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Isabella Bertoncini
(Universidade Federal de Santa Catarina)
1 INTRODUÇÃO
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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do processo de liderança. Seguindo uma tendência na literatura pode-se conceituar
liderança como um processo que envolve a influência intencional de pessoas sobre
pessoas com a finalidade de criar condições e facilitar relações, de modo que elas
possam realizar atividades que contribuam para a consecução de objetivos comuns
(TECCHIO et al., apud Heifetz, 1994, Northouse, 2004; Yukl, 2008).
Estudar especificamente liderança no setor público brasileiro é uma tarefa
árdua. Vieira (2011) afirma que este tema é pouco pesquisado no país, citando os
estudos de Martins et. al. (2010), que ao analisarem 174 artigos relacionados à gestão
de pessoas no setor público publicados na Revista de Administração de Empresas
(RAE), Revista de Administração Pública (RAP) e Revista de Administração
Contemporânea (RAC), e nos anais do Encontro da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD) e do Encontro Nacional de
Administração Pública e Governança (EnAPG), no período de 2000 a 2009,
constataram que somente onze artigos abordavam a temática liderança no setor
público, o que corresponde a 6,32% dos estudos publicados.
Para entender como ocorre o a liderança no TRE-SC, buscou-se nortear pelo
modelo gerencialista, que ocorreu no Brasil no final da década de noventa – Reforma
do Aparelho do Estado.
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PEREIRA, 2008).
As bases desta Reforma, segundo Bresser Pereira (1997), foram quatro
processos básicos: delimitação das funções do Estado; redução do grau de
interferência governamental; aumento da governança; e a governabilidade. Por meio
dela, foram estruturadas práticas de gestão com foco na eficiência, no controle de
resultados, na descentralização, na qualidade e produtividade do serviço público e na
profissionalização do servidor público.
À época da implantação da Reforma Gerencial do Estado, Bresser Pereira
(1999), mentor do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado – PDRAE, traçou
um diagnóstico da administração pública brasileira, identificando três dimensões de
problemas: (1) dimensão institucional-legal, concernente a obstáculos de ordem legal,
que impediam o alcance de maior eficiência do aparelho do Estado; (2) dimensão
cultural, contrastando os valores à época existentes (patrimonialistas e burocráticos)
com os novos valores (gerenciais e modernos); (3) dimensão gerencial, que consistia
na aplicabilidade das novas práticas administrativas.
Contudo, Fadul e Silva (2008, p. 15), ao analisarem a implantação do
gerencialismo trazido pela Reforma do Estado no Brasil, afirmam que:
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c) dificuldades decorrentes da falta de formação do magistrado em liderança
e gestão.
Já Oliveira, Sant'Anna e Vaz (2010) apontam a impossibilidade de adoção de
mecanismos de motivação dos liderados em razão dos planos de carreiras e das
regras predefinidas de remuneração como um entrave ao exercício da liderança
eficiente.
3 MÉTODO
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Fonte: elaborada pela autora
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no Distrito Federal e nos territórios; e os juízes e Juntas Eleitorais em cada uma das
Zonas Eleitorais existentes no Brasil (BRASIL, Constituição, 1988).
Os TREs são compostos, mediante eleição, por dois desembargadores e dois
juízes do Tribunal de Justiça do estado; por um juiz do Tribunal Regional Federal
(TRF) com sede na capital do estado ou no Distrito Federal, ou, não havendo, de juiz
federal, escolhido, em qualquer caso, pelo TRF respectivo; e, por derradeiro, pela
nomeação do Presidente da República de dois advogados de notável saber jurídico e
idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça do estado, por meio de lista
sêxtupla (art. 120, §1º, da Constituição Federal). (CNJ, 2013).
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Fonte: site do TRE-SC
a) Conceito de liderança
Na percepção dos servidores, liderança consiste em orientar pessoas no
sentido de determinar o que deve ser feito, com conhecimento técnico. Para tanto,
deve ter uma visão sistêmica da organização até para poder priorizar tarefas. Foi
ressaltada a preocupação em propiciar satisfação no trabalho, inclusive criando um
bom ambiente, para que os liderados desenvolvam o que eles têm de melhor.
Também foi apontada a importância de se trabalhar em conjunto para alcançar os fins
almejados, conduzindo as pessoas e oferecendo instrumentos para trabalharem bem
e motivando sua equipe. Este processo gera um grau de responsabilização tanto para
os líderes quanto para os liderados, tendo a figura do líder um papel de inspirador.
Tudo isto para motivar os liderados a executar suas atribuições da melhor maneira
possível.
b) Características do líder
Os entrevistados entendem que o líder é aquele que deve dar o exemplo, ser
dedicado ao trabalho e aos seus liderados, ser confiável, sincero, que tenha empatia,
mas acima de tudo se veja como um líder, para agir como tal. Deve ter a mente aberta
para situações e pessoas diferentes e ser responsável pelo fortalecimento do
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relacionamento com os liderados, colocando-se à disposição dos colegas. Também
deve despertar nos liderados um pouco de ambição.
É preciso que ele encontre as soluções para os problemas em conjunto com
sua equipe, fazendo com que as pessoas se sintam participantes e dando feedback
com frequência. Assim, ao fazer com que os colegas se sintam à vontade para dar
sugestões, propicia o surgimento de surgir boas ideias. Também deve utilizar o seu
poder para unir a equipe, de perceber o grau de felicidade dos liderados e de estar
atento para observar se tem alguém insatisfeito. Tal assertiva corrobora com os
estudos de Oliveira et al. (2010), quando afirmam que o líder deve ter capacidade de
agregar os seus liderados.
Foi mencionado que o líder dos dias de hoje precisa ter um lado mais humano
e perceber que “as pessoas têm uma vida além do trabalho”, que “têm uma vida
própria, particular, que estão ali também querendo se realizar profissionalmente”, indo
ao encontro de Junquilho (2014), quando afirma que o líder do setor público brasileiro
conjuga pessoalidade com impessoalidade.
Deve ser prudente no sentido de ter paciência para amadurecer as suas
decisões, ser leal e fazer com que pessoas confiem nele. Para tanto, também deve
ter o poder de influenciar os liderados e ter consciência de o que está fazendo é o
mais correto; caso contrário, as pessoas não irão segui-lo. Ele deve inspirar pessoas
pela paixão pelo trabalho, só assim consegue mudar as pessoas do grupo aos poucos.
Mesmo assim, deve procurar respeitar o seu colega, sem querer impor ideias,
chamando para conversar, quando necessário, sabendo ouvir.
Outro ponto que chama a atenção é o fato dos respondentes do cargo de
supervisão terem associado o líder àquele que tem personalidade forte, marcante, ter
poder de decisão, ser visionário, no sentido de tentar prever certos acontecimentos,
reforçando o entendimento de Oliveira et al. (2010).
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comissionada, tendo ganhos em termos salariais. Já o lado negativo, na percepção
dos entrevistados, é que desperdiça a oportunidade de convidar a ocupar determinada
função um servidor que é mais qualificado para ocupá-la, inclusive em termos de perfil
(atributos pessoais e profissionais), reforçando as pesquisas de Vieira e Costa (2013),
ao identificarem como uma das dificuldades de liderar a “impossibilidade na escolha
dos colegas de trabalho”.
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Especificamente no que tange ao meio jurídico foram relatadas as seguintes
dificuldades: lidar com o ego dos magistrados, falta de espaço para a criatividade,
resistência ao conhecimento referente à gestão e a mudanças; excesso de burocracia
(muitas rotinas desnecessárias, normas bastante engessadas, formalismo
exacerbado, práticas arcaicas); marasmo, mesmice e falta de perspectiva; ter que
acatar as decisões sem poder questionar as determinações da Alta Administração.
5 CONSIDERAÇÕES FINAS
Este trabalho teve como objetivo analisar a percepção sobre líder e liderança
de gestores de diferentes níveis hierárquicos da Secretaria Judiciária do Tribunal
Regional Eleitoral de Santa Catarina – TRE-SC, órgão do Poder Judiciário, tomando
como base os construtos: a) conceito de liderança; b) características do líder; c)
aspectos que contribuem para ascensão do cargo de gestor; d) papel do líder; e)
dificuldades enfrentadas no exercício da liderança.
No que se refere ao conceito de liderança, constatou-se que os servidores
entrevistados entendem que a liderança fundamenta-se em orientar pessoas para
determinar o que deve ser feito; para tanto, é necessário ter o conhecimento técnico,
ter visão sistêmica da organização, propiciar satisfação no trabalho, trabalhar em
conjunto e oferecer instrumentos para realizar os serviços.
No que tange às características necessárias para o líder, entendeu-se que
este deve dar o exemplo, ser dedicado ao trabalho e aos seus liderados, ser confiável,
sincero, e ter empatia. Deve ter a mente aberta para situações e pessoas diferentes e
ser responsável pelo fortalecimento do relacionamento com os liderados, colocando-
se à disposição dos colegas; também deve despertar nos liderados um pouco de
ambição.
É preciso que ele encontre as soluções para os problemas em conjunto com
sua equipe, fazendo com que as pessoas se sintam participantes e dando feedback
com frequência. Também deve utilizar o seu poder para unir seus liderados, de
perceber o grau de felicidade dos seguidores e de estar atento para observar se há
alguém insatisfeito.
Foram levantados os seguintes aspectos que contribuem para ascensão do
cargo de gestor: a necessidade de o líder ter que ter competência técnica para
ascender no seu cargo; ter iniciativa; comprometimento e espírito de inovação, para
propor coisas novas, identificando-se com as características do modelo gerencial. Não
deve ter medo de assumir responsabilidades e deve ter um bom relacionamento com
as pessoas, especialmente com servidores de outros setores.
Também foi apontada que para a escolha de funções utiliza-se a indicação de
uma autoridade; contudo, os entrevistados relataram uma tendência de que seja
indicado um servidor, para assumir cargos mais altos, que estão em um nível
hierárquico mais baixo dentro da unidade.
No que concerne ao papel do líder, os servidores entendem que o que este
deve incutir o senso se pertencimento da equipe; fazer com que o liderado participe
das decisões, que tenha autonomia; e ter visão sistêmica. Também foi relatada a
importância de que os líderes sejam discretos, que se coloquem à disposição para
auxiliar nas atividades quando necessário; e que desenvolvam a intuição para agir.
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Os gestores relataram que valorizam e buscam a harmonização das pessoas
no local de trabalho, procurando agregar os liderados, serem mediadores,
facilitadores. Também foi apontado o fato de ser obstinado e de “ser parceiro”.
Foram identificados três níveis de dificuldade para o exercício da liderança:
as decorrentes da personalidade dos líderes, àquelas referentes ao corpo funcional
do TRE-SC e as características do meio jurídico.
No que se refere à personalidade do líder foram relatadas as seguintes
dificuldades: incapacidade de mudar; desconfiança das pessoas; desapego às tarefas
operacionais; dificuldades de trabalhar com pessoas de diferentes personalidades
(diversas visões, desejos, dificuldades e forma de viver); manter a calma e tentar achar
soluções em situações imprevisíveis; e falta de percepção de quem deve estar na tua
equipe. Já em relação aos liderados foi relatada o problema de ter que aceitar o chefe
que não é um líder.
Quanto às limitações concernentes ao corpo funcional do TRE-SC, foram
levantadas nas entrevistas as que seguem: dificuldade de despertar ambição com a
carreira pública, comodismo; estabilidade da carreira de servidor público; falta de
motivação por parte dos liderados para trabalhar; liderar servidor que está prestes a
se aposentar; ter que liderar o servidor que está no TRE/SC, mas queria passar em
outro concurso; falta de iniciativa; trabalhar com pessoas não comprometidas com o
resultado; dificuldade de mudar as pessoas de cargo; dificuldade de motivar os
subordinados; falta de feedback; falta de uma política de Gestão de Pessoas (GP)
para o servidor possa ascender mais adequadamente na carreira e falta de suporte
da GP para os líderes atuarem mais diretamente com as pessoas.
Especificamente no que concerne ao meio jurídico, foram relatadas as
seguintes dificuldades: lidar com egos dos magistrados; falta de espaço para a
criatividade; resistência ao conhecimento referente à gestão e a mudanças; excesso
de burocracia; marasmo, mesmice e falta de perspectiva; ter que acatar as decisões
sem poder questionar as determinações da Alta Administração.
Foi revelado nesta pesquisa que mesmo com os preceitos de modernidade
trazidos pela Reforma do Estado de 1995, os comportamentos e características dos
gestores/líderes apontadas pelos entrevistados demonstram que o TRE/SC apresenta
tanto um viés do modelo gerencial, quanto do burocrático e do patrimonialista, e
também novas competências.
O que é possível concluir é que há a predominância da cultura patrimonialista,
como um reflexo das especificidades próprias do meio jurídico, conhecido por ser
refratário a mudanças e resistente ao conhecimento às ciências da Administração. As
leis engessadas, o formalismo exacerbado e a dificuldade de questionamento das
decisões a serem tomadas tornam ainda mais difícil a missão de transformar a cultura
organizacional no setor público do TRE-SC. Por outro lado, é possível perceber que
houve melhoras no sentido de dar sinais do enfoque gerencial, como por exemplo a
exigência de requisito para o gestor público ascender na carreira é ter espírito inovador
e propor coisas novas.
Fadul e Silva (2013) afirmam, com base em suas pesquisas, que, em nome
da mudança cultural, os atores organizacionais acabam reproduzindo os valores
culturais que demonstram combater. São, ainda, encontradas dificuldades pelas
organizações públicas para inserir em seu contexto valores culturais que “firam” os
direitos adquiridos dos seus funcionários, ainda que esses valores tenham como
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objetivo melhorar a eficiência organizacional, situação esta percebida durante a
realização das entrevistas.
Para novas pesquisas, sugere-se que seja efetuada esta análise do modelo
adotado em instituições públicas, discriminando o tipo de Poder (Legislativo, Executivo
e Judiciário), bem como as esferas municipal, estadual e federal, com vistas a melhor
identificar o perfil dos órgãos que os compõem e buscar saber as causas de tal
diagnóstico.
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