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CAPÍTULO XI

SADHANA TÂNTRICA

[ASSUNTOS: 1 . O entendimento correto da Brahmani a respeito do Mestre. 2 . Porque ela lhe pediu
para fazer Sadhana Tântrica. 3 . Como a Brahmani pôde pensar em ajudá-lo, uma Encarnação. 4 . A
ansiedade dela para agir assim. 5 . O Mestre pedindo permissão da Mãe Divina. 6 . O zelo do Mestre
na Sadhana. 7 . Construção do assento no Panchavati . 8 . Vendo a Deusa na mulher. 9 . Renúncia à
aversão. 10 . O comportamento do Mestre por ocasião das Sadhanas Tântricas. 11 . A história de Ga-
nesha. 12 . A volta ao redor do universo por Ganesha e Kartika. 13 . A singularidade do Mestre em sua
Sadhana Tântrica. 14 . O propósito divino por detrás de tudo isso. 15 . A implicação do sucesso do
Mestre sem associação com uma mulher. 16 . Objetivo das práticas tântricas. 17 . Outra razão para o
sucesso do Mestre sem associação com uma mulher. 18 . Suas experiências durante a Sadhana Tântri-
ca. 19 . Repartindo a comida tomada pelos chacais e cães. 20 . Penetração pelo fogo do conhecimento.
21 . O despertar da Kundalini. 22 . Visão da Brahmayioni. 23 . Anahata Dhvani. 24 . Inutilidade dos
poderes miraculosos. 25 . A conversa do Mestre com Swami Vivekananda a esse respeito. 26 . O poder
ilusório da Mãe Universal. 27 . A beleza de Shodasi, a Mahavidya. 28 . Resultados da Sadhana Tântri-
ca. 29 . Esplendor da pessoa do Mestre. 30 . A Bhairavi Brahmani, uma parte de Yogamaya.]

1. A Brahmani não chegou à conclusão sobre a natureza incomum do Mestre so-


mente pela razão e dedução. O leitor pode recordar-se do que ela disse ao Mestre, em
seu primeiro encontro com ele, que tinha que entrar em contato com três pessoas, Sri
Ramakrishna e mais duas outras e ajudá-las em seu desenvolvimento espiritual. Ela
havia recebido ordem da Mãe do Universo muito antes de ter tido o privilégio de en-
contrar o Mestre. Foi sua percepção interior, resultante de suas práticas espirituais,
que a trouxe a Dakshineswar e ajudou-a a entender o Mestre. Com o passar dos dias,
à medida que a associação da Brahmani com o Mestre se tornava cada vez mais ínti-
ma, compreendeu o papel que ela teria em sua sadhana e a natureza da assistência que
deveria dar-lhe. Portanto, agora não passava o tempo em simplesmente mudar a con-
cepção errônea que as pessoas tinham a respeito dele, mas obrigava o Mestre a prati-
car diversas disciplinas de acordo com as prescrições estritas das escrituras, para que
ele, tendo uma visão perfeita da Mãe Universal e dotado de Sua graça e favor infini-
tos se tornasse firmemente estabelecido em Seu próprio poder divino, isto é, em sua
verdadeira natureza.
2. A Brahmani, ela mesma uma aspirante adiantada, ao ver o Mestre e conversar
com ele, não levou muito tempo para compreender que o Mestre não poderia livrar-se
das dúvidas sobre seu próprio estado, porque havia alcançado, até então, a visão da
Mãe Divina somente com a ajuda de sua extraordinária devoção, ao invés de seguir
estritamente os tradicionais caminhos dos instrutores espirituais. Por isso surgia de
vez em quando na mente dele, a dúvida se suas visões da Mãe Divina, eram ou não o
resultado de um desarranjo do cérebro, ou se suas extraordinárias mudanças físicas e
mentais eram sintomas de uma doença maligna. A Brahmani pensou no assunto e
induziu o Mestre a seguir o caminho da disciplina dos Tantras. Ela sabia que, assim
que o Mestre seguisse o caminho da disciplina trilhado pelos sadhakas do passado e
tivesse experiências dos estados espirituais semelhantes àqueles experimentados por
eles, compreenderia que seus estados não eram produzidos por qualquer doença.
Quando ele visse relatado, nos Tantras, que determinados resultados eram produzidos
pela execução de ritos particulares e quando ele próprio conseguisse aqueles resulta-
dos pela prática daqueles ritos, teria a firme convicção de que, pela disciplina, o ho-
mem alcança experiências fora do comum ao elevar-se a planos de consciência, no
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campo interior, cada vez mais altos e que seus estados físicos e mentais haviam sido
produzidos somente daquela maneira. O resultado seria que, por mais estranhas que
fossem as experiências que ele viesse a ter no futuro, ele as consideraria verdadeiras e
iria em direção a seu objetivo sem ser perturbado por elas. A Brahmani sabia que as
escrituras, por esta razão, aconselhavam que o aspirante sempre comparasse as expe-
riências de sua própria vida com as palavras do guru e com os Sastras, para ver se
concordavam ou não.
3. Por que a Brahmani empenhava-se em fazer o Mestre praticar aquelas dis-
ciplinas, embora soubesse que ele era uma Encarnação Divina? Ou será que aquele
que compreende a glória das Encarnações de Deus aceita a conclusão de que elas são
perfeitas e que as disciplinas são completamente desnecessárias para elas? Respon-
demos que isso teria sido verdadeiro, se a Brahmani sempre estivesse consciente so-
mente da grandeza transcendente do Mestre e livre da afeição pessoal por ele. Mas
esse não foi o caso. A Brahmani sentiu desde o primeiro encontro, uma afeição ma-
ternal pelo Mestre. Não há na terra nada mais poderoso do que o amor para obliterar
numa pessoa, a consciência de poder sobre o objeto de seu amor e impeli-la a fazer o
que considera bom. Portanto não há dúvida que foi sua afeição sincera que impeliu a
Brahmani a induzir o Mestre a fazer aquelas práticas espirituais, embora conhecesse a
grandeza do Mestre. O mesmo ocorreu nas vidas de todas as Encarnações. Apesar das
pessoas ligadas a esses seres serem às vezes tomadas por temor pelo conhecimento de
seus extraordinários poderes espirituais, elas, como se vê, esquecem-se de tudo no
momento seguinte e, encantadas pela atração de seu objeto de amor, sentem-se con-
tentes simplesmente em oferecer-lhes o amor de seus corações, buscando o seu bem-
estar,. De maneira semelhante, a Brahmani, embora maravilhada com os freqüentes e
extraordinários êxtases e com a manifestação de poderes no Mestre, imediatamente
esquecia sua importância, cega pelo amor maternal. Não é necessário dizer que a
afeição filial autêntica do Mestre por ela e sua absoluta dependência e fé nela não
tiveram um papel pequeno ao levantar ondas ternas, embora austeras, de afeto mater-
nal no coração da Sannyasini. Foi esse afeto maternal que a fez esquecer-se dos pode-
res dele e impeliu-a a suportar problemas para tornar o Mestre feliz, protegendo-o das
tiranias dos outros e ajudando-o em sua sadhana naquela fase de sua vida.
4. Quando há oportunidade de ensinar um discípulo extraordinariamente bri-
lhante, surge, naturalmente, no coração do guru, um contentamento e uma satisfação
supremos. A Brahmani jamais havia sonhado que, no mundo espiritual poderia nas-
cer, na época atual, uma pessoa tão elevada e competente como o Mestre. Por isso
podemos imaginar a alegria que deve ter enchido o seu coração, ao ter a oportunidade
de ensiná-lo. Não é de se admirar que ela estivesse tão ansiosa para que o Mestre ex-
perimentasse, em pouco tempo, os resultados de seus estudos e austeridade.
5. Ouvimos do próprio Mestre que ele havia perguntado à Mãe Divina sobre a
justeza e necessidade das disciplinas, de acordo com os Tantras, antes de começar a
praticá-las e que as havia feito com Sua permissão. Portanto, não foi simplesmente a
ansiedade e a persuasão da Brahmani que o fizeram levar a cabo aqueles exercícios
espirituais, mas também sua percepção interior, nascida da sadhana. Essa percepção
fez com que sentisse no fundo do seu coração que a oportunidade de alcançar o co-
nhecimento imediato da Mãe Divina recorrendo aos métodos das escrituras, havia
chegado. Assim, a mente concentrada do Mestre, agora, adiantara-se rapidamente,
movida pelo poder da aspiração, ao longo do caminho da sadhana ensinada pela
Brahmani. Não nos é possível, mortais comuns, sentir a medida e a intensidade da-
quela ansiedade porque, onde está aquela tranqüilidade e aquele direcionamento de
nossas mentes para um só ponto, distraídos como somos por muitas e para muitas
direções? Onde está em nós aquela coragem sem limites, para mergulharmos de cabe-
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ça no mar de consciência profunda e tocar seu fundo, em vez de sermos iludidos pelas
faltas de suas ondas superficiais representadas pelos objetos da consciência normal?
Onde está em nós o poder de erradicar o apego a todas as coisas do mundo, incluindo
nossos próprios corpos e mergulhar, com total abandono, nas profundezas da interio-
rização espiritual para realizar o que o Mestre nos recomendava repetidamente, ao
dizer, “Mergulhem profundamente, mergulhem nas profundezas de vocês mesmos.”
Soubemos que tomados pela angústia de seu coração, o Mestre esfregava o rosto nas
margens de areia do Ganga, no Panchavati, dizendo. “Mãe, revela-Te,” e isso foi um
dia ou dois? Persistiu inabalável e os dias passavam. Aquelas palavras apenas entram
em nossos corações, mas não ocasionam ecos correspondentes em nossos corações. E
como pode ser diferente? Temos a fé infantil do Mestre, que tudo consome, na exis-
tência da Mãe Divina e na oportunidade de alcançar Sua visão renunciando a tudo e
chamando-A com a mais profunda ansiedade do coração?
6. Um dia, em Kassipur, o Mestre surpreendeu-nos ao falar da intensidade de
seu anseio espiritual na época da sadhana.
Testemunhamos o desejo ardente do Swami Vivekananda pela realização de
Deus – como, o despertar espiritual lhe veio quando ia depositar a taxa para o exame
de Direito: como, tomado por intenso anseio e esquecido do mundo, correu pela cida-
de como louco, descalço e coberto somente por uma simples peça de roupa, até che-
gar ao Mestre e obter sua graça ao revelar-lhe a angústia de seu coração; como, desde
então, dia e noite passava o tempo em Japa, meditação, canções religiosas e leituras e
estudo espiritual; como, devido ao entusiasmo sem limite pela sadhana, seu coração
normalmente terno tornou-se duro, ficando indiferente ao sofrimento da mãe e dos
irmãos; e como, avançando com devoção integral no caminho da sadhana, determina-
do por seu preceptor, teve visão após visão, culminando por desfrutar a felicidade do
Nirvikalpa Samadhi, após período de três ou quatro meses. Tudo isso ocorreu diante
de nossos olhos e deixou-nos atônitos. Profundamente satisfeito, o Mestre costumava
exaltar a devoção extraordinária do Swami e sua ansiedade e entusiasmo pelas práti-
cas espirituais. Um dia, naquela época, o Mestre comparou o amor do Swami e seu
entusiasmo pela sadhana, com os seus próprios e disse, “A devoção e entusiasmo de
Narendra são realmente extraordinários, mas comparados com a ansiedade daqui
(mostrando a si próprio), o seu é absolutamente comum. Não é nem um quarto daque-
le.” Pode imaginar a surpresa que sentimos com aquelas palavras do Mestre?
Assim o Mestre aceitou a sugestão da Mãe Universal, esqueceu tudo o mais e
mergulhou na prática espiritual. A erudita Brahmani esforçou-se bastante para conse-
guir, de diversos lugares, os artigos necessários para certos ritos e deu ao Mestre ins-
truções relativas à sua aplicação.
7. Os crânios1 de cinco seres mortos, inclusive o de um homem, foram trazi-
dos de algum lugar, longe do Ganga; e dois altares 2 propícios às práticas tântricas
1
Agora ouve, Ó Rainha dos Devas, a melhor Sadhana com a ajuda dos crânios, com a qual o Sadhaka
alcança a meta suprema que é a Própria Devi, Ó Aquela de rosto excelente; “os três crânios” são os de
um homem, de um búfalo e de um gato ou são “três crânios somente de um homem e as cabeças de
chacal, de cobra, de cachorro e de um touro e, entre elas, a cabeça de um homem. Caso contrário, so-
mente os cinco crânios de um homem são chamados, Ó Poderosa, em conjunto, “os cinco crânios”... E
um altar, de um palmo quadrado, deve ser feito. Ou um altar de quatro cúbitos quadrados, Ó Devi,
deve ser construído.” A 5ª Patala-Yogini-Tantra.
2
Os Sadhakas geralmente fazem um altar sobre as cinco cabeças enterradas e sentadas sobre ele, prati-
cam Japa, meditação etc. Mas o Mestre não falou-nos de “dois assentos de crânios”. Os três crânios
humanos foram enterrados debaixo do altar, debaixo da árvore vilva e cinco crânios de cinco espécies
de seres mortos, enterrados debaixo daquele, no Panchavati. Em pouco tempo tornou-se perfeito em
suas Sadhanas. Jogou aqueles crânios no Ganga e derrubou ambos os altares. Foram feitos “dois assen-
tos” porque o assento dos “três crânios” era favorável à sadhana ou porque o lugar sob a árvore vilva
era, naquela época, completamente solitário e portanto, mais adequado para as sadhanas. Ou pode ser
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foram construídos, um sob a árvore vilva, situado no limite norte do templo e o outro,
no Panchavati, plantado pelo próprio Mestre. Sentado em qualquer um desses „crâ-
nios-assentos‟, segundo a necessidade, o Mestre passava o tempo em Japa, meditação,
etc. Esse sadhaka extraordinário e sua guia não tiveram consciência, durante alguns
meses, de quantos dias e quantas noites se passaram. O Mestre costumava dizer, 3
“Durante o dia a Brahmani ia a diversos lugares, longe do templo, apanhava e trazia
artigos raros prescritos pelos Tantras. Colocando-os sob a árvore vilva ou no Pancha-
vati à noite, ela me chamava, ensinava-me a usar tais coisas e ajudava-me a fazer a
adoração da Mãe Divina segundo as regras prescritas com sua ajuda, pedindo por fim,
para mergulhar em Japa e meditação. Eu fazia tudo de acordo, mas tinha que fazer
pouco Japa; porque, mal passava o rosário uma vez, mergulhava completamente em
samadhi e realizava os resultados próprios daqueles ritos. Assim não havia limite para
minhas visões e experiências, todas extraordinárias. A Brahmani fez-me executar,
uma após a outra, todas as disciplinas prescritas nos sessenta e quatro Tantras princi-
pais, todas difíceis de fazer e, ao tentar praticá-las, muitos sadhakas fracassaram. Mas
passei por todas elas com sucesso, pela graça da Mãe.
8. “Numa ocasião vi que a Brahmani havia trazido – ninguém sabia de onde –
uma linda mulher, em plena juventude e disse-me, „Meu filho, adora-a como a Devi.‟
Quando a adoração terminou ela disse, „Sente-se em seu colo, meu filho, e faça Japa.‟
Fui tomado de medo, chorei amargamente e disse à Mãe, „Ó Mãe, Ó Mãe! Mãe do
Universo! Que ordem é essa que Tu dás àquele que tomou refúgio absoluto em Ti?
Tem Teu fraco filho o poder de ser tão imprudentemente arrojado?‟ Mas logo que
disse isso, senti como se estivesse tomado por alguma força desconhecida e um vigor
extraordinário encheu meu coração. Logo que acabei de me sentar no colo da mulher,
pronunciando os Mantras, como hipnotizado, inconsciente do que estava fazendo,
mergulhei completamente em samadhi. Quando retomei à consciência, vi a Brahmani
servindo-me com muito cuidado, tentando trazer-me à consciência normal. Ela disse,
„O rito foi completado, meu filho; outros, com muita dificuldade conseguem contro-
lar-se sob tais circunstâncias e então terminam o rito com Japa nominal somente por
pouco tempo; mas você perdeu toda a consciência e esteve em samadhi profundo.‟ Ao
ouvir isso tranqüilizei-me e comecei a saudar a Mãe repetidamente, com o coração
grato por me ter permitido passar ileso por aquela prova.
“Noutra ocasião vi que a Brahmani havia cozinhado peixe no crânio de um
cadáver e feito Tarpana. Pediu-me para fazer o mesmo e tomar aquele peixe. Assim o
fiz e não senti qualquer aversão.
9. Mas no dia em que a Brahmani trouxe um pedaço de carne em decomposi-
ção e pediu-me que a tocasse com a língua depois do Tarpana, senti aversão e disse,
„Isso pode ser feito?‟ Assim indagada, ela respondeu, „O que há de mal, meu filho?
Veja como faço.‟ Assim, colocou um pedaço em sua boca e disse, „A aversão não
deve ser cultivada,‟ e colocou, novamente, um pouco diante de mim. Quando a vi agir
assim, a idéia da terrível forma Chandika da Mãe Universal surgiu em minha mente e
pronunciando repetidamente „Mãe‟, entrei em Bhavasamadhi. Não senti então aver-
são quando a Brahmani colocou o pedaço em minha língua.
10. “Tendo assim me iniciado no Purnabhisheka, a Brahmani ordenou-me fa-
zer, diariamente, os numerosos ritos tântricos. Agora não me recordo de todos os de-
talhes, mas lembro-me do dia em que pude, pela graça da Mãe, assistir, com perfeita
equanimidade, o prazer supremo de um casal de amantes, nada mais vendo do que o
maravilhoso jogo do Divino. A mente em vez de descer à vizinhança dos sentimentos

que nenhum fogo para o Homa pudesse ser aceso sob a árvore vilva, devido à proximidade do depósito
da “Companhia” (depósito do Governo da Índia).
3
Damos aqui, de uma forma interligada, o que ouvimos do Mestre por diversas vezes.
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humanos comuns elevou-se cada vez mais alto, mergulhando, por fim, em Samadhi
profundo. Depois de retomar à consciência normal, ouvi a Brahmani dizer, „Você
alcançou o objetivo desejado de uma sadhana tântrica muito difícil e estabeleceu-se
no estado divino. Esta é a última sadhana da atitude „heróica‟ de adoração.‟
“Pouco tempo depois fiz a adoração da figura feminina segundo os ritos tân-
tricos, com a ajuda de uma outra Bhairavi, no hall aberto de música do templo, na
presença de todos, durante o dia. Quando terminei saudei-a segundo as prescrições
dos Sastras. Esse foi o último rito relacionado com a atitude heróica de adoração, que
completei daquela maneira. Mesmo que minha atitude mental a respeito de todas as
mulheres, isto é, a de um filho para com sua mãe tenha permanecido inalterada duran-
te toda a sadhana tântrica, assim também jamais pude experimentar uma gota de vi-
nho naquela ocasião. A simples menção da palavra Karana 4 (vinho) inspirava em
mim a experiência da Causa Universal e eu me perdia nela completamente. De forma
semelhante, logo que ouvia outras palavras daquele tipo, a Causa do Universo apre-
sentava-Se diante de mim e eu entrava em samadhi.
11. Um dia, enquanto ainda vivia em Dakshineswar, o Mestre mencionou sua
atitude filial em relação a todas as mulheres e contou-nos uma história dos Puranas. A
história fala quão firmemente o conhecimento da relação filial com todas as mulheres,
sem exceção estabeleceu-se no coração de Ganesha, o chefe dos iluminados. Antes de
nos contarem aquela história, não tínhamos muita devoção e reverência por esse Deus
barrigudo com cara de elefante, com suor escorregando das têmporas. Mas quando
ouvimos a história dos lábios santos do Mestre, ficamos convencidos que Ganesha era
realmente digno de ser adorado antes de todos os deuses, como de fato o é. A história
é como se segue:
Um dia Ganesha, com tenra idade, enquanto brincava, viu um gato em quem,
por brincadeira, bateu, feriu e torturou de diversas maneiras. O gato conseguiu fugir
com vida. Quando Ganesha se acalmou e foi até sua mãe, viu com surpresa, marcas
de pancada em várias partes do sagrado corpo da Devi. Muito desgostoso em ver
aquele estado de sua mãe, o menino perguntou-lhe a razão. A Devi respondeu-lhe
tristemente, “Você mesmo é a causa desta minha triste condição!” Mais triste do que
surpreso, o dedicado Ganesha disse com lágrimas nos olhos, “Que estranho! Mãe,
quando bati na senhora? Não me recordo que Sua criança, ignorante como é, tenha
feito qualquer ato mau pelo qual a senhora tenha que sofrer insultos de alguém.”
Parvati Devi, cuja forma externa densa é o universo, disse: “Procure recordar
se você bateu em algum ser vivo hoje.” “Sim”, disse Ganesha, “Eu bati num gato há
pouco tempo.” Ganesha pensou que o dono do gato havia batido em sua mãe. A mãe
de Ganesha tomou o rapaz arrependido em seus braços e consolou-o, dizendo, “Não é
assim, meu filho, ninguém bateu em meu corpo; mas fui eu quem assumiu a forma de
um gato; é por isso que está vendo as marcas de suas pancadas em mim. Você agiu
sem saber; portanto, não se lamente; mas lembre-se, de hoje em diante, que todos os
Jivas do mundo que têm forma feminina são partes de mim e os que têm forma mas-
culina são partes de seu pai. Não há outras pessoas ou coisas no mundo a não ser
Shiva e Shakti.” Ganesha teve fé naquelas palavras e guardou-as, como relíquias, no
santuário do coração. Quando atingiu a idade de se casar, não consentiu em fazê-lo
porque assim, teria que se casar com sua mãe. Ganesha permaneceu um Brahmacha-
rin toda a vida e tornou-se o mais importante entre os seres iluminados, porquanto
sempre teve no coração a certeza de que o universo era da natureza de Shiva e Shakti,
Brahman e Seu Poder.

4
Em bengali a palavra Karana significa tanto „causa‟ como „vinho‟; assim pela lei de associação, a
menção de um leva ao pensamento do outro, de vinho à Causa Universal.
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12. Depois dessa narrativa, o Mestre contou-nos a seguinte história que tam-
bém, revela a grandeza do conhecimento de Ganesha; mostrando certa vez o valioso
colar de pedras preciosas em seu pescoço a Ganesha e Kartika, Parvati Devi disse-
lhes, “Darei este colar àquele que andar em volta do Universo, compreendendo os
quatorze mundos e voltar para mim, em primeiro lugar.” Kartika, Comandante do
exército celestial, tendo como veículo um pavão, sorriu com certo desdém, pensando
no corpo gordo, pesado e barrigudo do irmão mais velho, na pouca força e no movi-
mento vagaroso do rato, sua montaria, ficando absolutamente certo de que o colar já
era seu. Imediatamente começou a fazer a volta em torno do universo. Muito tempo
depois da partida de Kartika, o tranqüilo Ganesha deixou seu lugar calmamente e
vendo, com os olhos do conhecimento, que o universo era formado de Shiva e Shakti,
localizado nos corpos de Hara e Parvati, circulou-os de maneira graciosa, adorou-os e
sentou-se. Muito tempo depois, Kartika voltou. Satisfeita com o conhecimento e a
devoção de Ganesha, Parvati Devi colocou o colar de pedras preciosas afetuosamente
em seu pescoço como símbolo de Sua graça.
Assim mencionando a grandeza do conhecimento de Ganesha e sua relação fi-
lial com todas as mulheres sem exceção, o Mestre disse, “Minha atitude com as mu-
lheres é a mesma; é por isso que tive a visão da forma maternal da Causa do Universo
em minha esposa e adorei-a, inclinando-me a seus pés.”
13. Não ouvimos falar de nenhum outro sadhaka, em qualquer época que,
mantendo intacta aquela atitude filial para com todas as mulheres, tenha adotado as
disciplinas tântricas segundo as regras prescritas para o modo heróico de adoração.
Seguindo essa maneira heróica, os aspirantes têm, ao longo do tempo, tomado uma
companheira por ocasião de sua sadhana. Como não vêem qualquer aspirante da ati-
tude heróica abrir mão dessa prática, as pessoas têm a firme convicção de que a reali-
zação do objetivo desejado da disciplina, isto é, alcançar a graça da Mãe Divina, é
impossível sem essa prática. Tal idéia conferiu às escrituras conhecidas como Tan-
tras, uma reputação desfavorável.
14. Somente o Mestre, a Encarnação dessa época, veio estabelecer uma nova
tradição a esse respeito, quando não manteve a companhia de uma mulher nem mes-
mo em sonho. Através da prática do Mestre da adoração heróica, apesar de manter a
atitude filial para com todas as mulheres, um propósito oculto da Mãe é revelado.
15. O Mestre disse, “Não levei mais de três dias para ser bem sucedido em
qualquer das disciplinas. Quando escolhia uma determinada disciplina e importunava
a Mãe Divina, com ardente ansiedade no coração, para realizar seu objetivo, Ela be-
nignamente coroava-me de sucesso, dentro do curto período de três dias.” Está clara-
mente provado que a presença de uma mulher não é auxiliar indispensável para aque-
las práticas, porquanto o Mestre foi bem sucedido naquelas disciplinas num período
bem curto, sem utilizar uma mulher. Se os sadhakas vêm fazendo assim, é conse-
qüência da fraqueza e falta de autocontrole de sua parte. A promessa dos Tantras que,
pela prática contínua de seus ritos com uma companheira, um sadhaka pode eventu-
almente alcançar o estado divino ou Divyabhava (estado acima da natureza do sexo),
é somente uma concessão feita ao homem fraco e exemplo de cuidado para tornar sua
disciplina acessível a todos. Jamais deve ser considerada uma prescrição obrigatória.
16. O objetivo comum a todas as práticas tântricas é dar ao aspirante, através
do autocontrole e perseverança, a certeza de que vista, gosto e outras experiências dos
sentidos que tentam os seres humanos e acarretam-lhe repetidos nascimentos e mor-
tes, impedindo-o de alcançar o conhecimento pela realização de Deus – nada mais são
do que formas verdadeiras de Deus. Levando em consideração as diferenças na capa-
cidade de autocontrole e no grau de certeza alcançado pelos aspirantes, os Tantras
lidaram com três tipos diferentes de adoração, a saber, o “animal” ou Pasu, o “herói-
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co” ou Vira e o “divino” ou Divya 5 e aconselham-nos a adorar Deus adotando o pri-


meiro, o segundo ou o terceiro modo, de acordo com cada aptidão. Ao longo do tem-
po as pessoas esqueceram-se quase completamente que as práticas tântricas frutifica-
riam somente se os aspirantes observassem um austero autocontrole, como base da-
quelas disciplinas. Ao invés, cederam à sensualidade grosseira devido à sua fraqueza,
mas sem o conhecimento adequado, as pessoas, contudo, começaram a culpar os Tan-
tras pelos abusos de seus seguidores. O sucesso do Mestre, mesmo mantendo a atitu-
de filial em relação a todas as mulheres através dessas práticas, foi de grande benefí-
cio tanto para os aspirantes sinceros, como para as escrituras tântricas – para os pri-
meiros, ao mostrar-lhes o verdadeiro caminho para alcançarem o objetivo de suas
vidas e para as escrituras, mostrando sua verdadeira glória e estabelecendo, firme-
mente sua autenticidade.
17. Embora o Mestre tenha praticado as disciplinas, segundo os mistérios tân-
tricos durante três ou quatro anos, parece que ele não nos disse qual a ordem em que
foram praticadas nem nos deu qualquer relato detalhado a esse respeito. Mas a fim de
encorajar-nos no caminho da sadhana, falou-nos sobre esses eventos em diversas oca-
siões e, segundo as necessidades individuais, fez com que alguns raros entre nós fi-
zéssemos aquelas práticas. A Mãe do Universo, parece, tornou o Mestre familiarizado
com esse caminho naquela época, porque se ele não tivesse tido as experiências fora
do comum das práticas tântricas, não teria sido capaz de detectar os estados mentais
dos devotos, de diferentes naturezas, que vieram a ele, no final de sua vida e de con-
duzi-los no caminho da sadhana. O Mestre guiou, ao longo dos diversos caminhos de
disciplinas, os devotos que vieram a ele e tomaram refúgio a seus pés.
18. Além de nos falar sobre as práticas tântricas, o Mestre às vezes contava
muitas de suas visões e experiências. Uma mudança total ocorreu em sua natureza
interior por ocasião de sua sadhana tântrica.
19. Ao saber que a Mãe Divina às vezes assumia a forma de um chacal e que o
cachorro era o transporte da Bhairava, passou a considerar os restos da comida desses
animais como puros e sagrados, comendo-os, sem hesitar, como Prasad.
20. Oferecendo, como oblações aos pés de lótus da Mãe Divina, seu corpo,
sua mente, sua vida e tudo o mais, o Mestre via-se incessantemente penetrado interna
e externamente, pelo fogo do conhecimento.
21. O Mestre viu nessa época o despertar da Kundalini prosseguindo até o alto
da cabeça.. Todos os lótus, do Muladhara, o centro básico, até o Sahasrara de mil pé-
talas na cabeça, ergueram-se e desabrocharam plenamente. Logo que isto ocorreu,
teve experiências estranhas e maravilhosas (III. 2). Viu, por exemplo, que um ser ce-
lestial e luminoso atravessava o Sushumna, o Canal Central, até aquele lótus subindo
e os fazia florescer ao tocá-los com a língua.
22. Certa vez, quando Swami Vivekananda sentou-se em meditação, apareceu
diante dele, um muito grande e maravilhoso triângulo de luz que ele sentiu como se
estivesse vivo. Um dia vindo a Dakshineswar, falou ao Mestre a esse respeito e o

5
O que se segue é importante para a classificação. Pasu ou o homem de mentalidade animal é aquele
que não tem muito autocontrole. Provavelmente sucumbe aos objetos dos sentidos se for exposto a
eles. Tem, portanto, que seguir estritamente, a prática da „virtude enclausurada‟, isto é, de evitar expor-
se aos objetos tentadores dos sentidos. As Sadhanas para ele são baseadas nesse princípio. O Vira ou
Sadhaka heróico é aquele cujo poder de autocontrole está altamente desenvolvido, e cuja convicção
nos ensinamentos dos Tantras, de que todas as manifestações da natureza – nobres, belas e sublimes,
bem como as degradantes, tentadoras, terríficas e repulsivas – são expressões da Mãe Divina é desen-
volvido o suficiente para que ele se mantenha impassível mesmo quando exposto a elas. É colocado
nessas situações como teste de sua força e não, para sucumbir a elas sob o disfarce de piedade. O
Divya ou personagem divino é aquele que provou sua força e visão interior e cuja natureza dos senti-
dos foi completamente divinizada. Vê Deus em tudo.
154 SRI RAMAKRISHNA, O GRANDE MESTRE

Mestre disse, “Muito bem, você viu o Brahmayani; enquanto eu praticava sadhana
sob a árvore Vilva também o vi. E o que é mais, observei-o dando à luz a inúmeros
mundos a cada momento.”
23. Por essa época o Mestre ouviu, surgindo naturalmente e sem cessar, de to-
dos os lugares do universo, o Anahata Dhvani, o grande som Pranava, que é formado
de todos os diferentes sons do universo. Alguns entre nós, ouviram do próprio Mestre
que naquela época, ele podia compreender a linguagem dos animais.
24. Nesse período, o Mestre viu a Própria Mãe Divina na forma feminina. No
final desse tempo o Mestre viu-se diante de poderes miraculosos, como o de tornar-se
tão pequeno como o átomo. Um dia foi, a pedido de Hriday, até a Mãe Universal para
saber a respeito da propriedade de usá-los e ouviu que deveriam ser rejeitados e des-
cartados como fezes. O Mestre disse que desde então, soava-lhe repugnante ouvir o
termo „poder miraculoso‟.
25. Estamos nos recordando de algo a respeito do Mestre e os „oito poderes
miraculosos‟. Um dia chamou particularmente Swami Vivekananda ao Panchavati e
disse-lhe, “Olhe. Tenho os bem conhecidos „oito poderes miraculosos.‟ Há muito
tempo, entretanto, decidi que jamais faria uso deles; nem sinto necessidade de usá-
los. Como você terá muitas coisas a fazer, como pregar religião; decidi dá-los a você;
aqui estão.” Em resposta o Swami lhe disse, “Senhor, eles me ajudarão de algum mo-
do a realizar Deus?” O Mestre respondeu que não, mas que em certos trabalhos, como
pregar religião, poderiam ser úteis. O Swami recusou-se a aceitá-los, para a imensa
alegria do Mestre.
26. O Mestre, nessa época, desejou ver o poder de ilusão da Mãe do Universo.
Em conseqüência viu uma figura feminina de extraordinária beleza surgindo das
águas do Ganga e dirigindo-se, com um andar elegante, ao Panchavati. Em seguida,
viu que aquela figura estava em adiantado estado de gravidez. Pouco tempo depois
deu à luz a um lindo menino, em sua presença e logo amamentou-o com muito cari-
nho; viu, contudo, que a mesma figura assumiu uma forma muito cruel e assustadora.
Tomando o bebê em sua boca, mastigou-o e engoliu-o. Depois entrou nas águas do
rio do qual havia surgido.
27. Além das visões acima mencionadas, não havia limite para o número de
formas da Devi, desde a de dois braços até a de dez braços, que viu naquele período.
Assim também algumas conversaram com ele e instruíram-no. Embora todas aquelas
formas da Mãe fossem extraordinariamente belas, disse-nos que não podiam compa-
rar-se à de Sri Rajarajeswari, também chamada Shodasi. O Mestre dizia, “Vi, numa
visão, a beleza da pessoa de Shodasi, que se diluía e se espalhava em volta, iluminan-
do todos os lugares.” Naquela ocasião o Mestre teve visões de várias formas masculi-
nas como Bhairava e também, dos seres celestiais. Desde a época de sua sadhana tân-
trica houve tantas visões extraordinárias e experiências na vida do Mestre dia após
dia, que está além de nossa capacidade enumerá-las todas.
28. Ouvimos do Mestre que desde a época da Sadhana Tântrica, o orifício de
seu Sushumna foi completamente aberto e sua natureza transformada permanente-
mente na de um menino. Desde a última parte desse período ele não mais pôde con-
servar a roupa, o cordão sagrado etc., em seu corpo por nenhum momento, apesar de
seus esforços. Não sentia onde, nem quando, todas essas coisas caíram. Não é neces-
sário dizer que esse estado era causado pela ausência da consciência do corpo, devido
ao fato de sua mente permanecer sempre absorvida nos pés de lótus da Mãe Divina.
Soubemos pelo próprio Mestre que, ao contrário dos Paramahamsas comuns, ele ja-
mais foi um monge errante ou andou nu – e que esse estado lhe veio naturalmente
com a perda gradual da consciência corpórea. O Mestre dizia que, no final dessas
disciplinas, seu conhecimento da não-dualidade em relação a todas as coisas aumen-
SADHANA T ÂNTRICA 155

tou tanto que sentia que tudo aquilo que considerava insignificante desde a infância
parecia-lhe agora ser tão puro quanto as coisas mais puras. Afirmava, “As folhas do
sagrado basil (Tulasi) e as da Sajna (vara de tambor)6 pareciam-me igualmente sagra-
das.”
29. O esplendor da pessoa do Mestre aumentou tanto em poucos anos desde
aquela época, que ele tornou-se o centro de atração, o tempo todo. Como era destituí-
do de egoísmo, orou à Mãe Divina várias ocasiões para libertá-lo daquela beleza ce-
lestial e implorando dizia, “Mãe, não necessito dessa beleza exterior; toma-a em seu
lugar e dá-me beleza espiritual interior.” Esse pedido foi atendida mais tarde.
30. Assim como a Brahmani ajudou o Mestre em sua sadhana tântrica, assim o
Mestre ajudou a Brahmani mais tarde a desenvolver sua vida espiritual. Sem a ajuda
do Mestre ela não poderia ter se estabelecido no estado divino. Seu nome era Yo-
geswari que, segundo Mestre, era parte de Yogamaya (poder místico do Senhor).
Alcançando os poderes divinos pela sadhana tântrica, o Mestre soube que, pe-
la graça da Mãe Divina, muitas pessoas viriam até ele nos últimos dias para cumpri-
rem o objetivo de suas vidas, isto é, atingir a iluminação espiritual. Ele falou sobre
isso a Hriday e a Mathur, que era extremamente dedicado a ele. Mathur respondeu,
“Ótimo, Pai! Vamos todos nós nos divertir em sua companhia.”

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Hyperanthena moranga.

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