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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

N.º 420/2018 – SFCONST/PGR


Sistema Único Nº 268.056/2018

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.757/DF


REQUERENTES: Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em
Meio Ambiente e PECMA – ASIBAMA NACIONAL
INTERESSADO(S): Presidente da República
RELATORA: Ministra Rosa Weber

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

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AMBIENTAL. LEI COMPLEMENTAR 140/2011.
REGULAMENTAÇÃO DA COMPETÊNCIA COMUM
PARA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE.
COOPERAÇÃO INSTITUCIONAL ENTRE OS ENTES
DA FEDERAÇÃO NA PROTEÇÃO DO MEIO
AMBIENTE. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL. EMENDA DO SENADO FEDERAL DE CARÁTER
REDACIONAL. DEFINIÇÃO POR LEI DAS ATRIBUIÇÕES
DE CADA ESFERA POLÍTICA NO ÂMBITO DO
EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIA COMUM.
1. Não ofende o art. 65-parágrafo único da Constituição a não de-
volução à Casa iniciadora de projeto de lei que sofreu emenda de
cunho estritamente redacional, sem alteração do conteúdo norma-
tivo.
2. É constitucional lei complementar federal que, com fundamento
no art. 23-parágrafo único da Constituição, disciplina a cooperação
institucional entre os entes da Federação no que se refere à compe-
tência comum de proteção do meio ambiente.
3. Afronta o princípio da vedação da proteção deficiente norma le-
gal que determina o prevalecimento do auto de infração da autori-
dade competente em detrimento de autos lavrados por outros entes
federativos, que confiram maior proteção ao meio ambiente.
4. Deve ser conferida interpretação conforme à Constituição ao art.
17-§3.º da LC 140/2011, no sentido de que apenas deve prevalecer
o auto de infração lavrado pelo órgão que detenha originalmente a
atribuição para o licenciamento caso esse tenha possibilidade real
de impedir ou fazer cessar o dano
Parecer pela procedência parcial do pedido.

Gabinete da Procuradora-Geral da República


Brasília/DF
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Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,


proposta pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambi-
ente e PECMA – ASIBAMA NACIONAL contra dispositivos da Lei Complementar 140, de 9
de dezembro de 2011, que “fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do pa-
rágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Esta-
dos, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da
competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio
ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da
fauna e da flora”.

Este é o teor dos dispositivos impugnados:

Art. 4º Os entes federativos podem valer-se, entre outros, dos seguintes instrumentos de

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cooperação institucional: […]
V - delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos pre-
vistos nesta Lei Complementar;
VI - delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro, res -
peitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar. […]
Art. 7º São ações administrativas da União:
XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:
a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe;
b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona
econômica exclusiva;
c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;
d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, ex-
ceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados;
f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Po-
der Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme
disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;
g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor ma-
terial radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de
suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear
(Cnen); ou
h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição
da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial
poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; […]

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Art. 8º São ações administrativas dos Estados: […]


XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizado-
res de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qual -
quer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7º e 9º; […]
Art. 9º São ações administrativas dos Municípios: […]
XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Com-
plementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos:

a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia
definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os crité-
rios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou
b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas
de Proteção Ambiental (APAs); […]
Art. 14. Os órgãos licenciadores devem observar os prazos estabelecidos para tramitação
dos processos de licenciamento.
§ 3º O decurso dos prazos de licenciamento, sem a emissão da licença ambiental, não
implica emissão tácita nem autoriza a prática de ato que dela dependa ou decorra, mas
instaura a competência supletiva referida no art. 15.

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§ 4º A renovação de licenças ambientais deve ser requerida com antecedência mínima de
120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva li-
cença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão
ambiental competente.
Art. 15. Os entes federativos devem atuar em caráter supletivo nas ações administrativas
de licenciamento e na autorização ambiental, nas seguintes hipóteses:
I - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado ou
no Distrito Federal, a União deve desempenhar as ações administrativas estaduais ou dis-
tritais até a sua criação;
II - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Município,
o Estado deve desempenhar as ações administrativas municipais até a sua criação; e
III - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado e
no Município, a União deve desempenhar as ações administrativas até a sua criação em
um daqueles entes federativos.
Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o
caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar
processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas
pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
§ 1º Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente
de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potenci-
almente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para
efeito do exercício de seu poder de polícia.
§ 2º Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente
federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer
cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as provi-
dências cabíveis.

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§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da
atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efe-
tiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação
ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que de-
tenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.
Art. 20. O art. 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, passa a vigorar com a se-
guinte redação:
“Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e
atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio li-
cenciamento ambiental.
§ 1º Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publica-
dos no jornal oficial, bem como em periódico regional ou local de grande circulação, ou
em meio eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental competente.
§ 2º (Revogado).
§ 3º (Revogado).
§ 4º (Revogado).” (NR)
Art. 21. Revogam-se os §§ 2º, 3º e 4º do art. 10 e o § 1º do art. 11 da Lei no 6.938, de 31

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de agosto de 1981.

A petição inicial afirma que a LC 140/2011, a pretexto de disciplinar a coopera -


ção dos entes federados na atuação administrativa em matéria ambiental, teria fragilizado
a proteção do meio ambiente. Alega inconstitucionalidade formal do art. 17-§3.º por
afronta ao art. 65-parágrafo único da Constituição, que determina o retorno do projeto de
lei à Casa de origem, quando houver emenda. Argumenta que a LC 140/2011, ao definir
as competências dos entes federados, teria segmentado e limitado o exercício do dever de
proteção do meio ambiente, o que resultaria em afronta ao art. 225-caput da Constituição.
Por essa razão, aponta inconstitucionalidade dos arts. 4.º-V e VI, 7.º-XIV e parágrafo
único, 8.º-XIV, 9.º-XIV, 14-§§3.º e 4.º, 15, 17-caput-§§ 2.º e 3.º, 20 e 21.

A relatora, Min. Rosa Weber, adotou o rito do art. 10 da Lei 9.868/1999, com solici-
tação de informações aos interessados.

A Presidência da República defendeu a constitucionalidade das normas, ao argu-


mento de que não houve supressão de atribuições da União para proteger o meio ambiente.
Quanto à alegação de inconstitucionalidade formal, sustentou que a alteração da redação do
projeto de lei por emenda não teria sido substancial.

O Senado Federal informou que “as emendas aprovadas […] tiveram caráter de
redação, sem alteração de substância da norma jurídica proposta”. No que se refere à afir-

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mação de inconstitucionalidade material, ressaltou que não houve rebaixamento do nível de


proteção ambiental, mas sim o aproveitamento racional da máquina pública.

A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo conhecimento da ação e


pelo deferimento parcial da medida cautelar. Afastou o argumento de inconstitucionalidade
formal, uma vez que a emenda parlamentar seria restrita à alteração de redação. Afirmou que
o estabelecimento de atribuições de cada ente federado acerca do licenciamento ambiental e
de outras atividades fiscalizatórias não é, por si só, inconstitucional. Invocou os princípios da
subsidiariedade e da vedação da proteção deficiente para conferir interpretação conforme à
Constituição ao art. 17-§3.º da LC 140/2011, no sentido de que “apenas prevalece o auto de
infração lavrado pelo órgão que detenha atribuição para o licenciamento ou autorização
caso este tenha possibilidade real de impedir ou fazer cessar o dano”.

A relatora alterou o rito inicialmente adotado e determinou a intimação dos inte-


ressados, da Advocacia-Geral da União e do Procurador-Geral da República, nos termos do

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art. 12 da Lei 9.868/1999.

A Presidência da República e o Senado Federal manifestaram-se pela improce-


dência da ação direta de inconstitucionalidade.

A Advocacia-Geral da União pronunciou-se pelo não conhecimento da ação e


pela improcedência do pedido.

É o relatório.

II

II.1 Inconstitucionalidade formal

De acordo com a petição inicial, o art. 17-§3.º da LC 140/2011 padeceria de in-


constitucionalidade formal, por vício no processo legislativo. Isso porque, o projeto de lei
complementar 12/2003, que originou a lei complementar em análise, foi objeto de emenda do
Senado Federal, que teria alterado o conteúdo normativo do dispositivo.

Confiram-se os textos aprovados respectivamente pela Câmara dos Deputados e


pelo Senado Federal:

Art. 17 […] § 3.º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes fe-
derativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e
atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com

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a legislação ambiental em vigor, sendo nulo o auto de infração ambiental lavrado por
órgão que não detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere
o caput.

Art. 17 […] § 3.º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes fe-
derativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e
atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com
a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado
por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere
o caput.

A alteração promovida pela emenda do Senado restringe-se ao caráter redacional


do texto e não atinge seu conteúdo normativo. As duas versões do dispositivo tratam da lavra-
tura do auto de infração ambiental e objetivam preservar o ente competente para o licencia-
mento ambiental. A primeira versão entendia que o auto de infração ambiental lavrado por
órgão sem atribuição de licenciamento ou autorização seria nulo. Já a versão final, com o in-
tuito de ajustar a redação do dispositivo, estabeleceu que deve prevalecer o auto de infração

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emitido pelo ente federativo com as atribuições mencionadas. Dessa forma, percebe-se que
não houve a alteração substancial do texto normativo em apreço a demandar a remessa do
projeto de lei para a Câmara dos Deputados.

O art. 65-parágrafo único estipula que o projeto de lei que seja objeto de emenda
da Casa revisora deve retornar à Casa iniciadora para nova apreciação. Trata-se de técnica de
solução de conflitos no bicameralismo, que visa garantir que “a última palavra cabe à Câ-
mara iniciadora no caso de entendimento diverso a respeito de uma proposição emendada”1.
Confira-se o teor da norma constitucional :

Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno
de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar,
ou arquivado, se o rejeitar.
Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que a


exigência de retorno do projeto de lei à Casa iniciadora é cabível apenas quando o texto nor-
mativo sofre alteração substancial:

CONSTITUCIONAL. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITU-


CIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 04 DE MAIO DE 2000 (LEI DE
RESPONSABILIDADE FISCAL). MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.980-22/2000. […]

1 SILVA, José Afonsa da. Comentário Contextual à Constituição. 7 Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 463.

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III - O parágrafo único do art. 65 da Constituição Federal só determina o retorno do pro -


jeto de lei à Casa iniciadora se a emenda parlamentar introduzida acarretar modificação
no sentido da proposição jurídica. IV - Por abranger assuntos de natureza diversa, pode-
se regulamentar o art. 163 da Constituição por meio de mais de uma lei complementar.
Lei Complementar nº 101/200. Vícios materiais. Cautelar indeferida. […] (ADI 2.238
MC/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, Dje 172, 11/9/2008)

Pelo exposto, não procede a alegação de inconstitucionalidade formal do art. 17-


§3.º da LC 140/2011.

II.2 Inconstitucionalidade material

A Constituição da República de 1988 é a primeira Carta brasileira a destinar capí-


tulo específico sobre o meio ambiente, em que estabeleceu o dever do poder público e da co-
letividade de preservar o meio ambiente e consagrou o direito fundamental a ambiente

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ecologicamente equilibrado (art. 225).

O direito ao meio ambiente equilibrado constitui direito fundamental de terceira


dimensão (ou terceira geração, para alguns), pautado pela solidariedade e fraternidade, de ti-
tularidade coletiva e destinado a tutelar interesses superiores do gênero humano, tanto das ge-
rações atuais quanto das futuras. Assim como os demais direitos fundamentais, o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado é indisponível e inalienável e impõe ao Estado e à
coletividade obrigações de fazer e não fazer.

A fim de concretizar a máxima proteção do meio ambiente, a Constituição confe-


riu competência material comum à União, aos Estados e ao Distrito Federal relativa à prote-
ção do ambiente, ao combate da poluição e à preservação as florestas, a fauna e a flora (art.
23, VI e VII). Nessa linha, o art. 23-parágrafo único prevê a edição de leis complementares
para disciplinar a cooperação entre os entes da Federação.

Ao explicar o possível conteúdo da lei complementar editada com fundamento no


art. 23-parágrafo único, Fernanda Dias Menezes de Almeida reconhece a especificação das
atribuições de cada ente federado como um dos objetivos do diploma legal:

Caberá a tais leis especificar as bases políticas e as normas operacionais disciplinadoras


da forma de execução dos serviços e atividades cometidos concorrentemente a todas as
entidades federadas, para assegurar que não haja dispersão de esforços. Assim, dirão, por
exemplo, o que cabe a cada esfera política na prestação dos mesmos serviços, levando-se

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em conta as reais possibilidades administrativas e orçamentárias dos diversos parceiros,


ou, ainda, especificarão quais os instrumentos de ação administrativa a utilizar, para per-
mitir o exercício mais vantajoso das competências comuns. 2

O propósito da Lei Complementar 140/2011 relaciona-se com a norma constituci-


onal acima mencionada e objetiva racionalizar a proteção do meio ambiente, de maneira a de-
finir as competências dos entes federados e assegurar o efetivo cumprimento das normas
constitucionais acerca da proteção ambiental. O art. 3.º da LC 140/2011 evidencia a compe-
tência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para proteger o
meio ambiente, garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico, harmonizar as po-
líticas e ações administrativas e garantir a uniformidade da política ambiental.

Nessa linha, percebe-se que a LC 140/2018 não operou a transformação da com-


petência comum em competência privativa de cada ente. Na realidade, o diploma legal, com
fundamento no art. 23-parágrafo único, disciplinou o exercício das competências comuns de
acordo com a cooperação e com os princípios da eficiência e da economicidade, evitando atu-

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ações simultâneas de diferentes entes da federação em determinado tema e, ao mesmo tempo,
a lacuna da proteção em outra parcela das atividades concernentes à proteção do meio ambi-
ente.

Dessa forma, os arts. 7.º-XIII, 8.º-XIII e 9.º-XIII, ao definirem a cada ente da Fe-
deração as ações administrativas de fiscalização e controle dos empreendimentos de acordo
com a atribuição para licenciar ou autorizar, inserem-se no contexto do delineamento da coo-
peração entre os órgãos ambientais de cada esfera política efetuado pela LC 140/2011. O
mesmo pode se dizer dos arts. 4.º-V e VI, 14-§3.º e 15, que versam sobre a delegação de atri-
buições e a competência supletiva. Os arts. 7.º-XIV, 8.º-XIV, 9.º-XIV, 20 e 21 também estipu-
lam normas de promoção da cooperação institucional.

No que tange ao art. 14-§4.º, ressalta-se que a Resolução 237/1997 do CONAMA


já trazia previsão de renovação tácita da licença ambiental até a manifestação definitiva do
órgão ambiental competente.3 Trata-se de norma que atende aos princípios da segurança jurí-
2 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de Almeida. p. 751
3 Art. 18. […]
§ 3º - Na renovação da Licença de Operação (LO) de uma atividade ou empreendimento, o órgão ambiental
competente poderá, mediante decisão motivada, aumentar ou diminuir o seu prazo de validade, após avalia-
ção do desempenho ambiental da atividade ou empreendimento no período de vigência anterior, respeitados
os limites estabelecidos no inciso III.
§ 4º - A renovação da Licença de Operação(LO) de uma atividade ou empreendimento deverá ser requerida
com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na res -
pectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental

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dica e da proteção da confiança, diante da legítima expectativa do particular de ter seu pedido
de renovação de licença apreciado em prazo razoável.

Quanto à inconstitucionalidade material do art. 17-§3.º da lei impugnada, rei-


tera-se a opinião do parecer oferecido pela Procuradoria-Geral da República quanto à conces-
são de medida cautelar.

O art. 17-caput, ao dispor sobre a lavratura de auto de infração, estabelece a com-


petência do órgão responsável pelo licenciamento ou autorização. Assim, quem licencia ou
autoriza também fiscaliza e impõe multa. O art. 17-§3.º, por sua vez, determina o prevaleci-
mento do auto de infração de autoria do órgão competente, na hipótese de órgãos ambientais
de outros entes federativos também terem autuado.

Tal previsão não se coaduna com o dever de máxima proteção do meio ambiente,
uma vez que o auto lavrado pelo órgão originalmente competente não será necessariamente o
mais adequado para a proteção do meio ambiente. Se dois ou mais órgãos ambientais atuaram

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em determinado caso, deve prevalecer aquele que apresentou tutela efetiva, adequada e sufi-
ciente quanto repressão da lesão ao meio ambiente, sob pena de afronta ao princípio da veda-
ção da proteção deficiente.

O Supremo Tribunal Federal, em recente julgado, invocou o princípio da vedação


da proteção deficiente para analisar a constitucionalidade de lei que regulamentava o uso do
amianto (ADI 4.066/DF, Rel. Min. Rosa Weber, DJ 6/3/2018). Veja-se trecho do voto do Min.
Celso de Mello a respeito:

O diploma legislativo ora em análise, ao não viabilizar a concretização dos direitos fun-
damentais a que anteriormente me referi, claramente incide em transgressão ao princípio
que veda a proteção jurídico-social deficiente ou insuficiente, assim descumprindo valo-
res constitucionais que não podem deixar de ser observados, seja no plano do respeito à
dignidade humana, seja no âmbito da defesa da saúde, seja, ainda, na esfera da proteção
ao meio ambiente, cuja noção conceitual, por ser ampla, abrange, inclusive, o meio am-
biente laboral ou do trabalho.

Na ementa do julgado, ressaltou-se que o preceito constitucional decorre direta-


mente do art. 225 da Constituição:

O art. 225, § 1º, V, da CF (a) legitima medidas de controle da produção, da comercializa-


ção e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportam risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente, sempre que necessárias, adequadas e suficientes

competente.

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para assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado; (b) deslegitima, por insuficientes, medidas incapazes de aliviar satisfatoria-
mente o risco gerado para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente; e (c)
ampara eventual vedação, banimento ou proibição dirigida a técnicas, métodos e substân-
cias, quando nenhuma outra medida de controle se mostrar efetiva.

Embora no julgamento indicado tenha sido analisada norma sobre a utilização de


produto danoso ao meio ambiente, tema diverso do que está em exame nessa ação direta, é
possível aplicar o entendimento no sentido de que o princípio da vedação da proteção defici-
ente impõe medidas que promovam efetiva e suficientemente a proteção do meio ambiente,
proibindo a norma que não siga essa orientação. Assim, deve ser conferida interpretação con-
forme à Constituição no sentido de que apenas deve prevalecer o auto de infração lavrado
pelo órgão que detenha originalmente a atribuição para o licenciamento caso esse tenha pos-
sibilidade real de impedir ou fazer cessar o dano.

III

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 9C3AB373.E63216C7.1B8A8209.8D8DFCA1


Pelo exposto, opina a Procuradora-Geral da República pela procedência parcial do
pedido.

Brasília, 3 de dezembro de 2018.

Raquel Elias Ferreira Dodge


Procuradora-Geral da República
CCC

Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.757/DF 10

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