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UFBA PRESENTE: O QUE FAZER?

Naomar de Almeida Filho


Pesquisador 1-A do CNPq. Ex-Reitor da Universidade Federal da Bahia (2002-2010).
Atualmente Professor Visitante no Instituto de Estudos Avançados da USP.

O ministro da educação anunciou esta semana profundo corte no custeio de três


universidades federais, incluindo a Universidade Federal da Bahia (UFBA), que estariam
fazendo “balbúrdia” e por deficiências em desempenho acadêmico. Não satisfeito,
ameaçou estender a medida a uma quarta universidade, pelas mesmas alegadas razões.
Houve imediata reação da academia, da mídia, de parlamentares e de entidades
representativas da sociedade, denunciando flagrantes ilegalidades em tal procedimento.
Fazer da gestão do orçamento público instrumento de discriminação institucional,
punição ideológica ou retaliação política é crime de improbidade. Mais ainda no caso de
universidades públicas, protegidas em sua autonomia pela Constituição Federal. Por
outro lado, demonstrou-se à larga que, pelo contrário, as instituições ameaçadas
destacam-se justamente por extraordinários indicadores de melhoria de desempenho,
em muito superando a média nacional. De fato, as universidades punidas estão entre as
instituições brasileiras que mais aumentaram sua produção científica na última década,
conforme dados da Web of Science, base internacional usada no Ranking de
Universidades da Folha de São Paulo (RUF).
Gostaria de focalizar o caso da UFBA. Aqui, o anunciado bloqueio de 37 milhões de reais
sem dúvida inviabilizará o funcionamento pleno da instituição antes do final deste
ano. Levantou-se a hipótese de que estaríamos sendo punidos por ter sediado o Fórum
Social Mundial, além de outros eventos e manifestações legítimas da sociedade
democrática. Considerando recentes desmandos do atual governo, essa hipótese é
bastante plausível.
Contudo, a informação de que a UFBA tem déficit ou piora em desempenho é
simplesmente mentirosa. Graças a políticas públicas que, durante os governos do
Presidente Lula, tendo o Professor Fernando Haddad como Ministro da Educação,
culminaram com o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI), a UFBA cresceu e ampliou sua qualidade, tornando-se maior e melhor. Antes do
REUNI, éramos uma universidade de médio porte, com 1.900 docentes, oferecendo 55
cursos de graduação e 61 de pós-graduação para menos de vinte mil estudantes. Dez
anos depois, a UFBA tem mais de 45 mil estudantes, matriculados em 105 cursos de
graduação e 136 de pós-graduação, com quase 3 mil professores.
Em nota oficial, a Reitoria da UFBA informa que hoje somos a 1ª universidade do
Nordeste, a 10ª brasileira e a 30ª da América Latina, no ranking Times Higher Education,
que avalia 1.250 universidades de 36 países. No RUF, que avalia qualidade do ensino,
percepção do mercado de trabalho, internacionalização, inovação e pesquisa, a UFBA foi
considerada a 14ª melhor entre as 196 universidades brasileiras. Entre as federais, é a 9ª
em colaboração internacional e 11ª em colaboração com empresas. Dados do próprio
MEC mostram que índices de qualidade dos cursos de graduação, medidos pelo ENADE,
vêm crescendo na UFBA de modo consistente desde 2006; recentemente, no triênio
2015-2017, ultrapassamos a nota 4. Na pós-graduação, a UFBA é a terceira instituição
brasileira com mais programas com notas acima de 4 na avaliação Capes. O mais notável
é o crescimento de 17 para 54 doutorados no período. Como resultado, a UFBA mais que
dobrou sua produção científica entre 2008 e 2017, tornando-se a 12ª universidade
brasileira que mais publica em periódicos de impacto e a 9ª em índices de acesso na
plataforma Scopus.
Um dia depois, em meio a uma onda de críticas, o Ministério da Educação comunicou
que esse bloqueio orçamentário será estendido a todas as IFES. Alguns analistas avaliam
que houve recuo estratégico do governo, com a intenção de prevenir eventuais processos
na justiça contra medidas ilegais de uma gestão pública antidemocrática.
Tenho outra opinião. Trata-se de uma ação estratégica, mas de modo algum significa
recuo. Há lógica nessa insanidade. A meta definida pela equipe econômica foi um corte
de quase 6 bilhões do orçamento do MEC. Evidentemente, se o governo pretende reduzir
ao máximo o financiamento de toda a rede federal de ensino superior, operadora de uma
das maiores políticas públicas de inclusão social da história brasileira, por que motivo
iriam bloquear somente 100 milhões de custeio em apenas quatro universidades? E mais:
por que declarar com detalhes e clareza que, nesses casos, tal medida se faria como
retaliação política? Por terem, segundo dirigentes do MEC, realizado eventos por eles
considerados como partidários? E a descrição semi-oficial desses supostos eventos é
totalmente non-sense: gente pelada fazendo balbúrdia em festas campesinas nos campi
universitários. Desde quando isso tem a ver com partidos políticos?
Minha hipótese: trata-se de grosseira provocação, premeditada e truculenta.
Demonstram com isso que querem o acirramento da crise política, atiçando e
provocando aqueles que, segundo consta nos registros da pseudociência, fazem parte de
uma conspiração nacional, internacional e interplanetária de marxistas culturais.
Adorariam, por exemplo, contar com uma greve geral nacional das universidades
públicas, enfim paralisando aulas (de suposta doutrinação comunista) e pesquisas (que
acham irrelevantes), que não encontrará qualquer mesa de negociação, mas será
enfrentada com corte de salários, guerrilha psicológica em redes sociais, repressão
policial e chantagem jurídica. Se tal ocorrer, tentarão desmoralizar o sistema público de
educação superior perante aqueles segmentos da sociedade que supõem ser sua base
de apoio, resultando em ainda mais espaço ao setor empresarial no campo da educação.
É triste constatar que, neste momento difícil de nosso país, uma perigosa tormenta está
se formando.
O que fazer? Muitas possibilidades aparecem, mas, antes de qualquer coisa, precisamos
pensar estrategicamente, refletir coletivamente e atuar eficazmente, o que significa
buscar e testar novas formas de mobilização e luta. Modelos tradicionais e mesmo
convencionais de ação política podem ter-se esgotado ou, pelo menos, não mais se
adequam às demandas dos novos contextos, que mudaram com o tempo, ou ainda, de
tão conhecidos, têm sido facilmente neutralizados pelos novos oponentes.
Para recriar formas de luta e atos políticos consequentes, precisamos convocar e
reagrupar nossas lideranças, intelectuais, políticas, sindicais e institucionais. Algumas,
precisam ser remotivadas e outras devem aparecer, agir, mover-se para serem
reconhecidas; e novas lideranças surgirão no calor das lutas. A virtude da paciência
política deve ser por elas promovida e cultivada, tanto no sentido da espera estratégica
dos ciclos conjunturais, quanto no timing das decisões táticas necessárias. Para isso
servem as lideranças nos processos e crises, já nos ensinava a sabedoria gramsciana (tão
atacada e mal-entendida, neste momento em particular).
Como condição de sucesso, este é um momento crucial para renovar alianças. Por
diversos motivos, a instituição milenar que se chama universidade significa muito (e de
modo distinto) para diferentes pessoas e grupos. Precisamos de união e cooperação
entre sujeitos e projetos distintos, superando divergências para construir convergências
capazes de sustentar as lutas necessárias. As palavras solidariedade e cuidado, junto com
respeito às diferenças, remetem a possibilidades de novas práticas políticas com
efetividade, representatividade e participação, mas sobretudo com ética e sentimento.
E, finalmente, companheiras e companheiros aposentados, ainda militantes, sábios,
podem muito ajudar a defender a universidade pública brasileira. Devem certamente
lembrar que já vimos esse filme antes. Em tempos bastante sombrios e outros nem tanto,
enfrentamos ministros coronéis e suas quarteladas, intelectuais obscuros e seus
infiltrados, milícias burocráticas e suas papeladas, patrulhas pedagógicas e suas
patacoadas. Aprendemos muito com tudo isso e podemos compartilhar erros, acertos e
esperanças, tudo o que afinal se valoriza como experiência.
Nesses termos e condições, com tudo o que estiver dentro de nossas competências,
limites e princípios éticos, estaremos prontos para resistir, posicionar, reagir e retomar o
processo de avanço político momentaneamente bloqueado em nosso país. Começamos
agora e aqui, na Universidade Federal da Bahia, manifestando nosso repúdio e indignação
frente aos atos do atual responsável pelo Ministério da Educação, atos que discriminam,
desonram e agridem nossa instituição, com a vil ameaça de impedi-la de continuar
cumprindo seu papel histórico de alma mater da educação superior no Brasil.

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