Você está na página 1de 7

Transparenzgesellschaft – Resumo – Trevor Melbourne, Australia

“Esse é provavelmente o livro mais contra-intuitivos – pelo menos dos que já li.
Poderia ser chamado “Contra Transparência” – e provavelmente teria atraído mais
atenção.
Eu [autor dessa resenha, Trevor] penso que lutamos com a ideia de que
transparência possa ser uma coisa ruim. Como tantas outras noções – psicologia
positiva, otimismo, extroversão, liberdade – parece-nos naturalmente desenhado que
elas são “incondicionalmente boas”, mesmo que nós não necessariamente consideremos
seus opostos como totalmente ruins. O autor não perde tempo a nos deixar saber que ele
tem preocupações com transparência – na primeira página do prefácio ele diz, “Hoje a
palavra ‘transparência’ assombra todas as esferas da vida” (vii) em um interessante eco
do Manifesto Comunista. E enquanto assumimos que a sociedade dedicada à
transparência é uma que é aberta e melhor adequada a permitir que sejamos livres, ele
diz que é justamente o oposto. Que nós somente temos tais extremos de transparência
porque falta a nós verdade e que como tal, “A sociedade da transparência não é uma
sociedade da verdade, mas uma sociedade do controle” (vii).
Ele equaciona a virada para a sociedade da transparência com a virada para um
“dispositivo neoliberal – porque este procura forçar ‘tudo para dentro para que seja
transformado em informação” (viii). Isso é interessante porque um dos maiores temas
da teoria econômica neoliberal é que o mercado não realmente é só um meio útil de
distribuição econômica, mas sim um notável processador de informações em que o
valor do dinheiro é a unidade chave da informação que permite conversões de todas as
outras formas de valor. Transparência, então, é essencial para que esse processador de
informação funcione, e, logo, transparência é vista como central para o projeto
neoliberal.
Mas o autor não está interessado em focar somente em teoria econômica, mas
também em como isso se derramou sobre o social e, especificamente, também sobre a
mídia social – o que ele diz “está vindo a se assemelhar, mais e mais, a um panóptico
digital que disciplina e explora o social” (vii). Isso precisa de uma pincelada. O
panóptico era um modelo de prisão concebido por Jeremy Bentham que dispunha
prisioneiros individuais e isolados nas suas celas em uma prisão circular para que
fossem potencialmente observados por um guarda da prisão, mas aquele não podia ser
visto pelos outros prisioneiros. Desse modo, os prisioneiros eram forçados a sempre se
comportar como se estivessem sendo observados e aquele era o ponto porque
eventualmente aquele modo de comportamento se tornaria muito natural. Isto é, os
prisioneiros se tornariam autorregulados. Dizendo que a mídia social é uma forma de
panóptico é dificilmente uma observação nova – entretanto, é importante notar a
diferença aqui entre o modelo original de Bentham (que será explorado mais adiante o
texto), em que se entre por livre e espontânea vontade nessa relação e que o façamos por
nosso próprio livre querer.
Ele termina o prefácio dizendo que “Transparência é uma ideologia. Como todas
as ideologias, ela tem um núcleo positivo que foi mistificado e feito absoluto. O perigo
da transparência reside em tal ideologização. Se totalizado, ele entrega terror.” (viii)
O autor puxa muitas ideias juntas em seu ataque à transparência – uma das mais
surpreendentes, para mim ao menos, foi “linká-la” à pornografia. Como ele diz,
‘pornografia é não-mediata/contato entre a imagem e o olho’ (1-2). E continua até
debater isso com maior profundidade posteriormente – particularmente na relação com
Eros e desejo e, portanto, os limites a esses que a pornografia impõe. Ele então
imediatamente conecta o transparente com dinheiro, visto que esse é o mediador de todo
o valor e oferta e, então, o que faz o valor de todas as coisas transparente a todas as
coisas. Essa transparência infindável não apenas deixa sem lugar a se esconder mas
também sem lugar a se estar. Ele ressalta que ‘Amor sem algo escondido à vista é
pornografia’ (5) e, depois, que psicologia tem há muito tempo argumentado que nossos
“eus” subconscientes estão fundamentalmente escondidos de “nossas” consciências – e
que isso é essencial em vez de uma falha na condição humana, visto que isso se dá em
razão da necessidade pela negatividade (assim como pela positividade) de que sejamos
pessoas “completas”. O problema é que as ciências positivas (e a economia neoliberal
em particular) afasta-se da negatividade e então estamos condenados a um mundo de
positividade transparente. O autor faz o ponto que isso é universal em nossa nova
sociedade, que “diz-se que o Facebook tem consistentemente se recusado a introduzir
um botão de “Dislike.” (7)
Nossa vontade para a positividade (Will to positivity) é interessante, pois é
apresentada também como uma vontade para a verdade – mas ele faz o ponto de que
‘verdade é uma força negativa na medida em que se apresente e se afirma declarando
todo o restante falso’ (8). Em um mundo dominado por ‘fake news’ – em que a verdade
pode ser feita falsa puramente por afirmação pessoal entusiástica, não se pode estar
certo do que fazer com isso.
Nós estamos chegando a ver agora como o autor propõe jogar esse jogo –
transparência é uma metáfora visual, e assim somos postos na natureza das artes visuais
e como elas tem mudado com várias inovações tecnológicas. Qualquer sociedade é
trazida em foco pela tecnologia que produz, e nós vivemos em uma era em que a
imagem é mais central do que já foi em eras passadas. Ele menciona Walter Benjamin –
famos por dizer que fotografia diminui a aura dos trabalhos de artes por fazê-los
ubíquos, no sentido de que é difícil para algo ter uma aura se se está em todos os
lugares, incluindo estar pendurado atrás da porta no toilet das pessoas. Mas até mesmo
hoje nós nos mudamos para além de até mesmo essa natureza profana da imagem na era
da reprodução mecânica – principalmente hoje, as imagens não são mais
mecanicamente reproduzidas, mas, de outro modo, elas são postas como efêmeras em
nossos dispositivos. E as imagens que nós vemos não são somente o melhor do esforço
artístico humano, mas mais freqüentemente são usadas por nós para mostrar nós
mesmos e para documentar nossas vidas de modos que somos colocados na melhor luz
possível. Nós fazemos isso como um meio de coletar “likes” – de novo, uma
superabundância de positividade.

O autor refere-se à história da fotografia aqui para ressaltar seu ponto – dizendo

que houve um tempo em que imagens requeriam uma negatividade (e ele diz isso
bastante literalmente), mas a fotografia digital deu cabo a essa negatividade e a toda
negatividade ao mesmo tempo. Nós nos tornamos imagens e aquelas imagens tornam-se

objetos de troca de forma que seu valor é “medido por seu valor de exibição. A

sociedade da exibição é uma sociedade da pornografia” (11). E o problema com a

pornografia é que ela ‘destrói não apenas o eros, mas também o sexo.” (12) Ele quer

dizer isso porque ele define a obscenidade como “hipervisibilidade” – isso é, ele sente

que a falta de alguma esperança de cobertura mata o eroticismo de modo que tudo o que
sobra é obsceno. Eu penso que ele quer dizer isso no sentido de que a compulsão para
exibir não deixa espaço para que alguém seja outro que uma constante exibição como
dirigida a outro para o prazer do visualizador. Isso não deixa espaço para o ser ou até
mesmo para a “alteridade” (otherness) mais que o imediatamente aparente. Colocar
aquilo talvez tão rasamente, não se pega a profundidade do que é imediatamente e
superficialmente visto. Como ele diz no capítulo próximo, “a negatividade do secreto, o
véu, a ocultação, incitam o desejo e fazem o prazer mais intenso.” (15) e para alongar
mais esse ponto, “desfrute não-mediato, que não admite desvio imaginativo ou
narrativo, é pornográfico.” (16)
Eu, [autor dessa resenha, Trevor], fiquei pensando na história de Diana e
Actaeon nessa parte do livro. Actaeon foi um caçador que se deparou com Diana
enquanto ela se despia. Em vez de se retirar, ele ficou e assistiu-lhe – ele se tornou o
voyeur a assistir pornografia – apenas para ser descoberto e punido (o caçador é caçado
e morto por seus próprios cachorros). Beleza tem seu custo e é velada por uma razão. Se
a beleza precisa de um véu, então o sublime, estando além da representação, é velado
essencial permanentemente. Mas esse velar ou permanente coberto é o muito oposto do

que o capitalismo pretende alcançar – “Capitalismo eleva a pornograficação da

sociedade por exibir tudo como um produto e entrengando isso à hipervisibilidade” (24).

Byung muda, então, seu olhar para a fotografia e tem algumas coisas
interessantes a dizer com respeito a Barthes – particularmente as idéias de Barthes sobre
studium e punctum (basicamente, o studium é a construção da fotografia como uma
imagem – e como ela foi encenada, enquanto o punctum é algo indescritível (elusive) na
imagem que nos prega, pausa-nos e nos força a considerar e refletir sobre). Seu ponto é
que a pornografia não tem punctum e é toda sobre o imediatamente aparente e

certamente não “incomodante” no sentido que Barthes o tem, isto é como tendo uma

‘intensidade semiótica. Eles não têm nada que possa segurar e ferir’ (27). Essa

intensidade semiótica, quando existe, está de modo escondido da plena visão – de fato,
nós talvez não sentimos o perfurar do punctum de uma imagem quando os vimos pela
primeira vez, mas somente apenas quando pararmos de olhar para a imagem, o punctum
se torna um tipo de coceira debaixo da pele que nos diz que fomos arranhados e
infectados. De novo, esse não é o ponto do pornográfico, que, por definição, não deixa
nada escondido, nada a ser adivinhado ou obscuro.
Antes de ler isso eu teria entendido transparência por algo perto de narrativo –
isto é, para algo ser verdadeiramente transparência você precisaria ser capaz de contar
sua história – mas, de novo, Byung argumenta o exato oposto. Ele vê o mundo hoje
como sendo baseado em contar (de contas, counting), e não em recontar. Essa natureza
aditiva de nossa existência (de novo, ligando novamente à noção neoliberal do mundo
como informação) está fora do ritual e cerimônia tradicionais que ‘tem sua própria

temporalidade, seus próprios ritmos e tato’ (30). Ele faz esse ponto em relação às

peregrinações – que requerem uma progressão e força narrativa de modo que ‘ser um

turista’ simplesmente não. Como ele diz, o ‘turista prende-se ao presente’ mas o

peregrino nunca esquece o ponto de sua jornada – todas as jornadas são sobre atingir o
ponto de transcendência, dirigindo um para o fim, algo que o turista nega. E aquela
transcendência está escondida e apenas disponível se a jornada estiver conectada à
narrativa da peregrinação. Como Byung diz em um ponto, os fins somente fazem
sentido se eles estiverem presos a uma narrativa.

Ele ressalta esse ponto além quando ele diz, ‘O mundo hoje não é teatro em

que ações e sentimentos são representados e interpretados, mas um Mercado em


que intimidades são exibidas, vendidas e consumidas. O teatro é um local de

representação, enquanto o Mercado é um local de exibição. ’E para ligar isso

novamente ao temas que nós estabelecemos “A representação teatral de hoje está

se rendendo `_a exibição pornográfica” (34).

O autor faz o mesmo ponto em relação à política e à esfera pública, que


também se tornaram dominadas com os hábitos pessoais e escolhas de políticas
em vez de ações políticas - essa personalização da política desvia a ação política
para (novamente) a exibição e portanto a pornografia também.
O próximo capítulo muda o foco para a Caverna de Platon – mas faz o ponto
que a alegoria da cavern é a um mundo narrativo construído na metáfora do teatro,
literalmente construído como tal, com uma audiência cativa e um show de luz e
sombras. O ponto novamente é o oposto da transparência – para Platon o mundo

da aparência, o mundo que é “transparente” a nós – é um mundo de mentiras. A

verdade está alem desse mundo e está fundamentalmente além de nossa


habilidade de compreende-lo em sua forma ideal, como tal, verdade é o oposto de

transparente. Ou como Han conclui o capitulo dizendo, “Somente o vazio é

inteiramente transparente (40).”


É aqui que o panoptico de Bentham volta com força total. O ponto de que o
panoptico era para disciplinar e nós geralmente assumimos que decretar disciplina
requer um centro – alguém que irá corrigir comportamento inapropriado por
disciplinar. Isso é alguém que dá a punição por infrações. Esse centro não mais
existe – melhor, nós todos somos o centro e nós todos somos auto-disciplinadores.
Nós deliberadamente nos pomos à mostra e assim nós nos tornamos tanto centro
como periferia do panoptico – o observador e o observado. E então, nós
imaginamos, vez que executamos esse ato pornográfico de auto-mostragem / auto-
observação sobre nós mesmos, que deve haver uma expressão de nossa liberdade

e nosso querer. Todavia, “tal vigilância total degrada ‘sociedade transparente’ em

uma inumana sociedade de controle: todos controlam todos” (47). Isto é, enquanto

nós pensamos que estamos sendo auto-criadores (self-creating), estamos de fato


auto-regulando.
Nós vivemos em um mundo de KPIs – e asseguramo-nos de que tudo que
pode ser conhecido pode ser contado e mensurado – mas essa forma de
transparência é realmente pouca mais que outro aspecto da sociedade vigilante
total – e vez que é transparente, tal sociedade é uma em que verdade é impossível.

Verdade é apenas necessário se estamos em um estado “entre conhecer e não-

conhecer” (47) – você não precisar acreditar se você já sabe – mas transparência

significa que você pode saber tudo – “Em vez de afirmar que ‘transparência cria

confiança’, deve-se, de outro modo, dizer ‘transparência desmantela verdade’ (48).

Filósofos há muito apresentaram o caminho para fora do sofrimento da


condição humana – particularmente depois da morte de Deus – como nos
envolvendo em fazer um projeto de nossas vidas. Isso foi verdade a Nitzsche,
Sartre, Foucault – de fato, um dos grandes pedaços de conselho que damos aos

jovens é que no futuro “Um é o mestre e o intérprete de si mesmo” (48). Mas

Byung questiona isso também. Os projetos que escolhemos não estão fora da

liberdade, mas escolhas forças pela ilusão de liberdade em que “A liberdade


ilusória dos consumidores careca de toda negatividade. Elas não mais constituem

um fora que pode questionar o sistema dentro” (49).

Essa é uma visão escura da natureza da transparência – uma tanto mais

aborrecedora vez que transparência parece estar “banhada em luz”. Mas se nós não

temos onde nos esconder, nós não temos onde nos desenvolver.

Você também pode gostar