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DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312014000400009
1182 Introdução
Os flagelos provocados por doenças fazem parte da história da humanidade. A
| Dora Rambauske, Telma Abdalla de Oliveira Cardoso, Marli Brito Moreira de Albuquerque Navarro |
peste negra, que devastou a Europa no século XIV, permanece como símbolo do
horror. Depois do registro da peste bubônica na Idade Média, “peste” passou a
significar qualquer dano de grande potencial de risco.
Considerando a lógica das ameaças assimétricas, a disseminação intencional de
doenças de potencial epidêmico ocorre através da dispersão de agentes patogênicos
com a finalidade de agredir, incapacitar ou matar, visando conquistar territórios
e expandir domínios. Contudo, os conflitos convencionais também registraram a
utilização desse recurso como arma. Silva (2001) destaca como um dos exemplos
mais antigos encontrados na literatura o uso fezes de animais em flechas
fabricadas pelo homem de Neanderthal. Esse mesmo procedimento foi utilizado
durante a guerra do Vietnã (1959-1975), quando uma estaca de madeira ou de
bambu contaminada com fezes, denominada estaca punji, era distribuída, com a
ponta para fora do solo, no caminho das tropas inimigas (CHRISTOPHER et
al., 1997). Ressalta-se que inicialmente os agentes biológicos foram empregados
de forma intuitiva e muito rudimentar, deixando dúvidas sobre sua eficácia.
Almeida (2007) divide as armas biológicas em três gerações. A primeira
geração é caracterizada pela fabricação rudimentar de instrumentos, seleção de
poucos agentes infecciosos e baixa produção de munição, com aplicação precária
e uso exclusivamente em sabotagens.
Os primeiros programas de guerra biológica ocorreram durante a Primeira
Guerra Mundial, na Alemanha e na França, baseados nas descobertas da
Microbiologia no século XIX, com o desenvolvimento dos métodos de
isolamento, cultura e identificação de bactérias. Esses avanços possibilitaram o
desenvolvimento de programas mais elaborados de armas biológicas com maior
potencial de destruição, as quais posteriormente passaram a ser conhecidas como
armas de destruição em massa (DAVIDSON, 2005).
Após a Primeira Guerra, os programas de guerra biológica existentes
expandiram-se, enquanto outros foram iniciados, sendo construídas instalações
para produção em larga escala de armas biológicas e sendo implementados testes
de campo. O estudo dos agentes infecciosos possibilitou o desenvolvimento de
novos armamentos e instrumentos de disseminação, surgindo a segunda geração
de armas biológicas. Canadá, Polônia, Inglaterra, Rússia, Estados Unidos e Japão
Metodologia
O metodologia deste estudo baseou-se na leitura exploratória e seletiva,
valorizando a revisão integrativa como facilitadora da construção de análises
de contextos de risco relacionados ao tema. Estabeleceu-se como finalidade
do estudo a proposição de conhecimentos voltados para o controle dos riscos
relacionados às possibilidades de atentados bioterroristas no Brasil, indicando
estratégias de avaliação de risco e de tomada de decisões.
O levantamento bibliográfico abrangeu um período de vinte anos (de 1990 a
2010), mediante busca eletrônica de artigos em português, inglês, ou espanhol na
Resultados e discussão
O levantamento bibliográfico foi realizado em janeiro de 2013 e resultou
em 414 artigos. 33 foram excluídos por serem duplicatas, resultando em 381
estudos. Considerando os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados
21 artigos completos para análise mais aprofundada (Tabela 1). Em seguida,
2010). Ressalta-se que a maioria dos agentes biológicos com potencial de risco
para emprego em bioterrorismo se enquadram nas classes de risco 3 e 4.
Os agentes da classe de risco 1 têm baixa probabilidade de causar doenças em
pessoas ou animais adultos sadios, e exemplificam-se com o Lactobacillus sp. e o
Bacillus subtilis (BRASIL, 2010). Já na classe 2, representada pelo Schistosoma
mansoni, Trypanossoma cruzi e vírus da Hepatite B, C e E, o risco individual é
moderado e o risco para a comunidade é limitado. Seus agentes podem provocar
infecções, porém existem medidas terapêuticas e profiláticas eficazes, sendo
o risco de propagação limitado (BRASIL, 2010). Os agentes da classe 3 têm
capacidade de transmissão aérea, causando patologias que podem se propagar de
pessoa para pessoa (ou entre animais) e são potencialmente letais. No entanto,
usualmente existem medidas de tratamento e/ou de prevenção. Exemplificam-se
com Bacillus anthracis, Coccidioides immitis e hantavírus (BRASIL, 2010).
O risco individual e para a comunidade é elevado na classe 4. Nela estão
os agentes com grande poder de transmissibilidade por via respiratória ou de
transmissão desconhecida, sendo altamente patogênicos e com alta capacidade
de disseminação. Até o momento não há medidas profiláticas ou terapêuticas
eficazes contra infecções ocasionadas por esses agentes. Nessa classe incluem-se
principalmente vírus como o Ebola e o Sabiá (BRASIL, 2010).
As medidas de proteção da população em geral, dos profissionais de saúde,
das equipes de segurança e de todo o pessoal envolvido em um ataque variam
segundo o risco ou seu uso confirmado e também segundo a exposição
confirmada sem sintomas ou na vigência de sinais e sintomas. Dessa forma,
é importante a capacitação dos profissionais que realizarão o atendimento
hospitalar e de todos aqueles envolvidos no atendimento pré-hospitalar. Esses
trabalhadores, antes da exposição, necessitam estar vacinados e ser tratados
profilaticamente com antibióticos para prevenir o aparecimento da doença. Esse
é provavelmente o melhor mecanismo de proteção contra a maioria dos agentes
biológicos conhecidos.
Após um atentado de bioterrorismo, deve-se isolar o cenário onde o atentado
ocorreu, iniciar os processos de descontaminação, estabelecer quarentena e realizar
pulação de equipamentos; e
acomodar os pacientes que apresentem alto risco de contaminação ambien-
tal em quarto de isolamento (KEIM; KAUFMANN, 1999; BRASIL, 2000;
NAEMT, 2010).
Conclusão
O final da Guerra Fria registrou a elaboração de um padrão de comportamento
bélico mundial, as ameaças assimétricas. A fim de combatê-las, especialmente
após o evento de 2001, o governo norte-americano implementou um novo
conceito doutrinário de combate preventivo de ameaças, a “Doutrina Bush”. As
consequências dessa doutrina, que exacerba o discurso político militar em vez do
político legal, são o aumento da guerra assimétrica na forma de ameaça terrorista,
e, por conseguinte, o bioterrorismo.
O bioterrorismo é uma ameaça real em todo o mundo, inclusive no Brasil,
que está inserido no processo de globalização mundial e com previsão de sediar
eventos esportivos internacionais, com pessoas de diversos países, as quais podem
ser consideradas alvos compensatórios para atentados terroristas.
Com isso, o combate ao bioterrorismo deve ser realizado através da divulgação de
informações, da disseminação do conhecimento e da capacitação dos profissionais
responsáveis por atuar em situações de primeira resposta, a fim possibilitar o
reconhecimento de um evento de bioterrorismo e identificar a doença através de
diagnóstico clínico preciso, permitindo o tratamento de forma eficaz.
É clara a importância da biossegurança na correlação com as ações de resposta
ao bioterrorismo, dada por medidas ou precauções, uso de equipamentos de
proteção individual e coletivos, contenção de áreas, descontaminação, avaliação
de risco, entre outras.
Referências
ALMEIDA, M.E. O desenvolvimento biológico em conexão com a guerra. Physis, Rio de
Janeiro, v.17, n.3, p.545-564, 2007.
BHALLA, D.K.; WARKEIT, D.B. Biological agents with potential for misuse: a
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do Brasil, Brasília, DF, Seção 1, 2 abr. 1976, p.4284.
Nota
1
D. Rambauske realizou a revisão da literatura, elaborou estratégias metodológicas e participou da
construção do tema. T.A. de O. Cardoso ocupou-se dos conteúdos técnicos referentes ao potencial de
letalidade de patógenos, observando a classificação de risco, e ainda participou da revisão da litera-
tura adequada ao tema. M.B.M. de A. Navarro realizou a análise contextual do tema, observando as
discussões conceituais sobre bioterrorismo.