação entre parentes e a m i g o s , que v i v e m sobretudo no bair- Margem Peninsular, cerca de 55% d e p e n d e m da pesca artesanal
ro d o C r u z e i r o . para sua subsistência, particularmente para conseguir a " m i s t u -
r a " , que a c o m p a n h a o prato básico, o p i r ã o (farinha de m a n d i o c a
" A gente pega só tripulante do lugar. É tudo d a família. r á g u a ) . N e s s e sentido, a pesca artesanal é, sem d ú v i d a , u m a ati-
V i a g e m d u r a u n s 5 o u 6 dias, chegando até C a b o F r i o , depois \e fundamental para a sobrevivência dos moradores.
do R i o de Janeiro. T a m b é m quando o tempo está r u i m , a gente
volta pro lugar onde está a família" (Seu lero, mestre de pesca
Tabela 1 7 - Pesca Artesanal - T i p o de Pesca Praticada
d a Praia do C r u z e i r o ) .
'•'"•^'ÍGEM ESPERA UNHA MERGULHO TARRAFA TRESMAL OUTROS

A totalidade dos mestres n ã o tem d o c u m e n t a ç ã o apropriada,


Continental 14.2% 42.8% — 14.2% 85.7% —
a p r e n d e n d o a profissão na prática, embarcando com parentes ou
Fundo do Saco 25.0% 25.0% — 25.0% 100.0% —
amigos pela primeira vez. A o contrário dos pescadores artesanais,
os mestres hoje u s a m aparelhos, como a s o n d a para identificar a Peninsular — 23.0% 7.6% — 76.9% 7.6%

p r o f u n d i d a d e , o tipo de fundo e os c a r d u m e s : TOTAL 8.3% 29.1% 4.1% 8.3% 83.3% 4.1%

"A gente usa a sonda pra saber se tem peixe. A agulha do apare- ^ b s : Cada pescador pode realizar mais de um tipo de pesca.

lho vai queimando aquele papel e indica a profundidade do mar" (Seu


lero, mestre do Cruzeiro). ^ pesca artesanal é realizada com u m a variedade de técnicas e
'"^petrechos de pesca, utilizados segundo o tipo de peixe, a é p o c a ,
A d e p e n d ê n c i a dos " i n s t r u m e n t o s " de n a v e g a ç ã o é criticada ^"^^ condições do mar.
pelos pescadores artesanais mais velhos, que conheceram o tem' ^ pesca c o m tresmalho é a técnica mais utilizada, sendo prati-
po das canoas de voga. ^^^^ por 83,3% dos pescadores artesanais. C o m linha trabalham
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

29,1%; c o m tarrafa, 8,3% e com rede de espera 8,3% deles. A o


Q u a n t o à s atividades exercidas antes d a pesca artesanal, cerca
c o n t r á r i o do passado, e m que as redes eram confeccionadas c o m
de 50% a f i r m a r a m ter trabalhado na l a v o u r a e cerca de 33,3% n ã o
fios de a l g o d ã o e tingidas com jacatirão para aumentar sua d u r a -
[inham outra atividade económica anterior à pesca. A porcentagem
bilidade, hoje elas s ã o feitas com fios de náilon, e m geral a d q u i r i -
dos que entraram diretamente para a pesca, s e m ter praticado
dos e m Parati, a p r e ç o elevado.
outras atividades é maior na M a r g e m Peninsular, revelando u m
E s s e s pescadores s ã o , e m sua grande totalidade, p r o p r i e t á r i o s d i n a m i s m o m a i o r que nas outras á r e a s . Isso se deve, p r o v a v e l -
d e seus aparelhos de pesca (91,7%,) havendo somente 8,3% que mente, à i m p o r t â n c i a da pesca embarcada que recruta os jovens
se d e f i n e m como " c a m a r a d a s " , isto é, n ã o - p r o p r i e t á r i o s de equi-j diretamente d a praia.
pamentos. Somente no F u n d o do Saco aparece a categoria " c a m a - j
r a d a " , n ã o p r o p r i e t á r i o dos instrumentos de captura.
Tabela 20 - Pesca Artesanal - o que fazia antes de pescar

Tabela 18 - Pesca Artesanal - Propriedade dos Aparelhos de Pesca MARGEM COMÉRCIO LAVOURA NADA oumA SEM RESR

MARGEM D O N O APARELHOS CAMARADA Continental 14,2% 42,8% 28.5% 14.2% —

Continental 100.0% Fundo do Saco — 75.0% 25.0% — —


- 3
Fundo do Saco 50.0% 50.0% Peninsular — 46.1% 38.4% 7.6% 7.6%

Peninsular 100.0% — J TOTAL 4,1% 50.0% 33.3% 8.3% 4,1%

TOTAL 91,6% 8.3%

O s pescadores artesanais motorizados (4 chefes de família) que


Entre os pescadores artesanais, u m a grande maioria (75,0%) afirmaram depender da pesca, trabalham e m pequenos botes a
trabalha s o z i n h a , e u m a pequena parcela com filhos e conheci- motor, d e d i c a n d o grande parte de seu tempo na pesca de arrasto
dos. Somente no F u n d o do Saco existem aqueles que trabalham' cio c a m a r ã o branco dentro o u fora do Saco de M a m a n g u á . O u t r o s
c o m c o m p a n h e i r o s de fora do grupo familiar. pe'scam com tresmalho e linha as diversas espécies que existem
zona estuarina. Esses pescadores motorizados c o m e ç a r a m a
'••'ibalhar recentemente nessa pesca. A l g u n s deles f a z e m t a m b é m
Tabela 19 - Pesca Artesanal - c o m quem trabalha
''•'insporte de turistas, sobretudo no v e r ã o .

MARGEM SOZINHO CAMARADA PARENTES OUTWDS SEM RESR O s pescadores artesanais n ã o - m o t o r i z a d o s que se d e d i c a m
^'>^clusivamente à pesca s ã o poucos (4 chefes de família) empre-
Continental 85,7% — 14.2% f^'indo canoas a remo e pequenas redes na pesca de peixes (princi-
25.0% íj>iimente parati) do próprio Saco de M a m a n g u á , destinando gran-
Fundo do Saco 50.0% — — 25.0%
(I] sua pequena captura à subsistência de suas famílias
Peninsular 76.9% — 15.3% — 7.6^
^' c^-m de v e n d e r no local seu pequeno excedente). N a realidade, o
12.5% ^ "iiero desses pescadores é b e m maior, pois a maioria dos m o r a -
TOTAL 75.0% 0.0% 8.3% 4.1%
"^•^'^ pesca para a subsistência, sendo o pescado a maior fonte de
As PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

proteína d a r e g i ã o . A l é m d i s s o , m u l h e r e s e c r i a n ç a s r e t i r a m
moluscos e c r u s t á c e o s como complemento da dieta o u da renda.

—Os Lavradores

Cerca d e 21% (ou 25 chefes de família recenseados) se declararam


"lavradores", trabalhando principalmente e m r o ç a s de m a n d i o -
ca, da qual f a z e m a farinha, base da dieta local, no tráfico o u
"aviamento". N o entanto, como ocorre com a pesca artesanal, u m a
p ro p o rçã o b e m maior de moradores tem na lavoura u m a ativida-
de complementar importante (37,1 % ) , como se pode observar pela
Tabela 26.
C o m o pode-se ver pela Tabela 21, a totalidade dos agriculto-
res plantam m a n d i o c a (100%). O s outros cultivos mencionados
s ã o a banana (68,1%), á r v o r e s frutíferas (40,9%). A c a n a - d e - a ç ú -
car, lavoura antes predominante na região só é plantada por 27,2%

Tabela 21 - Lavoura - Espécies Plantadas

•ARGEM TOTAL BANANA BATATA CANA FEIJÃO

Continental 06 83.3% — 33.3% 50.0%

'lo do Saco 04 25.0% — 25.0% 75,0%

Peninsular 12 75.0% 8,3% 25.0% 33,3%

^OTAL 22 68.1% 4.5% 27.2% 45,4%

Tabela 21 ( c o n t . ) - Lavoura - Espécies Plantadas

TOTAL FRUTÍFERA MANDIOCA MILHO

'ContinenuI
06 33.3% 100.0% 33.3%
T o t o O ô . T r a k í l i n o nn r o ç a -
''"^^o do Saco 04 25,0% 100,0% 50,0%

^'^''^'nsular 12 50.0% 100.0% 33.3%

M ^ L
22 40.9% 100.0% 36.3%
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

dos lavradores. Deve-se afirmar, no entanto, que n ã o se tratam de Tabela 22 - Lavoura - com quem trabalha
culturas separadas o u monoculturas, m a s realizadas consorciada-
MARGEM TOTAL SOZINHO
mente, na m e s m a r o ç a . ESPOSA FILHOS OUTROS

C o m o foi mencionado anteriormente, u m a v e z u s a d a a terra Continental 06 33.3% 33.3% 50.0%


por três o u quatro anos, o solo é deixado e m pousio, durante a l -
Fundo do Saco 04 25.0% —
g u n s anos, para voltar a ser plantado de novo. 50.0% 25.0%

Peninsular 12 25.0% 75,0% 33.3%


"A gente derruba o mato, planta uns três anos e depois deixa i
TOTAL 22 27.2%
mato prospera. Quando a gente quer plantar num terreno mais forte 50.0% 40.9% 4.5%
aí derruba o mato, pois a raiz dá melhor. A madeira cortada a genU
Obs.: Cada lavrador pode ter respondido mais de uma alternativa.
aproveita pra cozinha, assim evita comprar gás" (Seu Dito, d<
Baixio).
A m a i o r i a d o s lavradores (70,8) a f i r m o u ter s u a s r o ç a s distan-
O s moradores t a m b é m tem u m a n o ç ã o d a s u c e s s ã o de espé tes da casa, exigindo longas caminhadas, ainda mais penosas quan-
cies q u a n d o o solo fica fraco e a roça é abandonada. do carregam a m a n d i o c a por q u i l ó m e t r o s a t é chegar à casa d e
farinha. Somente n o F u n d o do Saco a s r o ç a s s ã o feitas m a i s p r ó x i -
mas às casas.
"Quando a gente abandona a quadra de terra que já foi plantada
por muito tempo, o vento traz as sementes de árvores pro lugar. Vem,
por exemplo, a acandiúba, que é a madeira que aparece em lugar fres- Tabela 23 - Lavoura - Distância d o Terreno da R o ç a
co. Vem também o jacatirão. Mas quando o terreno já era fraco e está
muito cansado, logo vem o capim-melado, o sapé" (Seu Dito, do MARGEM TOTAL DISTANTE PRÓXIMO

Baixio).
Continental 06 83.3% 16.6% '

D e c l a r a m trabalhar sozinhos 27,2% dos lavradores, ao passq| Fundo do Saco 04 — 100.0%

que a maioria deles trabalha com a mulher e as crianças. A derruba-


Peninsular 12 58.3% 25.0% ,^
da do mato é u m a tarefa masculina, m a s as m u l h e r e s e crianças
t a m b é m trabalham n o plantio, na capina e na colheita (Tabela 22)- "^OTAL 22 70.8% 27.2%
E s s e parece ser u m p a d r ã o de trabalho aplicável a todas as áreaS/j
sem distinção.
Q u a n t o à p r o p r i e d a d e o u posse d o terreno d a r o ç a , 45,5% afir-
"A gente planta pouca área, uma ou duas quadras (cada quadra maram s e r e m d o n o s e 50% n ã o s ã o donos dos terrenos e m q u e
é 20m X 20m), dependendo da família. A gente é obrigado a plantar P'^'»ntam, emprestando-os de terceiros (Tabela 24). N o F u n d o d o
sempre mais longe. Os velhos já ficam cansados com a caminhada ^ ^^^^h a totalidade dos agricultores informou ter a posse de seus
com o peso da carga de mandioca pra trazer. Os novatos fora^ "Tenos, enquanto que na M a r g e m Continental e P e n i n s u l a r , a
saindo do lugar e a roça está fracassando" (Seu Dito, Baixio de ^jiioria planta e m terrenos de terceiros, o u " s e m d o n o " . Isso pode
dentro). ^'^plicado pelo fato d e a maioria dos moradores d o F u n d o d o
As PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

Saco ser a i n d a p r o p r i e t á r i a de suas terras e n ã o tê-las v e n d i d o a — Os Empregados dos Turistas ,:


turistas p o r se tratar de área distante e mais infestada de m a r u i n s
Dentre os chefes de família, 18,5% declaram-se "caseiros" (Tabela
e mosquitos.
11), atividade cada vez mais importante em M a m a n g u á . A l é m dis-

Tabela 24 - Lavoura - Posse do T e r r e n o


so, há t a m b é m os que transportam turistas (2 chefes de família), de
forma regular, sobretudo durante o v e r ã o , férias e dias feriados.
PRÓPRIO TERCEIROS SEM RESR A c o n s t r u ç ã o de casas para os turistas está se tornando u m a
MARGEM TOTAL
atividade importante para algumas famílias que a f i r m a r a m ter a í
06 33.3% 66.6%
Continental sua p r i n c i p a l fonte de renda.

Fundo do Saco 04 100.0% —


- U m n ú m e r o cada v e z maior de jovens trabalham c o m o aju-
dantes de pedreiro, quando existe trabalho, s e m deixar, no entan-
33.3% 58.3% 8.3%
Peninsular 12 to, de ajudar s u a s famílias na roça e na pesca. A totalidade d a s

45.4% 50.0% 4.5% casas locais, sobretudo as feitas de " t a i p a " (casas de pau-a-pique)
TOTAL 22
são c o n s t r u í d a s pelos p r ó p r i o s moradores, utilizando materiais
locais, c o m o a madeira de mangue, palmeira j u ç a r a , s a p é e barro.
A maioria (63,6%) d o s lavradores p r o d u z e m somente para o
c o n s u m o p r ó p r i o , e somente 4,5% cultivam exclusivamente para — Os Artesãos
a v e n d a , ao passo que 27,2% p r o d u z e m para o c o n s u m o e a venda
{Tabela 25). A p o p u l a ç ã o d o F u n d o d o Saco é a q u e m a i s planta Entre os chefes de família, 8,0% a f i r m a m depender de atividades
somente para o c o n s u m o ao passo que n a M a r g e m Continental e artesanais, principalmente da fabricação de miniaturas de embar-
P e n i n s u l a r cerca d e u m quarto d e moradores planta p a r a o con- cações, remos, gamelas, feitas sobretudo de madeira de caixeta.
sumo e venda. Como foi dito anteriormente, essas atividades artesanais se intensi-
ficam nos meses de v e r ã o , q u a n d o aumenta o afluxo de turistas
Tabela 25 - Lavoura - Destino do Produto no local e na c i d a d e de Parati onde as p e ç a s de artesanato s ã o
Vendidas para os donos de loja, que as r e v e n d e m a p r e ç o b e m
CONS/ R
SEM RESR
TOTAL CONSUMO VENDA "lais elevado.
MARGEM VENDA
Além disso, u m chefe de família v i v e exclusivamente d a cons-
33.3% 16.6%
ContinenuI 06 50,0% —
trução e reparo de e m b a r c a ç õ e s , n u m pequeno estaleiro existente

04 75.0% — 25,0% —• bairro d o C r u z e i r o . N o entanto, existem cerca d e seis chefes de


Fundo do Saco

'^''mília que fabricam canoas para o u s o local, n a maioria dos c a -
12 66.6% 8.3% 25.0%
Peninsular para seu p r ó p r i o uso.
27,2% 4.5%
TOTAL 22 63.6% 4.5%
Os Comerciantes

^ c o m é r c i o local (vendas) é realizado por 1 chefe de família ao


se ajuntam dois outros, que abriram recentemente d u a s v e n -

I
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E A S PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

d a s na praia do C r u z e i r o . A m b o s , no entanto, exercem t a m b é m dade, c o m b i n a n d o frequentemente várias delas. A s atividades se-


atividades de pesca e transporte de mercadorias. A l é m disso, exis- c u n d á r i a s o u complementares mais citadas são: a pesca artesanal
t e m 3 c o m e r c i a n t e s de p e s c a d o que c o m p r a m a p e s c a r i a de (62,8%), a l a v o u r a (37,1%) e o artesanato (28,5%).
pescadores locais para r e v e n d ê - l a e m Parati. E s s e s comerciantes
t a m b é m exercem outras atividades. C o m o n ã o existe energia elé-
Tabela 26 - Atividades C o m p l e m e n t a r e s por C h e f e de Família
trica, o peixe é c o n s e r v a d o no gelo, a d q u i r i d o e m Parati. O s pei-
xes que tem m a i o r valor de mercado e m M a m a n g u á s ã o o robalo, MARGEM CHEFES ARTES. CAÇA COLETA CONST
o badejo, a pescada, o cherne, o namorado. A s a r d i n h a , o c a ç ã o e
o c a m a r ã o branco, s ã o , e m geral, comercializados pelos p r ó p r i o s Continental 10 10.0% — 10.0% 10,0%
d o n o s dos barcos, fora d a região.
Fundo do Saco 05 20.0% 20.0% 20.0% —

— Os Aposentados Peninsular 20 40.0% 15.0% 20.0% 15.0%

TOTAL 35 26.6% 11.4% 17.1% 11,4%


D e z chefes de família (8,5%), muitas vezes v i ú v a s , v i v e m de a
sentadoria, mas praticam t a m b é m atividades de roça e pesca.

Tabela 26 (cont.) - Atividades C o m p l e m e n t a r e s por C h e f e de Família

A COMPLEMENTARIDADE DE
MARGEM LAVOURA PESCA PESCA TURIS. NÃO
ATIVIDADES ECONÓMICAS ARTES. EMBARC. POSSUI

C o m o foi afirmado anteriormente, os moradores muito r a r a m e n - Continental 30.0% 70.0% 10.0% — 10.0%
te v i v e m de u m a s ó atividade. O s pescadores embarcados, q u a n -
Fundo do Saco 60.0% 80,0% — — —
do d e s e m b a r c a m temporariamente praticam a pesca artesanal, a
lavoura e o artesanato. O s lavradores, e m sua grande maioria tam- Peninsular 35.0% 55,0% 5.0% 10,0% 15,0%

b é m praticam a pesca de subsistência e vice-versa. O s a r t e s ã o s ,


TOTAL 37.1% 62.8% 5.7% 5.7% 11.4%
que trabalham sobretudo durante a e s t a ç ã o turística, v i v e m d u -
rante o restante do ano da pequena pesca e da agricultura. O O b s : Cada chefe de família pode realizar mais de uma atividade complementar.
dinheiro n e c e s s á r i o para a compra de produtos c o m e s t í v e i s n ã o
p r o d u z i d o s localmente e industrializados é obtido pelo trabalho
de embarcado, pela venda de artigos artesanais, do pouco exceden- Pela Tabela 27, constata-se que 74,3% a f i r m a r a m ter renda fa-
te de peixe, pela atividade de caseiro e pelo trabalho ocasional 'iiiliar superior ao salário m í n i m o ; 5,7% estão abaixo do salário
(diaristas) para os turistas e pela pequena renda dos aposenta- 'iiínimo e 20% a f i r m a r a m que s u a renda familiar varia, ficando
dos. Para a c o m p r a de e m b a r c a ç õ e s , usa-se o dinheiro consegui- "^•a a c i m a , ora abaixo do salário m í n i m o , d e p e n d e n d o do m ê s .
do c o m a v e n d a de parte d a terra (posse). ^'o F u n d o do Saco existe u m a p r o p o r ç ã o maior de famílias e m
C o m o pode-se observar pela Tabela 26, retirada d a amostra, 1ue a renda familiar é menor que o salário m í n i m o , revelando
cerca de 90% dos pais de família se d e d i c a m a mais de u m a ativi- ^'ma pobreza maior desses moradores.. N a medida e m que as ativi-
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

d a d e s e c o n ó m i c a s s ã o sazonais, é difícil calcular u m a r e n d a m é -


dia m e n s a l e nesse sentido a T a b e l a 27 se encontra p r e j u d i c a d a .

Tabela 27 - Renda Familiar

MARGEM TOTAL ABAIXO DO SM ACIMA DO SM VARIA

Continental 10 — 70.0% 30.0%

Fundo do Saco 05 40,0% 40.0% 20.

Peninsular 20 — 85,0% I

TOTAL 35 5,7% 74.2% 20,

12a

Saco d o M.-imantíjuá, Farati ( K J ) .


7
5 ' ni t> o i s m o s
[Representações
e frestas

MODO DE V I D A das p o p u l a ç õ e s tradicionais c a i ç a r a s compor-


^ - ^ t a elementos simbólicos, a t r a v é s dos quais os h o m e n s n ã o
somente agem sobre o m u n d o natural, mas também sobre as potên-
cias invisíveis que controlam a r e p r o d u ç ã o da natureza e p o d e m
ou recusar u m a boa colheita, u m a pesca e c a ç a s abundantes.
'•-'^SL' sentido, a prática simbólica no processo de trabalho consti-
•^'i uma realidade social tão real quanto as a ç õ e s materiais sobre o
^^^"ndo visível. E s s a s r e p r e s e n t a ç õ e s n ã o existem apenas a t r a v é s
piocesso de conhecimento, mas t a m b é m s ã o expressas n u m a
^ guogeni^ a qual representa u m a das c o n d i ç õ e s indispensáveis
' ' ''rc^ndizado das técnicas e d a sua transmissão. Godelier (1984)
na que é necessário incluir a linguagem entre as forças p r o d u -
^. O simbolismo e as representações que os povos p r é - i n d u s -
""^ fíízem d a natureza, constitui, segundo Lévi-Strauss, u m a
SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

verdadeira ciência d o concreto, u m rico tesouro de conhecimentos verso onde o s caracteres fundamentais d o s seres a n i m a d o s se e n -
contram n a s coisas i n a n i m a d a s .
d a b o t â n i c a , da ictiologia e da farmacologia.
C o m o afirma Mircea E l i a d e (1991): ^
"(...) nas mitologias antigas o u e m mitologias c o n t e m p o r â -

"O p e n s a m e n t o simbólico n ã o é u m a á r e a e x c l u s i v a neas d e outras civilizações, os rochedos, montanhas, rios s ã o

c r i a n ç a , do poeta o u do desequilibrado; ela d consubstan biomórficos ou antropomórficos e o universo é povoado de

ao ser h u m a n o ; precede a linguagem e a r a z ã o d i s c u r s i v a . 0 | espíritos, g é n i o s , deuses, que estão e m todas as coisas o u por
trás de todas as coisas. Reciprocamente, o ser h u m a n o pode
s í m b o l o revela certos aspectos da realidade — os m a i s p r o f u i ^ H
sentir-se d a m e s m a natureza que as plantas e os a n i m a i s , ter
dos — que desafia qualquer outro meio de conhecimento.
c o m é r c i o c o m eles, metamorfosear-se neles, ser habitado o u
i m a g e n s , os s í m b o l o s e os mitos n ã o s ã o c r i a ç õ e s i r r e s p o n s ^ H
p o s s u í d o pelas forças d a n a t u r e z a " ( M o r i n , 1986:151).
v e i s da psique; elas respondem a u m a necessidade e p r e e ^ ^ l
c h e m u m a f u n ç ã o : revelar as m a i s secretas m o d a l i d a d e s do
N a s sociedades primitivas o u pré-industriais a u n i d a d e / d u a l i -
s e r " (p.lO).
dade do h o m e m se reflete t a m b é m nas d u a s formas de a p r e e n s ã o

N e s s e sentido, a r e p r e s e n t a ç ã o do mundo selvagem, do munido da realidade: u m a , e m p í r i c a , técnica e racional, pelo q u a l ele

natural, n ã o pode ser apreendida totalmente, se n ã o se recorrer às a c u m u l o u u m a complexa bagagem d e saber b o t â n i c o , z o o l ó g i c o ,

r e p r e s e n t a ç õ e s , às imagens e ao pensamento mítico. D e acordo ecológico, tecnológico (hoje objeto de etnociência); e outra, s i m b ó -
lica, mitológica e m á g i c a . N o entanto, essas d u a s formas de co-
c o m M o r i n (1986), os mitos s ã o narrativas que d e s c r e v e m
nhecimento do h o m e m arcaico, ainda que distintas, n ã o v i v e m
em dois u n i v e r s o s separados; s ã o praticadas n u m u n i v e r s o úni-
"(...) a origem do m u n d o , a origem do h o m e m , o s e u e s t a ^
co, ainda que d u a l . D e acordo c o m Eliade, nesse u n i v e r s o d u a l o
tuto e a s u a sorte na natureza, as suas relações com os deuses
espaço e o tempo s ã o os m e s m o s e ao m e s m o tempo diferentes; o
e os espíritos. M a s os mitos n ã o falam s ó d a c o s m o g ê n e s e , não
tempo do mito, o tempo passado é t a m b é m s e m p r e presente. O
f a l a m s ó d a p a s s a g e m d a natureza à cultura, m a s t a m b é m de
lt^'nipo t>riginal, mítico, retoma através das cerimónias regenerado-
t u d o o q u e concerne a identidade, o passado, o futuro, o pos-
'"'is (o mito d o eterno retorno, descrito por Mircea Eliade).
sível, o i m p o s s í v e l , e de tudo o que suscita a interrogação, a
c u r i o s i d a d e , a necessidade, a a s p i r a ç ã o . T r a n s f o r m a m a histó- Essa r e p r e s e n t a ç ã o simbólica d o cíclico, d e que tudo n o c o s m o

ria d e u m a c o m u n i d a d e , cidade, povo, tornam-na lendária, e ^'^sce, morre, renasce é forte nas sociedades p r i m i t i v a s , m a s está
m a i s geralmente, tendem a desdobrar tudo que acontece no presente t a m b é m nas comunidades tradicionais de pequenos agri-

nosso m u n d o real e no nosso m u n d o i m a g i n á r i o para os lig^^ cultores itinerantes, de pescadores e coletores que ainda v i v e m
e os projetar juntos no m u n d o m i t o l ó g i c o " (p.l50). í^abor d o s ciclos naturais e n u m complexo c a l e n d á r i o agrícola
pesqueiro. H á o tempo para fazer a coivara, p r e p a r a r a terra,

O m u n d o natural d i s p õ e d e caracteres a n t r o p o m ó r f i c o s e o ^cMTiear, capinar e colher, como t a m b é m há o tempo de esperar as

h o m e m d i s p õ e de caracteres c o s m o m ó r f i c o s . E s s e aspecto é funda i^' Pccies de peixes m i g r a t ó r i o s , como a tainha. U m a v e z termina-

mental para se entenderem as r e p r e s e n t a ç õ e s que as s o c i e d a d ^ esse ciclo, ele r e c o m e ç a r á no p e r í o d o seguinte. E m muitas des- •

c h a m a d a s primitivas, pré-capitalistas ou pré-industriais fazem ^ ^s Comunidades, essas atividades s ã o c o m a n d a d a s por sinais,

m u n d o . O universo mitológico, para M o r i n , parece como u m o aparecimento de u m a l u a determinada, d a c h u v a , etc. Esses


SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

" t e m p o s " s ã o muitas vezes celebrados por festividades que mar- São c o m u n s as lendas relativas aos tesouros escondidos nas
c a m o imcio o u o fim de u m a determinada safra (a colheita, por ruínas dos engenhos, as a s s o m b r a ç õ e s e almas dos escravos que

exemplo). C o m o afirma Mircea E l i a d e (1991): m u r m u r a m e gritam, à noite, na Ilha da C o t i a , e m frente a M a -


m a n g u á , onde a i n d a existem as argolas e m que e r a m presos os

" O ano, o u o que compreendemos por esse termo, e q u i v a l e cativos, q u a n d o castigados. Conta-se t a m b é m que os escravos

à c r i a ç ã o , à d u r a ç ã o e à d e s t r u i ç ã o do m u n d o , ainda que tenha \elhos, q u a n d o i a m morrer, e r a m levados para certas ilhas o n d e

sido r e f o r ç a d a pelo e s p e t á c u l o da morte e da r e s s u r r e i ç ã o pe- a i n d a hoje aparecem as almas dos mortos. H á t a m b é m relatos de

riódicas d a v e g e t a ç ã o n ã o seca, por isso, u m a c r i a ç ã o das soci- barulho de machadadas no mangue que se o u v e m de vez e m quan-

edades agrícolas. E l a se encontrava nos mitos das sociedades d o , e que é atribuído a almas de escravos.

p r é - a g r í c o l a s e é muito provavelmente u m a c o n c e p ç ã o da es- O i m a g i n á r i o relativo ao tempo dos escravos está m a r c a d o


trutura lunar. A lua mede as mais sensíveis periodicidades e pelas narrativas de f u n d a ç ã o de alguns núcleos de moradores por
foram termos relativos à lua que primeiro s e r v i r a m para ex- ex-escravos, como é o caso Praia do C r u z e i r o e de C u r u p i r a .
pressar a m e d i d a do tempo. O s ritmos lunares s e m p r e mar- N o tempo das fazendas escravocratas, o m a r era mais consi-
c a m u m a " c r i a ç ã o " (a lua nova) seguida de u m crescimento derado c o m o u m e s p a ç o de transporte de mercadorias do que
(lua cheia) e de u m a morte (as três noites s e m l u a ) " (p.69). c o m o lugar de p r o d u ç ã o . Daí a i m p o r t â n c i a das trilhas, dos car-
ros de boi.

E m M a m a n g u á , os moradores representam simbolicamente


m a r e a terra. N e s s a s r e p r e s e n t a ç õ e s simbólicas a p a r e c e m ta: C^s V Á R I O S MARES

b é m v á r i a s " c a m a d a s " de r e p r e s e n t a ç õ e s que s i m b o l i z a m o tem-


po do passado, o p e r í o d o heróico das canoas de voga e os e s p a ç o s I'nra os moradores de M a m a n g u á existem v á r i o s mares, cada u m
atuais d e v i d a . c o m seus simbolismos e r e p r e s e n t a ç õ e s .

— O Mar-de-Dentro: o Estuário
A TERRA DOS ESCRAVOS

C o m o foi visto anteriormente, as atividades e c o n ó m i c a s e o modo ''ara os moradores que exercem atividades a g r í c o l a s , o M a r - d e -

de v i d a e m M a m a n g u á estiveram, no passado, muito mais lij l^entro está ligado às atividades agrícolas, e isso se revela n a s

dos à terra que ao mar. N o p e r í o d o colonial, as grandes fazem '••-'presentações simbólicas sobre a terra e o mar. Para esses morado-

que u t i l i z a v a m o trabalho escravo o r g a n i z a v a m n ã o somente ' por exemplo, os entes sobrenaturais s ã o sobretudo os de ter-
I
atividades e c o n ó m i c a s , mas t a m b é m as sociais e culturais. O ima- a, como ocorre c o m a lenda do c u r u p i r a , que p r o v a v e l m e n t e d e u

ginário local representa o tempo da s e r v i d ã o como o d a violência "••gem a u m a praia do mesmo nome. E s s e ente fantástico já h a v i a

e d a d u r e z a do trabalho escravo. Sobressaem nas narrativas as ^ido mencionado por J o s é de Anchieta ( C â m a r a C a s c u d o , 1976):

figuras cruéis dos p a d r e s - c o r o n é i s , padre M a n o e l A l v e s , dono da


Fazenda Santa M a r i a e Francisco Antonio, dono da Fazenda Parati- " É coisa sabida e pela boca de todos corre que há certos
M i r i m . S e g u n d o as narrativas, o padre M a n o e l A l v e s fazia amar- d e m ó n i o s e que os brasis c h a m a m de c u r u p i r a , que acometem

rar os escravos fugitivos no mangue para que fossem devorados índios muitas vezes no mato, dão-lhes açoites, m a c h u c a m -

pelos m a r u i n s . uos e matam-nos. São testemunhas disto os nossos i r m ã o s , que


o Nosso LUGAR VIROU PARQUE SiMBOLisMos, R E P R E S E N T A Ç Õ E S E F E S T A S

v i r a m a l g u m a s vezes os mortos por eles. P o r isso, c o s t u m a m tam sair c o m s u a s canoas. A própria r e p r e s e n t a ç ã o d e " p r a i a " ,
os índios deixar e m certo caminho, que por á s p e r a s brenhas enquanto lugar de moradia é mais terrestre q u e m a r í t i m a . Pode-
v a i ter ao interior das terras, no cume d a mais alta m o n t a n h a , se afirmar q u e a maioria dos moradores se sente mais a vontade
q u a n d o p o r cá p a s s a m , penas de ave, abanadores, flechas e na r o ç a , n a casa de farinha, n a c a ç a que no mar. E x i s t e m t a m b é m
outras coisas semelhantes, como u m a espécie de o b l a ç ã o , ro- " l u g a r e s " melhores o u piores para se viver. O lugar o u praia é
g a n d o fervorosamente aos curupiras que n ã o lhes f a ç a m m a l " considerado b o m quando tem u m acesso fácil ao mar, á g u a doce
(p.332). para beber e sobretudo quando n ã o é infestado de m o s q u i t o - p ó l -
vora o u pernilongo, que infernizam a v i d a das pessoas durante
Por outro lado, existem as r e p r e s e n t a ç õ e s relativas ao M a r - d e - "as l u a s " (cheia e n o v a ) . Acredita-se q u e o m o s q u i t o - p ó l v o r a
Dentro, mais p r ó x i m o , o que está e m frente de casa, mais protegi- ( m a r u i m ) v e m d o mangue, por levas, durante as m a r é s - c h e i a s ,
d o d o s ventos, a partir d a " b a r r a " , e sobretudo a partir d a Ilha sobretudo à noite e ao amanhecer. Por isso, u m b o m lugar para se
G r a n d e e m d i r e ç ã o ao F u n d o d o Saco. A s d u a s ilhas, a G r a n d e e a viver é s e m p r e longe d o m a n g u e do F u n d o do Saco e u l t i m a m e n -
Pequena, aliás, fazem parte deste mar-de-dentro e hoje s ã o desa- te a l g u m a s famílias tem saído dessas áreas, s e g u n d o d i z e m , pela
bitadas. N o passado, tinham u m morador cada u m a , sendo o mais infestação d o m a r u i m .
lembrado u m a hippie que veio d o R i o de Janeiro e v i v e u ali sozi- O lugar b o m para se morar é t a m b é m aquele e m que v i v e a
nha mais de u m ano, apesar da falta de á g u a . " i r m a n d a d e " , seja a familiar seja a religiosa, principalmente a d o s
O mar, enquanto meio e objeto de trabalho e subsistência apa- "crentes", pois ali está t a m b é m a igreja que congrega os " i r m ã o s "
receu depois d o tempo das fazendas de escravo, q u a n d o a pesca i^os fins de s e m a n a .
p a s s o u a desempenhar u m papel importante como gerador de O M a r - d e - D e n t r o n ã o é somente u m lugar físico. É t a m b é m
renda e aporte de alimento para os moradores, alguns ex-escra- um e s p a ç o c r i a d o c u l t u r a l m e n t e , sobretudo a t r a v é s d a s p r á t i -
vos. A p e s a r de hoje grande parte dos moradores c o m b i n a r e m cas p e s q u e i r a s de s u b s i s t ê n c i a . M e s m o essas a t i v i d a d e s eco-
atividades agrícolas, artesanais, extrativistas e pesqueiras para ga- n ó m i c a s s ã o m a r c a d a s pelas p r á t i c a s sociais e s i m b ó l i c a s . E s s e
rantir s u a subsistência e renda, muitos deles, durante a pesquisa, mar é u m e s p a ç o h u m a n i z a d o , onde os peixes t ê m v i d a à s e m e -
se d e f l n i r a m como " l a v r a d o r e s " . Isso se explica na m e d i d a e m lhança d o h o m e m . O parati, p o r e x e m p l o , é c l a s s i f i c a d o c o m o
que a roça exige u m empenho mais sistemático que se inicia com peixe " d e carne forte", n ã o a c o n s e l h á v e l p a r a m u l h e r e s de " r e s -
a l i m p e z a d o terreno, a coivara, o plantio, as capinas. A pesca é g u a r d o " . A m o r é i a é u m peixe " r e i m o s o " , p r o i b i d o p a r a as
somente u m a atividade de subsistência, que garante a " m i s t u r a " mulheres g r á v i d a s .
que a c o m p a n h a a farinha. ,1
O s peixes t ê m qualidades a n t r o p o m ó r f i c a s ; a s s i m o parati é
Para a maioria dos moradores, a p e r c e p ç ã o d o m a r se dá || •-'aperto, t ê m " v o n t a d e s " , pode-se deixar capturar o u n ã o .
partir d a terra. O Mar-de-Dentro é utilizado como meio de loco-
m o ç ã o para visitar os parentes " d o outro l a d o " , u m a v e z que e "A gente encontra o parati nos lajeados e nos baixios. Aí a gente
impossível se cruzar o m a n g u e d o F u n d o do Saco à pé. E l e é tarn' cerca ele com a rede, batendo com o remo na canoa pra ele entrar.
b é m o e s p a ç o de trabalho dos pequenos pescadores. Q u a s e todo Quando está bom de morrer, ele entra na rede. Quando a água está
o tempo é u m espelho d ' á g u a tranquilo, sem ondas. N o entanto, escura, aí melhor pra ele morrer. Mas quando ele está velado, escondi-
pode ficar agitado, sobretudo quando aparece o vento s u l . D u - dinho, não adianta que ele não quer morrer, passa pelo fundo da ca-
rante esse p e r í o d o , que pode chegar a três dias, os moradores c v i - ma e volta" (Dito, do Baixio).
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS

Parece h a v e r u m a c u m p l i c i d a d e entre o peixe e o pescador O M a r G r o s s o era o m a r das canoas de v o g a do p a s s a d o que


dentro d a s r e p r e s e n t a ç õ e s do m u n d o natural dos que v i v e m no afrontavam os mares agitados entre Mangaratiba e Santos, desde
interior do Saco. N e s s e sentido, tanto o mar como o peixe s ã o d á - as p r i m e i r a s d é c a d a s deste século até cerca de 1950, q u a n d o foi
d i v a s de D e u s e os a n i m a i s só aparecem no " t e m p o certo", seja v e n d i d a a última delas no lugar. Pode-se dizer que este foi o perí-
v e r ã o o u inverno. O s a n i m a i s de terra somente aparecem no " s e u odo é p i c o d a n a v e g a ç ã o no lugar. '
t e m p o " e deve h a v e r tempo para caçá-los e tempo para deixar
que eles " p r o s p e r e m " , se r e p r o d u z a m . Por isso, há necessidade "Antes tinha muita canoa de voga.. As maiores eram duas, tinha
de respeitá-los e, portanto, critica-se o barco de arrasto que mata outras menores. Levavam umas quatro toneladas de mercadoria para
os filhotes c o m o destruidores da d á d i v a de D e u s . A n a t u r e z a a Ilha Grande, Mangaratiba, Angra. Levavam uns 40 sacos de fari-
( D e u s ) é q u e m regula os ciclos, a l u a , as m a r é s , a s s i m c o m o o nha, uns 3 barris de pinga. Era tudo a remo. Usava quatro remos
comportamento dos peixes e dos homens. D e s s e m o d o , a g a n â n - grandes, mas quando tinha vento usava vela... aquelepanos quadra-
cia dos que q u e r e m se enriquecer, arrastando c a m a r ã o e filhotes dos, só que não cortavam o vento, usava o vento de popa. Antigamente
de peixes, destruindo a natureza, é moralmente r e p r o v á v e l , se^: o povo conliecia o tempo pelos astros, conhecia as marés. Eles se
g u n d o os pequenos pescadores. guiavam, à noite, pelas estrelas. Hoje a mocidade tem os aparelhos, e
Existem t a m b é m lendas ligadas à terra, o próprio nome da praia sem eles, não navegam, não navegam..." (Seu Z i z i n h o , Ponta do
C u r u p i r a sugere s u a existência, a s s i m como existe a lenda d a "co- Leão).
bra c a b e l u d a " , que causa medo aos moradores.
O outro mar, e x t e n s ã o do primeiro é aquele que leva a Parati, "A canoa de voga era grande... levava até 50 sacos defarinlia e
f o r m a d o por canais entre as v á r i a s ilhas, m a s m a i s exposto ac_ viajava com qualquer tempo. Era alta, cabia a gente em pé dentro
ventos e ao " t e m p o " . Se no passado era transposto pelas canoas dela. Tinha até um metro e 20 de boca, de largura. Tinha 4 remos e 2
de voga, hoje nele n a v e g a m somente os barcos motorizados que velas, o mesano e o traquele... Meu pai gostava de ir pra Angra com
transportam material e pessoas p a r a a sede do m u n i c í p i o . uma pessoa que entendesse bem de vela, porque na hora do sufoco,
tinha que jogar a vela n'água ou arriar rapidinho pro vento não vi-
rar, correndo a meio pano... Tinha canoa que pegava até 25 pessoas..."
— O Mar Grosso (Seu Licínio, C o s t ã o ) .

Por fim, existe o m a r de fora, o verdadeiro, o m a r dos pescadores O s " m e s t r e s " da canoa de voga e r a m considerados n a v e g a d o -
e m b a r c a d o s , frequentado pelas traineiras, pelos barcos de pesca •es destemidos, que s a b i a m se guiar pelos ventos e pelas estrelas,
de c a m a r ã o e de c a ç ã o . E s s e e s p a ç o m a r í t i m o é representado de afrontando mares perigosos e caprichosos, sujeitos a acidentes e
forma simbólica distinta do Mar-de-Dentro. naufrágios. Estes e r a m causados pelo desrespeito às leis da na-
tureza, q u a n d o o mestre arriscava muito. U m a dessas histórias
"A gente chama de Mar Grosso, o mar da Ponta do Mamanguá ^^^mta o n a u f r á g i o de d u a s canoas de voga, levando cada u m a
para fora. É um mar arriscado, porque as ondas são violentas. As ^^tízenas de pessoas, q u a n d o os noivos v o l t a v a m de P a r a h para a
pessoas daqui de dentro enjoam. Ele é também traiçoeiro. Aqui den- 'c'sta na Praia d o A r a ú j o , situada na baía de Parati. O n a u f r á g i o
tro não, a pessoa pode até morrer aqui, mas só se for predestinado o '^'nninou c o m a morte dos viajantes, durante u m a tormenta. O s
dia dele morrer" (Dito, do Baixio). ' c'cém-casados teriam sido encontrados a b r a ç a d o s e mortos.
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS

" O pessoal me contava de uma tormenta, no dia três de maio... embarcada, os moradores p a s s a m a conhecer portos urbanos i m -
A época, a data, num sei quando foi, mas o padre Nilton era vivo... portantes, c o m outros modos de v i d a , como o de Santos e R i o de
Vieram dois noivos, em duas canoas de voga com 25 pessoas em Janeiro, onde se v e n d e a p r o d u ç ã o . E s s e é o m a r distante, o que
cada. Casaram em Parati e embarcaram para comemorar na Praia separa o pescador da terra, de sua família.
do Araújo. At foi quando o padre viu o tempo ameaçado e disse: P a r a o n o v o g r u p o de "pescadores e m b a r c a d o s " , o M a r G r o s -
Filhos, vocês não vão ainda porque o tempo está ameaçado, mas o so é antes de tudo o d o m í n i o da incerteza, da i m p r e v i s i b i l i d a d e ,
pessoal decidiu pegar o mar assim mesmo, porque tiniia festa, tinha c a r a c t e r í s t i c a s opostas às da terra, onde, nas p r á t i c a s a g r í c o l a s ,
baile, num sei mais o quê. Quando eles saíram Pontal afora viram existe u m a m a i o r p r e v i s ã o , d e s d e o plantio a t é a colheita. N a
aquela nuvem de poeira, aquele sarsêro de água salgada que vinha... pesca, s o b r e t u d o na dos peixes m i g r a t ó r i o s , c o m o a t a i n h a , q u e
Quando a tormenta veio, num deu tempo, as canoas atracaram uma aparece n o p e r í o d o frio, no e s t u á r i o , os pescadores e s p e r a m q u e
na outra e as velas engancharam uma na outra e as canoas afun- ela a p a r e ç a e o i m a g i n á r i o local está m a r c a d o por essa e s p e r a .
daram. Morreu todo mundo, e só escapou um para contar a estória. O "tempo" das espécies importantes está marcada pelo
Os noivos morreram juntos, abraçados..." (Seu Licínio, do s u r g i m e n t o d e f e n ó m e n o s c l i m á t i c o s (o frio, o vento, a cor d a
Costão). água).
N a pesca embarcada, ao contrário, é necessário ir buscar o peixe
O s perigos d e n a u f r á g i o no m a r n ã o s ã o somente eventos do onde ele se encontra, e nesse sentido a i m p o n d e r a b i l i d a d e é m u i -
passado, mas a m e a ç a m os navegantes locais a i n d a hoje. O perigo to maior que na pequena pesca. Essa i m p o n d e r a b i l i d a d e n ã o é
é a i n d a m a i o r no mar-de-fora, conforme o relato abaixo: somente física o u biológica, mas t a m b é m e c o n ó m i c a e social. O
preço de peixes como a s a r d i n h a varia de porto a porto e isso
" O barco eu não me lembro, mas o mestre se chamava Marreco. determina a renda dos pescadores.
Ele estava na pescaria do cação, aí por fora. Bateu o tempo ruim e E s s a s n o v a s p r á t i c a s e c o n ó m i c a s e culturais ligadas à pesca
ele não quis nem saber, queria trazer a pescaria toda, quis teimar embarcada n ã o somente l e v a m a u m maior distanciamento da
com o tempo. Morreu ele, e a família toda que estava no barco" terra, como c r i a r a m u m outro tipo de " p r a i a " , como a do C r u z e i -
(Luís, do Baixio). l o e m que a quase totalidade dos homens se dedica à pesca e m -
barcada. C r i a m - s e t a m b é m novos símbolos e imagens, como a do
A p ó s o p e r í o d o das canoas a voga, o mar-de-fora c o m e ç o u a "mestre", pessoa de prestígio, n ã o somente porque conhece e
d e s e m p e n h a r u m p a p e l central na v i d a de u m a parte importante domina u m complexo de novos saberes, mas t a m b é m de n o v a s
dos moradores do Saco, quando s u r g i u a pesca da s a r d i n h a pelas tecnologias: os motores, as redes mais complexas. A l é m disso, tran-
traineiras na Ilha G r a n d e , e alguns moradores c o m e ç a r a m a em- si tam n u m m u n d o externo inatingível aos pequenos pescadores e
barcar. C o m o se v i u anteriormente, e m algumas praias, sobretu- 'avradores: a grande cidade.
do a do C r u z e i r o , a p o p u l a ç ã o , principalmente a j o v e m , p a s s o u a O "mestre de p e s c a " , apreciado pela tripulação, tem que ser
v i v e r do " e m b a r q u e " . ^•t»mpetente, isto é, encontrar o peixe e garantir u m a boa pescaria,
I C o m e ç o u a existir u m a outra r e p r e s e n t a ç ã o do mar, aquele ••^^sociada a esta qualidade existe u m a outra: a da coragem, sobre-
!— e s p a ç o distante onde se passa a v i v e r três e m quatro s e m a n a s do tudo, no caso do "mestre proeiro", que localiza a " a r d e n t i a " , fos-
m ê s . O e s p a ç o m a r í t i m o p a s s o u a ser u m e s p a ç o de v i d a , do em- fí>rescência à tona d ' á g u a que revela a p r e s e n ç a dos c a r d u m e s d e
bate do dia a d i a , do lugar onde se ganha a v i d a . A t r a v é s da pesca ^'irdinha:
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"A pessoa prá ser proeiro tem que ter vocação, aguenta temporal cheia q u a n d o os barcos voltam às praias onde v i v e m o mestre e a
na proa à noite, a noite toda sem dormir. Só tira um cochilo quando tripulação. É o período de rever os parentes e amigos, trazer dinhei-
os tripulantes vão puxar a rede, aí dá um cochilo" (Licínio, do ro para casa, presentes para a família e recriar a solidariedade
Costão). r o m p i d a s temporariamente. O futebol de praia e outras ativida-
des lúdicas representam u m aspecto essencial na c o n v i v ê n c i a e
Para afrontar o mar nas tormentas e tempestades, n o entanto, no i m a g i n á r i o do embarcado. Nesse sentido, a lua cheia n ã o é
o " m e s t r e " d e v e confiar e m D e u s : somente u m f e n ó m e n o físico, mas sobretudo cultural, possibili-
tando p r á t i c a s sociais e culturais.
" O mestre não pode fazer nada, só pode fazer aquilo que está no N o entanto, na v i d a de embarcado t a m b é m existe a i m a g e m
alcance dele. Tem que confiar em Deus". do " r e t o m o à terra", à v i d a e m família, constituidora do sonho de
voltar c o m dinheiro para comprar material para construir u m a
A l é m disso, o mestre tem que cuidar para manter u m c l i m a de casa, u m a canoa o u baleeira para pescar como a u t ó n o m o ou trans-
c o o p e r a ç ã o à bordo, sobretudo porque a tripulação, e m geral, é portar turistas. A l é m desta volta final desejada existem os muitos
formada por parentes e amigos. E l e é obrigado a intermediar i n - retornos, " q u a n d o existe a l g u m a p r e c i s ã o " , q u a n d o o barco entra
teresses conflitantes entre o dono do barco e a tripulação. E aqui no estaleiro para consertos, durante os períodos de defeso o u quan-
reside u m aspecto fundamental d a o p o s i ç ã o entre terra e mar. A do a família solicita. Durante esse tempo, há u m retorno t e m p o r á -
pesca na traineira, apesar de ser distinta da pequena pesca, re- rio à v i d a de terra, ao plantio da " r a m a " , o u ao artesanato.
cria, de a l g u m a forma, as solidariedades e valores existentes em
terra, o u a t é na pequena pesca. A p e s a r do sistema de partilha, "Meu irmão Antonio tá pescando numa traineira, ele e o filho
assalariamento d i s f a r ç a d o , opor dono do barco e tripulação, o dele. Mas tem também roça. Quando a pesca embarcada fracassa ele
" m e s t r e " , escolhendo a tripulação entre familiares e c o m p a n h e i - volta prá roça durante uns dois ou três meses. Ele necesssita muito
ros, recria a teia de relações sociais p r ó p r i a s d a família extensa. da roça prá alimentar a família dele. Aí ele faz a roça, deixa a roça
N e s s e sentido, os conflitos sociais no interior do barco, causados limpa e volta para a pesca outra vez. É assim que ele faz, trabalha nas
p o r u m a s e p a r a ç ã o entre os interesses d o s p r o p r i e t á r i o s dos ins- duas função" (Dito, do Baixio).
trumentos de p r o d u ç ã o e da força-de-trabalho acham-se mediati-
z a d o s pelas r e l a ç õ e s familiares e d e c o m p a n h e i r i s m o existentes
no interior das traineiras, por exemplo. O TEMPO DA NATUREZA, O TEMPO

U m outro aspecto d a o p o s i ç ã o mar-terra reside na s e p a r a ç ã o MI-RCANTIL E O TEMPO DA MEMÓRIA

d a família, da m u l h e r o u i r m ã o durante os longos p e r í o d o s de


a u s ê n c i a , d u r a n t e o embarque. A família continua a ser a referên- ^ s s i m como há diversos e s p a ç o s , muitos mares, há t a m b é m tem-
cia m a i o r do embarcado, mas e m terra ela já n ã o é a m e s m a , pois P^is distintos, marcados seja pela economia de quase subsistên-
a m u l h e r é obrigada a desempenhar outros papéis e responsabili* cia, seja pelo tempo mercantil. Este é o tempo d e " g a n h a r d i n h e i -
dades na m a n u t e n ç ã o do lar e na e d u c a ç ã o dos filhos. E l a conti- '• A l g i m s desses tempos, s ã o t a m b é m cíclicos, como o tempo
nua necessitando a i n d a mais da família extensa que a ampa^^ d o v e r ã o , q u a n d o c h e g a m os turistas. Para os moradores, o " t e m -
durante os p e r í o d o s de ausência do chefe familiar. O s laços com a Píí dos turistas" é u m " c i c l o " novo, que n ã o depende tanto da
terra, representada pelo lar e a família, s ã o reatados durante a lu^ 'Natureza, m a s d a vontade dos visitantes. É u m p e r í o d o a n s i a d o e
SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

esperado c o m o aquele e m que se p o d e fazer u m d i n h e i r o extra, esse " p a s s a d o " c o n t é m , a l é m da s a u d a d e de u m tempo que
c o m a fabricação de p e ç a s de artesanato, c o m o transporte de pas- acabou... E l a s expressam tudo o que poderia ter s i d o , m a s n ã o
sageiros, c o m serviços junto àqueles que t ê m casa s e c u n d á r i a e foi, a tristeza de toda a existência que só existe q u a n d o cessa
p a s s a m as férias e m M a m a n g u á . de ser outra coisa, o pesar de não v i v e r na p a i s a g e m e no tem-
O tempo mercantil, m a i s r á p i d o , é t a m b é m o do correr a t r á s po evocados pela m ú s i c a . E n f i m , o desejo de algo c o m p l e -
da s a r d i n h a e do c a ç ã o , símbolos da mercadoria. N e s s e tempo, a tamente diferente do m o m e n t o presente, d e f i n i t i v a m e n t e
natureza já n ã o é m a i s marcada pela " d á d i v a " , m a s pela e x t r a ç ã o inacessível o u irremediavelmente perdido: o Paraíso. E s q u e -
da mercadoria de seu ambiente natural. Este se transforma tam- cer-se disso é desconhecer que a vida do h o m e m moderno está
b é m e m e s p a ç o de c o m p e t i ç ã o c o m outros barcos que b a t a l h a m cheia de mitos s e m i - o l v i d a d o s , de hierofanias decadentes, de
pelo m e s m o peixe. A s políticas governamentais, c o m o a institui- símbolos abandonados. A d e s s a c r a l i z a ç ã o incessante do ho-
ç ã o do defeso, p e r í o d o e m que n ã o se pode pescar certas espécies, m e m m o d e r n o alterou o conteildo da sua v i d a espiritual; ela
acelerou o tempo mercantil. É preciso pescar o m á x i m o antes que n ã o r o m p e u , no entanto, com as matrizes de sua i m a g i n a ç ã o :
v e n h a o defeso. todo u m resto de mitologia sobrevive e m z o n a s h u m a n a s m a l
A instituição do " d e f e s o " traz consigo a i m a g e m d a a m e a ç a controladas" (p.09).
d a d i m i n u i ç ã o do peixe no M a r G r o s s o , já v i v i d a no M a r - d e D e n -
tro pelos pequenos pescadores, r e f o r ç a n d o a " c a r e s t i a " que ca- T a m b é m , s e g u n d o moradores m a i s velhos, nesse tempo os
racteriza os tempos de hoje quando comparados ao "antigo", o "antigos" t i n h a m maior conhecimento do m a r que os jovens:
tempo da a b u n d â n c i a .
O " t e m p o da fartura" que existiu e m M a m a n g u á até a d é c a d a "Antigamente eles conheciam tudo... O povo conhecia o tempo
de 40 se constitui n u m referencial simbólico importante p a r a os pelos astros, quer dizer, quando olhavam uma estrela, o sol, olhava
moradores m a i s antigos. O s moradores mais velhos têm s a u d a - na lua, eles sabiam que vento ia dar... Eles observavam o tempo, era
des desse tempo e m que se dizia haver a b u n d â n c i a de tudo: um pessoal de muita prática. Hoje o mais novo tem aparelho, tem
barómetro" (Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .
"Essa região produzia muito, o mais forte era banana, cana-de-
açúcar, café, feijão, farinha... Era o mais forte. Depois vinlia a criação. N a m e m ó r i a local, o tempo antigo era t a m b é m o tempo da
Tinha também muito comércio. Cada canoa de voga levava pra An- união, onde n ã o havia d i v i s ã o entre católicos e protestantes, n ã o
gra 40 sacos de farinha, 2 a 3 barris de pinga. Eu mesmo fazia cO' havia turistas, u m tempo de maior harmonia.
mércio, trazia banha de porco, que antigamente era isso que usava.
Também levava muito peixe... Hoje até farinha tá vindo dc fora. A "Antes o povo era mais unido. Agora não, agora está dividido"
situação é de calamidade..." (Seu Zizirúio, Ponta do L e ã o ) . (Seu Z i z i n h o , Ponta do Leão).

E s s a i m a g e m idolatra o passado c o m o u m " t e m p o p a r a d i - E s s a última o b s e r v a ç ã o p r o v é m de u m informante de religião


s í a c o " , hoje p e r d i d o . C o m o afirma Mircea E l i a d e : católica, pois o conceito de u n i ã o entre os "crentes" é outro: aque-
la que u n e os " e v a n g é l i c o s " , que se g u i a m pela Bíblia. S e g u n d o
" C o n s t a t a r e m o s que essas imagens i n v o c a m a nostalgia de Um outro informante católico:
u m passado mitificado, transformando-o e m a r q u é t i p o , que
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o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

"Quando vem o padre aí o pessoal (católico) nem na igreja não "A Roda de Chiba era a mais divertida, e o pessoal batia o pé,
vão. Mas ali nos crente, eles vão em qualquer hora. Marcou, ói, tal sapateando no ritmo, fazendo repicado com o pé no chão batido. Já no
dia tem culto na casa de fulano, aí vão todos. Agora qui, os católicos Caranguejo, batia-se o pé e as mãos, quando se cantava: Olha a mão,
não... Eles fazem uma igreja, vão pregando o Evangelho, a pessoa diz olha o pé" (Seu Licínio, C o s t ã o ) .
que ficando crente se salva, ai o pessoal vai, acredita naquilo. Eles
dizem assim: "ói, se vocês quiséficá na igreja levanta a mão prá cima. A i n d a persistem a l g u m a s festas tradicionais, c o m o a festa d e
E a pessoa levanta a mão, aí fica crente..." (morador católico). Reis.

O tempo antigo é lembrado t a m b é m como u m tempo d e festas "A Folia de Reis a gente ainda faz ainda porque eu, meu sobri-
que garantiam a solidariedade e a união d o s moradores, todos nho, meu primo, cantamos. Quando chegamos na casa, cantamos:
católicos. 'Se quiser abrir a porta, abra já sem demora, pois voismecê num sabe
M a y n a r d A r a ú j o (1973) descreve o folclore litorâneo d o S u - quanto custa andá de noite pra fora' " (Seu Licínio, C o s t ã o ) .
deste c o m o pertencente à área do ubá (canoa) e m c o n t r a p o s i ç ã o à
área d e jangada no Nordeste. Muitas das d a n ç a s e festas mencio- S e g u n d o u m morador (católico), h a v i a t a m b é m a festa d e São
nadas pelos moradores s ã o c o m u n s ao litoral e ao V a l e do Paraíba. Roque, d e S ã o Benedito, São J o ã o .
G r a n d e parte d a s festas profanas e religiosas tradicionais, l i -
gadas ao catolicismo, no entanto, n ã o existem mais. E n t r e as fes- "A festa era organizada. Tinha os festeiros, o ajudante, tinha o
tas religiosas que desapareceram está a Bandeira d o D i v i n o ' . juiz, o ajudante de juiz. Tinha tudo, todo mundo ajudava um pouco
e fazia aquela festança e o povo ia tudo naquele local. Aí tinha fogos,
"Antes tinha também a Bandeira do Divino que começava no comida, bebida... Mas hoje acabou".
Pouso da Cajaãm, passava por essas praias todas e chegava a Parati.
A bandeira era enfeitada com flô, com a pombinha do Divino, que Por outro lado, existe a crítica dos bailes de hoje, diferentes
cantava de casa em casa. O pessoal ouvia a cantoria e dava uma daqueles d e antigamente, q u a n d o h a v i a "respeito".
oferta pro Divino. O pessoal só bebia quando pousava numa casa,
pra fazer o baile" (Seu Licínio, C o s t ã o ) . "Depois que entrou essas dança nova, o sinhô não vai leva sua
esposa, suafúha num baile desses, tem muita bebedeira. Antigamen-
Entre as m ú s i c a s e d a n ç a s que desapareceram, m a s s ã o l e m - te era respeito, respeitava os mais velhos" (morador católico).
b r a d a s pelos m a i s velhos, está o Caranguejo e a R o d a d e C h i b a ^:
O f i m dessas festas está associado ao crescimento d o n ú m e r o
de igrejas crentes e m M a m a n g u á , que preferem organizar s u a s
' M a y n a r d de Araújo afirma que as festas do Divino, no litoral leste de S ã o
Paulo, se d a v a m após a safra da tainha, no contrário d c outras regiões p r ó p r i a s festas religiosas:
interioraneas nas quais se seguiam ao ciclo agrícola.

- Roda d c Xiba o u Chiba, também chamada de Cateretê, é comandada por "Tem muita gente que passou pra Assembleia de Deus, deixando
139
dois violeiros, denominados d c mestre c contra-mestre. O primeiro esco-
de cantar essas coisas. Se a gente cantar na casa deles, não acham
lhe a " m o d a " a ser cantada, fazendo o contra-mestre n segunda voz. T a m -
bém há o "tirado de sapateado" que comanda o sapateado. (Maynard de ruim, mas cantar, não cantam" (Seu Licínio, C o s t ã o ) .
Araújo, 1973)
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o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

C o m o pode ser visto pela Tabela 2 8 grande parte da p o p u l a ç ã o se a c h a m hoje confrontados com mitos modernos conservacionistas
participa hoje somente de festas católicas (Santa C r u z , p a d r o e i r a relativos às áreas naturais protegidas. C o n s i d e r a n d o - s e a
d o C r u z e i r o ) e festas evangélicas. U m a porcentagem significativa i m p o r t â n c i a da simbiose homem-ciclos naturais existentes n a s
n ã o participa de festas ( 2 5 , 7 % ) e somente 1 7 , 1 % dos chefes de culturas tradicionais, a n o ç ã o de E s t a ç ã o Ecológica que n ã o l e v a

família p a r t i c i p a m de bailes. e m conta a história dos moradores é i n c o m p r e e n s í v e l e inaceitá-


vel. A disjunção forçada entre a natureza e a cultura tradicional,
onde os moradores p o d e r ã o sofrer restrições e m s u a s atividades
Tabela 28 - Festas que Participam os Chefes de Família
do fazer patrimonial, e t a m b é m do saber, representa a i m p o s i ç ã o

MARGEM TOTAL REIS S. CRUZ EVANG. de u m mito moderno: o d a natureza intocada e intocável, p r ó p r i o
da sociedade urbano-industrial sobre os mitos e s i m b o l i s m o s das
Continental 10 — 30,0% 10.0% sociedades tradicionais. N e s s a linha de pensamento, o c h a m a d o
" t u r i s m o e c o l ó g i c o " , que se iniciou recentemente na r e g i ã o , está
Fundo do Saco 05 — 20.0% —
t a m b é m i m b u í d o desse mito moderno da natureza s e l v a g e m , a
Peninsular 20 5.0% 40.0% 15.0% ser d e s v e n d a d a por u n s poucos privilegiados.

34,2% 11,4% E m 1 9 9 2 , foi criada a ASSOCIAÇÀO OOS M O R A D O R E S D E M A M A N G U Á ,


TOTAL 35 2,8%
abrigando tanto turistas como habitantes do local. A A M A M , no
entanto, parece ter dificuldades e m se legihmar porque é vista,
Tabela 28 (cont.) - Festas que Participam os Chefes de Família
por a l g u n s moradores, como inspirada por "gente de fora". A t é
agora, n ã o c o n s e g u i u mobilizar os moradores e m torno de seus
MARGEM TOTAL BAILE OUTRA NÃO PART
problemas básicos, à e x c e ç ã o de algumas iniciativas para i m p e -

Continental 10 10,0% 40.0% 10.0% dir o arrasto de c a m a r ã o dentro da área estuarina.

Fundo do Saco 05 — — 60.0%

Peninsular 20 25,0% — 25,0%

TOTAL 35 17.1% 11.4% 25.7%

O b s . : As pessoas podem pardcipar de mais de um tipo de festa.

O futebol é o esporte mais praticado no local, especialmente, n o


bairro de Regate, onde existe u m campo de futebol e m que jogam
equipes locais e de fora. A s praias, sobretudo, a do C r u z e i r o , ga-
n h a m a n i m a ç ã o durante as semanas de lua cheia, q u a n d o os e m -
barcados e m traineiras n ã o pescam e voltam para suas casas.
Finalmente, como foi discutido e m outro trabalho (Diegues,
1 9 9 4 ) , os mitos a n t r o p o m ó r f i c o s dessas p o p u l a ç õ e s tradicionais
o N i i s s o L L C . A K V I K O L l*AKyui.

2
Cisternas dc
>\ccsso à T^erra c aos
f^ecursos fSjaturaís

C OMO POPE SE CONSTATAR pela Tabela 29,34,5% declararam-se


d o n o s da posse e m que m o r a m , 28% s ã o donos somente do
terreno d a casa e 37,5% n ã o têm mais posse da terra.
São raros os moradores que têm d o c u m e n t a ç ã o legal de s u a s
posses. U m n ú m e r o considerável deles v e n d e r a m suas posses a
pessoas d e fora, sejam turistas o u especuladores, continuando a
viver na terra como caseiros ou ocupantes. A r e g u l a r i z a ç ã o das
posses é feita, e m geral, quando esta é v e n d i d a para turistas. A s
melhores praias que se situam mais p r ó x i m a s à entrada do Saco,
sendo portanto as mais valorizadas, já foram v e n d i d a s a turistas
ou a grandes especuladores imobiliários, sobretudo na M a r g e m
P e n i n s u l a r (Praias do E n g e n h o , Praia d a R o m a n a , Baixio). N a
M a r g e m Continental, as casas de turistas se concentram na Praia
G r a n d e e na Praia das Pacas.
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE S I S T E M A S DE A C E S S O À T E R R A

Tabela 29 - Situação da Posse da Terra em Porcentagem O importante a se ressaltar é que muitas das terras s ã o consi-
deradas de uso c o m u m , na m e d i d a e m que as mais distantes s ã o
DONO DONO SEM POSSE
MARGEM tidas como " s e m d o n o " . O terreno tido enquanto posse i n d i v i -
DA POSSE DA CASA E CASA
d u a l o u familiar é sobretudo aquele c o n t í g u o ao mar, onde está a
Continental 37,5% 0% 62,5% casa. Q u a n d o essa posse é v e n d i d a costumam-se anexar terras
"sem v a l o r " , aquelas que se encontram nas encostas acima das
Fundo do Saco 66,8% 16.6% 16,6%
casas, onde se fazia agricultura. Daí se explicam as marcas das
Peninsular 22.2% 44.4% 33.3% d i v i s a s dos terrenos dos turistas, r o ç a d a s e l i m p a s , que s o b e m as
encostas dos morros as quais anteriormente n ã o existiam, e que
TOTAL 34.5% 28.0% 37,6%
hoje p o d e m ser vistas de barco, ao se adentrar o Saco d e M a -
m a n g u á . O s c a i ç a r a s n ã o c o s t u m a m marcar suas posses c o m cer-
E m a l g u n s casos, como ocorreu na Praia G r a n d e , os antigos cas ou "linhas de divisa". ...........
moradores, a p ó s v e n d e r e m suas posses na praia foram m o r a r N o entanto, a questão do acesso aos recursos naturais n ã o se
morro a c i m a . O m e s m o parece ter ocorrido na Praia R o m a n a e na restringe unicamente à terra, mas t a m b é m a territórios de uso
Praia das A n t a s , na M a r g e m Peninsular. c o m u m como os m a n g u e z a i s , os caxetais , os bancos de b i v a l v e s
A l g u n s dos grandes especuladores imobiliários de M a m a n g u á nos baixios e o p r ó p r i o corpo de á g u a . Esses e s p a ç o s s ã o tradi-
p e r m i t e m que os moradores dos quais c o m p r a r a m as posses per- cionalmente usados pelos caiçaras de forma c o m u n i t á r i a . Daí, a
m a n e ç a m e m suas casas, e m contrato de tempo determinado (cerca r e a ç ã o negativa demonstrada contra os "coletores" de carangue-
de 4 anos, r e n o v á v e i s ) . Estes s ã o chamados, c o m frequência, a jo que v ê m de fora predar esses recursos do m a n g u e .
testemunhar e m juízo, e m favor do "grileiro", q u a n d o este a v a n - O estabelecimento da Reserva Ecológica tem u m efeito d u p l o
ça as d i v i s a s sobre outras posses. C o m o esses moradores v i v e m sobre essas formas tradicionais de a p r o p r i a ç ã o do e s p a ç o c o m u -
" d e f a v o r " do grileiro, dificilmente se r e c u s a m a ir ao c a r t ó r i o nitário. D e u m lado, pode i m p e d i r a a p r o p r i a ç ã o desses e s p a ç o s
testemunhar e m favor da " g r i l a g e m " . pela e s p e c u l a ç ã o imobiliária, e a e x p r o p r i a ç ã o dos moradores ao
O s moradores continuam plantando suas r o ç a s nos terrenos d e cl a rá - l o s "area non-aedificandi". D e outro lado, trata-se da i m p o -
mais elevados e mais afastados da praia, considerados terrenos sição de u m e s p a ç o territorial público (o da Reserva) sobre os es-
sem dono. E s s e s n ã o s ã o considerados "posses i n d i v i d u a i s " , m a s p a ç o s c o m u n i t á r i o s , restringindo o uso dos recursos naturais.
são o c u p a d o s durante a l g u m tempo e abandonados q u a n d o a N e s s e sentido, essa s u p e r p o s i ç ã o é vista pelos moradores como a
p r o d u t i v i d a d e d a terra decai. Esses, depois de a l g u n s anos, s ã o u s u r p a ç ã o de seus direitos de acesso aos recursos, enquanto co-
l i m p o s de novo para plantio. m u n i t á r i o s . E s s a u s u r p a ç ã o é tanto mais grave q u a n d o se justifi-
E s s e uso c o m u n a l das terras para agricultura se reflete nos ca essa c r i a ç ã o de e s p a ç o s territoriais públicos e m benefício d a
depoimentos dos moradores: " c o n s e r v a ç ã o " , " d a biodiversidade" ou dos "interesses n a c i o n a i s "
frequentemente confundidos com a necessidade de lazer das po-
"Quantas pessoas já vieram e plantaram no mesmo lugar que p u l a ç õ e s urbanas. A s comunidades tradicionais têm t a m b é m u m a
outro tinha plantado, depois que o mato prosperou. Depois aquele r e p r e s e n t a ç ã o simbólica dos e s p a ç o s que lhes fornecem os meios
que tinha plantado saiu e entrou um outro para fazer sua roça. Nun- de subsistência, os meios de trabalho e p r o d u ç ã o e as c o n d i ç õ e s
ca nenhuma reclamação houve" (Dito, do Baixio). materiais d e sua r e p r o d u ç ã o social e simbólica. A a m e a ç a d a ex-
o Nosso L U G A R V I R O U PARQUE SISTEMAS DE A C E S S O À T E R R A

p u i s ã o de seus territórios traz intranquilidade às p o p u l a ç õ e s lo- r e c u r s o s n a t u r a i s r e n o v á v e i s que g a r a n t e m s u a s u b s i s t ê n c i a ,


cais que t r a d u z e m seu descontamento com u m a sobre-explora- demograficamente pouco densas e com v i n c u l a ç õ e s mais o u me-
ç ã o dos recursos naturais que consideram como pertencentes ao nos limitadas c o m o mercado. Esses arranjos s ã o p e r m e a d o s por
G o v e r n o , à Polícia Florestal, depois da i m p l a n t a ç ã o das á r e a s na- u m a extensa teia de parentesco, de compadrio, de ajuda m ú t u a ,
turais protegidas. de normas e valores sociais que privilegiam a solidariedade intra-
Existe aí u m a v i s ã o conflitante entre o e s p a ç o público e e s p a ç o grupal. E x i s t e m t a m b é m normas de e x c l u s ã o de acesso aos recur-
c o m u n i t á r i o , s e g u n d o perspectivas distintas e até opostas: a do sos naturais por parte dos " n ã o c o m u n i t á r i o s " . Estes, por s u a v e z ,
E s t a d o , representando interesses das p o p u l a ç õ e s u r b a n o - i n d u s - p o d e m ganhar acesso a e s p a ç o s e recursos de uso c o m u m , desde
triais, e a das sociedades tradicionais. N a verdade, o que está implí- que, de a l g u m a forma, p a s s e m a fazer parte da c o m u n i d a d e (atra-
cito é que estas d e v e r i a m "sacrificar-se" para dotar as p o p u l a ç õ e s vés do casamento, compadrio, e t c ) .
urbano-industriais de e s p a ç o s naturais, de lazer e "contato c o m a
H á a i n d a mitos, valores e normas e interdições c o m u n i t á r i a s
natureza s e l v a g e m " . O u ainda, segundo u m a v e r s ã o mais moder-
que r e g u l a m o acesso aos recursos naturais, i m p e d i n d o s u a de-
na dos objetivos das á r e a s naturais protegidas de uso restrito: pro-
g r a d a ç ã o . E s s a s normas existem tanto e m ecossistemas ter-restres
teger a biodiversidade.
(períodos de interdição da caça) e costeiros (limitação de p e r í o d o s ,
M c K e a n (1989) distingue seis tipos diferentes de p r o p r i e d a d e acesso aos recursos controlado pelo "segredo").
d o s q u a i s três s ã o relevantes para esta a n á l i s e : a p r o p r i e d a d e
E s s e tipo de s i t u a ç ã o contradiz a teoria da " T r a g é d i a dos C o -
p r i v a d a i n d i v i d u a l , a p r o p r i e d a d e pública ( á r e a s n a t u r a i s pro-
m u n s " , elaborada por H a r d i n (1968), segundo a qual, no regime
tegidas), e a p r o p r i e d a d e c o m u m , o u formas c o m u n a i s o u c o m u -
de propriedade c o m u m , haveria u m a consequente d e g r a d a ç ã o dos
n i t á r i a s d e a p r o p r i a ç ã o de e s p a ç o s o u recursos n a t u r a i s , sobre-
recursos naturais, pois cada usuário tenderia a s o b r e - e x p l o t á - l o s .
tudo os r e n o v á v e i s . E s s e ú l t i m o tipo de acesso e a p r o p r i a ç ã o é
Para evitar a queda dos rendimentos haveria a necessidade de
d e n o m i n a d o , c o m o " p r o p r i e d a d e c o m u m " (common property, no
i n t e r v e n ç ã o controladora do Estado, o u a i m p l a n t a ç ã o d a pro-
conceito d e H a r d i n , 1968; o u "commons", M c K a y & Acheson,
priedade p r i v a d a . N o entanto, a experiência tem demonstrado
1987).
que os p r o p r i e t á r i o s i n d i v i d u a i s o u as empresas d e g r a d a m os
Essa última modalidade, a dos "comimitários", é a que até recen- recursos naturais dentro de suas propriedades e que o p r ó p r i o
temente apresentava a menor visibilidade social e política, u m a E s t a d o tem criado políticas que s ã o degradadoras do ambiente
vez que existe e m regiões relativamente isoladas, sendo caracterís- (caso da A m a z ó n i a ) .
tica de c o m u n i d a d e s tradicionais, como a " c a i ç a r a " , dos janga-
Por outro lado, a literatura recente ( M c K a y & A c h e s o n , 1987)
deiros, dos ribeirinhos, etc. E s s a s formas de a p r o p r i a ç ã o c o m u m
tem registrado e analisado u m n ú m e r o considerável, no m u n d o
d e e s p a ç o s e recursos naturais r e n o v á v e i s se caracterizam pela
iiTteiro, de formas comunais de acesso a e s p a ç o s e recursos que
utilização c o m u n a l ( c o m u m , c o m u n i t á r i a ) de determinados espa-
asseguram u m uso adequado e sustentável dos recursos naturais
ços e recursos a t r a v é s do extrativismo vegetal (cipós, fibras, ervas
e c o n s e r v a m os ecossistemas, gerando modos d c v i d a socialmen-
medicinais da floresta), do extrativismo a n i m a l (caça e pesca), e
te equitativos (ainda que n ã o necessariamente afluentes).
da pequena agricultura itinerante. A l é m dos e s p a ç o s usados e m
O que tem ocorrido, geralmente, é a " t r a g é d i a dos c o m u n i -
c o m u m , p o d e m existir os que s ã o apropriados pela família o u pelo
tários" ( M c K a y & A c h e s o n , 1987), que s ã o expulsos de seus territó-
i n d i v í d u o , c o m o o e s p a ç o d o m é s t i c o (casa, horta, etc.) que, geral-
rios pela e x p a n s ã o das grandes c o r p o r a ç õ e s , pela i m p l a n t a ç ã o de
mente, existem e m comunidades com forte d e p e n d ê n c i a do uso de
" g r a n d e s projetos" (hidroelétricas, de m i n e r a ç ã o ) e até pelo esta-
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE S I S T E M A S DE A C E S S O À T E R R A

belecimento de " e s p a ç o s p ú b l i c o s " (áreas de p r o t e ç ã o restritivas) O autor afirma t a m b é m que e m Itaipu,


sobre os e s p a ç o s c o m u n i t á r i o s .
E m a l g u n s casos, existem conflitos entre usos tradicionais de "o e s p a ç o do público, do coletivo é o e s p a ç o do confronto
territórios anteriormente considerados de uso das c o m u n i d a d e s , d e v á r i o s c ó d i g o s , lutando pela hegemonia, ao passo que na
e a cheg ada de outros u s u á r i o s , os turistas que d i s p u t a m u m es- praia americana, a 'diferença' é o símbolo da igualdade. C o n -
p a ç o p ú b l i c o , a praia. L i m a (1989) compara o uso d a praia de cebendo-se radicalmente diferentes, os i ndi v í duo s a s s u m e m
Itaipu (Rj) para a pesca tradicional d a tainha c o m a da praia e m s u a identidade política como verdadeiras e últimas u n i d a d e s
Massachusetts ( E U A ) . N o p r i m e i r o caso, existem regras tradicio- do poder. A c r e d i t a m existir e atualizar u m a o r d e m que, sub-
nais que regem a prioridade dos l a nç os de rede na praia pelos metendo a todos por igual, permite que c o n v i v a m , embora se-
pescadores artesanais, pelo sistema de "direito à v e z " , que orde- paradamente." (p.l4)
na os d i v e r s o s interessados na e x p l o r a ç ã o de u m a área c o m u m :
a p r a i a . Para o e x e r c í c i o dessa pescaria, a praia é d i v i d i d a e m É possível fazer u m a c o m p a r a ç ã o entre a a p r o p r i a ç ã o do es-
" p o n t o s " , referidos à história local ou a acidentes g e o g r á f i c o s p a ç o coletivo, usado pelos pescadores tradicionais de Itaipu c o m
sobre os q u a i s se assenta u m conjunto de n o r m a s que v i s a m a a p r o p r i a ç ã o de u m e s p a ç o coletivo tradicional pelo Estado ao
c o m p a t i b i l i z a r a existência de diversos grupos de pescadores. t r a n s f o r m á - l o e m u n i d a d e de c o n s e r v a ç ã o . A cr i ação de parques
E s s a h a r m o n i a é quebrada, p o r é m , nos fins de s e m a n a , c o m o nacionais, c o m o consequente afastamento f o r ç a d o das p o p u l a -
afluxo dos turistas, o que gera conflitos entre o pescadores e v i s i - ções tradicionais, e m benefício de u m a c o n s e r v a ç ã o ambiental que
tantes, c o m frequentes danos aos aparelhos de pesca. A única privilegia os "visitantes urbanos", é eticamente questionável. N a
forma d e c o n v i v ê n c i a é a troca de s e r v i ç o s pela q u a l os banhistas maioria das vezes, é u m a u s u r p a ç ã o de e s p a ç o s coletivos, habita-
a j u d a m na lida pesqueira. d o s por p o p u l a ç õ e s c o m g r a n d e t r a d i ç ã o de saber e fazeres
A l é m disso, o autor menciona a a p r o p r i a ç ã o de parte da praia patrimoniais, e m benefício de u m mito moderno que favorece as
por grupos imobiliários que alijaram os pescadores de seu e s p a ç o p o p u l a ç õ e s urbanas que u s a m o parque para passear, se divertir.
c o m u n i t á r i o de trabalho, tendo nesse processo a c o n c o r d â n c i a do A s i t u a ç ã o está se tornando mais grave a i n d a q u a n d o sob o pre-
poder público. A p e s a r da praia, segundo a C o n st i t u i çã o brasilei- texto de u m turismo chamado " e c o l ó g i c o " , as á r e a s que seriam
ra, ser u m bem público, acabou sendo privatizada sob a a l e g a ç ã o " p ro t e g i d a s" e "intocadas" p a s s a m a ser local de u m turismo de
que beneficiaria u m grande n ú m e r o de c o n d ó m i n o s . " a v e n t u r a " . É tanto mais inaceitável quando se trata de p o p u l a -
Já e m Massachussetts, ao se pagar o ingresso à praia, todos se ç õ e s e m s u a grande maioria iletradas, geograficamente isoladas,
tornam iguais, apesar de cada banhista procurar seu nicho parti- sem poder político, mas que por séculos, a t r a v é s de seu m o d o de
cular onde n ã o deseja ser importunado. C o m o afirma L i m a (1989): v i d a s ã o r e s p o n s á v e i s pela c o n s e r v a ç ã o do c h a m a d o "mundo
n a t u r a l " . Isso é mais grave quando se sabe que a p e r m a n ê n c i a
" A o c o n t r á r i o do que acontece na Itaipu tradicional, onde dessa p o p u l a ç ã o tradicional e m seus habitats pode levar, de for-
os diferentes grupos se a m o l d a m e f u n d e m e m torno de u m a ma mais adequada, à c o n s e r v a ç ã o da biodiversidade. Trata-se,
identidade única, sendo a igualdade atingida pela pertinência no final, de u m a q u e s t ã o ética, de direitos h u m a n o s e d a constru-
a u m grupo e esta espelhada na s e m e l h a n ç a de seus compo- ç ã o de u m a democracia real no Brasil.
nentes, aqui é o direito à diferença que define a igualdade. S o u L i m a finaliza s e u artigo afirmando que:
igual porque tenho o direito a ser diferente" ( p . l 4 ) .
S I S T K M A S Dl- A c i S S t . ) A T l K R A
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

"Há que inventar formas de conferir direitos e c i d a d a n i a a


essas diferentes c o n c e p ç õ e s de o r g a n i z a ç ã o social, por tanto
tempo ocultas aos olhos do poder. M a s há t a m b é m , ao fazer
isto, de respeitar-lhes as regras internas, n ã o submetendo-as
necessariamente a u m olhar controlador. É preciso entender
que essas diferenças foram até hoje capazes de subsistir, apro-
priando-se de parcelas de poder, reproduzindo-se, apesar de
seu n ã o - r e c o n h e c i m e n t o . Instituí-las como sujeitos explícitos
d o processo político s e m reduzi-las ao m e s m o , eis o desafio
que a o r d e m jurídica d e v e r á superar para tornar-se reflexo de
uma sociedade solidária e fundada na tolerância do outro,
pronta a aprender c o m ele e a olhar-se nele, como, afinal, n ó s ,
a n t r o p ó l o g o s , pretendemos ter a p r e n d i d o . " ( p . l 7 )

N o s ú l t i m o s anos, muitas dessas c o m u n i d a d e s tradicionais


têm reagido às a m e a ç a s o u à d e s p o s s e s s ã o de seus e s p a ç o s c o m u -
nais, repensando, redimensionando e até reconstruindo os "co-
m u n s " . U m desse exemplos de novos " c o m u n s " r e c o n s t r u í d o s é
o das "reservas extrativistas da A m a z ó n i a " .

Toto 15. i ' f s c a Ac- .ivmsta -


Saco do Mamanguá, F'arati <KJ}.
-9
A Vida do Lugar
5 c n t í d a pelos M o r a d o r e s

M AMANCL/Â É VISTO HOJE, pela maioria dos moradores, como


u m lugar de c a r ê n c i a s , carestia, de dificuldades v á r i a s e
até de abandono. A m i g r a ç ã o ainda é vista por muitos como u m a
s o l u ç ã o para seus problemas, apesar da i m a g e m negativa que
apresentam os cortiços das Ilha das C o b r a s , onde v a i m o r a r a
maioria dos ex-moradores do lugar.
C o m o pode ser verificado pela Tabela 30, os problemas bá-
sicos sentidos pelos moradores se t r a d u z e m nas d i f i c u l d a d e s
crescentes e m melhorar suas c o n d i ç õ e s básicas de v i d a , como a
insuficiência de serviços m é d i c o s (citada por 20%), e de transpor-
te (citada por 31,4 % ) .
O s problemas de s a ú d e s ã o particularmente graves e m toda a
á r e a , sobretudo pelas m á s c o n d i ç õ e s sanitárias, u m a vez que n ã o
existe á g u a tratada e poucos moradores tem fossas séticas o u es-
gotos. N a maioria das vezes as á g u a s s ã o coletadas e m riachos
A VIDA DO L U G A R
o Nosso L u c A i í VIROU PARQUE

transporte n u m barco motorizado de a l g u m parente o u conhe-


Tabela 30 - Problema Segundo os Chefes de Famílias
c i d o , m u i t o s tem d i f i c u l d a d e s financeiras e m pagar o frete. Aí
entra o p a p e l de a l g u n s turistas que tem barcos m o t o r i z a d o s que
MARGEM CHEFES ARRASTO COL. PRED. FUNDIÁRIO
são d e i x a d o s c o m os c a s e i r o s e q u e s e r v e m t a m b é m c o m o
Continental 10 70.0% 20.0% 20,0% transporte. N u m caso, a única trilha da M a r g e m P e n i n s u l a r teve
seu t r a ç a d o tradicional alterado por p a s s a r na praia de u m pro-
Fundo do Saco 05 100,0% 20.0% —
p r i e t á r i o de fora, tendo este feito u m outro c a m i n h o , m a i s p e n o -
Peninsular 20 50.0% 15.0% 15,0% so por se tratar de u m a s u b i d a í n g r e m e . N o entanto, porque cede
seu barco p a r a o transporte de doentes, o referido p r o p r i e t á r i o é
TOTAL 35 62.8% 17.1% 14.2%
"desculpado".
Há t a m b é m u m a grande p r e o c u p a ç ã o com a prática de arras-
Tabela 30 (cont.) - Problema Segundo os Chefes de Famílias
to de c a m a r ã o no Saco, citada por 62,8% dos entrevistados e c o m
a coleta i n d i s c r i m i n a d a de caranguejo, palmito e outras espécies
MARGEM MOSQUITO SAÚDE TRANSR OUTROS
da mata, particularmente por pessoas de fora do lugar.
Continental — 20.0% —
"Com esse negócio de arrastão, nem com rede de espera a gente
Fundo d o Saco 40.0% 20.0% 60.0% 20,0%
mata peixe. ÁJites, a gente botava rede de espera, e tinha peixe que
Peninsular — 30.0% 30,0% 5.0% nem jabuticaba no galho" (Seu Dito, Baixio de dentro).

TOTAL 5.7% 20.0% 31.4% 5.7%


C o m o pode ser visto, pela Tabela 30, a p e r c e p ç ã o do arrasto
O b s , : O s entrevistados podem ter citado mais de um problema cada um. ilegal é visto como problema grave sobretudo pelos que sobrevi-
vem da pesca de subsistência (Fundo do Saco e M a r g e m C o n t i n e n -
que descem das montanhas, e m princípio, de á g u a p u r a . N o entan- tal). O conflito c o m os barcos de arrasto teve momentos críticos
to, no momento da c a p t a ç ã o , os tanques ficam descobertos e a no passado, q u a n d o alguns pescadores locais l a n ç a r a m no fundo
á g u a t a m b é m usada por animais, selvagens o u domesticados. Por das á g u a s troncos de á r v o r e s com ferros pontiagudos para rasgar
outro lado, parte dos moradores defeca e m p r o x i m i d a d e s dos as redes. E s s e s troncos foram localizados e retirados da á g u a e
riachos, o que tem causado várias enfermidades transmissíveis levados para Parati, sendo mostrados como " t r o f é u s " no porto de
como a hepatite. A l é m disso, foram constatados, tanto e m turis- Parati. A l é m disso, os pescadores de M a m a n g u á foram seriamen-
tas como e m moradores casos de leishmaniose, espécie de úlcera te a m e a ç a d o s pelos donos de barcos de arrasto. C o m o alguns dos
de pele que se n ã o tratada apropriadamente pode trazer proble- donos desses barcos, e m Parati, s ã o t a m b é m compradores de pei-
mas sérios à s a ú d e . O fato do r e c é m c o n s t r u í d o posto de s a ú d e xe de M a m a n g u á , a situação se toma complexa, u m a v e z que os
não ter m é d i c o o u r e m é d i o s t a m b é m n ã o tem colaborado para comerciantes locais de peixe dependem dos compradores da cida-
uma melhoria das c o n d i ç õ e s de s a ú d e local. de. A q u e l e s poucos pescadores locais que tem bote motorizado
A s s o c i a d a às c a r ê n c i a s de s a ú d e está a falta de transporte re- usado para arrasto s ã o , no entanto, os mais afluentes e influentes,
g u l a r para l e v a r os doentes à cidade de Parati, onde p o d e m ter e tentam desqualificar o arrasto de c a m a r ã o no interior do Saco
a l g u m tratamento, a i n d a q u e p r e c á r i o . Se n ã o c o n s e g u e m o como prejudicial. N o entanto, todos reconhecem que q u a n d o o
A V I D A DO L U G A R
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

I B A M A r e p r i m i u recentemente os arrastos, durante o p e r í o d o d e tem mais terra? Porque, atitigajuente, quem não era dono, ia plantar
defeso, a disponibilidade de peixes para a pequena pesca a u m e n - no terreno de outro, do Estado. Um terreno que não tinha dono, mas
tou visivelmente. o nego vinha e fazia a casa dele, fazia uma posse. Agora, não entra,
O ataque d o s mosquitos foi t a m b é m citado, particularmente quem vendeu e saiu não pode voltar mais" (Seu Z i z i n h o , Ponta do
pelos moradores p r ó x i m o s do mangue, como é o caso do F u n d o Leão).
do Saco
O problema fundiário, particularmente a e x p u l s ã o de m o r a - U m a q u e s t ã o particular d i z respeito ao p a p e l d e s e m p e n h a d o
dores de s u a s terras, e o consequente desvio dos c a m i n h o s tradi- pelos turistas e a í as opiniões se d i v i d e m , como se p o d e verificar
cionais por haristas que c o m p r a r a m posses foi lembrado como u m pela tabela abaixo:
dos problemas sérios do lugar. E l e parece ser mais importante na
M a r g e m P e n i n s u l a r e Continental que no F u n d o do Saco, pois a í Tabela 31 - Opinião sobre Turismo

a p r e s s ã o turística é menor que nas outras áreas.


MARGEM TUTAL AJUDAM ATRAPALHAM AMBOS SEM RESR
E s s a p r e o c u p a ç ã o c o m os problemas de terra se acentua por-
que c o m e ç a m a escassear terrenos para o plantio, u m a v e z que os Continental 10 60.0% 20.0% 10.0% 10.0%
proprietários-turistas dificultam a agricultura e m s u a s terras, an-
Fundo do Saco 05 60.0% — 40,0% —
tes usadas para o cultivo da mandioca e outras espécies. A superfí-
cie de terras cada v e z maior e m m ã o s dos turistas que i m p e d e m o Peninsular 20 55.0% 5.0% 35.0% 5.0%
cultivo de m a n d i o c a tem levado a u m a r e g e n e r a ç ã o m a i s r á p i d a
TOTAL 35 57.1% 8.5% 28.5% 5.7%
d a v e g e t a ç ã o nas encostas e isso se pode constatar m a i s v i s i v e l -
mente na M a r g e m Continental. T a m b é m em r a z ã o desse proces-
so, os terrenos disponíveis para cultivo o u se s i t u a m distantes de I n d a g a d o s a respeito do turismo, 57,1% a f i r m a m que este traz
s u a s casas o u e m c o n d i ç õ e s difíceis para o cultivo (encostas). Por benefícios para o lugar, 8,5% s ã o de opinião que traz prejuízos.
outro lado, pelo menos u m morador-lavrador da M a r g e m P e n i n - C e r c a d e 28,5% (indicado na tabela como " a m b o s " ) a f i r m a m que
s u l a r a u m e n t o u drasticamente sua á r e a de cultivo c o m u m gran- o turismo p o d e trazer benefícios m a s t a m b é m prejuízos ao lugar.
de desmatamento n u m a área de " t i g u e r a " nas encostas p r ó x i m a s Mais de u m terço dos moradores do F u n d o do Saco e da M a r g e m
à Ponta do B a n a n a l , c o m o intuito de garantir a posse da terra Peninsular e s t ã o nessa categoria, talvez por d e p e n d e r e m menos
que, aparentemente pertencia a u m parente seu que tinha migra- dos turistas que têm casa no local e que preferem as praias m a i s
do para Parati e n ã o tinha aparecido mais no lugar. arenosas p r ó x i m a s à barra. Já na M a r g e m C o n t i n e n t a l , onde a
M u i t o s moradores criticam os que v e n d e r a m suas posses por d e p e n d ê n c i a do turismo é maior, este n ã o é visto negativamente.
terem feito u m m a u negócio, tendo indo v i v e r e m Parati, pois tam- O s que o b s e r v a m aspectos negativos no turismo se e x p r e s s a m
b é m ali v i v e m miseravelmente, n ã o p o d e n d o m a i s voltar ao l u - da seguinte forma:
gar onde n ã o tem m a i s casa o u terra.
"Não, o turismo não ajuda (...). Porque, vamos supor, o senhor
" O pessoa fizeram o seguinte: venderam e não puderam comprar está aqui, veio de fora, compra um peixe, só isso. Porque o senhor não
outra terra. Acabaram com o dinheiro, que o dinheiro era muito pou- vem de lá piara comprar farinha, feijão aqui. Traz de fora tudo. Quem
co. Venderam e foram para Parati, e como vão voltar agora, se não compra terra aqui, não deixa plantar banana, mandioca. Então a
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

mercadoria tem que vir de fora, mas com o custo de vida do jeito que
está, o povo do lugar não tem condições de comprar" (Seu Z i z i n h o ,
Ponta do L e ã o ) .

10
O s moradores, apesar de perceberem os problemas e s u a gra-
v i d a d e , n ã o sabem a q u e m recorrer para resolvê-los. Q u a s e sem-
pre colocam a causa de sua carência e pobreza na falta d e interes-
se d o prefeito e d e outras autoridades e m resolvê-los. O Saco d e
M a m a n g u á sequer tem u m vereador na C â m a r a d e Parati, e nas
últimas eleições muitos preferiram votar n u m grande comercian-
/ \a g e o l ó g i c a d a
te d e pescado e dono de barco, residente na sede.
Juatinga: uma N o v a froposta
Em 1992, foi c r i a d a a A S S O C I A Ç Ã O DOS M O R A D O R E S D E M A M A N -

GUÁ, abrigando tanto turistas como habitantes d o local. A A M A M ,


de Á r e a Natural frotegída?
no entanto, parece ter dificuldades e m se legitimar porque é vis-
ta, p o r alguns moradores, como inspirada por "gente de fora".
A t é agora n ã o conseguiu mobilizar os moradores e m torno d e
seus problemas básicos, à e x c e ç ã o d e algumas iniciativas para
i m p e d i r o arrasto de c a m a r ã o dentro d a área estuarina.

A R.ESERVA VISTA PELOS MORAPORES

A CRIAÇÃO DA A P A do C a i r u ç ú (1983) e a legislação d e prote-


ç ã o à M a t a A t l â n t i c a , já tiveram u m impacto sobre o m o d o
de v i d a local, pois aplicando-se na r e g i ã o a legislação a m b i e n -
tal vigente m u i t a s a t i v i d a d e s tradicionais q u e i m p l i c a m , p o r
e x e m p l o , n o corte de m a d e i r a , m e s m o p a r a fazer u m a canoa,
são proibidas.
A R E S E R V A E C O L Ó G I C A D A J U A T I N G A ( E s t a d u a l ) , q u e se estende à
M a r g e m P e n i n s u l a r d o Saco de M a m a n g u á , foi criada e m 1992
c o m a intenção de proteger n ã o só os ecossistemas, como t a m b é m
as p o p u l a ç õ e s caiçaras. N o entanto, segundo a legislação vigente
no país, n ã o é permitida a p r e s e n ç a d e moradores (tradicionais
o u n ã o ) e m reservas ecológicas. A p e s a r do texto d a lei, implici-
tamente, mencionar a importância da cultura, a p e r m a n ê n c i a des-
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE A R E S E R V A E C O L Ó G I C A DA J U A T I N G A

sas p o p u l a ç õ e s n ã o está clara e assegurada, d e i x a n d o lugar a Tabela 33 - Opiniões sobre a R e s e r v a Ecológica da Juatinga
muitas d ú v i d a s , sobretudo para os moradores.
Pelas entrevistas (Tabela 32), percebe-se que somente 11,4% MARGEM TOTAL BOM SEM RESR NÃO SABE
dos chefes d e família têm alguma n o ç ã o do que significa u m a
Continental 10 11.1% 1 1,1% 77,8%
R e s e r v a E c o l ó g i c a , e a grande maioria (85,7%) n ã o sabe para q u e
ela serve: Fundo do Saco 05 0.0% 0,0% iOO.0%

Peninsular 20 5.0% 0.0% 95.0%


"É preservação, né? Eles querem criar um tipo de preservação da
natureza. Não pode pescar, não pode desbastar e não pode criar" TOTAL 35 5,7% 2,8% 91,5%
(Licío, C o s t ã o ) .

Tabela 32 - G r a u de Informação sobre a


A CONSERVAÇÃO DABIODIVERSIDADE E UMA
R e s e r v a Ecológica da Juatinga
NOVA CONCEPÇÃO DEPLANOS DE MANEJO

MARGEM TOTAL SIM NÃO SEM RESR


A forma pela qual foi criada a Reserva Ecológica d a Juatinga, so-
Continental 10 30,0% 70.0% — bretudo, a falta de envolvimento d a p o p u l a ç ã o local e m s e u esta-
belecimento, levanta problemas teóricos e p r á t i c o s relevantes
Fundo do Saco 05 — 100.0% —
quanto à eficácia dessas áreas protegidas. E m trabalho anterior
Peninsular 20 5.0% 90.0% 5.0% (Diegues, 1994), mostrou-se como o conceito d e " á r e a natural
protegida" importada dos Estados U n i d o s é d e difícil a p l i c a ç ã o
TOTAL 35 11.4% 85,7% 2.8%
no Brasil, naqueles casos e m que existem moradores tradicionais
(pescadores, ribeirinhos, e t c ) . C o m a ideia d e " p a r q u e s naturais
T a m b é m pela Tabela 33, pode-se perceber que a quase totalida- sem m o r a d o r e s " transplantou-se para o Brasil n ã o somente u m a
de (91,5%) n ã o tem opinião formada sobre os impactos que a Reser- c o n c e p ç ã o cultural e historicamente determinada d e " á r e a s sel-
va p o d e r á ter sobre seu modo de v i d a . vagens desabitadas" como t a m b é m u m a forma específica de rela-
O s moradores c o n t i n u a m desinformados sobre as alterações ção homem-natureza. Parte da visão preservacionista norte-ameri-
que essa u n i d a d e de c o n s e r v a ç ã o restritiva pode acarretar sobre cana subjacente ao estabelecimento dessas áreas protegidas está
seu m o d o d e v i d a tradicional, sobretudo sobre o u s o de recursos baseada n a v i s ã o d o h o m e m como necessariamente destruidor
naturais (mangue, caixeta, e t c ) . A falta de i n f o r m a ç ã o tem acar- do equilíbrio natural. O s preservacionistas americanos, partindo
retado u m receio generalizado sobre possíveis restrições a s e u de u m contexto de r á p i d a industrialização e u r b a n i z a ç ã o e m me-
m o d o de v i d a tradicional. Por outro lado, a fiscalização do IBAMA ados d o século XIX nos Estados U n i d o s , p r o p u n h a m " i l h a s " de
é qviase ausente, principalmente na repressão à pesca d e arrasto c o n s e r v a ç ã o ambiental, e m áreas de grande beleza cénica, onde o
praticada à l u z do d i a , m e s m o e m á g u a s rasas do Saco. A apreen- h o m e m d a cidade pudesse apreciar e reverenciar a natureza sel-
são recente, pelo I B A M A , de sacos de caranguejos retirados indiscri- v a g e m . A transferência d a ideia desses e s p a ç o s naturais v a z i o s ,
m i n a d a m e n t e do m a n g u e por coletores provenientes d e fora d a onde n ã o se permite a p r e s e n ç a de moradores, entrou e m conflito
r e g i ã o foi b e m recebida pelos moradores. c o m a realidade dos países tropicais, cujas florestas s ã o habitadas
A R E S E R V A E C O L Ó G I C A DA J U A T I N G A
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

por p o p u l a ç õ e s indígenas e outros grupos tradicionais que desen- " A c o m p o s i ç ã o e distribuição presente das plantas e arú-
v o l v e m aí formas de a p r o p r i a ç ã o c o m u n a l dos recursos naturais m a i s d a floresta ú m i d a são o resultado da i n t r o d u ç ã o de e s p é -
e seus e s p a ç o s . A t r a v é s d o conhecimento tradicional do m u n d o cies e x ó t i c a s , c r i a ç ã o de novos habitats e m a n i p u l a ç ã o conti-
natural, essas p o p u l a ç õ e s foram capazes de criar sistemas enge- n u a d a pelos povos d a floresta durante milhares d e anos (...).
nhosos d e manejo d e flora e fauna, protegendo, c o n s e r v a n d o e E m resumo, essas florestas p o d e m ser consideradas artefatos
até potencializando a diversidade biológica. A i m p o s i ç ã o de m i - culturais h u m a n o s . A atual biodiversidade existe, na África,
tos m o d e r n o s das p o p u l a ç õ e s urbanas, como a d o s " p a r a í s o s " não apesar d a h a b i t r a ç ã o h u m a n a , mas por causa dela (...). A
naturais intocados, sobre mitos antropomórficos, p r ó p r i o s das po- relevância deste fato para a planificação da p r o t e ç ã o e manejo
p u l a ç õ e s tradicionais, tem gerado u m a série de conflitos de difícil das reservas biológicas é que se excluirmos os seres h u m a n o s
s o l u ç ã o , u m a v e z que a legislação p r e v ê a e x p u l s ã o o u transfe- do uso de grandes á r e a s de florestas, n ã o estaremos protegen-
rência dos moradores de á r e a s transformadas e m á r e a s de con- do a biodiversidade que apreciamos, mas a alteraremos signifi-
s e r v a ç ã o restritivas. cantivamente e provavelmente a d i m i n u i r e m o s ao longo d o

No caso d a c r i a ç ã o d a R E S E R V A E C O L Ó G I C A D A J U A T I N G A , apesar
t e m p o " (p. 208).

de no texto da lei existir a intenção de se valorizar o acervo c u l t u -


ral da p o p u l a ç ã o caiçara, n ã o houve u m levantamento a d e q u a d o B a y l e y (1992) e t a m b é m outros cientistas como G o m e z - P o m -
dessa b a g a g e m cultural n e m das formas pelas quais os c a i ç a r a s se pa (1971); Balée (1988) e M c N e e l y (1993) apontam para a m e s m a
relacionam c o m a natureza e seus e s p a ç o s . Pela lei, há necessida- c o n c l u s ã o : é impossível se pensar na c o n s e r v a ç ã o d a b i o d i v e r s i -
de de se estabelecer u m " p l a n o de manejo" da Reserva E c o l ó g i c a , dade s e m a sociodiversidade o u sem a d i v e r s i d a d e cultural.
distribuindo os e s p a ç o s segundo os objetivos e usos d a á r e a , tais Dentro desse contexto, como afirma Bayley (1992), o plano d e
c o m o a p r e s e r v a ç ã o permanente, a pesquisa científica, etc. N o manejo d e v e necessariamente incorporar tanto o saber tradicio-
entanto, até hoje no Brasil esses planos de manejo (a n ã o ser n o nal, as formas tradicionais de g e s t ã o dos e s p a ç o s territoriais e d e
caso d a s reservas extrativistas), n ã o i n c o r p o r a r a m o saber, a s seus recursos, c o m o t a m b é m os mitos, o i m a g i n á r i o e as a s p i r a -
tecnologias patrimoniais de t r a n s f o r m a ç ã o d o m u n d o natural e ções das p o p u l a ç õ e s locais. N e s s e sentido, esse é u m processo
dos sistemas tradicionais de manejo. O s d e n o m i n a d o s "atributos muito complexo para ficar somente e m m ã o s dos cientistas natu-
naturais dos ecossistemas", definidos pelas ciências naturais se rais e administradores de unidades d e c o n s e r v a ç ã o . E l e requer
tornam os únicos critérios "cientificamente" válidos para estabele- u m trabalho interdisciplinar, u m esforço conjunto d e biólogos,
cer os planos de manejo e distribuir as á r e a s segundo os objetivos e c ó l o g o s , a n t r o p ó l o g o s , g e ó g r a f o s , economistas, incorporando e
da p r e s e r v a ç ã o permanente, visitas de turistas, pesquisa científica, v a l o r i z a n d o o saber " d o s antigos". E s s e é u m grande desafio para
etc. O m u n d o natural, apesar de historicamente ter sido transfor- a p r ó p r i a ciência acostumada a tratar o m t m d o natural e o social
m a d o e m a n i p u l a d o pelo h o m e m durante dezenas d e milhares dentro de u m a ótica disciplinar e frequentemente reducionista.
de anos continua sendo visto como " v i r g e m " e " n a t u r a l " . A p r ó - Tão importante quanto a i n c o r p o r a ç ã o do saber local nos pla-
pria b i o d i v e r s i d a d e acaba sendo definida e m termos unicamente nos de manejo é m u d a r - s e radicalmente a ótica desse tipo de pla-
" n a t u r a i s " , apesar de evidências crescentes terem apontado para nejamento, transformando-o n u m instrumento d e m o c r á t i c o de
o fato d e ela t a m b é m , até certo ponto, ser fruto d a m a n i p u l a ç ã o g e s t ã o dos e s p a ç o s e recursos naturais. Dever-se-ia partir do prin-
h u m a n a por parte das p o p u l a ç õ e s indígenas e nativas. C o m o afir- cípio b á s i c o que afirma ser a g e s t ã o do m u n d o natural baseado
m a Bayley (1992): e m p e r c e p ç õ e s e valores que os grupos sociais t ê m d o m u n d o
A R E S E R V A E C O L Ó G I C A DA J U A T I N G A
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

natural, da i m p o r t â n c i a dos processos naturais e n ã o de princí- n ó m i c a s e ambientais, privilegiando-se aquelas alternativas eco-
pios imanentes aos p r ó p r i o s ecossistemas. A s n o ç õ e s de equilí- lógica e socialmen-te mais adequadas. N e s s e sentido, as á r e a s n a -
brio, de h o m e ó s t a s e , p r ó p r i o s da ecologia enquanto ciência, n ã o turais protegidas e m que v i v e m p o p u l a ç õ e s tradicionais p o d e r ã o
p o d e m ser analisados enquanto processos estáticos, sobretudo, ser transformadas n u m dos exemplos v i v o s d a r e p r o d u ç ã o de so-
q u a n d o se d e v e incorporar na análise as constantes i n t e r v e n ç õ e s ciedades o u c o m u n i d a d e s locais sustentáveis, exemplos de u m a
dos homens. N a maioria dos ecossistemas c h a m a d o s " n a t u r a i s " , relação sadia entre o h o m e m e a natureza.
a a ç ã o h u m a n a é crucial, seja para manter os processos naturais
essenciais seja para perturbá-los, muitas vezes de forma desas-
trosa e irreversível.
E s s a g e s t ã o d e m o c r á t i c a deve incorporar n ã o somente elemen-
tos da ciência m o d e r n a , da etnociência, mas constituir-sc n u m
processo de n e g o c i a ç ã o que leve e m conta n ã o somente as neces-
sidades nacionais de c o n s e r v a ç ã o dos ecossistemas, mas as aspira-
ç õ e s locais, os modos de v i d a e, acima de tudo, a c o n t r i b u i ç ã o
histórica das p o p u l a ç õ e s tradicionais para a c o n s e r v a ç ã o a m b i -
ental. N ã o é exagerado afirmar que, na grande maioria dos casos,
a efetiva i n c o r p o r a ç ã o das p o p u l a ç õ e s tradicionais no processo
d e m o c r á t i c o de manejo ambiental resultará na descoberta de ali-
ados locais firmes e constantes para a c o n s e r v a ç ã o contra grupos
especuladores urbanos e outros devastadores da biodiversidade.
Para tanto, é necessário m u d a r radicalmente a c o n c e p ç ã o auto-
ritária dos planos de manejo no Brasil, cujo enfoque p r o v é m do
p e r í o d o a u t o r i t á r i o , quando grande parte das u n i d a d e s de con-
s e r v a ç ã o foram criadas. O s chamados planos de manejo n ã o de-
v e m m a i s serem tidos como produtos finais realizados por u m
grupo restrito de " i l u m i n a d o s " , cientistas ou não, mas u m processo
cujos produtos sejam constantemente avaliados, redimensionados
e m e s m o alterados e m função de u m diálogo permanente c o m as
p o p u l a ç õ e s , sobretudo, a de moradores.
Por outro lado, essas culturas tradicionais n ã o p o d e m ser v i s -
tas como estáticas. É sabido que elas s ã o capazes de incorporar
elementos culturais provenientes de outras culturas o u regiões
dentro de u m marco cultural p r ó p r i o . C o m o , e m grande parte
dos casos, tratam-se de p o p u l a ç õ e s pobres, é fundamental esta-
belecerem-se programas de melhoria das c o n d i ç õ e s de v i d a , por
meio de atividades c o m p a t í v e i s com as especificidades socioeco-
o N o s s o LuiiAK Viií(.)L P A R Q U I

11
usao

T o t o ]6, Casa d e veranistas -


Saco d o Mamanguá, f a r a t i ^^KJ).

E STE E S T U D O P R E L I M I N A R revelou que a p o p u l a ç ã o tradicional


c a i ç a r a do Saco de M a m a n g u á , sobretudo, os " a n t i g o s " , as
pessoas m a i s velhas, tem u m profundo conhecimento do a m b i e n -
te e m que v i v e m , das espécies de plantas e a n i m a i s que u t i l i z a m
no s e u d i a - a - d i a . Parte desse etno-conhecimento, principalmente
no que se refere à s m a n i f e s t a ç õ e s culturais, como d a n ç a s tradi-
cionais e festas, está sendo perdido no processo de m u d a n ç a s so-
ciais, c o m o aparecimento do protestantismo que proíbe festas
c o m " i m a g e n s " , d a n ç a s e cantos, com o aparecimento d a pesca
embarcada que leva aos jovens se ausentarem das praias por lon-
gos p e r í o d o s , com a r e d u ç ã o da i m p o r t â n c i a das atividades agrí-
colas, do m u t i r ã o e outras atividades tradicionais socializadoras.
f o t o 17. Crianças !->nncando com miniatura d e canoa - Hoje, por exemplo, é difícil encontrar violeiros e outros m ú s i c o s
Saco d o Mamanguá, Parati vKJ\ para a "cantoria dos R e i s " , da ciranda, etc.
CONLUSÂO
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

A l g u n s conhecimentos da p o p u l a ç ã o local sobre artes de pesca lado, as atividades tradicionais baseadas n o uso dos recursos da
sequer foram devidamente estudados, como é o caso dos "pesquei- z o n a estuarina e da mata p o d e r ã o ser drasticamente r e d u z i d a s
r o s " o u " c e r c a d a s " , que s e r v e m para "cevar o peixe", atraindo ou m e s m o proibidas, como sucede e m outras u n i d a d e s de prote-
certas espécies de pescado para o conjunto de galhos enfiados no ç ã o ambiental restritivas. O s moradores dificilmente e n t e n d e m
substrato do estuário. É interessante se observar que o desconheci- porque n ã o p o d e r ã o mais utilizar os recursos naturais do m a n -
mento dessas práticas tecnológicas tradicionais levou, gue, d a caixeta, da mata, base de seu modo de v i d a , ao passo que
recentemente, técnicos e pesquisadores a propor a c o l o c a ç ã o de os visitantes p o d e r ã o continuar u s u f r u i n d o das belezas naturais
"atratores de p e i x e s " formados por pneus, c o m o m e s m o objetivo de u m a área p a r a d i s í a c a . E v i d e n c i a - s e , nesse processo, d u a s v i -
das cercadas tradicionais. Deve-se notar que a proposta da "gente sões do " m u n d o n a t u r a l " , lastreadas por dois tipos de mito: o
de fora" de colocar os atratores artificiais contou com forte oposi- mito m o d e r n o de u m a natureza intocável, p a r a d i s í a c a — trans-
ç ã o local, principalmente por parte dos pescadores que pra ticam a formada e m parques naturais e reservas e c o l ó g i c a s , propostas
pesca ilegal do c a m a r ã o e de outros pescadores que temem perder pelos conservacionistas urbanos — , e o mito a n t r o p o m ó r f i c o —
neles as suas redes. Muito provavelmente, o incentivo às "cercadas" p r ó p r i o das p o p u l a ç õ e s p r é - u r b a n a s e pré-industriais que m a n -
s e r i a m a i s d e s e j á v e l , m a s n e c e s s i t a r i a de u m e s t u d o m a i s têm c o m o m u n d o natural u m a relação diferenciada, c o m p r á h -
a p r o f u n d a d o sobre s u a s características t e c n o l ó g i c a s e p r á t i c a s cas culturais simbólicas distintas do m u n d o urbano.
culturais. N a verdade, o E s t a d o acaba i m p o n d o sobre os "territórios de
E s s e conhecimento tradicional t a m b é m se revela pela grande uso c o m u m " , onde os moradores locais quase n ã o p o s s u e m o tí-
v a r i e d a d e de espécies de mandioca e outras plantas u s a d a s nas tulo de propriedade p r i v a d a , u m a outra forma de e s p a ç o territo-
" r o ç a s " , que r e d u z e m o perigo de ataque de d o e n ç a s que pode- rial, o público (parques e reservas), baseado e m r a z õ e s como a
r i a m d i z i m a r a p l a n t a ç ã o , se ela fosse constituída por plantas de biodiversidade, a c o n s e r v a ç ã o do m u n d o natural e a necessidade
u m a s ó variedade. de se proteger os " ú l t i m o s remanescentes da Mata A t l â n t i c a " .
Por outro lado, o m o d o de v i d a tradicional, dentro do q u a d r o N a Reserva Ecológica da Juatinga, a s s i m como e m outras á r e -
d a p e q u e n a p r o d u ç ã o mercantil, está sendo alterado por i n ú m e - as naturais protegidas, onde há moradores que v i v i a m aí antes da
ros fatores mencionados neste trabalho, como a i n t r o d u ç ã o da c r i a ç ã o do parque, os conflitos n ã o t a r d a r ã o a aparecer, c o m o na
pesca embarcada, a chegada do turismo ocasional e dos turistas E s t a ç ã o Ecológica da Juréia-Itatins (SP). A s o l u ç ã o desses conflitos
c o m casas s e c u n d á r i a s no local. C o m o foi visto, a a p r e c i a ç ã o dos exige u m a outra c o n c e p ç ã o de parques e reservas mais adapta-
benefícios o u dos prejuízos trazidos pelo turismo é c o n t r a d i t ó r i a , das à s c o n d i ç õ e s do Terceiro M u n d o , e u m a estratégia de nego-
d e p e n d e n d o da v i n c u l a ç ã o maior o u menor dos moradores e m ci a çã o por parte das autoridades e administradores que leve e m
r e l a ç ã o aos turistas, vistos por alguns como prejudiciais e por conta a c o n t r i b u i ç ã o que as p o p u l a ç õ e s tradicionais p o d e m dar à
outros c o m o benéficos ao local. c o n s e r v a ç ã o da bio-sócio-diversidade. Essa n e g o c i a ç ã o d e v e pas-
A recente instituição da Reserva Ecológica E s t a d u a l da Juatin- sar necessariamente pela não-expulsão dos moradores tradicionais
ga, à qual pertence a M a r g e m Peninsular do Saco d c M a m a n g u á , e pelo respeito ao conhecimento a c u m u l a d o pelos moradores tra-
p o d e r á v i r a alterar significativamente o m o d o de v i d a da p o p u - dicionais sobre os ecossistemas e m que v i v e m e ao seu m o d o de
lação local. Se, de u m lado, a d e c l a r a ç ã o e i m p l e m e n t a ç ã o dessa v i d a . A o c u p a ç ã o do e s p a ç o d e v e ser feita e m consulta direta com
" á r e a natural protegida" p o d e r á reduzir a especulação imobiliária, os moradores. O s c h a m a d o s "planos de m a n e j o " d e v e m perder
na m e d i d a e m que novas c o n s t r u ç õ e s s ã o proibidas, por outro seu c a r á t e r autoritário, baseado exclusivamente no c h a m a d o "co-
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

nhecimento científico", incorporando o etno-conhecimento, os


mitos e visões d e m u n d o a respeito d o m u n d o n a t u r a l que f a z e m
parte d a cultura local.

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SPB Academic Publishing - The Hague.
ntonio Carlos S a n f A n a Diegues é
antropólogo, com doutorado na
Universidade de São Paulo e École des
Hautes Études en S c i e n c e s Sociales,
em Paris. É diretor científico do
NUPAUB - Núcleo de Pesquisa sobre
Populações Humanas e Áreas Úmidas e
professor do Programa de pós-
graduaçâo em Ciência Ambiental da
USP. É autor de vários livros sobre a
relação entre sociedade e natureza,
sendo os principais: Ilhas e Mares:
simbolismo e imaginário (Hucitec), O
Mito moderno da natureza intocada
(Hucitec), Povos e Mares (Nupaub),
Ecologia humana e planejamento das
áreas costeiras (Nupaub), Pescadores,
C a m p o n e s e s e Trabalhadores do Mar
(Ática).

Paulo José Navajas Nogara é biólogo,


com mestrado na Universidade de
Quebec - Canadá, tendo apresentado a
tese: O parque marinho de S a g u e n a y -
Saint Laurent. É pesquisador do
Nupaub, com especialização em
planejamento de parques marinhos,
trabalhando na região de Parati.

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