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09/05/2019 “Cortar recursos da ciência é permitir que o futuro de crianças pobres, como eu fui, fique para trás” | Brasil

rás” | Brasil | EL PAÍS Brasil

BRASIL

“Cortar recursos da ciência é permitir que o futuro de


crianças pobres, como eu fui, fique para trás”
Após cortes anunciados pelo Governo Bolsonaro nas pesquisas e
universidades públicas, estudantes vão às ruas para defender o
investimento na área e mostrar as aplicações práticas das pesquisas
acadêmicas
BEATRIZ JUCÁ

São Paulo - 9 MAI 2019 - 10:53 BRT

Estudantes protestam contra cortes de verbas para as universidades federais, no vão livre do Masp. CAMILA
SVENSON

Centenas de estudantes marcharam pela Avenida Paulista, na tarde


MAIS INFORMAÇÕES
da última quarta-feira, contra a asfixia financeira gerada nas
universidades públicas pelo corte de recursos anunciado pelo
presidente Jair Bolsonaro. Andavam devagar, dispostos a parar e
conversar com as pessoas que passavam na rua sobre suas
pesquisas —e o impacto prático que elas podem ter na sociedade,
Cenas explícitas do
que os estudantes mesmo que não seja a tão curto prazo. Tentavam sensibilizar a
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realmente fazem na população sobre os graves efeitos dos cortes orçamentários, que
universidade pública
devem afetar desde o pagamento de água e energia nas instituições
até mesmo programas de assistência a estudantes pobres.

Neste mesmo dia em que buscavam nas ruas apoio popular para o
investimento em ciência no Brasil, foram surpreendidos por uma
Os primeiros efeitos
da asfixia financeira
nova informação que coloca as pesquisas do país na berlinda:  o
de Bolsonaro sobre Governo Bolsonaro bloqueou de forma generalizada bolsas de
as ciências do Brasil
mestrado e doutorado oferecidas pela Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). O corte atinge não
só as ciências humanas —área que o ministro da Educação,
Abraham Weintraub, já afirmou não ser prioritária em sua gestão—,
mas também as de ciências. Diante dos cortes que consideram
graves, estudantes de diferentes cursos mostram suas caras e
abrem suas histórias ao EL PAÍS, encampando uma luta para
À margem de
ideologias, a reverter decisões que podem não apenas afetar o futuro profissional
realidade dos deles, mas a produção de conhecimento no país.
cientistas que
tiveram projetos
congelados no Brasil
"Cortar recursos da educação básica e da ciência é
permitir que o futuro de crianças como eu fique para
trás"
ÁGATHA RIBEIRO DA SILVA, 25 ANOS, MESTRANDA EM MEDICINA NA USP

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Ágatha Ribeiro da Silva é mestranda em Medicina na USP. CAMILA SVENSON

Eu sou a primeira pessoa da minha família a entrar na universidade pública, a conseguir


falar inglês e a sair do país. Minha mãe tinha só o Ensino Fundamental. Quando eu e meu
irmão já estávamos crescidos, ela conseguiu voltar para o EJA [Educação de Jovens e
Adultos]. Depois entrou no Prouni [Programa Universidade para Todos] e conseguiu
fazer Análise de Sistemas. Meu pai é tecnólogo de Engenharia. Eu sempre sonhei, desde
pequena, em ser cientista. Cresci em um bairro da periferia de São Paulo, no Jardim
Capelinha. Quando tinha 11 anos, perguntei pra minha professora da escola se ela
achava que era possível eu conseguir entrar na USP. Ela gostava muito de mim, mas
vendo a situação da evasão escolar e do ensino de base sem qualidade, ela olhou pra

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mim meio triste e disse que, se eu me esforçasse muito, conseguiria. E desde então tem
sido uma batalha.

Eu consegui vencer quando entrei no curso de Ciências Biomédicas na USP. Depois eu


fui fazer um intercâmbio nos Estados Unidos. Fui pelo Programa Ciências sem
Fronteiras, fiquei um ano estudando lá e fazendo pesquisa em um laboratório sobre o
autismo. E nessa trajetória toda o que eu mais quero é que outras crianças possam ter
essa oportunidade que eu tive. Cortar recursos da educação básica e da ciência é
permitir que o futuro de crianças como eu fique para trás. Hoje eu faço mestrado. Meu
grupo estuda doenças cardiovasculares, que são as que mais matam no mundo inteiro.
Todo mundo conhece alguém que morreu de infarto de miocárdio, mas o principal
tratamento para isso hoje é o transplante, e as pessoas ficam em média dois anos na fila
de espera. Nosso laboratório produz células-tronco, que podem se tornar qualquer
coisa. Nós estamos tentando desenvolver uma terapia para o coração com células-
tronco. Esperamos que um dia a gente possa salvar várias vidas com isso.

"O problema é que você tenta se dedicar, mas o sistema que existe para
o ensino parece que não está do seu lado"
SERENNA PERUGIA, 18 ANOS, ESTUDANTE DE METEREOLOGIA NA USP

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Serenna Perugia cursa o primeiro semestre de Meteorologia na USP. CAMILA SVENSON

Eu venho de uma família simples. Minha mãe não conseguiu fazer faculdade, e meu pai
se formou em Administração. Eu estudei a maior parte da minha vida em escola pública,
então foi um pouquinho complicado. Meus pais são separados. Ou eu ajudava em casa
ou estudava, então foi complicado, mas foi também motivador. Foi muito complicado
porque desde sempre eu ajudava minha mãe em casa trabalhando em uma panificadora.
Era eu e minha mãe pra colocar dinheiro em uma casa de cinco pessoas. Esse negócio
de estudar e trabalhar nunca foi fácil. No terceiro ano, eu trabalhava de manhã, estudava
à noite e madrugava estudando. Foi muito tenso. Mas eu precisei mesmo estudar
porque tinha que entrar em uma universidade pública. O problema é que você tenta se
dedicar, mas sistema que existe para o ensino parece que não está do seu lado. É você
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por você mesmo. Eu tive o apoio de um amigo que me emprestava os livros do cursinho,
acho que só consegui por causa disso. Tem gente que olha pra mim e diz: “Ah, mas você
é preta, pegou cota”. Posso até ter pego, mas não é só isso. Tem muita coisa por trás.

Eu acho que é fundamental o apoio do Governo pra gente. O que move o mundo é a
ciência, não pode ser só cortar o que aparentemente não está dando lucro. Quando
entrei na faculdade e vi o tamanho que era a USP, eu senti um baque. Depois fui vendo
os recursos e falei: "Nossa, isso aqui poderia estar melhor". E aí vamos percebendo que
estão faltando muitas coisas e que a gente precisa correr atrás. Tem uma sala com
computadores, mas não tem processador para tudo aquilo. Gente, o que tá
acontecendo? O Brasil tem que acordar pra vida. Desde criança, eu queria trabalhar com
tempestade. Mas entrei e vi que tem muita coisa pra estudar. Meteorologia é um campo
muito mais amplo do que todo mundo acha, não é a Maju no Jornal Nacional falando da
previsão do tempo. Eu quero estudar tempestades e raios, saber como se formam
aqueles choques lá em cima.

"Espero que as pessoas saibam que o que a gente faz na universidade é


útil"
VITÓRIA CARVALHO, 20 ANOS, ESTUDANTE DE METEOROLOGIA NA USP

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Vitória Carvalho estuda Meteorologia na USP. CAMILA SVENSON

Estudei em escola particular, mas tive minha primeira crise de ansiedade durante o
cursinho, então não foi fácil entrar na universidade. A Meteorologia não é conhecida e foi
a minha segunda opção porque na verdade eu queria fazer Astronomia, mas eu me
apaixonei pelo curso. Descobri que o ensino básico, tanto particular quanto público, não
é suficiente para acompanhar um curso assim na USP. As minhas crises de ansiedade se
intensificaram, mas ao mesmo tempo eu estou onde eu quero seguir a minha vida, eu
quero ser pesquisadora. E eu quero me formar mesmo com todas as dificuldades. Eu
quero ser pesquisadora desde criança. O simples fato de descobrir uma coisa nova ou
entender como funciona algo me encanta de um jeito que eu nem sei explicar. Minha
mãe fez até a quarta série, e meu pai até a quinta. Meus tios nunca entraram em
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universidade, quem começou a entrar foram meus primos. Minha mãe é do lar e meu pai
é mestre de obras. Eu acho que eles nem entendem o que significa eu estar na USP. Eles
sentem muito orgulho, mas não têm muita compreensão do que é isso.

Eu sou de Mogi das Cruzes [a 62 quilômetros de São Paulo] e moro no Butantã porque é
longe pra ficar vindo todo dia. Estou em uma universidade pública. Meu pai continua
trabalhando, mesmo aposentado, e consegue me manter aqui [em São Paulo] para
estudar. Só que ele está sempre com medo de perder o emprego, não terei mais
condições de continuar aqui. Ser pesquisador no Brasil não é fácil, imagina cortando o
pouco investimento que a gente tem. Espero que as pessoas saibam que o que a gente
faz na universidade é útil. Por mais que possa parecer que um estudo de um físico
dentro do laboratório é estúpido ou que não serve quando um astrônomo estuda uma
estrelinha, tudo isso tem aplicações em algum momento. E todo mundo vai desfrutar
desses estudos em algum momento. Se [o físico britânico] Maxwell não tivesse
desenvolvido o eletromagnetismo, a gente não teria coisas como celular e Internet.

"As ciências de base não têm retorno imediato, mas sem investir nelas
a gente nunca vai desenvolver tecnologia para nada"
LUCAS DEGI, 22 ANOS, ESTUDANTE DE ASTRONOMIA NA USP

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Lucas Degi está no quinto semestre de Astronomia na USP. CAMILA SVENSON

Encontrei na Astronomia algo que me fascinava, e fui estudar mesmo sabendo que a
carreira seria mais complicada. Desde que eu entrei na universidade, tenho contato com
pesquisadores brasileiros e estrangeiros que me incentivaram a correr atrás da iniciação
científica, a buscar a fronteira do conhecimento. A ciência é identificar o que a gente
conhece e tentar ir além. Desde o começo, toda a estrutura da Universidade incentivou
isso aos alunos. Eu sou o primeiro da família a entrar em uma universidade pública,
porque meus pais se formaram em faculdades particulares. Neste ano, meu irmão
também entrou em uma pública. Lá em casa a gente está muito consciente que a ciência
brasileira corre perigo atualmente.

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Hoje em dia, eu gosto muito da divulgação científica, que não é estritamente acadêmica,
mas consiste em trazer a academia para o público em geral. A gente faz bastante isso na
própria universidade. Todas as semanas, a gente recebe alunos de escolas públicas, que
assistem palestras sobre astronomia e fazem observação com o telescópio. É um pouco
do trabalho que eu faço, em um projeto do IAG [Instituto de Astronomia, Geofísica e
Ciências Atmosféricas da USP] que existe há mais de uma década. Eu, particularmente,
tento mostrar um pouco do meu fascínio pela Astronomia e mostrar que essas
pesquisas têm um propósito. As ciências de base não têm um retorno imediato, mas
sem investir nelas a gente nunca vai desenvolver tecnologia para nada. A gente tenta
sair da torre de marfim, como a gente fala, para mostrar às pessoas o que é ciência. A
carreira acadêmica é muito bem remunerada quando você está no topo, mas o caminho
para chegar lá não é. Eu recebo uma bolsa de 400 reais por mês.

Adere a

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