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Eco usa o ambiente medieval para expor, numa forma literária, um pouco do que foram
os grandes debates sobre o conhecimento na Idade Média. Apesar da idéia tão propagada
de que o medievo foi um período estéril para o Pensamento, Eco nos mostra que, mesmo
com todo o dogmatismo religioso e com toda a intolerância, a história das idéias não
sofreu um blackout de mil anos.
Um dado interessante é que O Nome da Rosa foi escrito logo após a divulgação de uma
encíclica de João Paulo II que dizia: “A verdadeira paixão pela verdade é fundamento da
tolerância mais profunda e autêntica liberdade”. O que Eco nos diz é exatamente o
contrário: a “insana busca pela verdade” é causa do obscurecimento da razão e da
intolerância em qualquer época.
A desconfiança frente à linguagem é uma atitude intelectual que pode ser bem perigosa
para certas mentes doutrinadas. A mentalidade medieval que proclamava que “o Verbo
era Deus” se aproximava de uma crença quase animista nas palavras – pronunciar um
nome era invocar materialmente o ser referido. Até hoje, de certa forma, permanece um
pouco dessa crença impregnada na cultura: basta que alguém fale a palavra “câncer”,
por exemplo, para que muita gente faça o sinal da cruz...
Nominalismo se opõe a Realismo enquanto doutrina que afirma a conexão entre a idéia e
a realidade extramental. A oposição ao platonismo é frontal: os Universais não têm
realidade nem nas coisas nem na mente divina, como exemplares eternos das coisas; são
abstrações do espírito humano, conceitos ou termos arbitrários.
Para Ortega y Gasset, é uma ilusão achar que podemos nos apropriar de uma coisa
quando nos apropriamos do seu nome. Nessa perspectiva, Ortega encara a vida e suas
circunstâncias cambiantes como única realidade radical. A vida é independente de
significação - os significados pertencem a um sistema. Nas palavras de Nietzsche: “Falar
é uma bela loucura. Falando, baila o homem sobre todas as coisas”.
Fica claro no romance e em outras obras de Umberto Eco que ele se situa numa posição
de defesa das idéias nominalistas. O Neonominalismo defendido por Eco só confere
categoria ontológica, ou seja, só afirma a existência do presente, fluindo – o simples
nomear já é tornar o objeto uma ficção.
Por certo, O Nome da Rosa tem muito a ver com o percurso intelectual do seu autor,
católico progressista aos 20 anos, marxista aos 30 e, finalmente, pós-moderno depois dos
40. Após buscar tanto a Verdade em dogmatismos religiosos e filosóficos, resolveu seguir
outra trilha: “O dever de quem ama os nomes é fazer rir da Verdade, porque a única
verdade é aprender a nos liberar da paixão insana pela Verdade, e que, portanto, as
únicas verdades que nos servem são instrumentos descartáveis”.
Neste conturbado começo de século, a lição de Eco parece que retoma sua atualidade: a
insanidade de querer impor violentamente “verdades” políticas, religiosas e morais a
outras pessoas e outras culturas permanece como mecanismo de dominação e
obscurecimento da razão
http://www.revistacontinente.com.br/index.php/component/content/article/79-
especial/1805-umberto-eco-e-o-nominalismo-medieval.html