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MICHEL FOUCAULT E O DIREITO

Capítulo IV – UM DIREITO NOVO.

O autor começa a sua explanação tratando da questão da oposição entre


direito e normalização. Em seu terceiro contraste entre esses três elementos,
aparece a questão das práticas do direito serem uma forma de resistência ao poder
normalizador – este seria chamado de direito novo, como um domínio de prática e
também, um domínio teórico que estaria liberado do princípio da soberania.

“Para o autor, afirmar que o problema da soberania foi o problema central do


direito nas sociedades ocidentais significa reconhecer que o discurso e a técnica do
direito tiveram por função maior ‘dissolver, no interior do poder, o fato da
dominação, para fazer que aparecessem no lugar da dominação, que se queria
reduzir ou mascarar, duas coisas: de um lado, os direitos legítimos da soberania, do
outro, a obrigação legal da obediência.” (pág. 243). O direito como uma das formas
de dominação. Um direito normalizado-normalizador. O direito como um instrumento
de dominação e de sujeição.

“A teoria da soberania teria servido para dar a forma a um direito que seria, a
partir daquele momento, cada vez mais investido pelos mecanismos da normalização:
uma vez que as coerções disciplinares deviam ao mesmo tempo exercer-se como
mecanismos de dominação e ser escondidas como exercício efetivo de poder, era preciso
que fosse apresentada no aparelho jurídico e reativada, concluída, pelos Códigos judiciários,
a teoria da soberania.” (pág. 245). A soberania e a disciplina como os elementos de
poder em nossas sociedades. Logo o direito organizado em torno da soberania
(legalidade) está viciado para combater a normalização, por isso a necessidade de um
direito novo.

Foucault não busca criar uma teoria do direito, pelo contrário este objeto
aparece apenas com “imagens” ou “atitudes” em seu discurso.

Esse direito novo poderia ser considerado em duas posturas. Uma postura
ativa e uma negativa. A postura negativa seria a desconfiança com relação a todo o
sistema – que estaria contaminado pela normalização, através da estrutura formal.
Com relação a postura positiva, esta se daria no sentido das práticas
relacionadas ao direito nas quais se realiza algum tipo de resistência ou de oposição à
normalização.

DESCONFIANÇA DA FORMA

“[...] não é diferente também da desconfiança acerca da forma pela qual os


mecanismos de poder disciplinar presentes no interior das instituições de seqüestro
atuam sobre o corpo dos indivíduos [...]” (pág. 249). Desconfiança sobre todos esses
domínios de saberes e de práticas - o elemento comum a estes é a normalização.
“‘Desconfia’ da forma das instituições (como a prisão, o hospital, a fábrica), que se
formam nas sociedades ocidentais a partir do século XVIII, porque em tais instituições
os corpos são submetidos a um mecanismo de normalização disciplinar.” (pág. 249).

Quanto a questão do tribunal e da justiça popular: “Nesse debate sobre a


justiça popular, o aspecto que é ressaltado acerca da forma do direito (e que se
constitui em objeto de desconfiança) é a sua implicação com o princípio da
soberania, implicação que faz com que o direito esteja essencialmente referido ao
problema da legitimidade do poder e da obrigação legal da obediência.” (pág. 255).
“[...] é preciso desconfiar da forma do direito cuja arquitetura seria ao mesmo tempo
uma mecânica da ordem.” (pág. 255).

“O importante a ser notado no jogo das desordens que se dão em torno ou no


interior do aparelho judiciário é que a desordem está aí destinada a produzir a ordem.
E no aparelho judiciário que vela sobre nós, a desordem produz a ‘ordem’ de três
maneira: produzindo ‘irregularidades aceitáveis’, ao abrigo das quais todos se
reencontram em uma espécie de tolerância consentida; produzindo ‘dissemetrias
utilizáveis’, que asseguram a alguns indivíduos vantagens que não são aproveitadas
por aqueles que as desconhecem ou que nada são aproveitadas por aqueles que as
desconhecem ou que nada podem fazer a respeito delas; produzindo, enfim, aquilo
que tem o mais alto valor em civilizações como a nossa, a ordem social.” (pág. 256).
A ordem do judiciário como uma norma. Primado da ordem sobre a lei. “ ‘a
arquitetura do direito não pode ser ao mesmo tempo uma mecânica de ordem’. Assim
como se diz ‘leite ou limão’, seria preciso dizer ‘lei’ ou ‘ordem’.” (pág. 257).
“Na medida em que a lei funciona mais e mais como norma (no sentido
foucaultiano), a forma possível ao direito torna-se mais e mais comprometida com os
mecanismos da normalização. Em tal hibridação, lei e ordem social aparecem como
dependentes uma da outra, misturam-se, o que reafirma a forma normalizada do
direito.” (pág. 258). A ordem como norma social normalizada.

A POSITIVIDADE DA “ATITUDE CRÍTICA”:

Práticas jurídicas capazes de representar uma oposição aos mecanismos de


normalização – no sentido de resistência. “O tema da resistência à normalização em
Foucault implica compreendermos em que medida o ‘governo de si mesmo’ pode se
opor ao ‘governo em que se é submetido por um outro’”. A partir da ideia de
governamentalidade se pode pensar no tema da resistência.

Saber, poder e subjetividade são elementos que se articulam - processos de


governamentalidade (“um conjunto de mecanismos destinados a conduzir a conduta
dos homens”). “Pode-se resistir às formas de um ‘governo’ (entendido como conjunto
de mecanismos de condução das condutas) na medida em que se pode ‘recusar ser
governado’ de um modo ou de outro. Foucault denomina essa atitude de ‘recusa de
ser governado’ de ‘atitude crítica’”. (pág. 262). A atitude crítica como uma forma
cultura geral chamada de “arte de não ser governado”.

Um exemplo de atitude crítica: “Nesse domínio, a atitude crítica seria a não


aceitação de uma verdade que é dada como tal simplesmente por decorrer de uma
autoridade reconhecida no interior de um domínio de saber qualquer.” (pág. 265). Só
considerar “verdade aquilo a respeito do que se pode encontrar, em si mesmo (e não
numa autoridade qualquer), boas razões para ser admitido como verdadeiro.” (pág.
265).

Bíblia, direito e ciências – áreas onde é possível se enxergar a arte de governar


e tambem atitude crítica (retorno as escrituras, direito natural, relação consigo no
domínio do conhecimento).

Domínio da ética: “Por domínio da ‘ética’ deve-se entender também o domínio de uma
problematização geral, realizada pelo autor, do tema da constituição da
subjetividade a partir das técnicas e das práticas pelas quais o indivíduo institui uma
relação consigo mesmo.” (pág, 269) Relação consigo mesmo – sujeito moral, por isso
as expressões práticas de si, técnicas de si e cuidado de si.

No domínio da ética é possível falar de subjetivação e não de assujeitamento.


Aqui o objeto de estudo é o sujeito e não o foco no poder. Mas Foucault em uma
entrevista disse que sempre o foco de estudo dele foi o sujeito, apesar de que teve
em certas obras estudar o poder, para estudar o sujeito. “Se nos trabalhos da
arqueologia e da genealogia o sujeito aparecia como o produto de sistemas de saber
e de poder, ou seja, como algo ‘constituído’ pelas formações de saber e pelos
mecanismos de poder, nos trabalhos da ética ele aparece ‘constituindo-se a si
mesmo’ a partir da escolha livre de um estilo a ser dado ]á sua própria existência.”
(pág. 270).

Livro uso dos prazeres: “Dirá que ‘a reflexão sobre o comportamento sexual
como campo moral não constitui entre eles (gregos) uma maneira de interiorizar, de
justificar ou de fundamentar em princípios certas interdições gerais impostas a
todos; foi sobretudo uma maneia de elaborar, para a menor parte da população,
constituída de adultos livres do sexo masculino, uma estética da existência, uma arte
refletida (porque consciente) da liberdade percebida como um jogo de poder”.

Estética da existência (fundamento ético) # cuidado de si.

“No mesmo sentido, no domínio da experiência moral propriamente dita, a


dimensão do ‘cuidado de si’ será também consideravelmente encoberta. Começando
pela temática cristã da ‘renúncia de si mesmo’, passando pela denúncia clássica do
‘amor próprio’ e pela condenação Kantiana do ‘egoísmo’, os princípios da moral
moderna se tornariam incompatíveis com a afirmação de um ‘cuidado de si’.

“Bem se vê que quando o autor fala em ‘ética’ não se refere aos sistemas de
regras e aos códigos de conduta, tampouco se refere aos comportamentos dos
indivíduos diante dos códigos, mas pensa no conjunto das práticas que o indivíduo
estabelece consigo mesmo, a partir das quais se dá sua subjetivação, ou seja, a partir
das quais o individuo se constitui como um sujeito moral, em função de uma adesão
livre a um estilo que quer dar à sua própria existência.” (pág. 276-277). A ética
implicada com o domínio das relações com o “outro” e com o poder.
“A ética, em Foucault, é bem o domínio de um exercício da liberdade, o
domínio de um exercício da autonomia na relação com o ‘outro’ e com o mundo, o
domínio de uma ‘crítica permanente visando assegurar o exercício contínuo da
liberdade’.” A atitude crítica como um chamado de ‘ético’.

Problema da saúde – como articular uma “‘demanda infinita com um sistema


finito’”. “No que concerne ao direito, caberia pensá-lo como um domínio que não é
jamais exterior a esse jogo social mais amplo. Ao contrário, o direito continuamente
chamado a integrar o jogo da arbitragem social.” (pág. 285).

O domínio do direito, em sua implicação com os outros domínios da vida, deve


ser objeto de inquietação constante. “Para o autor, o direito, a decisão acerca do
que deve ser objeto de sua atuação, o estabelecimento de suas estruturas formais, a
determinação dos meios concretos de sua aplicação não são de responsabilidade
exclusiva de um grupo. Não cabe apenas aos governantes ocupar-se do direito. Ao
contrário, o domínio do direito, assim como qualquer domínio da vida social é de
responsabilidade de todos os indivíduos.” (pág. 287).

Foucault e direitos do homem. Os direitos do homem não aparecem muito no


discurso do autor, porque ele é contrário à universalidade: “Isto significa dizer que,
para o autor, a forma que inclui a pretensão ao universal não é capaz de situar
coerentemente, no presente, a questão dos direitos dos homens. Ao contrário, a
filosofia de Foucault permite pensar como que, em toda pretensão ao universal,
existe a recusa de certas particularidades, como é que qualquer universal é, pois,
particular, como é que não pode haver saber absoluto”. (pág. 288).

Três princípios para guiarem as suas iniciativas: 1. Cidadania internacional


(todos governados – elo de ligação – solidariedade). 2. Fazer valer aos olhos e aos
ouvidos dos governos as infelicidades através da cidadania internacional. 3.
Responsabilidade de cada individuo de se inquietar com a vida social. Isso representa
o direito novo de Foucault.

“Nessa imagem de um ‘direito novo’ o que domina é a ideia de um direito


(talvez fosse melhor dizer práticas do direito) que seria objeto de uma inquietação
contínua, na medida em que constitui um domínio de saberes e de práticas
constantemente chamado a participar do jogo (sempre inacabado) da arbitragem, da
regulamentação social. Domínio a ser construído, necessariamente, segundo o
primado da práxis. O ‘direito novo’ esboçado por Foucault encontra seu fundamento
na práxis.” (pág. 292). Positivismo crítico.

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