Você está na página 1de 2

O capítulo Teoria social do discurso, de Fairclough inicia apontando o caminho definido

pelo autor para a análise do discurso, uma abordagem investigativa entre texto, prática
discursiva e prática social e as nuances que determinam a mudança discursiva em relação
à mudança social e cultural. Ao usar o termo “discurso” Fairclough se refere ao “uso da
linguagem”, fala ou “desempenho”, estabelecendo um contraponto aos estudos de
Ferdinand de Saussure e aos linguistas desta tradição que compartimentam o estudo da
língua dentro do próprio sistema, destacado assim do seu “uso”. Essa posição é discutida
pelos sociolinguistas que percebem o uso da linguagem moldado socialmente e não
individualmente, argumentando sobre o tangenciamento entre o que denominam de
sistemática com as variáveis sociais.
A abordagem desses aspectos sociais representa uma ampliação aos pressupostos
saussurianos, no entanto, deve-se verificar o fenômeno unilateral da língua nessas
relações pressupondo uma pluralidade de sujeitos sociais, de relações e situações
destacadas do uso da linguagem que contribuem para a mudança social. Outro aspecto
sinalizado pelo teórico se relaciona às “variáveis sociais” e às variáveis linguísticas,
porém de forma restrita não compreendendo o uso da linguagem de forma global capaz
de (gerir) transformações.
Fairclough utiliza o termo discurso considerando o uso da linguagem como forma de
prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis
situacionais. O teórico associa desta forma este pensamento às várias implicações dentre
elas um modo de ação sobre o mundo e os indivíduos – uma forma de representação bem
como uma duplicidade onde o discurso seria moldado e restringido pela estrutura social e
esta agindo sobre a prática social, associando suas reflexões a Foucault quando aborda a
formação discursiva para a constituição das estruturas sociais acerca das representações
e significados do mundo.
Fairclough distingue três aspectos dos efeitos construtivos do discurso: a construção
de identidades sociais; de relações sociais entre as pessoas e dos sistemas de
conhecimento e crenças as quais correspondem, segundo o autor, a três funções da
linguagem e as dimensões de sentido coexistentes em todos os discursos, a saber:
identitária – “modo pelos quais as identidades sociais são estabelecidas no discurso”;
relacional – “como as relações sociais entre os participantes do discurso são
representadas e negociadas”; e ideacional – “modos pelos quais os textos significam o
mundo e seus processos, entidades e relações” (p. 92). Acrescenta, ainda, uma função
textual que diz respeito ao tratamento da informação – “como as informações são
trazidas ao primeiro plano ou relegadas a um plano secundário, tomadas como dados ou
apresentadas como novas, selecionadas como ‘tópico’ ou ‘tema’ e como partes de um
texto se ligam a partes precedentes e seguintes do texto, e a situação social ‘fora’ do
texto” (p. 92).
A prática discursiva contribui para reproduzir a sociedade (identidades sociais,
relações sociais, sistemas de conhecimento e crenças) e também para transformá-la.
Salientando que a relação entre discurso e estrutura social seja considerada como
dialética para evitar os erros de ênfase indevida: de um lado, na determinação social do
discurso e, de outro, na construção social no discurso, através das várias orientações
coexistentes na prática social – “econômica, política, cultural, ideológica” os textos são
produzidos, distribuídos e consumidos como ‘mercadorias’ (em indústrias culturais:
Bourdieu, 1982). O discurso como modo de prática política “estabelece, mantém e
transforma as relações de poder e as entidades coletivas” nas quais existam as relações
de poder. Já, segundo o autor, o discurso como prática ideológica “constitui, naturaliza,
mantém e transforma os significados do mundo de posições diversas nas relações de
poder” (p. 94). Muito embora pareçam categorias independentes, recorrem-se na prática
política a “convenções próprias e ideologias particulares” e na ideologia a dimensão
geradora dos significados de poder ”como dimensão do exercício do poder e da luta pelo
poder”. A concepção tridimensional do discurso como texto, prática discursiva e prática
social é uma tentativa de reunir as dimensões de análise textual e linguística, a análise
da prática social em relação às estruturas sociais e a prática social “como algo que as
pessoas produzem ativamente e entendem como base em procedimentos, de senso
comum, compartilhados”.
A hipótese de trabalho levantada não foi estabelecida apenas com base na
experiência de análise linguística, mas como uma atividade multidisciplinar oferecendo: –
“um quadro analítico”; – identificação dos “aspectos analíticos selecionados que pareçam
ser produzidos na análise de discurso; – abolição de termos técnicos e jargões proibitivos;
– servir de referência às linhas particulares de análise”. Fairclough detalha ainda cada
dimensão referindo-se a análise textual organizada em quatro itens: ‘vocabulário’;
‘gramática’; ‘coesão’ e ‘estrutura textual’. A análise da prática discursiva envolve a
força dos enunciados, a coerência e intertextualidade, os processos de produção,
distribuição e consumo textual, sujeitos aos processos de interpretação. Na análise da
prática social, discute o conceito de discurso em relação à ideologia e ao poder –
hegemonia, questionando a natureza ideológica de todo discurso na medida em que
“incorporam significações que contribuem para manter ou reestruturar as relações de
poder” (p. 121). As discussões na finalização do capítulo tratam da mudança nas ordens
do discurso e os aspectos de abertura para essas mudanças.

Você também pode gostar