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Co-autoria
Autores
Controle concentrado de
constitucionalidade e revisão de coisa
julgada: análise da reclamação no 4.374/PE
The concentrated control of constitutionality and the review of res judicata: analy-
sis of claim no. 4374/PE
CONTENTS: 1 Introduction 2 Some conceptions concerning the constitutional claim 3 The prec-
edent to claim no. 4374/PE 4 The relation of constitutionality and the revision of the Brazilian
Supreme Court’s decision 5 Conclusion 6 References.
ABSTRACT: The essay analyzes the decision of constitutional claim no. 4.374/PE by
the Brazilian Supreme Court, from which the Court settled the revision of its con-
stitutionality decisions possibility, since there is relevant contextual modification to
justify the change. It’s proposed the understanding of the relation between norms
as a continued juridical relation, which is modified with a relevant context alteration
and, therefore, there is no impediment of new decision by res judicata.
1 Introdução
2 A questão da natureza jurídica da reclamação constitucional, todavia, não é pacífica. Sobre o tema,
conferir: DANTAS, 2000, p. 431-461; DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2014, v. 3, p. 449-453. Ver também,
chegando à mesma conclusão, embora por argumentos distintos: DINAMARCO, 2007, p. 204-209. O
STF vinha entendendo se tratar de direito de petição, todavia, em recentes precedentes da Primeira
Turma, acabou revendo sua posição, ao afirmar que “A reclamação é ação autônoma de impugnação
dotada de perfil constitucional, prevista no texto original da Carta Política de 1988 para a preserva-
ção da competência e garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (art. 102, “l”,
da Lei Maior), e, desde o advento da Emenda Constitucional no 45/2004, é instrumento de combate
a ato administrativo ou decisão judicial que contrarie ou indevidamente aplique súmula vinculante”
(BRASIL, 2014a). No mesmo sentido, entendendo tratar-se de instituto com natureza de ação: DAN-
TAS, 2000, p. 470; ALVIM, 2013, p. 151; MORATO, 2007, p. 110.
4 Ver a análise de direito comparado em: DANTAS, 2000, p. 385-429. O autor conclui nos seguintes
termos: “Fora desse contexto específico – o do direito comunitário –, porém, nos ordenamentos na-
cionais internos pesquisados, o respeito e acatamento às decisões dos juízes e tribunais, mormente
das cortes mais elevadas, fazem com que em geral se prescinda inteiramente de providências desse
jaez, apesar de haver, aqui e acolá, como se viu, alguns problemas” (p. 429).
5 Assim: LEONEL, 2011, 203-212. No mesmo sentido, ver: MINGATI, 2013, p. 91-92. Relatando as mo-
dificações ampliativas no cabimento da reclamação constitucional: CORTÊS, 2011, p. 13-24.
Mais do que isso, seria possível afirmar que o cabimento de reclamação nesses
casos é precursor de uma nova hipótese a ser estabelecida quando da institu-
cionalização do stare decisis brasileiro: a reclamação constitucional para forçar o
respeito aos precedentes dos tribunais superiores6. Nesse passo, ao se defender
os precedentes obrigatórios, seria indispensável o cabimento da reclamação para
impor o respeito aos precedentes obrigatórios dos tribunais superiores ou às suas
súmulas. Da mesma forma, o STF entende que “Não cabe reclamação para ques-
tionar violação a súmula do STF sem efeito vinculante e a dispositivos constitu-
cionais, que, aliás, são estranhos à fundamentação da decisão agravada e à própria
reclamação” (BRASIL, 2014c).
Assim, prolatada decisão que constitui precedente obrigatório, seguida de pos-
terior ato judicial ou administrativo que deixe de aplicar ou aplique equivocada-
mente esse precedente, seria possível propor reclamação constitucional diretamen-
te para o tribunal superior. Caso fosse julgada procedente, cassaria a decisão ou o
ato e determinaria a sua correta aplicação, ou a não aplicação da ratio decidendi,
6 Atualmente, entretanto, a tese é refutada no Supremo Tribunal Federal. Veja-se, por exemplo, a
seguinte ementa, suficientemente analítica para representar o entendimento da Corte, esposado
no precedente: AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. PARADIGMA SEM EFICÁCIA GERAL E EFEITO
VINCULANTE. INVIABILIDADE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO QUE DECIDIDO POR ESTA CORTE NO RE
591.874/MS, COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. APLICAÇÃO AOS CASOS CONCRETOS NOS
TERMOS DA LEI 11.418/2006. DECISÃO RECLAMADA PROFERIDA EM PROCESSO AINDA EM CURSO
NO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. INADEQUAÇÃO DO INSTRUMENTO DA RECLAMAÇÃO. AGRAVO
A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não cabe
reclamação fundada em precedentes sem eficácia geral e vinculante, de cuja relação processual os
reclamantes não tenham feito parte. Precedentes. II – Conquanto o decidido nos recursos extraor-
dinários submetidos ao regime da repercussão geral vincule os outros órgãos do Poder Judiciário,
sua aplicação aos demais casos concretos, em observância à nova sistemática instituída pela EC
45/2004, regulamentada pela Lei 11.418/2006, não poderá ser buscada, diretamente, nesta Su-
prema Corte, antes da apreciação da controvérsia pelas instâncias ordinárias. III – O instrumento da
reclamação não pode ser utilizado a fim de que, per saltum, seja aplicado, a processo ainda em curso
no primeiro grau de jurisdição, o entendimento firmado no julgamento de mérito do RE 591.874/
MS, que trata de matéria que teve a repercussão geral reconhecida por esta Corte. Precedentes. IV –
Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2014b).
7 Nesse sentido: “Se um órgão jurisdicional considerar como constitucional uma lei estadual análoga
àquela que o STF considerou inconstitucional, caberá reclamação, em razão do desrespeito ao pre-
cedente nascido de uma decisão em controle concentrado. A reclamação, nesse caso, serve para fazer
valer o precedente (fundamentação) construído pelo STF, em um processo de controle concentrado de
constitucionalidade. O STF já admitiu reclamação em hipótese assim (Rcl 4.987, rel. Min. Gilmar Men-
des, j. 7/3/2007, Informativo no 458)” (CUNHA, 2013, p. 681-682). Como ressalta em seguida o autor,
o STF alterou sua orientação, “passando a entender pelo descabimento da reclamação quando houver
violação ao precedente, e não à coisa julgada, ao dispositivo da decisão, rejeitando a tese acolhida na
Reclamação 4.987” (Ibidem, p. 682). Vale destacar que Leonardo Carneiro da Cunha critica a superação
do entendimento pelo STF, pelas seguintes razões: “(a) ignora a eficácia vinculante dos precedentes,
concedida pelo próprio texto constitucional e (b) não realiza qualquer referência ao acórdão que adotou
essa teoria, em clara violação de uma necessidade básica de um sistema que deseja adotar eficácia dos
precedentes, que seria a autorreferência, não demonstrando as razões para a realização do overruling”
(Ibidem, p. 682-683). Defendendo o cabimento de reclamação contra decisão judicial per incuriam ou
que negue aplicação a precedente judicial, incluindo para o STJ: DIDIER JUNIOR, 2006; ATAÍDE JUNIOR,
2012, p. 153; VEIGA, 2013, p. 65-66; YOSHIKAWA, 2012, p. 266-267; CORTÊS, 2011, p. 24-25; GÓES,
2007, p. 668; MINGATI, 2013, p. 94-96; LEONEL, 2011, p. 97-98, 212; MARINONI, 2013, p. 240-245.
posta pelo Ministério Público e acolhida pelo relator original, o que não elidiria a
possibilidade de comprovação por outros meios e conforme o caso concreto. Assim,
consoante ficou estabelecido na decisão, o requisito de possuir a família do idoso
ou da pessoa portadora de deficiência renda mensal per capita inferior a 1/4 (um
quarto) do salário mínimo – estabelecido no art. 20, § 3o da Lei no 8.742/1993 ao
regular o benefício do art. 203, V, da CF/88 – seria constitucionalmente adequado.
Na reclamação comentada, o INSS argumentou que a decisão tomada pela Tur-
ma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Estado de Pernambuco, que também
compõe a causa de pedir remota, ao desconsiderar a incidênciado referido disposi-
tivo legal sobre o caso concreto, acabou por desrespeitar a autoridade da decisão
do STF na ADI no 1.232/DF (BRASIL, 1998)8. Por consequência, o INSS afirmava ter
direito à cassação da decisão.
O Tribunal, por maioria, conheceu da reclamação, vencidos os Ministros Dias To-
ffoli, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa (Presidente). No mérito, por maioria,
julgou improcedente a reclamação, vencido o Ministro Teori Zavascki, que a julgava
procedente.Para conhecer a ratio decidendi do precedente, portanto, cabe a investi-
gação do voto condutor, prolatado pelo Ministro Gilmar Mendes.
É interessante perceber que, conforme se constata no início da fundamentação
do voto do Ministro Gilmar Mendes, a mudança de posicionamento não foi
instantânea, mas, pelo contrário, deu-se ao longo de várias decisões, iniciando-se já
em 2006, quando a Corte teria utilizado, ainda conforme o relator, de “subterfúgios
processuais” para não conhecer das reclamações, até a prolação da decisão da Minis-
tra Cármen Lúcia, em 18 de outubro de 2006, que julgou improcedente a reclama-
ção no 3.805/SP, considerando que decisão que avalia as circunstâncias concretas
para deferir o benefício assistencial, mesmo que fora do critério legal, não contraria
a decisão do STF e afirma a Constituição Federal, especialmente o princípio da dig-
nidade da pessoa humana.
Afirmou a Ministra Cármen Lúcia, no referido precedente, que
Assim, o Ministro Gilmar Mendes, citando este precedente e outro de sua lavra,
conclui que houve, de fato, omissão inconstitucional no art. 20, § 3o, da LOAS, que
sofreu um “processo de inconstitucionalização”. Teria ocorrido, portanto, a “mutação
constitucional” da norma parâmetro, a exigir mais para que o benefício assistencial
tutele, com efetividade, o direito fundamental à dignidade, constitucionalmente ga-
rantido. Ou seja, houve o trânsito para a inconstitucionalidade na medida em que a
própria norma constitucional passou a ser mais exigente.
Todavia, para isso, foi enfrentada questão de suma importância: a possibilidade
de reconhecimento de tal modificação constitucional no bojo da reclamação. Ao
tratar da possibilidade de discussão da evolução de entendimento quanto à deci-
são de constitucionalidade no bojo da reclamação, o relator enumera uma série de
precedentes do próprio STF em que, de fato, ajustes foram realizados em decisões
de controle concentrado, tanto mediante a reclamação, como por meio de recurso
extraordinário e, até mesmo, mandado de segurança9.
Isso é possível, segundo o Ministro Gilmar Mendes, diante da inerente possibili-
dade hermenêutica de reinterpretar tanto a norma objeto da decisão de constitucio-
nalidade, como também a própria Constituição. Nas palavras do julgador:
9 São citados pelo relator, dentre outros, os seguintes casos: 1) “RCL 1.525, Rel. Min. Marco Aurélio,
Diário da Justiça de 3/2/2006, na qual o Tribunal delimitou o alcance da decisão proferida na ADI
1.662, especificamente sobre a amplitude do significado de “preterição” de precatórios para fins de
sequestro de verbas públicas”; 2) A decisão da ADI 3.395 sobre a incompetência da Justiça do Tra-
balho para decidir relação estatutária e a sua delimitação por diversas reclamações; 3) A definição
de “atividade jurídica” pela ADI 3.460, que ficou mais bem definida na RCL 4.906, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, Diário de Justiça eletrônico de 11/4/2008, e a RCL 4.939, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Diário
de Justiça de 11/42008.
10 Alertando para a ligação entre criatividade da atuação e a concretude do texto normativo: “A reflexão
sobre o papel do julgador – isto é, das instâncias aplicadoras – na dinâmica do Direito, e sobre a mar-
gem de criatividade que cabe ao juiz, deve a nosso ver relacionar-se com a visão do processo inteiro
de realização do Direito: sua realização, como ordem, no plano social e em face das particularidades
concretas das situações reguladas. O Direito, sejam quais forem seus instrumentos de positivação,
que tornam positivos os seus preceitos, e sejam quais forem os valores que se achem enfatizados em
seu bojo, radica no social e se volta ao social ao aplicar-se: evidentemente nenhum valor jurídico se
realizará sem isto. E a aplicação do direito, sendo concreção, é integração em sentido muito específico,
ao inserir nos contextos a vivência da norma. A partir daí cobram sentido as análises críticas sobre a
adequação do direito à realidade; mas só a partir daí” (SALDANHA, 2003, p. 298).
11 Isso, evidentemente, não quer dizer que a análise de fatos específicos não sejam relevantes para
a valoração da norma, porquanto é plausível que o Tribunal faça recurso a dados empíricos, ou da
experiência comum ou, ainda, técnicos, para valorar adequadamente a norma analisada. Sobre o
tema: MENDES, 2014, p. 279-285.
13 Sobre o ponto, refutando visões contrárias várias à luz do chamado princípio da intersubjetividade,
ver: MELLO, 2011, p. 190-196. Vale conferir a crítica empreendida por Torquato de Castro Jr., que,
partindo de uma perspectiva retórica e externa ao sistema jurídico, passa a por em perspectiva os
dogmas da teoria do fato jurídico e a incapacidade das categorias jurídicas de resolver problemas,
já que os conceitos são manipuláveis para se chegar a qualquer solução desejada. No ponto, o autor
cita a conhecida discussão acerca da relação entre pessoas e coisas, destacando que: “Quase nunca
se cogita – o que até seria possível sob premissas de uma outra ontologia do direito – de ‘a relação
jurídica’ dar-se ‘entre coisas’ puramente. Porém, entre coisas ‘principais’ e ‘acessórias’ há uma relação
e não é totalmente verdadeiro dizer que ela não é nalguma medida também ‘jurídica’” (CASTRO
JUNIOR, 2010, p. 635-653, especialmente p. 638).
14 T
rata-se de expressão da supremacia da Constituição. Sobre o tema, consultar: CANOTILHO, 2003,
p. 245-247; BARROSO, 2009, p. 165-178; NEVES, 1988, p. 63-67. Sobre a transposição desse
conceito para o direito europeu, o que acabou por equivaler a sua expansão geral: ENTERRIA,
2006, p. 61-65.
Acontece que essa relação entre normas nada mais é do que uma relação con-
tinuada. Trata-se de uma particular afinidade entre normatividades concatenadas,
mas distintas, que pode ser, e normalmente o é, alterada consoante estímulos
externos. Assim, faz-se imperioso entender as peculiaridades desse tipo de relação
jurídica, uma vez que suas características refletem diretamente na sentença que
lhe regula15.
Para compreendê-las, é preciso, antes, definir o que se entende por relação jurí-
dica instantânea. Considera-se relação instantânea “a relação jurídica decorrente de
fato gerador que se esgota imediatamente, num momento determinado, sem con-
tinuidade no tempo, ou que, embora resulte de fato temporalmente desdobrado, só
atrai a incidência da norma quando estiver inteiramente formado” (ZAVASKI, 2012,
p. 99). Exemplo: relação jurídica de indenização pelos danos materiais causados em
razão de ato ilícito.
Considera-se relação jurídica permanente ou continuativa aquela que “nasce
de um suporte de incidência consistente em fato ou situação que se prolonga no
tempo” (Ibidem, p. 99-100). São exemplos as relações previdenciárias, alimentícias,
de família, locatícias. Normalmente, tais relações envolvem prestações periódicas
(SANTOS, 2003, p. 59).
Há, ainda, as relações jurídicas sucessivas: “nascidas de fatos geradores instan-
tâneos que, todavia, se repetem no tempo de maneira uniforme e continuada” (ZA-
VASKI, op. cit., p. 100). Na verdade, como bem elucida Zavascki, as “relações sucessi-
vas compõem-se de uma série de relações instantâneas homogêneas, que, pela sua
reiteração e homogeneidade, podem receber tratamento jurídico conjunto ou tutela
jurisdicional coletiva” (ZAVASKI, loc. cit.). Exemplos básicos se encontram no direito
tributário, como a obrigação tributária de pagar contribuição à seguridade social
decorrente de folha de salário e a obrigação tributária de pagar imposto de renda.
Também é exemplo a relação de emprego e a relação estatutária entre servidor
público e a administração. Outro exemplo, trazido por Cabral, é o da sentença que
reconhece o direito de uma parte alterar unilateralmente os juros do contrato: “cada
arbitramento é um ato próprio, único e singular, mas o esquema de agir definido (e
tornado estável pela coisa julgada) é o mesmo” (CABRAL, 2013, p. 499).
15 Para uma sistematização das sentenças conforme a espécie de situação jurídica que regula, conferir:
ZAVASCKI, 2012, p. 101. Com a mesma sistematização de Zavascki: ATAÍDE JUNIOR., 2013, p. 520-
523; OLIVEIRA, 2013. Sobre o tema, ainda: CABRAL, 2013, p. 499.
16 Sobre a atualização das normas constitucionais mediante nova interpretação, especialmente quan-
do presente os mencionados fatos autorizadores: BASTOS; MEYER-PFLUG, 2010, p. 155-160. Falan-
do em malleabilità costituzionale: ZAGREBELSKY, 2008, p. 268-272.
17 Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:
I – se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de
direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença (BRASIL, 1973).
18 Em sentido contrário, aduzindo inexistir coisa julgada nas decisões que declaram constitucionalida-
de de leis: BARROSO, 2014, p. 143.
-se divisar, de forma mais ou menos precisa, o tempo 2, no qual não mais se pode
falar de relação 1. Utilizando o exemplo, havendo decisão sobre a relação 1, com o
evento y há nova relação, que, por conseguinte, não é alcançada pela coisa julgada
anterior e depende de decisão.
O ponto foi brilhantemente percebido, há muito, por Marcelo Neves, que bem
explicou que
19 Importante anotar que o erro pode ocorrer tanto por força da ambiguidade ou equivocidade do texto
normativo, constitucional ou infraconstitucional, como por valoração dos fatos ou percepção deles.
O ponto da variação semântica dos textos normativos como definitivo para a decisão de constitu-
cionalidade é bem percebido por Neves (1988, p. 137-138).
5 Conclusão
A decisão do Supremo Tribunal Federal na reclamação no 4.374/PE merece elo-
gios, pois é mais um significativo passo para consolidar a Corte como verdadeira
guardiã da Constituição, não apenas produzindo importantes precedentes em maté-
ria constitucional, mas também, o que é indispensável na atual fase do Direito, ava-
liando as próprias decisões constitucionais, seja para adequá-las ou para superá-las.
A reclamação constitucional entra nesse cenário como um dos remédios jurídi-
cos processuais mais adequados para a cognição acerca da superação das decisões
constitucionais tomadas em controle concentrado. É importante anotar, entretanto,
que se faz imprescindível salvaguardar o direito de defesa, dando oportunidade ao
reclamante para manifestar-se quanto à modificação contextual suscitada. É im-
portante que os limites a essa operação sejam delimitados com precisão, em tutela
da segurança jurídica: não é possível que o STF descarte a decisão anterior sem a
demonstração de novo contexto, sem observância do contraditório, ou que reviva
normas decretadas inconstitucionais.
Além disso, o próprio exercício de poder – confiado ao STF com finalidade –
precisa ser substancialmente justificado: a adequação de uma decisão pode ser feita
nas margens da incerteza que ela fornecer, mas a revisão requer razões fortes. Assim,
uma decisão declarativa de constitucionalidade só pode ser revista quando houver
o trânsito para a inconstitucionalidade, que se dá apenas a partir de relevantes alte-
rações sociais, econômicas ou jurídicas pertinentes à matéria.
Diante desse quadro, é possível concluir que a relação entre a(s) norma(s)
infraconstitucional(is) e a(s) norma(s) constitucional(is) é equiparada a uma relação
continuada ou permanente, sujeita à cláusula rebus sic stantibus, pelo que a altera-
ção no contexto de sua aplicação enseja a alteração da própria relação, permitindo
– ou melhor, exigindo – uma nova decisão, que, justamente pela transformação da
relação, não é alcançada pela coisa julgada referente à anterior.
22 Vide: OLIVEIRA, 2003, p. 28-29; DIDIER JUNIOR, 2003, p. 510; BEDAQUE, 2002, p. 39-42; GRE-
CO, 2005, p. 76-77; CABRAL, 2010, p. 103-171, 207-234 e 239-243; CABRAL, 2005, p. 449-464;
ZANETI JUNIOR, 2014, p. 180; NUNES, 2008, p. 224-231; MITIDIERO, 2009; CUNHA, 2012, p. 61;
BARREIROS, 2013, p. 198-199; CAVANI, 2013, p. 65-80; MALLET, 2014, p. 43-63; SOUZA, 2014.
6 Referências
ALVIM, Eduardo Arruda. Reclamação e ação direta de inconstitucionalidade. In: NO-
GUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa; COSTA, Eduardo José da Fonseca (Org.). Reclamação
constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013.
ÁVILA, Humberto. Teria dos princípios. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
______. Uma análise das relações jurídicas continuadas à luz da Teoria do Fato Jurí-
dico. In: DIDIER JUNIOR, Fredie; GOUVEIA FILHO, Roberto Campos; NOGUEIRA, Pe-
dro Henrique Pedrosa (Coord.). Pontes de Miranda e o Direito Processual. Salvador:
Juspodivm, 2013.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz
do contraditório. In: BEDAQUE, José Roberto dos Santos; TUCCI, José Rogério Cruz e (Co-
ord.). Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas). São Paulo: RT, 2002.
______. Reclamação no 1.525. Relator: Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, Brasí-
lia, DF, 18 de agosto de 2005. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
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______. Reclamação no 3.805, Agravo Regimental. Relatora: Ministra Cármen Lúcia, Tri-
bunal Pleno, Brasília, DF, 1o de julho de 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/
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______. Reclamação no 4.906, Agravo Regimental. Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Tri-
bunal Pleno, Brasília, DF, 17 de dezembro de 2007a. Disponível em: <http://redir.stf.jus.
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