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MAURÍCIO SANGALETTI
BELO HORIZONTE
2017
1
Dividiremos este subtítulo em duas partes: na primeira ponderaremos sobre alguns aspectos
da escolástica; na segunda versaremos acerca do contexto que propiciou seu desenvolvimento.
A elite instruída na Idade Medieval estudava as sete artes liberais. A divisão em Trivium e
Quadrivium data provavelmente do período carolíngeo. Esta se prolongou até o século XII. O
Trivium consistia no estudo da gramática, dialética e retórica. O Quadrivium incluía a
aritmética, a geometria, a astronomia e a música.
Em síntese, por escolástica podemos compreender três noções: primeira, o método didático
empregado nas escolas medievais e a consequente literatura filosófica e teológica dele
decorrente; segunda, a finalidade do ensino, ou seu conteúdo, ou o tempo em que vigorou;
terceira, a identificação indevida com o tomismo, em razão da síntese de Tomás de Aquino ser
abalizada como a de maior magnitude.4
No início do século XII apenas duas obras de Aristóteles eram conhecidas: Categorias e De
interpretatione. Estas foram traduzidas por Boécio. Ulteriormente outras traduções realizadas
1
LOGOS - ENCICLOPÉDIA luso-brasileira de filosofia. São Paulo: Verbo, 1989. art. Escolástica.
2
Ibidem.
3
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 148.
4
LOGOS - ENCICLOPÉDIA luso-brasileira de filosofia. São Paulo: Verbo, 1989. art. Escolástica.
2
por Boécio foram resgatadas. Elas discorriam sobre os “tratados de lógica”. Estes escritos
tiveram grande influência sobre a escolástica. Tais textos propiciaram o desenvolvimento de
uma teologia científica, contrastando com os escritos bíblicos do século XII. Na segunda
metade do século XII importantes textos filosóficos foram traduzidos do Árabe. Entre estes se
encontram as obras de Al-Kindi, Al-Ghazali, Ibne Gabirol e partes do Kitab al-Shifa (Avicena).
Foi de suma importância para o aristotelismo latino a tradução dos principais comentários de
Averróis. Esta tradução foi realizada por Muhael Scot, em 1220. Ora, no século XIII os filósofos
possuíam uma expressiva quantidade de textos e comentários da filosofia aristotélica.
Inicialmente a teologia medieval segue Agostinho, se movendo no horizonte neoplatônico. Não
obstante, paulatinamente essa filosofia cede lugar à Aristóteles. Daqui nascem novas sínteses.5
O pensamento de Aristóteles é predominante na alta escolástica; sem embargo, também nessa
ainda subsiste a influência das filosofias árabe, judia, agostiniana e patrística.
No século XIII houve uma grande “fermentação de ideias”. As causas foram as novas
universidades e ordens religiosas.6 Uma universidade medieval era constituída de quatro
tiveram grande relevância na vida intelectual desse período. Em 1219 ambas já se encontravam
instaladas na universidade de Paris. Os grandes filósofos da Idade Média provêm dessas ordens.
Destacamos: Santo Alberto, São Tomás de Aquino, São Boaventura e Guilherme de Ockham.
Os dois primeiros são dominicanos e os últimos franciscanos.
Após a turbulenta migração dos povos, o país dos francos cada vez mais foi se
constituindo como um centro catalizador da Europa em formação. Carlos Magno foi rei dos
5LIBANIO, J. B. e MURAD, Afonso. Introdução à Teologia: perfil, enfoque, tarefas. 8a ed. São Paulo:
Edições Loyola, 2011. p. 111.
6
KENNY, Anthony. Filosofia Medieval: uma nova história da filosofia ocidental. São Paulo: Edições Loyola,
2008. p. 76.
3
francos (768-814) e imperador (800-814). Pepino, o Breve, fora seu pai. A este é que o título
real foi conferido, em 751. Ele legou aos seus sucessores um reino legítimo e garantido pela
autoridade papal. Carlos fora sagrado imperador pelo Papa Leão III, no dia de Natal do ano
800. Movido pela leitura do “Estado de Deus”, de Santo Agostinho, Carlos Magno, a parir de
sua interpretação, objetivou unir Igreja e Estado numa só e única sociedade. Foi assim que
apareceu a ideia de um “Império Ocidental Cristã”. Ora, devido a sua ampla visão política, ele
compreendeu que o império seria consistente se internamente estivesse afirmado por uma
elevada cultura. Carlos Magno ambicionou edificar uma “nova Atenas”. Para isso, foram
invitadas diversas pessoas. O imperador selecionava os professores entre os mais sábios e
famosos. Destacamos: Pedro de Pisa e Paulo de Aquiléia. Daqui despontou o “renascimento
carolíngio”7.
Alcuino é o principal nome desse período. Foi conselheiro do rei em todas as questões
relacionadas ao ensino. Este recomendou as “sete artes liberais” como as “sete colunas da
teologia”. João Scoto Erígena se destaca por seu talento especulativo na filosofia. A escola
superior edificada tornou-se o motor da vida intelectual para o mundo ocidental. Aqui as forças
foram utilizadas nas discussões teológicas. O iconoclasmo remete a esse momento.
Apesar dos abundantes trabalhos que aparecem, suas contribuições para a filosofia, por
exemplo, são modestas. A título de exemplificação destacamos dois nomes. Primeiro,
Fredegiso, que escreve a obra Sobre o nada e as trevas. Nesta o filosofo salienta que também
o nada deve ser algo positivo, pois algo deve corresponder a sua ideia; além disso, parece que
ele sustentava que o nada era aquela matéria prima da qual todas as coisas foram criadas.
Segundo, Godescalco. Este ensinava que, desde o dia de nosso nascimento, uma parte do
homem está destinada ao céu e a outra ao inferno.8
7
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 149.
8
Idem, p. 150.
4
período. Vejamos brevemente o que são esses dois pontos citados. Encetemos pela dialética.
Esta se divide em: dialéticos e antidialéticos. Com a dialética desenvolve-se um conflito entre
o tradicional e o inovador. A dialética se consolida com a obra de Pedro Lombardo Livro das
sentenças. Esta obra reúne textos bíblicos e patrísticos, organizando-os em temas específicos,
a saber: Trindade, criação e queda, redenção em Cristo, sacramentos e escatologia. Das “sete
artes liberais”, a dialética granjeou esplendorosa afeição. Na Idade Média se dava mais valor às
conclusões lógicas da razão que as observações dos sentidos. Daí que seu forte foi a lógica, não
as ciências naturais. Nas disputas teológicas quem manejava melhor a dialética triunfava. A
razão se consagrava como o único campo que pode afirmar a verdade. Nesse momento os
conhecimentos filosóficos se restringiam praticamente a obra de Boécio, o que justifica a
relevância dada a dialética. Gradativamente a dialética é aplicada às questões da fé. Muitas
heresias despontam. Começa a se demonstrar, por exemplo, que a concepção tradicional sobre
a eucaristia é falsa, ou seja, que é impossível que a substância do pão mude para o corpo de
Cristo, enquanto as propriedades (acidentes) permaneçam; assim, o que ocorre é somente a
coexistência da forma do pão com a forma do Corpo de Cristo (Berengário de Tours). O modo
como os dialéticos debatiam sobre a fé acarretou vasto enjeitamento. Pedro Damião é o
antidialético mais extremo. Ele afirmava: que a filosofia era invenção do diabo que já, como
primeiro dialético, ensinou aos nossos pais no paraíso a pluralidade de Deus; para a salvação
da alma basta a fé, pois do contrário Deus não haveria mandado simples pescadores, mas
eruditos dialéticos; a filosofia deve ser sempre a serva da teologia; Deus não está ligado ou
obrigado a qualquer lei, nem natural e nem lógica.9
9
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 152-153.
10
Idem, p. 163.
5
não é hostil a ciência. A partir dela se tenta dar a escolástica um firme fundamento. Nessa escola
nasce o primeiro trabalho de síntese entre o saber profano e religiosos. Hugo de São Vitor
concebe que o fim último da ciência é a união com Deus. Isto se dá em três etapas: o olho da
carne nos oferece a experiência exterior; o olho da razão nos leva a experiência interior; o olho
do espírito contempla finalmente o divino.11
Concernente ao problema dos universais, este pode ser apresentado de quatro formas.
Primeira, são as ideias ou as coisas particulares o verdadeiro ser? (Platão). Segunda, são os
gêneros e espécies (universais) coisas reais ou somente instrumentos mentais de nosso espírito?
Se são coisas reais, são corpos ou espíritos? Se são corpos ou espíritos, existem nas coisas
particulares ou separadas das demais? (Porfirio). Terceira, são as categorias de Aristóteles uma
ciência de palavras ou de coisas? (Boécio). Quarta, são os gêneros e espécies (universais)
somente nomes (nomina) ou são coisas (res)? (Escolástica). Interessa para o nosso estudo a
última indagação. Nessa os primeiros (gêneros e espécies são nomes) são denominados
nominalistas e os segundos (gêneros e espécies são coisas) de realistas.12
11
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 163-164.
12
Idem, p. 153-154.
13
Idem, p. 154.
14
Idem, p. 158.
6
consistia em levantar uma questão e depois citar autoridades que parecem oferecer uma solução
e autoridades que dizem o contrário, para daí se chegar a uma conclusão. Na conclusão, o
teólogo primeiramente evidenciava sua solução e depois explica porque ela não se contrapõe
as autoridades citadas.15
Anselmo foi responsável por conduzir a filosofia cristã a novos domínios. Ele elabora
uma síntese da teologia e da dialética. Daí que Anselmo pode ser considerado o pai da
escolástica. Este usava como lema Credo ut intelligam (Creio para entender). Em outras
palavras, nele a fé parte em busca da inteligência (fides quaerens intellectum). Segundo o
filósofo, o investigador deve partir da fé firme na verdade da revelação de Deus, que é o critério
último da verdade. Os resultados de qualquer investigação são verdadeiros quando de acordos
com a revelação. Seu propósito, por conseguinte, não é provar algo para depois crer nisso, senão
demonstrar que aquilo que ele aceita de antemão pela fé é eminentemente racional. Este método
vai subsistir no decorrer da escolástica. O Proslógio, uma de suas principais obras, segue esse
esquema. O raciocínio desenvolvido nela foi denominado ulteriormente de “argumento
ontológico para provar a existência de Deus”. Em síntese, a ideia é a seguinte: a resposta sobre
a existência de Deus já está implícita na pergunta. Isso porque perguntar sobre a existência de
Deus é indagar sobre a existência do Ser Supremo. Ora, na ideia do Ser Supremo, o qual possui
todas as perfeições, necessariamente se encontra a existência. Do contrário, o Ser Supremo seria
inferior a qualquer outro ser que existe. Seria uma contradição um ser Supremo inexistente, tal
como o é a de um triângulo de quatro lados. A ideia de triângulo implica três lados. Do mesmo
modo, a ideia de Ser Supremo inclui a existência. Quem nega a existência de Deus é insensato.16
15
GONZÁLEZ, Justo L. A era dos altos ideais. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova,
1981. p. 136.
16
Idem, p. 141-142.
17
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 155.
7
18
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 173.
19
GONZÁLEZ, Justo L. A era dos altos ideais. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova,
1981. p. 141-142.
8
Aristóteles como precursor de Cristo na sabedoria natural.20 Durante o século XIII discutiu-se
muito sobre qual seria a atitude dos cristãos diante da nova filosofia. Muitos teólogos
responderam ou rejeitando completamente Aristóteles ou aceitando alguns elementos
secundários em sua doutrina. Poucos aplicaram à teologia cristã a filosofia aristotélica. Entre
eles destacamos Alberto Magno e Tomás de Aquino.21 Embora no século XIII e XIV
permaneçam resquícios do platonismo, essencialmente é um debate em torno de diversas
formas de aristotelismos.
Este período se caracteriza também pela importância das cidades. Por isso que os
estudos teológicos passaram a residir nos centros urbanos, não mais nos mosteiros, geralmente
situados longe dos centros de população. Nesses centros de início surgiram as escolas
catedralícias: estavam a cargo do bispo e do capítulo da catedral. Sucessivamente novas escolas
nascem. Estas se unificaram em cada cidade no que ficou conhecido como estudo geral. Daqui
surgiram as principais universidades da Europa. Os mestres e discípulos da escola de Paris se
organizavam até 1200 desse modo.22 Nos cinquenta anos seguinte foram aparecendo novas
universidades, pelo menos 15, entre elas: Oxford e Coimbra, Toulouse e Salamanca.
Inicialmente as universidades não eram instituições de ensino superior, mas corporações de
professores e alunos. Haviam quatro Faculdades na Universidade de Paris. 1) A facultas artium
(artes): se ensinava as sete artes liberais, sobretudo a dialética. Após a tradução dos textos
aristotélicos essa escola passou a ser a de filosofia, que incluía também as ciências naturais. 2)
A facultas theologorum (teologia): gozo de grande prestigio e autoridade. Os maiores filósofos
eram teólogos. Só era admitido nessa faculdade os que haviam realizado a precedente. O estudo
se estendia por oito anos. Após, sobre a direção de um mestre, em dois anos, se devia comentar
a bíblia, durante outros dois anos o Livro das sentenças. Somente depois desse processo era
permitido lecionar. 3) A facultas decretistarum (Direito): se consagro sobretudo ao direito
canônico, devido ao desejo dos papas. 4) A facultas medicorum (medicina): não teve a mesma
importância que as anteriores. Contudo, mesmo antes de sua fundação em Paris, já havia um
centro de estudo em Salerno.23 Universitas significando “instituição autônoma”.24 A primeira
20
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 170.
21
Idem, p. 180.
22
GONZÁLEZ, Justo L. A era dos altos ideais. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1981. p.
138-139.
23
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 171-172.
24
LOYN, Henry (Org.). Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. art. Universidade.
9
Universidade erigida em corporação foi a de Bolonha. Esta era uma faculdade de Direito. A
faculdade de Paris foi a mais importante das faculdades teológico-filosóficas. Os Papas foram
grandes protetores e promotores das Universidades, sobretudo Inocêncio III e Gregório IX.
Nesse contexto surgiram novas ordens religiosas. Destas destacamos as ordens dos
franciscanos e dominicanos. No ano de 1229 e 1231 os dominicanos receberam cátedras na
universidade de Paris. Em 1231 os franciscanos também ganharam uma cátedra nessa
universidade. Aos poucos ambas as ordens começaram a se desafiar. Cada uma escolheu um
mestre que os demais membros deveriam seguir.25 Os franciscanos optaram por Santo
Agostinho e os Dominicanos por Aristóteles.26
25
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 172-173.
26
Idem, p. 181
27
Idem, p. 174.
28
Idem, p. 182-183.
10
reconhecidos. O teólogo parte de verdades reveladas. Tais verdades não podem ser alcançadas
somente pela razão. As verdades da teologia são mais seguras que as filosóficas, dado que a
razão pode cometer equívocos. O filósofo deve permanecer nos limites da razão em suas
averiguações. Quem tenta provar a eternidade do mundo ou a sua criação do nada são maus
filósofos.29
Tomás de Aquino desenvolveu uma produção muito extensa. Suas obras mais
conhecidas são: Suma contra gentios e Suma Teológica. Ele estava convencido da possibilidade
de reconciliar os escritos aristotélicos com a fé cristãs.30 Do aquinate destacamos as cinco vias
e sua compreensão de fé e razão. As cinco vias se colocam contra o argumento ontológico de
Santo Anselmo. Este desconfiava dos sentidos. Daí que parte da ideia do “Supremo Bem”. Para
Tomás de Aquino, somente por meio das coisas visíveis podemos chegar ao criador invisível.
As cinco vias partem do mundo que conhecemos por meio dos sentidos, e deste levam à
existência de Deus. As cinco vias salientam respectivamente: primeiro, o movimento do mundo
exige um primeiro motor imóvel; segundo, as causas eficientes exigem uma causa não causada;
terceiro, a contingência das criaturas exige uma causa necessária; quarto, os graus de perfeição
exigem um Deus perfeitíssimo; quinto, a ordem do mundo exige um ordenador.31 Quanto a fé
e a razão, Tomás enfatiza que existem verdades que estão ao alcance da razão, ao passo que
outras estão acima. As primeiras são ocupação da filosofia. Sem embargo, a teologia não se
limita tão somente as últimas. Isto porque há verdades necessárias para a salvação e que a razão
pode demonstrar. Mesmo essas verdades são reveladas. A elas a filosofia e a teologia podem se
debruçar. A investigação racional possibilita que compreendamos ainda melhor o que
aceitamos pela fé32
29
GONZÁLEZ, Justo L. A era dos altos ideais. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1981. p.
145-146.
30
LOYN, Henry (Org.). Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. art. Aquino, Santo
Tomás de.
31
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 191.
32
GONZÁLEZ, Justo L. A era dos altos ideais. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1981. p.
147.
11
As críticas mais severas asseveradas ao tomismo foram levadas a cabo por Duns
Escotus. Ao contrário de Tomás de Aquino, para Duns Escoto ciência e fé são independentes.
O fim da primeira é o conhecimento do ser, enquanto da segunda o conhecimento de Deus.
Mesmo que a razão chegue a um primeiro motor, este é algo diverso do Deus vivo. Questões
relacionadas a criação ou a imortalidade da alma não temos como conhecer, senão que devemos
aceitar por meio de nossa fé.34 O pensamento scotiano é mais conservador que inovador. Ele se
preservou com grande força e influência, sobretudo entre os franciscanos. 35 As universidades
se dividiram em dois campos nos debates: tomistas e scotistas.36
Nos séculos que sucedem a morte de Tomás de Aquino, sua reputação sofreu
instabilidade. No ano de 1277, em Paris, o bispo Tempier mandou redigir um syllabus, onde
condenava duzentos e dezenove artigos de Tomás de Aquino. No mesmo ano o bispo de Oxford
com o bispo de Canterbury, Kilwardby, confirmaram a condenação. Já no ano de 1316 o Papa
João XXII iniciou o seu processo de canonização. Em 1323 o mesmo Papa declarou a sua
santidade. Atesta-se que o Papa havia afirmado: “Há tantos milagres quanto artigos da Suma”.
Durante as deliberações do Concílio de Trento, a Suma Teológica foi colocada ao lado da bíblia,
em posição de honra. Com a encíclica Aeterni Patris, de Leão XIV, em 1879, Tomás de Aquino
foi declarado teólogo oficial da Igreja.
Se Tomás de Aquino havia ensinado que só havia ciência dos universais, Guilherme de
Ockham intenta desenvolver uma ciência dos particulares. Esta tendência é classificada de
“moderna”, ao passo que as demais são entendidas como “antigas”. A mística mais uma vez vai
se levantar como uma contracorrente às disputas escolásticas de ambas as tendências. Em
33
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 198-199.
34
Idem, p. 201-202.
35
LOYN, Henry (Org.). Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. art. Duns Escotus.
36
LOYN, Henry (Org.). Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. art. Aquino, Santo
Tomás de.
12
Dentro do seio das escolas religiosas nasce as tendências modernas. Dentre todos os
nomes situados nessa corrente, o de maior relevância é o de Guilherme de Ockham. Sua
doutrina é uma radical resposta ao universal real. Sobre esta temática ele salienta que das coisas
particulares não podemos abstrair um universal, pois não existem dentro delas. O autentico
conhecimento é das coisas particulares. Num primeiro momento o conhecimento é uma visão
intuitiva e posteriormente um juízo da experiência. É da experiência que na alma formamos
imagens (cópias) que são nossos conceitos. Estas imagens não são uma realidade. Elas
pertencem a lógica, não a metafísica. Os conceitos e palavras são somente signos que
representam as coisas particulares reais. Conceitos e palavras se tornam algo universal pela
comparação que fazemos entre as semelhanças existentes. Não sabemos o que as coisas são em
si mesmas, isto é, fora de nosso conhecimento.38 Em razão do nominalismo, o anterior esplendor
das “antigas” escolas se empalidece. Vamos encontrar nessa corrente somente uma preocupação
em relação a defesa do tomismo.
37
FISCHL, Johann. Manual de Historia de la Filosofía. Barcelona: Herder, 1967. p. 204.
38
Idem, p. 206-207.
39
Idem, p. 212-213.