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Seleção do Amor

S. Evans
Copyright© 2022 S. Evans
1ª Edição
Capa: L.A Designer Editorial
Revisão: Miriã Menezes
Diagramação: S. Evans
 CONTEÚDO ADULTO
Esta obra trata-se de uma ficção. Nomes, personagem e
acontecimentos descritos foram produzidos através da imaginação
da autora. Torna-se mera coincidência fatos que se referem à
realidade.
De acordo com a lei nº 9.610/98, dentro do artigo 184 do código
penal brasileiro, torna-se crime cópia total ou parcial, por quaisquer
meios existentes, sem prévia autorização da autora.
NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE DEZOITO ANOS
Essa obra contém:
Sexo e nudez:  Sexo explícito; indução ao ato sexual; masturbação.
Linguagem: Linguagem imprópria e/ou pejorativa.
ATENÇÃO ALERTA DE GATILHO
Esse livro foi escrito com muito carinho, os temas abordados não
foram aprofundados / descritos graficamente, para que gatilhos não
fossem acionados, no entanto a obra CITA:estupro/estupro marital,
relacionamento tóxico/abusivo (físico e psicológico), assédio e
importunação sexual, bullying, gordofobia, depressão/estado
depressivo, dietas restritivas, e procedimento cirúrgico.
Adendo importante: Durante o texto, haverá questionamento
quanto à existência de divindade. Este livro terá cenas de pegging e
seus derivados (como a penetração anal masculina com dedos) e
cenas em casa de swing.
Edição Digital | Criado no Brasil
Índice
 
 
Índice

Nota da autora

Playlists

Dedicatória

Epígrafe

Prólogo

1- Big Bang

2- Trabalho de campo

3- Universo oscilante

4- Homo de outra era

5- Deriva continental

6- Orientação teórica

7- Empata coito

8- Metodologia

9- Biotipos

10- Sinapses

11- A tese

12- Eclosão de relação

13- Seleção sexual

14- Hipóteses

15- Estatísticas negativas devem ser relatadas na pesquisa

16- Aranha-marrom salva relacionamento dado ao fracasso, diz o estudo

17- Cuidados parentais no Reino Animalia, classe mammalia

18- Estudos apontam que quando só tem uma cama, algo acontece entre os envolvidos.
Fonte: Não precisa
19- Amaral; Thompson, 2022

20- Em prol da ciência

21- I love biology

22- Necessidade fisiológicas

23- Aula prática

24- Dois corpos ocupam o mesmo lugar no espaço

25- Eu, macrófago

26- Atos de acasalamento

27- Homo machucadus

28- Homo quebradus

29- Aulas inaugurais

30- Introdução à matéria

31- Teoria da relatividade

32- Um dia no museu

33- Extinção do cretáceo-paleógeno

34- Metodologias de despedidas

35- A antropologia adverte: a palavra "saudade" deveria existir em inglês

36- 0,2% de erros estatísticos

37- A realidade comprova a margem de erro. Fonte: Eu

38- A terra não é plana

39- Falha na física aerodinâmica

Epílogo

De: Loren Thompson, para: Nicolas Amaral

Agradecimentos

Sobre a autora

Vem aí
 
 
Esse é um livro soft.
Diferente dos outros trabalhos que vocês conhecem, aqui temos um
amor descomplicado, sem um grande plot por trás do passado das
personagens.
Talvez o grande plot desse livro seja realmente o amor.
O amor sem grandes dramas, sem grandes complicações, sem
amarras, sem ex-loucos que voltam para destruir o casal, sem
psicopatas e tramas políticas.
Trago aqui o amor em sua forma mais clara, leve, sucinta e real.
No entanto, pessoas têm passados, e eles nem sempre são bonitos,
então deixo aqui um pequeno alerta:
Loren teve uma antiga e longa relação abusiva/tóxica, em que o
ápice para o divórcio foi um estupro marital, a cena não é gráfica,
mas existe essa narrativa no texto, e se você for sensível ao tema,
peço que não prossiga. Sua saúde mental vale mais do que um
entretenimento.
Nicolas é uma personagem jovem, de vinte e quatro anos,
inicialmente, que passou, há pouco tempo, pelo que muitos
consideram a pior parte da vida: a adolescência — ( A Organização
Mundial da Saúde, OMS, considera adolescentes pessoas com
idade cronológica até os dezenove anos). Alguns momentos
passados por ele neste período, como: o bullying, a gordofobia e
consequentemente uma depressão/estado depressivo, são narrados
em texto livre. Fica aqui então o meu alerta quanto à sensibilidade
nesses assuntos.
O Nicolas é CIENTISTA, então ele acredita na CIÊNCIA, haverá no
texto questionamentos sobre a existência de alguma Divindade. Se
esse for um assunto delicado para você, peço que não prossiga
nesse enredo, tenho outros livros disponíveis na Amazon que
possam te interessar.
Gostaria também de deixar claro que as personagens possuem
gatilhos e que algumas situações podem despertá-los. O que para
você é só uma fala/atitude considerada comum, para eles, pode
abrir uma gama de sentimentos ou sofrimentos vistos como
exagerados para as pessoas que não os têm, então peço um pouco
de empatia.
Antes de prosseguir, gostaria também de comentar algumas coisas.
Neste livro você encontrará cenas de sexo, para maiores de 18
anos, com inversão de papéis, se você não gosta desse tipo de
cena, eu entendo e deixo disponível em minha página na Amazon
outros livros que talvez lhe interesse.
Todos assuntos abordados neste livro são baseados em
informações científicas, empatia e um pouco de licença poética.
Se prosseguir com a leitura, espero que se apaixone por Nicolas e
Loren!
E se no fim lhe for conveniente, deixe sua avaliação na Amazon.
Boa leitura!
Com amor,
S.
Essa obra contém duas playlists, uma nacional e uma internacional,

ambas disponíveis em plataforma digital, para acessá-las basta


clicar acima.
Se alguém, ainda que seja você mesmo,
algum dia duvidar da sua capacidade de fazer algo…
Simplesmente faça.Você é grande, só não descobriu.
Até que o momento chegue.
S.E.
 
Para meu irmão, você ainda achará o amor da sua vida e viverá um

romance digno dessas páginas, independente se a balança tem dois


ou três dígitos antes da vírgula.
Te amo.
S.
É que pra você é só ciúme
Mas, isso é doença e você não assume
Seu amor é mal acostumado a gritar e proibir
Você não manda em mim
Eu sei aonde eu devo ir
Eu sei o que eu posso vestir
Se tudo o que eu faço te incomoda
Você sabe o caminho da porta
Se um dia eu mudar pra te agradar
Eu juro que eu troco o meu nome
Quer me ensinar a ser mulher
Primeiro aprende a ser homem
Maiara & Maraisa e Marília Mendonça.
Loren Thompson
 
Londres, Inglaterra, Novembro de 2022.
Aeroporto Heathrow.
 
Olho para o painel do aeroporto pelo que me parece ser a
milésima vez nas últimas duas horas e confiro se o voo dele já
pousou. 
A nevasca, nada habitual para novembro, resolveu fazer
morada em Londres logo agora. 
Acalme-se, Loren, está se comportando como uma menina
de colegial! — ralho comigo mesma. 
Confirmo — de novo — no celular a foto que ele enviou há
mais de quinze horas.
O avião pousou há cinquenta minutos — depois de duas
horas de atraso.
Será que ele desistiu e não quis avisar? 
A mínima possibilidade faz meu coração disparar. 
Por que sempre levo as coisas para o pior cenário possível?
Céus! Que horror. Eu já deveria a essa altura da terapia ter me
abstido disso. 
Eu mesma demorei o dobro de tempo para chegar aqui hoje. 
Minha segunda xícara de café descafeinado parece zombar
de mim. Na verdade, tudo vinha zombando de mim nos três últimos
meses. 
Revivendo todo o ano de 2022, parece que foi o tempo  todo
assim.  
Eu, aos trinta e seis anos, depois de todas as coisas às quais
me submeti, nunca imaginei a vida que estou prestes a seguir.
A quem eu quero enganar? Dos dezenove anos até agora,
jamais imaginei viver tudo o que aconteceu. 
Abaixo a minha cabeça no tampo frio da mesa tentando
minimizar a náusea que me toma de repente. 
Lembro-me brevemente do motivo de eu não beber mais café
pelas manhãs, mesmo  sendo viciada nisso. Possivelmente isso
persistirá até o fim da quadragésima semana, de acordo com a
médica. 
Merda, odeio sentir azia. 
Olho o celular e confirmo: uma hora desde que o voo vindo
de São Paulo pousou aqui. 
Respiro fundo ponderando ir para casa. Mas me lembro que
nós dois somos péssimos com aeroportos. 
Minhas pernas balançam inconscientemente no apoio do
banco da cafeteria. Sinto-me tentada a olhar as horas — de novo —,
mas antes que eu faça, a tela do meu celular acende, e seu rosto
bonito desponta em uma mensagem de voz. 
É agora que ele diz que achou melhor as coisas continuarem
como estão? 
Levanto o aparelho celular ao apertar o play, e sua voz calma
e calorosa, em um português que eu aprendi a amar também, faz
com que as borboletas se agitem em meu estômago e piorem a
minha azia. 
— Oi, meu Pãozinho de queijo, eu jurava que era impossível
você ficar mais bonita do que no dia que te conheci, mas… porra,
Loren, você está gostosa pra cacete! — Sinto minhas bochechas
corarem, e as orelhas esquentarem. — Depois que você corar,
como sei que fará, tem como vir aqui me dar um abraço e um beijo?
Eu estou morrendo de saudades de vocês. — Viro-me para trás, e
vejo-o parado de braços cruzados, boné e com o seu melhor sorriso
me observando. 
Sinto meu coração disparar e, ao mesmo tempo que eu quero
correr e me jogar em seus braços, minhas pernas paralisam. 
Percebendo minha falta de aptidão física momentânea, ele
gargalha e adentra a cafeteria. Sem nem uma palavra, sinto seus
lábios gelados tocarem os meus e, antes que eu pense, sua língua
ávida invade a minha boca e busca a minha para a dele. 
Tem sabor de lar. 
Finalmente.
Felicidade.
Nicolas Amaral
Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil, Abril de 2022.
 
Solto um assobio alto quando vejo Saulo, meu aluno do
primeiro ano de Ciências Biológicas, zanzando pelo corredor do
ICB[1]. Ele olha para trás e vem até mim.
— Fala, fessor, cê tá bão? Qual a boa do findi? — Ele levanta
o punho esperando que bata de volta.
Eu tento,  juro que tento, não ser amigo — colega, amigo é
uma palavra muito forte — dos meus alunos. Mas, como dizia
Charles Darwin, “as amizades de um homem são uma das melhores
medidas de seu valor”. Sem contar que isso se torna impossível
quando eles, por volta dos dezessete/dezenove anos, me veem
fisicamente como um  amigo, ou irmão mais velho.
Além de eu ser o professor mais novo dentro do corpo
docente da UFOP[2], ainda existe a questão de dar aulas usando
metodologias ativas como estratégia de ensino, o que claramente
aproxima os alunos de mim e aumenta a nota de desempenho do
meu departamento em mais ou menos 3,2 pontos percentuais.
— Você sabe que hoje é quinta ainda, certo?
— Uai[3]… Tem festa lá na sua república hoje. — Difícil o dia
que eles não acham uma festa para ir.
A “República dos Inconfidentes” é uma das mais tradicionais
da cidade, e quando digo tradicional, não é só por idade
cronológica, e os grandes nomes formados pela universidade que
residiram nela, as festas acontecem quase que regularmente, e a
fama está atrelada mais a essa questão do que às primeiras citadas.
De segunda à tarde até quinta à tarde, é nela que eu resido.
Já aos fins de semana,  volto à capital, para minha residência fixa.
Às vezes eu costumo participar de uma festa ou outra, o que
favorece a intimidade dos meus alunos comigo, pois, sempre,
SEMPRE, encontro um deles perdido por lá.
Além de ministrar aulas em uma universidade particular às
sextas à noite e segundas, pela manhã, no sábado que não
acompanho algum aluno de TCC[4] ou mestrado, estou envolvido
com as coisas do Museu de Ciências Naturais até as 17h.
Em paralelo a isso, vou escrevendo minha própria tese de
doutorado. Às vezes me sobram os domingos — quando não há
notas para lançar, trabalhos e provas para corrigir, e chamados no
sistema das universidades que aguardam minha resolução.
Por mais que eu tenha adaptado a forma de ministrar aulas,
ainda preciso me encaixar no cronograma de distribuição de pontos
obrigatórios das instituições.
A educação ainda é muito engessada no Brasil. 
— Eu sei, mas hoje estou indo para BH[5], assim que terminar
a aula de vocês. Como vou toda quinta-feira. Aliás, eu assobiei para
você pedir a turma para ajeitar a sala que já estou indo, vou só
encher a garrafinha. — Lembro-me que são 2,5l por dia e, até
agora,  mal bebi uma garrafinha de 500ml. Não segui minha dieta
hoje e nem tomei meu remédio no horário. Um dia caótico para
Nicolas Amaral.
— Deixa comigo, Nikinho! Vou ganhar pontos extras? — Olho
para cara dele que ri, e toma seu rumo para a sala de aula.
Minha última aula nessa instituição hoje é em matéria
obrigatória, História e Filosofia da Ciência, uma disciplina que pode
ser muito maçante, como foi quando eu era aluno.
Basicamente devo introduzir o nome de grandes benfeitores
da área científica, sua principal contribução, e os efeitos dessa.
Por exemplo, na semana passada discutimos sobre Charles
Darwin, o exímio naturalista que cedeu ao mundo a teoria da
Evolução das Espécies por Seleção Natural, que, mesmo defendida
por ele no século XIX, ainda persiste até hoje e está aí o tema que
eu mais gosto de trabalhar, e é a base do meu doutorado.
Evolução biológica.  
E é isso que  devo levar aos alunos: O nome, quem foi, o que
fez e se o trabalho dessa pessoa ainda é validado ou não nos dias
de hoje pela academia.
Sorrio ao entrar e vê-los em círculo, a forma como gosto de
ministrar a aula, com a minha cadeira  entre as deles, geralmente do
lado esquerdo, no meio, de onde tenho visão de todos, e com as
cortinas já fechadas.
— Boa tarde! — digo ao entrar e recebo um cumprimento em
coro.
Coloco a minha mochila na mesa, retiro meu projetor 180°
dela — sim, eu sou o profissional que investe o próprio salário em
material didático, não sou o primeiro e nem último professor a fazer
isso — coloco-o centralizado no chão da sala, no centro do círculo,
e o ligo. Sento-me em meu lugar, e o aluno mais próximo do
interruptor desliga-o. Abro meu notebook e acesso o arquivo que
preparei para a aula de hoje.
— Qual o fodão de hoje? — Júlia pergunta e arranca risadas
da turma. O bordão pegou desde que, no primeiro dia de aula do
semestre, eu iniciei a disciplina falando que  daria aula sobre os
“fodões” da ciência. Abro o arquivo e projeto a apresentação em
toda a sala.
— O fodido de hoje se chama: Carl Nilsson Linnaeus, ou
Carlos Lineu para os íntimos. — Eles riem — Esse carinha é de
origem sueca e, não conformado em ser médico, também era
botânico e zoólogo. E como se isso fosse pouca coisa, esse é o
homem considerado Pai da taxonomia[6] moderna. — Coloco a foto
escolhida para projetar.
— Moderna há quase trezentos anos. O sistema de
nomenclatura e classificação dos seres vivos persiste até hoje nas
ciências que gozam da nomeação desses indivíduos. Lineu foi a
pessoa que popularizou o uso de "nomenclatura binominal”. Todos
os seres devem ser classificados por dois nomes — troco a foto
projetada, ilustrando o que estou falando.
“O primeiro nome refere-se ao gênero que o ser pertence, e é
escrito sempre em letra maiúscula. Já o segundo nome é um epíteto
específico, e esse pode estar relacionado a uma característica física
ou comportamental, às vezes tem a ver com a área geográfica  que
ele foi descoberto, e há aqueles que são homenagem a uma
situação, ou pessoa. — E isso, para mim, é o maior ultraje da
história científica.
“Como a mosca: Scaptia beyoncea, ou mosca Beyoncé,
como é conhecida. — Todos riem quando projeto a mosca na sala.
— Foi catalogada em 2012 na Austrália, e recebeu esse nome, pois,
de acordo com o cientista que a descobriu, a cor
predominantemente dourada em seu abdômen lembra a roupa da
artista no clipe da música Bootylicious. O nome científico sempre
deverá ser redigido em itálico, e se for escrito a mão deve estar
sublinhado.” — Vejo Saulo levantando a mão, e já espero a bomba.
Mudo a foto da projeção e lhe dou a palavra.
— Na prova, se eu escrever errado…
— É zero, Saulo.
— O risco deve ser um por palavra ou um direto? — Jully
pergunta à minha esquerda.
— Cada palavra deve ter seu próprio sublinhado. Dúvidas? —
Eles permanecem calados. — Continuando, o nome é sempre
escrito em latim, pois é uma língua extinta, que não sofrerá
alteração temporal. Quando a palavra não existe em latim, como é o
caso da nossa amiga Beyoncé, a palavra é escrita latinizada. Essa
regra foi criada para que espécies já descritas no mundo não
fossem descritas em duplicidade e… — ouço baterem à porta.
O ódio me define.
Eu posso ter vinte e quatro anos, mas algumas coisas
poderiam claramente me descrever como obsoleto. Por exemplo,
interrupções em sala de aula.
Tudo piora quando é Quésia quem aparece nela.
— Professor, boa tarde, interrompo? — Fazendo-se de sonsa
como sempre…travo o maxilar, e respiro fundo.
Imagina, eu estava aqui batendo um papo… É o que tenho
vontade de responder.
Eu tento ser legal com Quésia, juro, mesmo depois de tudo,
mas não dá. É impressionante como ela consegue chegar até mim
como se nada tivesse acontecido.
Nicolas… Passaram-se anos.
Foda-se!
Se ela sente-se no direito de impor a mim sua figura, posso
ser mal-educado.
— Sim, mas agora você já começou… — Quésia arranha a
garganta, os alunos olham para nós, como em um faroeste, pois não
estão acostumados com atitudes desse tipo vindas de mim.
Sou o cara que está na “de fora”[7] no futebol, o da carona de
quinta e segunda, não o professor museu, aquele que é velho e não
evolui. Fico no aguardo que ela prossiga e eu volte à aula.
— O doutor Bruno está solicitando que vá até o gabinete dele
— ela finalmente prossegue.
Bruno é meu orientador. Seu PhD conquistado na Argentina,
quando ele participou de uma escavação dos fósseis de mamíferos
na Patagônia, que viveram na era Cenozóica há mais ou menos 65
milhões de anos, é um marco que a instituição não quer perder.
Com Bruno é ótimo tomar uma cerveja, mas quando se trata
de sala de aula, eu e seus outros três orientandos assumimos todas
as suas cargas horárias, para além da nossa. Como a matéria de
Anatomia Animal Comparada, que leciono no sexto período da
manhã na turma de Biologia e Medicina Veterinária.
— Minha aula termina em trinta e cinco minutos.
— Ele disse ser urgente. — Nunca é urgente.
— O ICB está pegando fogo?
— Não…
— Então encontro o Bruno em trinta e cinco minutos, se você
me atrasar, eu atraso mais. — Sem muita opção, ela concorda e
fecha a porta. — Onde parei?

— Pediu para me chamar, Bruno? — Paro na porta aberta, e


ele que está em cima de uma lupa eletrônica, pede que entre e
feche a porta.
— Você está indo a Belo Horizonte hoje?
— Sim, tenho aula e orientandos.
— Eu queria te pedir um favor… — Ele não quer um favor,
quer me explorar, como quase sempre acontece.
Quando preenchemos o formulário do mestrado ou
doutorado, é pedido tantos pré-requisitos, como uma segunda
língua, um artigo publicado — no mínimo —, uma proposta de
hipótese coesa e inovadora, que seja diferente de todas as outras
solicitações que estão dispostas na mesa do orientador escolhido,
que não sabemos quais são, pois convenhamos... Quantas pessoas
fazem prova para um mestrado ou doutorado? Chega a ser
centenas.
Mas depois de tudo isso, não imaginei que seria reduzido a
uma secretária de luxo do meu orientador, um tapa buraco para
cumprir a agenda de aulas que ele não quer dar ou simplesmente
levar um café, “por favor”.
Eu fico aguardando a bomba.
— …O André — o esposo dele, que é um grandão no
departamento de história e reitor da UFOP — tem uma amiga na
Inglaterra. Ela trabalha em uma instituição lá, e sua aluna de
mestrado está vindo para Minas Gerais fazer uma parte da tese dela
aqui. Mas ele está em um congresso e só chegará na segunda à
noite… Poderia quebrar essa para mim e buscá-la no aeroporto? —
Eu fico olhando-o esperando que ele ria, pois só pode ser uma
piada. Porém ele não ri.
— É sério isso? — pergunto e logo recordo-me quem é o
marido dele.
— Sim, ela descerá em Confins[8]. — Completamente fora da
rota, puta que pariu. — Deve chegar por volta de 13h.
— Bruno, tenho que dar aula aqui às 14h.
— Eu dou essa aula. Nada que não consigo resolver.
Fechado? Vai ser ótimo, você sabe que a segunda língua do André
é espanhol — não, eu não sei — e a moça é inglesa, não sei se ela
compreende qualquer coisa além do inglês, sabe como eles são
pomposos e… — Durante todos esses anos com ele, não é a
primeira vez em que ouço esse tipo de comentário dele, qualquer
dia desses prevejo um processo por isso. — Ela se chama Loren
Thompson, mas sabe que eles se tratam pelo sobrenome e …
  — Bruno, podemos tratar isso por mensagem? Você me
manda todos os dados, minhas caronas estão esperando. —
Discutir é inútil.
— Você é o meu menino! Muito obrigado por isso! — A
vontade que tenho de falar que não foi por opção é grande, mas
sorrio e saio do seu gabinete.
— Nicolas! — Escuto meu nome e paro — Oi! Quanto tempo!
— Daniela, não faz tanto tempo assim… — Ela coloca a mão
em meu tórax, deslizando para o abdômen e eu a detenho. — Você
está doida? — Dani é aluna da universidade e está se formando
nesse semestre e sim durante sua graduação dei aula para ela em
algum momento.
E sim,  transei com ela, depois que fui seu professor, em uma
festa qualquer em que nos esbarramos.
Não só com ela.
Para isso funcionar me impus algumas regras quanto a ficar
com as alunas.
Primeiro, não ficar com as dos três primeiros semestres, em
que elas têm entre dezoito e dezenove anos. Elas se apaixonam, se
iludem e aí acontece exatamente o que eu mais detesto: escândalos
e atenção voltada para mim.
Segundo, não posso dar aulas para elas no momento, pois
existe limite até para a canalhice, posso ter dado aula em algum
período e se, no futuro vier a ser seu professor, irei tratá-la como
qualquer outra aluna matriculada na matéria. E caso ela acredite em
um remember, deixo claro que não funciona desse jeito e que, em
seis meses, se for do interesse de ambos, poderemos fazer
acontecer. Depois do fechamento do período, claro. 
Por isso prefiro aquelas que têm mais de vinte anos, pois já
estão batizadas na faculdade, estão buscando sexo e não pontos ou
favores acadêmicos.
— Calma aí, Alazão. — Não gosto desse apelido. Mas um dia
Dani encontrou comigo em um bar na capital, estava com Cadu —
meu melhor amigo — e é assim que ele me chama, as vezes. Ela
escutou, e agora só me chama assim quando estamos sozinhos. —
Vim saber se tem uma vaga no seu carro para uma velha amiga…
— Desculpe, Dani, está cheio… Mas eu sei que o Theo tem
vaga. — O sistema de carona funciona muito bem em Minas Gerais.
É comum que os alunos ou colaboradores vão ou voltem a BH aos
fins de semana. E como estou aqui desde os dezesseis anos, sou
um usuário frequente dele. Antes eu o usava, e quando tirei carteira
de motorista aos dezoito anos e ganhei um carro dos meus pais,
comecei a fornecer caronas.
— O Theo não chupa como você… E olha que já
experimentei a dele mais de uma vez. — Theo é outro doutorando
no meu departamento, mas já tem quase trinta anos. Daniela é bem
resolvida quanto a sua sexualidade, e não esconde isso de
ninguém, seja ele íntimo ou não.
— Achei que você queria uma carona…
— Quem sabe um replay também…
— A carona eu vou ficar devendo, o replay você tem meu
número… Estarei livre o fim de semana, depois das 17h do sábado.
— Considere marcado! Te confirmo por mensagem. — A
danada se estica e me deixa um selinho. Safada. Gostosa, safada.
— Booooora, fessor! Mozão tá esperando na rodoviária. —
Henrique, uma das minhas caronas de hoje, e um “amigo” também
quando estou aqui, grita pela janela do meu carro.

— …E foi assim que eu fiquei de babá de uma desconhecida.


— Termino de resumir minha semana para Carlos Eduardo, ou
Cadu, como ele exige ser chamado, pois segundo ele Carlos para
um cara de vinte e oito anos é um ultraje, mesmo que esteja
homenageando o avô materno. Ele diz que se sente velho. Cadu é
médico veterinário, recém-formado e atualmente está trabalhando
em uma clínica próxima a sua casa.
— Às vezes ela é uma gostosa e você está reclamando…
— Se ela for gostosa, ela já tem trinta e seis anos, quais as
minhas chances?
— Não posso julgar isso, não a conhecemos ainda.
— Pois eu digo que são bem baixas. Analise comigo, trinta e
seis anos, no programa de mestrado… Teoricamente algo
aconteceu para ela ter abdicado os estudos… Eu chuto:
relacionamento.
— Você tem que se lembrar que geralmente as pessoas não
são como você: o crânio ambulante, que provavelmente terá um
título de doutorado aos vinte e cinco. Eu mesmo tenho vinte e oito,
quase vinte e nove, e sou recém-formado. Se temos alguém
estranho aqui é você. — Ele estica a mão e sacode meus cabelos.
— Eu sei, não me enche. — Empurro sua mão — Por que
estamos discutindo sobre a possibilidade de eu desejar uma
estranha, que nem conhecemos?
— Porque você é você, e estamos jogando conversa fora. —
Ele dá de ombros.
— Enfim,o Bruno mandou hoje o nome completo, idade e
dados do voo.
— Nenhuma característica física?
— Não, vou ficar segurando uma placa ridícula, como
naqueles filmes clichês.
— Você está ficando reclamão e velho como aquela pilha de
ossos que você anda estudando. Sabe o que eu acho? — Cadu e
suas mudanças drásticas de assunto, senhoras e senhores.
— O quê? — Ele aponta para a sala de vidro acima de nós e
sorri.
— Cara, a gente está na The Jungle, podemos aproveitar
isso? Podemos dividir hoje… — The Jungle é uma famosa casa de
swing em Belo Horizonte. Cadu e eu frequentamos aqui há alguns
anos. Ele me apresentou a casa quando nos conhecemos, eu tinha
dezenove anos na época, já Cadu conheceu aqui com uma mulher
mais velha que ele teve um affair, quando  tinha uns vinte  anos. É
um paraíso de bocetas. — Vamos lá… Você está estressado, eu
cansado… Vai ser bom.
— Tudo bem… Uma ou duas? — Pela primeira vez na noite,
levanto meus olhos além da cerveja, e comida depositada no balcão
que estamos debruçados.
— Tsc, tsc, tsc… — Ele olha para a direita e sorri — Três…
— ele sutilmente aponta para duas moças que estão se pegando
sem pudor algum, em um sofá no canto, e uma mulher sentada à
mesa em frente a elas, as olhando enquanto se masturba.
Nicolas Amaral
The Jungle funciona por sistema de pulseirinhas, como a
maioria desses ambientes. Quando chegamos hoje, usávamos
pulseiras brancas, é como se disséssemos : estamos de voyeur, ou
viemos beber uma cerveja e comer, o que era a ideia principal.
O clube é um espaço privado e seguro. Nós pagamos uma
taxa por mês para frequentar, e nossos exames de saúde sexual
devem estar em dia.
A única forma de uma pessoa frequentar aqui, ou é se
associando, ou com um convite. Pessoas de convite só podem
transar com a pessoa que as convidou, ou podem assistir às cenas
públicas, beber uma ótima cerveja artesanal e comer uns petiscos
maravilhosos que vendem aqui.
As pulseiras colocadas no braço direito definiam nossa
orientação sexual, as do lado esquerdo, o que estamos buscando
ali.
As moças que Cadu quer passar a noite, são bissexuais e
adeptas a swinger.
— Vamos lá, Alazão, regras básicas…
— Cadu, não começa vai.
— “Não começa”? Cara, da última vez você parou no meio,
Nikinho, NO MEIO, da nossa suruba, porque a moça não sabia o
que significava sua tatuagem no braço, então por favor…
— Bases nitrogenadas são o princípio da vida, e as pessoas
deveriam…
— É isso, porra, não vamos falar disso. Hoje você já bateu o
seu ponto, eu também. Não banque o professor de ciências neste
momento. Agora é a hora de foder gostoso, então…
— Mas sinto mais tesão quando a pessoa é inteligente, o que
posso fazer?
— Você pode usar sua boquinha linda, de sorriso travesso,
esse seu cérebro gigante, e pegar todas as informações biológicas
arquivadas nele, dar vários orgasmos àquele trio lindo de moças e
teremos uma noite maravilhosa. Combinados? — Cadu, em alguns
momentos fazia a vez do meu pai, do meu pai da putaria no caso.
— Combinado. — Ele é bem heterotop.
Eu não estou mentindo. Muito me admira ele ser veterinário,
e amar trabalhar com animais de grande porte, os quais
consequentemente as excretas são gigantes e fedem mais do que a
maioria.
Quando eu digo que ele é heterotop, é a um nível de
perguntar ao garçom o que as moças estavam bebendo, e pagar
uma bebida para cada uma delas.
Mas ele é um cara legal. Muito legal.
Tem o coração mais bondoso que eu já conheci. Nunca o vi
sendo grosseiro ou arrogante com ninguém. Ele sempre pode ajudar
e adora fazer amizades.
O heterotopismo — essa palavra existe?— está no estilo de
vestimenta, o sorriso, nas cantadas, os status das redes sociais e
como ele dirige seu carro… E eu acho que só.
Para meu amigo, assim como para mim, não é não, sempre.
Não temos problemas em só sentar e beber uma cerveja, jogar
conversa fora, e em broxar.
Já aconteceu, e não vai ser a última vez.
— Boa noite, meninas, será que podemos desfrutar da
companhia de vocês? — As duas moças que estavam se pegando
muito, estão coradas e sorriem, a que estava sentada na mesa, está
arfante, mas é igualmente receptiva.
O garçom traz nossas bebidas, e começamos a conversar.
Papo vai, papo vem, e Cadu já está inserido no meio das
duas morenas, que descobrimos chamar Cinthia e Luíza. A mulher,
que participava somente vendo a cena, ainda permanece sentada à
mesa, com nenhuma roupa, ostenta uma pele negra acetinada,
belos cabelos cacheados e um sorriso lindo, e se apresentou como
Mel.
— Bela tatuagem — ela fala em algum momento, pelo canto
dos olhos, vejo Cadu coçar a sua testa.
— Obrigado. São…
— Bases nitrogenadas. Participei de um projeto de replicação
de genes, eu sou médica e… — Eu não sei, juro, mas quando 
percebo que a pessoa tem o mínimo de papo além do famigerado
jogar conversa fora, ela tem o patamar elevado em minha
concepção. E parece que meus ouvidos têm conexão direta com
meu pau, pois sinto-o endurecer mais. Instantâneamente.
E não precisa ser conhecimento em minha área acadêmica, é
qualquer área. Às vezes quando o lugar também induz o
conhecimento, como bibliotecas ou museus, por exemplo, minha
excitação corre solta.
Descobrimos que Cinthia e Luíza trabalham com Mel, uma é
pediatra e a outra é biomédica. Brincamos sobre formar ali na mesa
o clube do jaleco, e minha imaginação que já corre solta há algum
tempo, só visualiza as três com as vestes do trabalho e mais nada.
Não sei em que momento acontece, mas de repente entre as
falas delas sobre estudo para vacinas contra a dengue, uma língua
quente com sabor de vodka com alguma coisa doce me invade, e
retribuo o beijo de Luíza.
Sinto um peso em meu colo, e trata-se dos pés de Mel que
passam a me acariciar ainda vestido. Meu pau gosta bastante da
atenção e se alegra mais sob seus pés. Uma terceira língua se junta
a minha e a de Luíza, em um beijo triplo e quente.
Minha camisa vai parar em algum lugar, e não sei em qual
momento minha calça foi tirada, mas meu pau saltou feliz entre as
duas, que passam a se beijar em minha frente.
Seus seios se tocam, e sugo-os de lado, tomando os dois
mamilos para mim, subindo e descendo minha língua entre eles.
Minhas mãos rumam para o meio das pernas de ambas, e passo a
tocá-las simultaneamente, elas se soltam do beijo, gemendo.  
Mel se senta em minha coxa, e pede que Luíza faça o
mesmo. Cada uma começa a esfregar a boceta quente e excitada
em mim, e sinto dois toques diferentes em meu pau, masturbando-o.
A diferença entre a força e a precisão do toque elevam minha
excitação. Minha cabeça é puxada para trás, e tomada ferozmente
por Mel, enquanto Luíza defere mordidinhas e lambidas em meu
pescoço e peito, até ela tomar meu mamilo em sua boca e sugá-lo.
Meu pau, que ainda recebe o toque duplo, está tão em êxtase
quanto eu, e prestes a gozar, perco o contato com a gostosa da Mel,
que foi pega por Cadu, e quero mandá-lo se foder.
Mal tenho tempo de raciocinar, pois Cinthia se senta na
mesa, e abre as pernas, como um convite.
E se tem algo que eu gosto mais do que gozar, é fazer
alguém gozar, se estremecer sob o meu toque, e chamar meu nome
quando atinge o clímax.
— Senta na cara dela, Lu — peço a única moça que ainda se
esfrega em minha coxa e acaricia meu pau. Luíza sorri safada e faz
o que eu peço.
Chamo-a com o dedo, e juntos começamos a chupar Cinthia
que geme e passa a chupar a amiga que está em cima dela.
Ora minha língua se encontra com a de Lu, e nos beijamos
sobre o clitóris de Cinthia.
Sorrio, embevecido pelo momento compartilhado com elas, e
introduzo um dedo em sua boceta molhada, curvando-o, acariciando
o comecinho da sua vagina na parte posterior, e acaricio o pequeno
ponto, esfregando o dedo para frente e para trás.
Cinthia ergue os quadris e geme.
— Isso parece estar muito bom, quero a sua chupada
também — Luíza sussurra em meu ouvido, e sinto-me arrepiar. —
Amiga, minha vez — ela sorri, e a amiga chia aborrecida, mas
levanta-se.
Quando penso que ela irá sentar sobre a amiga, ela apoia-se
ao meu lado e passa a me chupar.
Esse é o melhor dia da minha vida!
Olho para cima, e vejo que Lu começou a chupar Cadu, que
alegremente está chupando Mel, e essa se delicia com a amiga que
está me chupando.
Sinto minhas coxas se arrepiarem, e minhas bolas se
contraírem. A adrenalina percorre o meu pau, e só quero gozar, mas
sou negado de novo.
Vejo Cadu também confuso quando elas param. Antes de nos
perguntar alguma coisa, Mel sorri perversa, e nos olha.
— Vocês só vão gozar, quando nós quisermos… E vamos
fazer isso quicando gostoso em vocês. — Engulo em seco, o sorriso
safado de Cadu denuncia que ele amou essa ideia.
Ele me passa um preservativo que tira da sua calça jogada
no chão há algum tempo e, poucos segundos é o que basta para
Cadu e eu estarmos sentados lado a lado, Mel cavalgado em mim
de costas, Cinthia faz o mesmo em Cadu, e então as duas comem a
amiga deitada sobre a mesa, com bocas e dedos.
Lu geme alto, e consigo ver algumas pessoas interrompendo
seus momentos no bar para nos ver em ação, deve ser uma cena
digna de se observar.
Algumas pessoas nos usam como estimulante para
masturbação, mas ninguém chega querendo participar do que está
acontecendo na mesa seis da selva hoje.
Cinthia se estica para trás e toma a boca de Cadu banhada
da boceta de Lu.
Eu estico minhas mãos e aperto os seios de Mel,  ela rebola
gostoso em meu pau, mas de forma alguma para de chupar e dedar
a amiga à sua disposição.
Não sei qual o orgasmo começa primeiro, mas após alguém
começar, sinto minhas bolas pulsarem, e encho a boceta de Mel
com a minha porra, e sinto-a se fechando em minha volta
diminuindo seu deslizar em mim.
Se eu fui triste um dia, não me lembro.
 
Loren Thompson
Londres, Inglaterra, abril de 2022.
— No três! — Emma segura o copo de shot e derrama no
umbigo do stripper deitado no balcão do Magic Mike. — Loren, esse
body shot é seu! — Ela me puxa para que eu me aproxime do
rapaz. — Um! … Dois! … Três!!! — Abaixo-me, lambo o sal próximo
a sua cueca, tomo a tequila em seu umbigo e chupo o limão em sua
boca.
— Uhuuuuuuu! — Não sei de onde vem os gritos, mas, desde
que concordei com essa despedida, deixei de me importar com
qualquer coisa que Emma me propunha.
Emma Thompson é a minha prima, mas esse codinome de
parentesco familiar não faz jus a sua ocupação em minha vida.
Como chamar uma pessoa que recolheu todos os seus cacos
no chão, te deu casa, comida, terapia e ainda cuida de todas as
suas recaídas?
Anjo da Guarda seria o nome mais apropriado para chamá-la.
Emma e eu fomos criadas juntas e, mesmo eu sendo a mais
velha, era sempre ela quem cuidava de mim, desde a infância.
Nossas mães são irmãs e, por um acaso do destino, nossos
pais são primos de um grau distante. O primeiro encontro de seus
pais foi no casamento dos meus pais; tio Dilan se encantou por tia
Mary, simple assim. Como se não bastasse a vida toda juntas,
decidiram que seria uma ótima ideia, após o casamento, morarem
no mesmo andar, do mesmo prédio, uma em frente a outra.
Ainda bem que decidiram isso.
O resultado foi criarem as filhas, únicas, tão próximas quanto
elas são uma da outra. E assim, predestinada, foi a minha
irmandade com Emma.
E o que mais me emociona em toda a nossa trajetória de
vida, não é a infância regrada de memórias felizes, mas sim o fato
de que há mais ou menos  cinco anos ela ter me acolhido. Mesmo
que por quase onze anos eu tenha me afastado dela.
Bastou eu chegar à porta de seu apartamento, chorando,
com a roupa do corpo e molhada pela chuva, às 2h30 da manhã.
— Eu devo matá-lo ou chamar a polícia? — foi o que ela me
perguntou ao me abraçar.
Às vezes me arrependia de ter só chamado a polícia. Mas, ao
mesmo tempo,  penso que a morte seria tranquila e calma para
Louis Logan. Foram quase onze anos de relacionamento abusivo,
morrer seria rápido.
— Terra chamando Loren. — Olívia[9] estala os dedos em
frente ao meu rosto e eu volto ao agora. Londres, Magic Mike.
— Desculpe, deixei os pensamentos me tomarem, o que
vocês estavam falando?
— Achamos que você tinha entrado em transe pelo stripper
gostoso — Belle[10] responde gargalhando.
— Amigas, moro com a Emma e desde que a peguei em um
sexo grupal na nossa sala de jantar, nada me coloca em transe —
gargalhamos, e eu a procuro além da nossa mesa,  vejo-a
aguardando ansiosa, já de roupas íntimas, por sua vez na fila para
ter seu momento de stripper molhado na piscina improvisada no
palco em que assistimos a vários homens dançando no início da
noite.
Eu sentirei muita falta  dela! Droga.
Sinto meu coração tremelicar, e meus olhos se encherem de
lágrimas.
— Lou, não precisa chorar. — Belle salta de sua cadeira e me
abraça. Sempre é confortável abraçá-la, afinal temos quase o
mesmo tamanho. — São só seis meses, você está indo atrás de seu
sonho, lembra-se?
Durante a minha vida, fui impedida de fazer várias coisas.
O casamento juvenil, com um homem de um imenso poder
aquisitivo e uma persuasão de dar inveja, fez com que me anulasse
em todos os sentidos, inclusive abolir todos os meus sonhos.
Por isso, agora, aos trinta e seis anos, estou embarcando
para o Brasil, onde ficarei por seis meses para uma pesquisa
científica em minha tese de mestrado, por mais tardio que isso
pareça em minha cabeça.
— Eu não estou triste! — revelo. — Estou sentindo um
friozinho na barriga, é verdade, porém, sinto-me feliz. Mas sentirei
saudades da Emma. De vocês, na verdade. Mas, ela, além da vida
e laços consanguíneos, me auxiliou em meu renascimento, e minha
gratidão a Emma é imensurável. Até mesmo vocês, chegaram a
mim por ela. — Minha lágrima escorre de canto e sinto o abraço de
Olívia do meu outro lado.
Eu não estou mentindo.
Sair de um relacionamento abusivo não é nada fácil, e ainda
há aquelas que não conseguem sair, as entendo, pois me permiti
viver nisso por anos demais — e eu também não julgo quem vai
permanecendo, hoje percebo que cada um tem seu tempo, e que
sua dependência, seja ela emocional, física ou financeira, nos faz
vítimas de um pseudo-amor.
E Emma, não só me acolheu, me ensinou a viver — tudo bem
que foi do seu jeitinho, como se não houvesse amanhã —, a me
socializar — mal sabia conversar com as pessoas ditas “estranhas”
—, me vestir e, entre tantas coisas, ela me mostrou que a única
pessoa que poderia me limitar na vida, seria eu mesma e, ao
mesmo tempo que me ensinou isso, me ajudou a romper asas e
alçar novos voos.
Com tudo isso, Emma acabou trazendo Belle com ela.
A modelo é um dos rostos da gigante Valentine’s, empresa
onde Emma trabalha como relações públicas de Daniel Valentine, o
CEO da marca e esposo de Belle. Emma acaba fazendo a relações
públicas da modelo por tabela, e isso deixa sua conta bancária bem
cheia.
Já Olívia Brown chegou até meu pequeno círculo de
amizades há pouco tempo. Ela e Belle são amigas de longa data, e
quando disse a Emma que minha orientadora sugeriu uma pesquisa
in loco, e que embarcaria para o Brasil no penúltimo período do
programa de mestrado, ela sugeriu que eu aprendesse a língua e
comecei a buscar por aulas de português.
Achei uma ótima sugestão, mas era difícil achar aulas
particulares de português do Brasil, como eu faria isso? E Emma —
que tem uma memória de elefante — veio ao meu resgate de novo,
e disse que Belle tinha uma amiga brasileira.
As aulas eram divertidas e a filha dela, Sophia, me ajudava
muito na conversação que vinha aprendendo nos últimos anos com
a mãe adotiva. Eu acabei me aproximando dela também.
No último ano inteiro aprendi a língua mais difícil que já me
imaginei falando.
Por que eles têm tantos — de acordo com as falas da Olívia
— acentos? Existe um tal de sinal gráfico chamado til — um
pequeno ‘S’ deitado sobre algumas vogais, que eles usam para
marcar a nasalização, que juro, não é de Deus.  Eles conseguem
colocar duas consoantes juntas no meio da palavra! É o caos!
Além dessas aulas com a nativa, e a criança que fala
perfeitamente bem a língua, ela ainda me dava livros em português
no kindle — livros eróticos, no caso, nunca imaginei que eles teriam
no mínimo quatro palavras de baixo calão para “pênis” —,  me
estimulava a ouvir as músicas de lá e audiobooks. Às vezes eu
colocava na Alexa um livro que ela me indicava, a voz robotizada e
lenta da inteligência artificial me ajudava a absorver melhor a língua.
Mesmo que “sugar” sempre saía nela como “chugar”.
Sinto as duas em minha volta e tento absorver o carinho
delas em minhas células.
Costumo pensar em nós como um quarteto. Quinteto,
considerando Sophia.
— Meu bem, a Emma pode ser até a ponte que nos trouxe
até você. Mas é você quem nos fez ficar, Lou — Olívia diz e beija-
me na bochecha. — Você é maravilhosa! E todos os seus sonhos,
dos expostos aos íntimos, serão realizados. Olhe só para mim. Até 
meses atrás, estava em um limbo quanto a minha vida, e em
questão de uma semana, finalmente renasci. Você, tanto quanto eu,
sabe o que é renascer das cinzas. O Brasil é lindo, receptivo e
alegre. Você está indo para um dos estados mais acolhedores de lá,
se joga!
— E nós estamos a um meet de distância! — Belle
complementa —  Só não esqueça do fuso horário, pois dependendo,
Daniel e eu poderemos estarmos atrelados um ao outro, sabe como
é né? — Elas gargalham, e as acompanho. — E nós já prometemos
cuidar da Emma. — Nós três olhamos em sua direção, e ela agora é
a primeira da fila. — Juramos que seremos o fator limitante dela. A
Oli sabe atirar sem matá-la, se preciso for, faremos isso! — Eu rio
da sua colocação.
— Por mim tudo bem, desde que vocês a mantenham viva
até eu voltar.
— Missão dada, é missão cumprida, capitã! — Oli levanta as
mãos e bate nas minhas.
— Mais uma rodada por minha conta? — Belle levanta a mão
chamando o garçom — E essa é a minha última! Já são quase três
da manhã, e eu acho que estou bêbada.
— A minha também. Minha filha tem aula às oito e em
seguida tenho que seguir para Yard. Minha chefe entrará de férias,
precisamos alinhar umas coisas — Olívia concorda. E eu só quero
dormir horas a fio em minha cama king size, já bocejei algumas
vezes, mas também quero aproveitar com Emma. Nossa rodada de
shot chega e, quando estamos içando os copos para brindar a
última dose da noite e beber, uma Emma molhada e pálida chega
até nós envolvida em um roupão da boate.
— Lou, vamos embora! — Ela começa a juntar suas roupas,
que caem de sua mão e bolsa.
— O que foi, Em? O que aconteceu? — pergunto a ela.
— Aconteceu? O Heitor aconteceu, nós precisamos ir! Agora.
— Heitor? — questiono.
— Sim, ele é o cara dançando na piscina.
— Em, calma… é só o…
— É o caralho do Heitor, muito mais gostoso, muito lindo e,
porra, meu coração está acelerado…  Me dá esse shot!  — Ela pega
meu copo e vira a dose.
— Quem diabos é Heitor? — Olívia pergunta.
— É o amor juvenil não resolvido dela — Belle responde.
— Ele me viu, e ficamos os dois parados, o pau dele estava
abaixo da minha boceta, eu estava rebolando nele! — Emma pega o
copo de Olívia e vira. — Os bicos do meu peito estão duros até
agora, gente, ofereci dinheiro para ele transar comigo! Quase o
beijei! — Ela solta um soluço e vira o copinho de Belle.
— Amiga, está tudo bem… — Olívia diz, mas eu nego, e é
tarde demais.
— Ele foi o primeiro cara que eu chupei, engasguei com o
pau dele e ainda regurgitei, então não, Oli, não está nada bem! —
Emma grita, e eu agradeço pelo som alto e as luzes pulsantes do
ambiente.
— Emma! — Seguro-a pelos ombros mais altos que eu —
Preste bem a atenção!  Qualquer homem ou mulher aqui daria tudo
para ter uma chance com você, não é, gente? — pergunto às
meninas.
— Com certeza, e olha que nós somos casadas! — Belle
incentiva.
— Certamente a gente te chuparia, amiga! — Oli
complementa.
— Eu sou sua prima, deve ter algum lugar que permite isso,
então eu estaria na sua suruba. Relaxa, é só o Heitor, tem muitos
anos, ele não se lembrará disso. Acho que já curtimos bastante
essa noite, estamos todas um pouco bêbadas. Foi a melhor festa de
despedida que alguém poderia ter, muito obrigada! Depois de
amanhã, meu voo sairá às 22h. Não quero ficar quase 13 horas em
um avião passando mal. Você vai trabalhar às nove, junto com
Belle, e Olí tem coisas para fazer, então, agora, elegantemente
iremos nos despedir e encerrar essa noite maravilhosa. 
— Eu vi uma menina que fiquei interessada, eu queria ela,
Lou!  Preciso de uma boceta quentinha essa noite.
— E eu vou passar minha penúltima noite sozinha, ouvindo
você transar no quarto ao lado?
— Acho que estou bêbada, eu quero dormir com você! — ela
me abraça.
— Vamos aguardar a Belle e Olívia conseguirem um carro e
nós iremos.
— Na verdade, o Dan já chegou há umas duas horas para
me pegar, e eu posso te dar uma carona, Oli, vamos? — Belle se
adianta pegando a bolsa.
— O Stv está lá fora, conversando com o Dan — Oli diz
olhando para o celular. — Podemos levar vocês…
— Melhor ela vomitar em um carro desconhecido e eu pagar
a taxa de limpeza, sem contar que Emma está de roupão, está tudo
bem por aqui — digo sorrindo.
— Certeza? — Belle confere.
— Absoluta! — respondo-lhes.
— Okay, então… — Belle se aproxima da mistura que somos
Emma e eu, e nos abraça — Faça uma boa viagem, aproveite
bastante, mas não só estude, beije em muitas bocas, e não deixe de
fazer nada que eu não faria. — Ela beija meu rosto, e é a vez de Oli
se aproximar, e fazer a vez do abraço.
— Lou, faça uma ótima viagem, se precisar de uma
consultoria rápida, você tem o meu número, não hesite em me ligar
e aproveite os mineiros! Minas Gerais é o point de homens bonitos.
A cidade que você vai ficar é universitária, então como eles falam
por lá: “Deita o queixo”, ou seja, aproveite! Não se preocupe com a
Emma, nós vamos cuidar bem dela, seis meses passam rápido
demais.
— Irei aproveitar! Mandarei fotos — prometo.
— Viva mais do que tire fotos! — Oli diz, e nós quatro nos
abraçamos cúmplices.
Há alguns anos eu jamais me visualizei em um mestrado,
ainda mais fora do país, e estando aqui, hoje, em uma despedida —
A melhor despedida que uma mulher poderia ter, com o grupo íntimo
de amigas, na Magic Mike —, a pouco mais de 24h antes da
viagem, eu me sinto realizada.
Obrigada aí, o responsável pelo destino, seja Deus, seja o
Universo.
Brasil, aí vou eu!
Nicolas Amaral
— Professor, professor! — Sigo, ou paro? Por que os alunos
têm a péssima mania de gritar e correr atrás de nós? Céus! Só
quero passar na drogaria mais perto e comprar uma aspirina.
Preciso tomar também o meu ansiolítico e as vitaminas que esqueci
hoje cedo. Eu realmente deveria parar com essa merda de não
tomar o medicamento para beber. — Nick! — merda, vou ter que
parar.
— Bom dia, Adriana, posso te ajudar?
— Achei que você não iria parar…
— Pois é, eu parei, mas estou superatrasado hoje.
— Bom, estou na aula de preparação para o TCC, e
precisamos preencher a ficha de orientação… — Ah não,
meeeeerda, não pede isso! Há dois semestres atrás transei com
você no banheiro do almoxarifado. — Meu tema é sobre a presença
dos primeiros Homos em Minas Gerais, e o seu TCC e mestrado é
sobre isso, não é? Sobre os achados de Lund[11]?
— É… foi meu tema sim.
— Você poderia ser meu orientador? — sua mão, de unhas
pintadas de vermelho, percorrem meu braço, e me fazem rever em
minha mente pervertida flashes do nosso interlúdio.
— Dri… Infelizmente não vou poder te ajudar, estou indo
buscar uma orientanda internacional, não vou conseguir ficar indo a
campo com você para sua pesquisa. Estou ficando muito mais
tempo em Ouro Preto… E você sabe que, se fizermos isso, não
ficaremos juntos, está ciente das regras. — Adriana é uma das
alunas com quem eu transei antes de dar aula.
Na ocasião, ela achou que eu fosse um aluno, nunca a tinha
visto em nenhuma turma, e aconteceu. No semestre seguinte, a
recebi em minha turma de Espeleologia.
— Eu estou te chamando porque seu trabalho é incrível, e
quero mesmo seguir a área…
— Claro, com certeza… Vamos fazer assim, vou te ajudar a
achar alguém tão bom quanto. E agora preciso ir… — Olho meu
relógio, e estou atrasado demais.
Eu mal sento no banco do carro, e uma notificação surge no
aplicativo de mensagens do trabalho. Mensagem de Adriana com
uma foto de seus seios.
“Você poderia ter tido tudo isso em uma caverna de escavação dos
fósseis.”
Minha cueca se aperta, não por ser a Adriana, mas por
fantasiar uma cena erótica em uma caverna.
Eu deveria falar isso para meu terapeuta?
Melhor… Deveria dar essa ideia para Sara, minha amiga
escritora de livros eróticos, escrever no próximo livro dela, amaria
betar uma cena assim.

Às 13h15 eu estou na grande sala de desembarque do


aeroporto, e me sinto ridículo segurando uma plaquinha escrito
“Miss.Thompson.”
Eu deveria usar o termo senhorita mesmo? Ou senhora? Não
me lembro dessas informações vindas do Bruno.
Tento visualizar uma mulher de trinta e seis anos, como seria
uma inglesa dessa idade?
Quem sabe ela esteja me aguardando sentada? Eu teria que
levar as bolsas dela?
Estou pegando o telefone do bolso para tentar falar com o
Bruno, ele nunca atende ninguém, quando sinto um toque tão leve
como o pouso de uma borboleta, e viro-me para trás.
Engulo em seco.
Uma moça de cabelos ruivos acobreados na altura dos
ombros, de estatura baixa, lábios finos, olhos castanhos aveludados
e sardinhas me olha de baixo.
— André?[12] — ela pergunta séria, e com um grande ponto
de interrogação no rosto oval.
— Nicolas — Eu digo, e fico encarando a estranha.
— Me desculpe, mas a placa diz, Srta. Thompson, e eu
sou Loren Thompson.
— Ah sim… — digo olhando para ela, ainda sem entender se
ela é a pessoa que vim buscar.
Não era para ela ter trinta e seis anos? Nem de longe ela
parece ter isso.
Caralho, ela é gostosa.
E posso afirmar que ela é! Porque já percorri o corpo dela
discretamente duas vezes.
Seios pequenos, pernas esguias, eu chutaria 1,60m… Ela
não tem trinta e seis anos.
Por que o Sérgio Reis diz na música que, após trinta anos,
ela já é coroa?
Porra, se ela é uma coroa, faz da minha mãe o quê? Uma
idosa? Mamãe tem sessenta e três, e é um mulherão ainda.
Sérgio Reis estava bêbado quando escreveu essa música?
Eu chuparia essa coroa numa boa.
Nicolas, pelo amor de Deus! — Estou até mesmo invocando
entidades que não estou certo se acredito ou não.
Será que nada envelhece na Inglaterra? A Rainha tem uns
bons duzentos anos, se essa mulher tiver trinta e seis anos, meu
pau tem 10cm, e eu sei que ele não tem só isso.
Na última medição foram 21 cm.
Aliança? Ela usa aliança?
Olho ambas as mãos, muito delicadas, aliás, e não vejo
nenhuma, nem mesmo um anel ou a marca de um.
Passe livre então?
— Está tudo bem, rapaz?
— Me desculpe. Eu sou Nicolas Amaral, o doutor André
está em um congresso, ele pediu que viesse te buscar, vou
levá-la até sua pousada. — Foi esse meu combinado com o Bruno.
— Ah… — ela me olha de cima abaixo — qual a idade
mínima para dirigir aqui?
— Dezoito anos…
— Hmm, você parece jovem.
— Tenho vinte e quatro anos.
— Você é filho do André? — Ela questiona cismada. Tenho
pressuposto que ela é mineira, pois está nítido que ela está
desconfiada de mim. — Mas ele não falou que tinha um filho… —
Ela resmunga sozinha.
— Não, sou orientando do doutor Bruno, esposo do
André. Eles têm uma filha, mas ela ainda é criança. A Clara tem
dez anos. — E eu já fiquei de babá da pequena diaba da Tasmânia.
Viu? Já falei que meu salário é pago para ficar de babá do meu
orientador?  — Podemos ir?
— Oh, sim. Desculpe, não sei lidar com mudanças de
planos em cima da hora.
— Sem problemas. Só tem essa mala? — uma mala
gigante, aliás.
— Sim… Não é o suficiente para seis meses, mas nunca
viajei para um país tropical, não sabia o que trazer. Tive ajuda
de uma amiga, enfim… — É a fala mais longa dela, e eu descobri
que tenho queda por vozes melodiosas, com um leve tilintar ao
fundo. Porra, Nicolas, você está analisando a voz da moça. Se
ajuda aí.
— Eu entendo. Pode deixar que a levo para você.
— Não precisa, eu…
— Eu insisto! — Pego na alça da mala antes que ela a solte,
e nossas mãos se encostam por milésimos de segundo antes dela
recuar ao toque. — Desculpe. — Ela dá de ombros e passa a me
seguir para fora do aeroporto. Em um silêncio completamente
constrangedor. — Você já almoçou?
— Sim.
— Er… e o seu português, como que está? Quer dizer,
você fala português?
— Sim. Fiz umas aulas particulares de conversação,
leitura e escrita básica, antes de chegar aqui.
— Tudo bem…  prefere que eu converse com você em
português?
— Seria ótimo.
— Caso precise de aulas particulares, sou um ótimo
professor… — Deixo um sorriso no fim da frase, para soar como
uma brincadeira, mas ela não parece compactuar com ela, pois
recua e deixa estampado em seu rosto que não entendeu. Talvez
esteja tentando “regular” o idioma em sua mente. — Ou posso te
indicar uma professora, se preferir. — Ela espanta-se com a minha
fala. Juro, não estou tentando dar em cima dela, minha artilharia é
mais pesada, Loren é gostosa, e não há como contestar isso, mas
eu sou um pouco educado. — Esse é o meu carro — aciono na
chave a abertura do porta-malas do meu novo bebê.
Meu Nivus SUV do ano, objeto de desejo que gastei grande
parte da minha poupança.
Loren para próxima à porta do motorista, e aguarda que eu
guarde a mala. Dou a volta e abro a porta para que entre, mas ela
continua parada. Eu a olho, Loren olha para mim, e continuo
segurando a porta.
— Mão inversa, Loren — ouço-a sussurrar, e sacudir a
cabeça, enquanto vem até mim.
— Por um momento pensei que já tivesse adquirido licença
para dirigir aqui… — Comento e sorrio. Nem parece que eu tinha
acabado de levar um fora, sem levar um fora. Deveria fazer as
próximas duas horas de viagem em silêncio.
— É o primeiro — ela para, e franze a testa, como quem
busca algo na profundeza da mente — carro que eu entro e…
— Eu sei, Srta. Thompson, foi uma brincadeira. Fique à
vontade — falo, quando fecho a sua porta.
Entro no carro e decido seguir com voto de silêncio.
Dou partida e automaticamente meu celular se conecta à
mídia do veículo fazendo minha playlist de Henrique e Juliano voltar
a tocar de onde parou.
A cada momento que consigo, olho o painel do carro e o
tempo não passa, nem a estrada.
Odeio viajar sozinho, o sistema de caronas tem mais a ver
com companhia do que dividir o combustível.
— Então… — Loren começa e arranha a garganta. Não sei
se sua voz é mais bonita em inglês do que em português — Nicolas,
certo? — Ela solta o ar devagar após dizer meu nome e vejo que
está claramente regulando a entonação do “as” no fim, e eu
concordo — o… esposo do doutor André, é seu orientador de
conclusão da graduação?
— Não, do doutorado — Vejo-a espantada pelo canto dos
olhos, e quero sorrir, mas me contenho. O novinho é nerd, moça.
— Nossa… É uau, eu acho. — Olha só, choquei a gatinha.
— Loren, desculpe-me mas vou te chamar pelo seu nome, e
acho que você deve se acostumar, no Brasil só usamos o
sobrenome quando temos duas pessoas de nomes idênticos…
Sabe como?
— Sim, minha amiga me explicou sobre isso.
— Então, Loren, sou autodidata, acabei terminando a escola
antes, aos vinte anos eu já havia terminado a minha graduação, aos
vinte e dois o mestrado, e já tem um ano e uns meses que eu
trabalho no meu doutorado, minha banca de defesa será em
novembro.
— Nossa, isso é — ela busca outra palavra, até que termina
a frase lentamente — incrível.
— Solitário, você quer dizer… — Busco regular a velocidade
da minha fala para ela, afinal desandar a falar rápido como um bom
mineiro e professor universitário não vai ajudá-la em nada.
— Bom, olhando por você me sinto — ela protela — velha
demais por estar vindo para um país, aos trinta e seis anos para o
mestrado.
— Eu não sou um parâmetro. E além do meu cérebro
gigante, sou um privilegiado. Meus pais sempre tiveram boas
condições financeiras, e não precisei trabalhar durante a graduação,
tive a melhor educação que uma pessoa poderia ter. Falo inglês
desde a infância, por exemplo… Isso é um privilégio. — Um
beeeeeem grande se levarmos em consideração meu Brasil.
— Não deixa de ser impressionante…
  — Obrigado…
— Então, você é graduado em quê?
— Sou Biólogo Evolucionista.
— Legal. — Ela pega um Kindle, como o meu, na bolsa e
passa a prestar a atenção nele.
Cri. Cri. Cri.
Será uma ótima viagem.
— E seus pais? — ela pergunta depois dos quarenta minutos
mais longos da história. E o caminho parece só aumentar.  Percebo
que está evitando falas longas.
— Eles já se aposentaram. Meu pai era reitor de uma
instituição particular, e minha mãe, professora universitária. Eles
estão passando uma temporada com meu irmão.
— Que legal, eu queria ter irmãos.
— Tenho só ele, ele tem trinta e sete anos, mora no Vale do
Silício. Ele e a namorada acabaram de ter uma bebê, aí como meus
pais são avós de primeira viagem, foram ficar com eles por uns
meses.
— Já visitou seu irmão?
— Sabe que não? Eu acabei saindo de uma sala de aula
para a outra, e nunca tive grande apreço pelos Estados Unidos. E o
Igor é muito ocupado, ele é dono de uma startup, quando não está
atolado nela, está palestrando sobre. Nossa diferença de idade fez
com que não fôssemos muito apegados um ao outro, ele estava na
faculdade quando eu estava no ensino fundamental. — Ela reflete
sobre, e só anui a cabeça em concordância. — A pousada que você
vai ficar é ótima.
— I don't know[13], vi algumas fotos, mas a minha advisor[14]
quem acertou tudo… — Ela mistura o inglês com o português em
uma fala maior, como eu imaginei.
— Você faz História, né? — ela concorda — Quando entrei
na graduação quis incluir o curso de história em minha grade, fiz até
algumas matérias eletivas à noite, queria ser naturalista, como
Charles Darwin e Peter Lund, e... — Ela me repara de cima abaixo,
e então olha para a rodovia em nossa frente — Estou tagarelando,
desculpe-me.
— Não, tudo bem… Estou um pouco… — ela busca uma
palavra em sua mente, mas decido ajudá-la.
— Perdida, aérea…
— Isso!
— Deve ser a diferença de horários, o idioma também…
—  É, talvez seja.
— Qual sua hipótese?
— Do mestrado? — concordo — O reflexo da colonização
européia em um país latino americano, quero saber se ainda há
resquícios de costumes europeus no século XXI. — Puta que pariu!
Essa temática é foda pra caralho. Sinto-me animado.
— Loren, isso é demais! Posso ler seu piloto?
— Você quer read my thesis[15]?
— Se não for incomodar, eu amo estudar! E aprender coisas
novas.
— Pode ser… eu acho. — Ela volta seus olhos para o
aparelho em seu colo novamente.
Cri.Cri.Cri.

Finalmente!
Suspiro aliviado ao estacionar em minha vaga alugada na
primeira pousada da cidade.
Foi a viagem mais longa da minha vida.
Durou mais quando fui a São Paulo de carro.
Céus, foi pior do que o “ali” de mineiro.
— Loren, daqui nós temos que seguir caminhando, carros
que as placas não são locais não podem circular livremente no
centro histórico. — Desço e abro sua porta, pegando a mala pesada
em seguida. — Vou levá-la até a pousada da Flor, e mais tarde o
André deve vir visitá-la. Bem-vinda a Ouro Preto!
Loren Thompson
Estou me sentindo completamente sem educação!
Nicolas me pegou no aeroporto, foi gentil, mas eu não estou
sabendo lidar com tanta hospitalidade.
Ele sorri o tempo todo. Sua voz mantém um tom cortês e fala
devagar quando está falando português, e não o vi olhando para
mim com ousadia, ou algo do tipo.
Loren, você é doze anos mais velha que ele, obviamente ele
não olharia assim para você.
Ele insiste em levar minha mala, mesmo que eu possa puxá-
la.
A viagem foi longa e cansativa, mas um tanto agradável.
Menos o tempo dentro do carro, esse não foi desagradável.
Céus, eu claramente não estava sabendo manter ou conduzir
um assunto com ele.
— Então… Você fala português e inglês… Mais alguma
língua? — Minha cabeça está rodando um pouco, parece… Sei lá,
um enxame de abelhas zunindo desde que aterrissei em São Paulo.
— Mineirês também — Nicolas sorri, e eu vasculho minha
mente tentando lembrar qual país fala essa língua. Minha cara deixa
claro minha ignorância, e ele ri — É uma brincadeira, Loren. É como
as pessoas daqui brincam sobre nossos dialetos regionais, gírias e
afins.
— Ah sim… Acho bom eu saber sobre isso então.
— Seria bom, afinal quando alguém falar trem, não estão se
referindo ao veículo, que está um pouco distante daqui.
— E o que significa?
— Qualquer coisa.
— E vocês entendem?
— Muito bem! — sorrio diante o pânico dessa fala dele, como
assim qualquer coisa?
— Algo mais que eu preciso saber? — Ele para na calçada, e
põe a mão no queixo.
— Qualquer informação que você pedir em Minas, e eles
falarem: “é logo ali” não vai, porque você está longe, possivelmente
muuuuuito longe.
— Trem é qualquer coisa, e ali na verdade é longe… Ok, e o
que mais?
— Uai.
— Why[16]?
— Não assim, mas é como se fosse — ele gargalha — é U-A-
I, é um gíria regional.
— Que significa…
— Às vezes espanto, às vezes indignação, às vezes uma
dúvida.
— Acho que vou aceitar a indicação de um professor… — Ele
ri, possivelmente da minha cara.
— Irei arrumar alguns contatos para você. Ah, às vezes nós
falamos rápido demais, e por isso engolimos letras das palavras.
— Que ótimo, português é super easy[17], ainda mais
engolindo letras — ironizei, e ele se dobra de rir. Ainda mais comigo
misturando o inglês com português. — Ei, não estou vendo você
falar assim!
— Eu estou conversando com você, sei que não é daqui,
seria rude da minha parte. — pensava que os jovens não tinham
empatia — Sem contar que o regionalismo não é bem vindo em
instituições de ensino. A gente tenta minimizá-lo, mas quem mora
no Brasil sempre descobre quando a pessoa é mineira. Juro para
você, no primeiro “bom dia”. — Ele dá de ombros.
— Por que vocês tentam minimizá-lo?
— Eu já senti que fui descredibilizado pelo sotaque, e no meu
caso, pela idade.
— Como assim?
— Eu sou “novo” demais para alguns assuntos, pelo menos
fui julgado assim. E então quando começo a falar sobre algo, eles
duvidam dos resultados, ou do que eu estou falando. — Começo a
sentir uma empatia por ele…
— Sério?
— Sim… Eu já fui a alguns lugares no Brasil para workshops,
congressos, palestras, e já me perguntaram se aqui tem prédio.
— O quê? Como assim?
— As pessoas de outros estados têm uma imagem que aqui
só se tem queijo, Minas Gerais é o estado do queijo, fazenda,
pastos, comida no fogão a lenha, e…
— Fogão a lenha? Isso ainda existe?
— Hmm, sim. É um clássico aqui. Pessoas vêm de muito
longe só para apreciar nossa culinária.
— E que diferença isso faz na comida?
— Muita! Céus, preciso te levar para almoçar na taberna! —
ele diz empolgado, e então para, se contendo.
— Taberna? — decido não deixá-lo sem graça.
— É um restaurante, ele fica bem na praça, e chama-se
assim pois pertence a uma linhagem de família inglesa, e o
restaurante fica no “porão” da casa. É bem centralizado, bem em
frente a praça Tiradentes.
— Okay, você fica me devendo um almoço lá então — tento
sorrir para ele.
— Quando você quiser!
— Então… — tento buscar uma palavra.
— Qual palavra você está procurando?
— Uma para fazer de novo, mas no sentido de passar a lição.
— Recapitulando.
— Isso! Recapitulando, trem é qualquer coisa, ali é longe, e
uai. Quais palavras vocês mais… somem as letras?
— Engolem? — Eu concordo com a sugestão de palavra —
Você, vira “ocê”, às vezes “cê”, para pode perder o primeiro ‘a’ e
virar “pra”... Nossa são muitas coisas…
— Tudo bem, tenho seis meses para aprender.
— Vai sair daqui com diploma em minerês! — Ele sorri.
— Alguma outra dica?
— Se você for a algum lugar e te oferecerem comida, coma,
é desfeita não aceitar, é sério, eles se sentem magoados e
ofendidos. Mas, se for a mais de um lugar, coma pouco, pois eles
sempre, SEMPRE, vão te oferecer algo para comer. Sei que onde
você mora neva, mas coloque mais um cobertor na cama, aqui é
uma região com mata fechada, amanhece quase sempre com
neblina, então é bem frio. Estamos no fim do verão, de dia é bem
quente após às 10h, e às 16h começa a esfriar. As pessoas aqui
quase sempre vão te chamar de moça, principalmente se não
souberem seu nome, eles estão sendo cordiais… Aqui é uma cidade
turística, então na segunda e na terça a movimentação é mínima,
mas de quarta a domingo, isso aqui vira um formigueiro!
— For… o quê?
— Formigueiro, é a casinha das formigas… Anthill[18]. Sempre
cheio, entendeu?
— Ah sim. — Olho para o meu lado, prestes a perguntar se
falta muito para chegarmos, e então consigo ver a cidade, eu acho
que é ela toda. — Uau! — Me aproximo do parapeito e encosto na
grande pedra larga.
— É lindo, não é? — Ele para ao meu lado.
— De fato é… A arquitetura não me é estranha, mas a
paisagem é…— meu vocabulário não é tão extenso como pensei
que fosse.
— Pitoresca. — ele diz. — A arquitetura é europeia, fomos
colônia da família Real Portuguesa, precisávamos nos manter nas
aparências da riqueza… Mas eles não conseguiram tirar de nós o
nosso mar de montanhas.
— O que você quer dizer?
— Não temos litoral no estado, sempre que queremos ir à
praia devemos ir a outro estado e geralmente demanda tempo,
então as pessoas costumam dizer que Minas tem mar de
montanhas, pois quase todo o estado é fechado por elas — ele
aponta. — Consegue ver? Essa cordilheira nos acompanha até o
estado do Rio de Janeiro. — Observo o que ele aponta, e vejo o que
quer falar. Não sei onde começam e onde acabam os grandes
montes verdes.
Quando eu olho, consigo ver vários pontos, e neles vejo
grandes construções que se parecem com a velha Inglaterra.
— A cidade tem altitude… — Observo.
— Muita, costumo pensar nela como um gráfico de linhas,
com altos e baixos. Quando você for explorá-la, perceberá isso. Já
são quase 16h, vamos antes que esfrie?
— Claro — sigo-o através de um pequeno declive de
paralelepípedos, e ele aponta como marco zero da cidade a grande
estátua em praça pública, e por mais alguns minutos entramos em
uma rua, e vejo uma grande construção branca e azul, com os
dizeres “Pousada da Flor”.
Nicolas sobe os poucos degraus, e abre a porta, aguardando
que eu entre.
Um cheiro gostoso me toma quando entro no local, e não sei
explicar o que é, mas percebo a sensação de acolhimento.
— Meu Deus! Ô minino — chama a senhora negra de rosto
gentil, ao rapaz novinho próximo a ela, que se espanta ao nos ver, e
dá a volta no balcão da recepção — chama o Zé lá pra ele vê quem
tá aqui! Meu fio, cê sumiu dimais! — demoro a perceber que ela
está conversando com o Nicolas, que sorri grande e abre os braços
para a senhora, aguardando um abraço. — Vê só, como que tá
magrin! Cê não tá comeno, Nikinho! — Sinto um sorriso se espalhar
involuntariamente em meu rosto ao ver como ela está lidando com
Nicolas.
Não foi esse o idioma que a Olívia me ensinou, céus!
Será que ela me ensinou o português certo?
Fui transferida de país ao passar pela porta?
Tento educar meus ouvidos à fala carregada da senhora
simpática e automaticamente me recordo do que o Nicolas falou há
pouco.
Quanto tempo será que vou demorar a me adaptar aqui?
— Ô, Flor, que mentira, eu ando fazendo três refeições por
dia. — Ele beija a senhora, que fica minúscula perto dele. 
— Não é o que tá parecendo, minino! Cabei de passar um
cafezim, tem pão de queijo quentin e broa de fubá com erva doce!
— Hmm — ele geme de satisfação e eu acho fofo —, assim
como que vou manter uma dieta?
— Té parece, cê num carece disso não, moço! — Nicolas
pisca para mim, e eu começo a entender o que ele explicou uns
minutos atrás — Um rapaiz bunito desse, mitido nessas moda de
gente besta. Larga de ser bobo hein!
— Pode deixar, Flor, eu vou vir tomar café da manhã
qualquer dia, igual quando morava aqui, satisfeita?
— Dimais uai!
— Eu vim trazer sua nova hóspede, o André acertou com
você a estadia dela. — Ele aponta para mim, e a senhora me olha e
sorri.
— Moça do céu, cê me desculpa, mas é que esse minino é
um fio pra mim. Ele some dimais, nem parece que mora aqui na
frente. Péra lá, ela me entende meu fio?
— Srta. Thompson fala português muito bem, Flor, ela te
entende sim. — A senhora se solta dele, e passa o braço no meu,
somos da mesma altura.
— Ah minha fia, eu tenho essa budega aqui há muitos anos,
sabe? Era do meu pai e da minha mãe, eu era minina moça quando
comecei a tocar o negoço, mas hoje em dia, com esses trem de
modernidade, uma tal de interneta, e um bando de gente de fora,
não se ofenda, moça, eu gosto de ver esse povo de fora, mas mali-
mali consigo conversar com ocês. Me conta, de onde que cê veio,
seu nome.
— Vim da Inglaterra, me chamo Loren.
— Valei-me Minha Nossa Senhora, até ocê ir embora, eu
aprendo falar seu nome, moça, cê desculpa eu se falar errado.
— Não se preocupe.
— Chamou eu, Flor? — Um senhor alto e com cara de
ranzinza aparece no alto da escada.
— Chamei, Zé, espia só, Nikinho chegou e trouxe a moça
que o Seu [19]André falou, cê trata de levar as coisa dela pro quarto.
— Uai, Flor… — ele começa a falar.
— Uai nada, bora com isso. — Ela passa o braço no de
Nicolas e começa a nos levar para um outro cômodo. — O Zé anda
difícil dimais, pai eterno! — Nicolas gargalha alto, e eu fico de
observadora de toda a cena que se desenrola a minha volta. —
Mais então, minha fia, eu mandei minha neta, Quésia, pra essa tal
dessa Inglaterra sabe? Pra aprendê a falar essa língua sua aí.
— Que ótimo, ela gostou?
— Muito, queria ficar lá, vê se pode?
— Eu amo lá também.
— Onde está a Quésia? — Nicolas pergunta olhando em
volta.
— Uai, tá na faculdade, cê num foi hoje de tarde, o Bruno
pediu pra ela ficar no gabinete dele.
— Hmm…
— Criei a Quésia moça, ela é fia da minha fia que foi morar
no Rio, ela é uma moça bonita, mas boba dimais… Eu só queria que
o Nicolas virasse meu neto, sabe? — Ela começa a falar, e Nicolas
repuxa o rosto em uma careta. — Mais Quésia foi na onda dos otro,
aí já viu, né?! Galinha que acompanha pato morre afogada por não
saber nadar.
— Flooooor — Nicolas a repreende, e é engraçado de ver ele
ficando sem graça. — A Loren não chegou aos ditados populares
ainda. — Ele claramente está desviando o assunto. — E você me
prometeu café da tarde, se quiser minha companhia tem que ser
rapidinho, tenho que arrumar as coisas para dar aula amanhã.
— Oiá só, Lo, vô te chamar assim tá bão? — Concordo com
ela, que continua falando — Esse trem até otro dia era um minino
metendo as mão na minha panela, roubando toicim, agora fica aí,
todo do sem tempo, todo dos importante.
— A senhora sabe que tenho uma agenda cheia.
— Harrã, cheia de muié. — Mulheres? É isso que ela quer
falar?
— FLOR!
— Num tô mentindo. Vem, senta aí, eu vou colocar café
procês. 
Vejo a cara de descontentamento de Nicolas com as
colocações da senhora, e sua expertise ao puxar assunto sobre
pessoas que eu desconheço.
A senhora vai respondendo e colocando talheres e pratos na
mesa, se virando em uma cozinha bem grande.
O piso é de madeira, pelo que percebi toda a pousada deve
ser assim. Uma mesa de madeira maciça redonda toma conta dela
toda. Os armários são grandes, ocupando uma parede
completamente. Três geladeiras estão por ali também. Consigo ver
um fogão grande, e panelas gigantes estão penduradas na parede
sobre ele. O ambiente tem um cheiro de comida delicioso, e percebo
vir do fundo aparentemente do tal do fogão a lenha. Madeiras
queimam morosamente, e uma panela de pressão chia baixinho.
No tempo em que eu observo o ambiente, não percebo a
mesa que ela monta em nossa frente.
Uma infinidade de coisas são postas ali.
— Pode ficar a vontade viu, Lo?
— Obrigada, Dona Flor.
— Num carece de chamar de Dona, pode chamar de Flor.
Nicolas, serve a moça, cê é de casa. Cê vai ficar pra janta? Hoje
tem costelinha com canjiquinha.
— Flor, Flor, você vai me engordar desse jeito... Eu queria,
mas tenho que lançar notas hoje. Você toma café, Loren? Deve ter
chá em algum lugar, se preferir…
— Sim, por favor.
— Põe pra ela um tiquim de cada trem. — Flor vai em direção
ao fogão, e continua falando de costas. — Come o pão de queijo
antes que esfrie.
Nicolas monta um pequeno prato com diversas coisas da
mesa, coloca em minha frente e então monta seu prato.
— Isso é pão de queijo — ele aponta para o próprio prato —,
essa aqui é a melhor broa de fubá com erva doce que você vai
comer na vida, fica ótima com um pouquinho de manteiga. Esse
aqui é o queijo artesanal, a Flor mesmo que faz…
— Tudo aqui sou eu quem faço, minino! — ela articula, e ele
sorri.
— Verdade! Aqui tem biscoito de polvilho assado, bolo de
laranja e bolinho de chuva, esse a gente come com doce de leite
pastoso — aponta para a compota fechada.
— Céus, é muita comida! — falo baixinho, e ele sorri.
— Eu te avisei — fala, passando manteiga em seu próprio
pedaço de broa, e mastigando.
Decido começar pelo pão de queijo, que já comi na casa de
Olívia uma vez, mordo e juro que se um orgasmo pudesse vir de
papilas gustativas, eu teria um.
Olívia que não me ouça, mas isso aqui deixa o dela com
sabor de borracha.
— Hmmmmm — grunho.
— Cuidado, aqui tem a melhor comida da cidade, você vai
acabar se viciando.
— Eu não vi isso no aeroporto!
— E nem ia adiantar, o da Flor é o melhor.
— Nem tenta me amansar, não, minino! — Ela para com as
mãos na cintura e eu rio.
Os dois voltam a falar sobre estranhos, e eu me concentro
em meu prato. Quando  finalizei os três pãezinhos, passo para a
broa, e penso que terei que ser mal-educada e repetir o pedaço.
Após o divórcio, eu viajei bastante, experimentei novas
culinárias, novas culturas, mas nada me preparou para essa
cidadezinha e esse café da tarde.
Minas Gerais, mal cheguei e já te amo.

Não sei que horas são quando terminamos o café que a fofa
senhora tão gentilmente preparou, mas sinto meu corpo pedindo por
um banho e cama.
Aproveito quando Nicolas levanta-se alegando que precisa
realmente ir, pois deve  lançar notas no sistema da faculdade, para
me recolher até meu quarto.
— Loren, você precisa de mais alguma coisa? — Ele me
pergunta quando está para sair na porta, e eu com o pé no degrau
da escada.
— Não, muito obrigada por tudo.
— Imagina, não foi nada. Você trocou dinheiro no aeroporto?
— Sim, tudo certo.
— Bom descanso, bem-vinda novamente, e desculpe
qualquer coisa. Se precisar, eu moro em frente. Literalmente.
— Obrigada.
— Nicolas? — Uma mulher linda, morena, de cabelos
cacheados grossos, tão jovem quanto ele, entra e vejo sua postura
mudar. — Vovó não me disse que estaria aqui… Não foi trabalhar
hoje.
— Estive ocupado, Quésia. E já estou de saída. — Ele acena
e passa para fora da porta, e a senhorita o segue
— Ei, Nick, espera…
Subo as escadas com a chave do quarto na mão para dar
segmento a minha vida.
Loren Thompson
— EEEEEEEEEEEEEEEEEEEEU estou morrendo de
saudades! — É assim que sou atendida por Emma quando retorno a
ligação perdida em meu celular.
— Bom dia! Como você está?
— Com saudades! Falta muito para você voltar?
— Você sabe que há pouco tempo completamos um dia,
certo?
— Eu sei, mas está tudo tão calado aqui! Como foi sua
viagem?
— Eu também estou com saudades, e, apesar de ser minha
primeira noite aqui,  sinto que não é nada calado.  
— Que horas são aí? Estou morrendo de fome já, e a Belle
não termina a sessão de fotos dela.
— São oito da manhã — levanto-me da cama e vou até a
pequena sacada que tem no meu quarto, abrindo-a e contemplando
uma Ouro Preto esbranquiçada de neblina, junto a um vento
outonal. — Acabei de acordar, ainda não tomei café da manhã. Nós
temos quatro horas de diferença. Meu voo foi ótimo, houve uma
pequena divergência quando cheguei ao estado que eu vou ficar,
mas, no mais, foi tudo tranquilo.
— Teve algum problema com a língua?
— Não muito, as aulas particulares com a técnica de ouvir
música e ler em português funcionaram bem demais, foram
maravilhosas e muito úteis. O André, o professor que vai me orientar
aqui, não pôde me buscar no aeroporto, e aí pediu um aluno do
marido dele para me buscar.
— Um jovem universitário hmm… — Emma responde, e pelo
timbre sei que ela está com segundas intenções.
— Ele é aluno do programa de doutorado, chama-se Nicolas.
— E ele é desses universitários gostosos?
— Não sei — respondo, e um movimento lá fora me chama
atenção.
Três caras sobem o morro, na lateral da minha janela,
correndo. Eles estão rindo de algo que o do meio, o único que usa
camisa, disse.
Do meu quarto, eu sinto a neblina gelada do amanhecer
tocando-me, sinto cheiro de café e antiguidade, se é que faz sentido
sentir cheiro de antiguidade.
— Pelo amor de Deus, você não sabe se um homem é
gostoso?
— Em, você sabe como sou para essas coisas. Ele tem vinte
e quatro anos, não vou reparar isso.
— Qual a maior idade do Brasil?
— Não sei, dezoito, eu acho. — Levando em consideração
que é a idade que se pode dirigir e devo ter alguma memória da
Olívia falando sobre.
— Então como a própria Olívia fala, caiu na rede é peixe,
bebê! — Gargalho da fala dela. Aprender sacanagens e frases de
sentido duplicado é simplesmente a cara da Emma.
Os rapazes param no casarão em frente a minha sacada e
começam a se alongar. O mais alto é negro, cabelo raspado e
barbudo. Posso ver daqui os sulcos abdominais. O suor escorre
entre eles e param no elástico da cueca branca. O outro, que da
soquinhos no abdômen do menor, no caso mais baixo, porque eles
não são nada pequenos, é loiro e segue o padrão do outro, definido
e suado.
O “menor”, o único de camisa, levanta o corpo que estava
alongando e passa a alongar os braços sorrindo e respondendo aos
demais. Um lindo sorriso aberto e claro, acompanhando de uma
pele amendoada e lábios médios. Os cabelos pretos e cacheados,
com um comprimento pouco abaixo da orelha, estão suados e
colados à testa.
Nicolas.
— Se ele não é menor, está tudo certo com o mundo. — A
voz de Emma me assalta do pequeno devaneio que estou tendo. —
Como são os homens aí? — gargalho da sua pergunta.
— Pergunte daqui uma semana. Por enquanto estou
tentando entender o que as pessoas falam comigo, e depois disso
irei prestar atenção nos homens. É só deles que você quer saber?
— Não! Você me conhece, tenho amor para dar e vender!
— Ficarei na espreita! Se eu conhecer alguém que possa ser
seu número… Talvez uma pessoa de origem italiana, com pelos
pelo peitoral e coxas…
— Argh! Obrigada por me lembrar que posso esbarrar em
Heitor a qualquer momento. Graças a Deus, Belle terminou! Vou
almoçar, mande notícias! Eu amo você. — Desconfio que Belle não
tenha chegado, mas ela ainda está sensível quanto ao ex/atual
amor.
— Também te amo.

Meu corpo ainda não se acostumou com o horário, ou talvez


a viagem tenha sido mais cansativa do que eu pensei que fosse.
Mas seja como for, às 9h estou pronta e tomando café no
espaço de bufê da pousada.
Dona Flor não está em lugar nenhum. O único rosto que eu
pareço reconhecer, mesmo assim com uma certa dúvida se
reconheço mesmo, é a neta dela.
Ela me olha, comprimenta-me com um sorriso simpático, e
coloca um jaleco na bolsa com certa violência.
Dr. André marcou comigo para me pegar às 10h, mas vejo-o
entrando assim que a moça sai.
— Bom dia, querida, como foi a noite?
— Bom dia — vasculho em minha mente a palavra. — Boa.
— Você já está acabando? Vou te explicar algumas coisas, e
então discutiremos sua tese.
— Já sim, estou pronta.
— Então vamos — ele me conduz a um Jeep, e diferente de
Nicolas, não abre a porta, só entra e aguarda que eu me sente. — O
campus de história da Federal fica na cidade vizinha, chama-se
Mariana, mas eu sou responsável pelos museus daqui, pelo curso
de história e pela reitoria, então fico aqui mesmo em Ouro Preto,
vou te mostrar meu gabinete, leremos sua tese e então, se sobrar
tempo, posso te mostrar a universidade.
— Okay.
Fazemos o restante do caminho calados. André não parece
ser dado a grandes conversas e eu muito menos.
Observo o caminho que passa a minha volta, e fico mais
extasiada com a beleza do lugar.
É como se eu estivesse vivendo dentro de um antiquário.
Não sei expressar tudo o que vejo diante dos meus olhos,
mas de alguma forma, se é que faz sentido, parece que a cidade foi
colocada dentro de um miniaquário e preservada contra as coisas
do mundo.
Parece mágico.
A conservação da arquitetura me leva a refletir sobre todas
as histórias que se passaram ali ao longo dos anos.
Quantos amores vividos, quantos amores perdidos…
Quantos filhos e netos, quanta coisa que ninguém conhece sobre.
É fantástico.
André estaciona em uma vaga de frente para uma espécie de
casarão branco e elegante.
— Aqui fica a reitoria, vamos ficar por aqui mesmo. Há alguns
anos, eu não oriento ninguém, sabe como é, as coisas aqui tomam
tempo… Mas quando Suzanne me ligou, eu jamais poderia negar
esse pedido, afinal, ela me ajudou demais durante o pós-doc, sem
contar que é bom para a instituição. Amo aquela mulher. Como ela
está?
— Bem, ela… casou-se há uns meses.
— Não há idade para o amor, não é mesmo? — Ele adentra o
local, e as pessoas o cumprimenta, parando-o algumas vezes, às
vezes é um assunto sério, outras só banalidades, e ele vai
direcionando o pessoal. — Vamos lá — ele diz sentando e ligando o
computador, —adorei sua abordagem antropológica…
Passamos duas horas sentados e ele destrincha minha tese.
Apresenta pontos de vistas que eu não podia pensar na Inglaterra,
vasculha o acervo pessoal de livros e separa alguns para mim.
De acordo com seu direcionamento, eu deveria focar minhas
pesquisas no Museu da Inconfidência, pois é o maior acervo de
material que tem disponível. Ele também me indicou a Casa dos
Contos, existe um livro lá sobre a grande navegação portuguesa até
o Brasil.
— Eu ainda tenho uma hora disponível para você, vamos dar
uma volta? Posso levá-la para conhecer aqui. Uma experiência
completa, aproveito  chamo meu esposo para almoçar.
— Claro, vamos lá. — Ele me guia para a grande cidade
universitária.
Existem alguns prédios bastante modernos, outros mantém a
estrutura original, de tijolinhos aparentes e, na minha opinião, mais
charmosos.
Ele aponta os prédios e vai falando os nomes, que esqueço
em seguida. Mas sei que tem a escola de medicina e farmácia,
escola de Minas, centro de Educação Física, e neste está uma
pequena comoção de pessoas em volta do campo de futebol, e elas
atiçam a curiosidade do André que se aproxima e observa o lugar.
— Por um momento pensei que tivesse perdido algum evento
devido a comoção, mas é só um joguinho de futebol — diz e se
aproxima.
— Nossa, ele é muito gostoso! — Uma moça de costas para
nós fala, e a outra grunhe concordando.
— Será que ele realmente faz aquilo com a língua? —
Aquilo?
— Eu provei, querida — uma terceira fala — e ele faz muito
mais que isso, e nem precisa usar o pau.
— Moças — André se intromete —, está no horário do
almoço, vocês vão acabar perdendo a bandeja. — Elas se viram e
engolem em seco. Como crianças pegas no flagra. São meninas
novas e lindas, e eu só queria saber de quem elas estão falando.
— Dr. André — elas cumprimentam e envergonhadas se vão.
Ele suspira e olha para o campo.
— Eu só queria que ele voltasse a ser o jovem de dezesseis
anos da graduação. — Só estamos eu e ele aqui, então suponho
que esteja falando comigo.
— Quem?
— Nicolas — ele aponta para o campo, de colete vermelho e
sem camisa, avisto Nicolas correndo com uma bola dominada. —
Você o conheceu ontem.
— Sim, um rapaz muito… Educado — não sei se era essa
palavra que eu estava buscando, mas acho que serve.
— Ele não deu em cima de você, não é?
— Deu em cima?
— Sim… Chamou para sair ou tentou beijá-la.
— Oh meu Deus, não! — Ele se ofereceu para me dar aulas,
mas não vi malícia nenhuma nisso, só uma gentileza — Tenho trinta
e seis anos, ele não faria isso… — André sorri, e balança a cabeça.
— Diga-me se algum dia ele fizer algo assim.
— Não acho que devemos nos preocupar com isso.
— Eu conheço esse menino desde quando ele era criança. O
pai dele foi meu professor, então sei muito sobre Nicolas Amaral.
Mas algo aconteceu com ele na graduação, não sei da história, mas
em um dia ele era um menino tímido, passadas as férias, se
transformou nisso aí.  — Nisso aí? Devo perguntar a Olívia o que
isso significa? 
— Se eu não estou errada, e entendi direito, ele é um…
— Um prodígio — acho que é isso — sim! Ele é. Não se gaba
muito sobre, mas é. Esse ano é sua defesa de doutorado. A
comunidade, não só acadêmica como a cidade, perderá um grande
achado. Ele é muito inteligente, superdisponível, está envolvido em
vários projetos e nem é como os professores regulares, que são
obrigados, às vezes ele mesmo cria o projeto, sabe? Mas diante de
tudo isso, ele ainda acha tempo para gandaia. — O que diabos é
uma gandaia?
O pessoal começa a se dispersar do campo, e todos saem
em direção a nós, uma vez que estamos na porta de acesso.
Nicolas vem com os mesmos caras que eu vi hoje pela janela. Ele
abaixou as meias, vejo as caneleiras à mostra, o short é largo
demais para ele. Os amigos já arrancaram os coletes, e se
banharam com uma squeeze.
Todos vão passando por André e seguem o mesmo padrão
de antes, vão o cumprimentando, e ele retribuí. Aqueles que não
dirigem a mim, balançam a cabeça e sorriem.
—  Professor Nicolas! Quanto tempo!— André chama-o e ele
sorri, vindo até nós.
— Dr. André, como vai? — vejo que os seus amigos só
sorriem e continuam andando. — Loren, passou bem a noite?
— Sim, obrigada.
— Jogando bola com seus alunos de novo? — Impressão
minha, ou é uma alfinetada? Nicolas engrandece o seu sorriso.
— Fizemos uma gincana, eu perdi e foi essa a minha prenda.
— Mas isso não vai se repetir, não é? Você sem camisa
jogando bola no almoço… Tinha algumas telespectadoras calorosas
aqui… — Ele perde o sorriso e concorda.
— Irei readaptar meus métodos.
— Muito bem. Você sabe do Bruno?
— Em reunião com os mestrandos — responde sério e não
com a leveza que eu conheci ontem.
— Obrigado. Vamos, Loren? Vou te levar até sua próxima
casa, o Museu.
Nicolas Amaral
Você já olhou para uma situação num todo e pensou: vai dar
merda?
Pois foi essa a sensação que tive quando estava saindo do
futebol com Leonardo e Yuri na terça.
Não é comum ver o André pelo campus, não mesmo.
Sabe como é: reitor, sempre ocupado, sempre preso nos
serviços administrativos e etcetera.
Há anos ele não pega nenhum orientando, então suponho
que ele queira algo na Inglaterra ou esteja fazendo o tal do network,
aquele em que sou péssimo.
É isso, ou sei lá… Talvez seja Deus, se é que ele existe, 
tocando no coração?
Mas independente de qualquer coisa, eu me fodi.
E nem é daquele jeito que eu gosto, com três bocetas e tudo
mais.
Eis que o abençoado reitor, além de pegar Loren como sua
orientanda, ainda resolveu fazer um tour com ela pelo campus.
O famoso “para inglês ver”, no sentido literal e abstrato da
fala. Mas é isso…
E aí você me pergunta: E daí, Nicolas?
E daí que não se passaram nem três horas para Bruno me
chamar educadamente, contém ironia, para seu gabinete.
Então eis-me aqui igual aluno do colegial que fez merda e o
pai está vindo buscá-lo. E conhecendo o dramalhão que é o André,
eu não duvido nada de que ele vá ligar para o meu pai. Como se eu
tivesse dois anos e não vinte e quatro.
— Professor Nicolas… Como vão as coisas? — Para quê
tantas voltas? Por que já não come meu cu e me libera?
— Bruno, vamos direto ao ponto?
— Sempre objetivo, garoto, gosto disso. O que você estava
fazendo sem camisa no campo?
— Sem camisa, mas de colete.
— Sem camisa, ainda sim. — Ele vai se apegar a esse
detalhe. Tá bom.
— Fiz uma gincana com a turma de biologia do quinto ano,
“perdi” e fui jogar futebol com eles. Tinham meninas também.
— Óbvio que tinham meninas. Quando algo que você faz não
envolve mulheres? — Não gostei do tom dele. — Nicolas, você tem
que parar com isso.
— Com o quê? Dar aulas? Usar metodologias ativas? Seja
específico, Bruno. — Ele engole em seco, pega o copo daquela
marca famosinha, que não combina nada com o seu estilo, e toma o
líquido. Agora pronto, estou  implicando com a marca de um copo.
Eu tomei meu remédio hoje?
— Você sabe muito bem do quê estou falando.
— Não sei, doutor… Vou precisar que seja específico. Mas
vou te ajudar. Estou há anos perambulando por esse campus, são
quase dez anos já, entre graduação e doutorado, e não achei na
política da instituição nada que proíba um professor, fora do horário
de trabalho, de usar as dependências da universidade para praticar
exercícios físicos.
— Você está tentando ser engraçadinho?
— Estou citando…
— Nicolas, você acha que a instituição não sabe que você
fode metade das mulheres deste campus?
— Uai…não sabia que as paredes aqui tinham poder de
fala… Mas não me recordo de nenhuma especificidade sobre
relacionamentos entre professor e aluna, e olha que eu decorei as
emendas institucionais, sem contar que fora da sala de aula, fora do
meu horário, sou só uma pessoa física, solteira, de vinte e quatro
anos, então não sei como isso causaria algum problema.
— As paredes aqui têm ouvidos… Muitos ouvidos! Pensei
que fosse óbvio que relacionamentos assim não são éticos. Não
precisa estar escrito nas emendas institucionais.
— O óbvio precisa ser dito… — Quem sabe eu deveria largar
a biologia e tentar ser advogado?
— O André recebeu uma denuncia contra você. — Assim, no
seco… Ouch.
— Denúncia?
— Sim, Bianca, sexto ano de geologia, se recorda dessa
aluna?
— Geologia? Há eras eu não dou aula para a geologia,
Bruno…
— Está cumprindo carga horária na turma de Espeleologia,
no quinto ano de Biologia… — Porra! Não, ela não ia fazer isso.
Estava tudo acertado, Bianca sabia como funcionam as coisas. Eu
não transei com ela em nenhum momento neste período, mesmo
que tenha sido bem taxativa em querer de novo. Nos conhecemos
em uma chopada, nem sabia quem era ela, qual curso ela fazia na
época. Puta que pariu. — Pelo seu silêncio, acho que você se
recorda da aluna.
— Não, não sei quem é. Sabe como são as coisas… Dou
aula aqui, na capital… — Melhor remédio pra doido é loucura.
— Aparentemente ela quer que você reveja a nota dela no
último relatório, se a nota for menor que sete, ela tem altas chances
de reprovar, de novo, e ainda estamos em abril. — Bianca já havia
pedido que reconsiderasse a nota dela três vezes, e eu disse que
não. Inclusive ela deixou bem claro o que teria  em troca.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Minha cama não é sinônimo de aprovação ou facilidades
acadêmicas.
Sou um puto, mas um com princípios.
Princípios questionáveis? Sim! Mas ainda assim, são.
Onde se enfia a minha ética?
Tá certo que não é ético dormir com as alunas, mas elas
chegam lá já sabendo. Eu sou bem claro que não fico com elas
enquanto sou professor delas.  
E é consensual.
Algumas chegam a ser mais velhas que eu!
Essa Bianca ficou comigo há mais de um ano, de onde ela
tirou essas ideias?
— Não tenho nada para rever. O relatório está mal-feito, com
escrita científica  errada, sem tabelas e gráficos. O quatro que ela
tirou ainda está bom, se fosse mais minucioso, a nota final seria no
máximo um e meio.
— Então você sabe quem é a aluna…
— Ela pode ter me enviado algumas fotos dela seminua…
Fotos essas que eu não pedi, e podem ser consideradas assédio
sexual… — Nicolas! O seu problema é não ficar calado.
— Sabe, Nicolas… A minha vida era mais fácil quando você
era… — ele protela, e eu fico aguardando — diferente — diz por fim.
— Eufemismo do ano, Bruno. Pode falar. Pode se expressar
da forma real, não vou te processar… Quanta mitigação podemos
colocar a mais na sua frase… Vejamos… Quando eu era invisível e
não passava de um dez bem redondo no seu diário acadêmico,
quando era socialmente excluído, quando apresentava trabalhos
sozinhos, pois não tinha um grupo. Quando as pessoas só iam até
mim na prova em dupla, porque era a chance do fechamento da
nota delas, e elas estavam fodidas demais em qualquer matéria, ou
estavam de ressaca. É dessa época que você sente falta?
— Nicolas, eu não disse isso…
— Uai, não precisa — sinto minha pele suar frio e lembro-me
que esqueci de tomar as vitaminas, de novo. — Estou em cima do
horário, podemos finalizar isso aqui?
— Você vai dar os pontos para Bianca.
— Não vou.
— Vai sim, Nicolas, se não…
— Se não o quê? Vai tirar a matéria de mim? Ótimo! Minha
carga horária está bem puxada. Vai cortar minha bolsa? O que isso
diz sobre vocês? Sobre a instituição?
— Nicolas…
— Nicolas nada. Sabe uma coisa que você falou sobre o
“Nicolas de antes”? Pois bem, o de antes não tinha autoestima o
suficiente para falar. Mas eu tenho. Eu sou o único que pode trazer
um PhD para o departamento. Você é inteligente e sabe disso.
Então vamos lá, o que você quer falar para mim? — Ele coça a
cabeça sem cabelos e passa a coçar a barba.
— Vou pedir a Quésia para assumir essa aula.
— Ótimo, obrigado por isso. Mais alguma coisa?
— Só pare com isso. Eu ainda vou tentar minimizar a
situação com o André.
— Pois bem, se precisar do meu celular, ele está às ordens.
E dependendo do desdobramento sou eu quem vou abrir uma
denúncia formal contra ela. Por todas as fotos nuas que ela me
envia, sem que eu peça. Vou abrir uma denúncia de assédio sexual,
e…
— Não mexe com isso, vai dar merda. Quem vai acreditar em
você? Por favor, Nicolas, não vamos piorar uma situação ruim. O
quê você vai dizer? Transei com uma mulher, ela me envia fotos
nuas, agora sou o professor que quer reprová-la pelo seu péssimo
desempenho acadêmico? Você é o detentor do poder aqui, bonitão.
— Por que é tão difícil pensar que uma mulher pode assediar um
cara?
As pessoas têm que entender que não é não. Independente
de qualquer coisa. E termos transado uma vez não significa que eu
seja obrigado a querer de novo, ou tenha que fazer algo em troca
pela transa consensual que tivemos.
Eu sei que as espécimes dos dito homens, soltos por aí,
fazem dessa uma afirmação por muitas vezes ilógica, mas acho que
evoluímos o suficiente para não colocarmos todos em um mesmo
pote.
— Se ela faz tudo por três pontos, faço muito mais pela
minha imagem. Ninguém, Bruno, nunca mais vai falar coisas sobre
mim que eu não sou. Não aceito mais ser rotulado. Se preciso for,
vou para outra instituição, nem que seja privada. — Ele fecha a cara
e não parece nada amigável agora.
— Sua pesquisa já foi escrita no conselho e…
— E eu abandono e começo outra. Tenho vinte e quatro
anos, não é como se fosse a última pesquisa da minha vida. Boa
tarde.

— Pela sua cara, eu vou julgar que a sua semana foi uma
merda.
— Você me anima muito, Cadu. — Ele me dá um soquinho
no ombro e chama o garçom.
— Sei lá, só me parece isso. Vai falar o que aconteceu no
“fantástico mundo de Nicolas” essa semana? — Esse é o jeito que
Carlos Eduardo apelidou meus devaneios quando nos encontramos
a primeira vez e eu vomitei toda a minha história nele. — Não é
comum você beber na sexta-feira, ainda mais em um bar cheio de
alunos seus. E pior, negar uma ida ao The Jungle.
— Uma aluna abriu uma denúncia alegando — o que ela
estava alegando mesmo? Melhor maneirar na cerveja — sabe como
é… Sexo com o professor, ela queria nota, e você sabe como sou
em relação a isso… e aí meu reitor me pegou sem camisa, mas eu
estava de colete…
— Uai…Você quase nunca tira a camisa… — Viu só, André?
Engole essa, cuzão.
— E de colete — todos resolveram ignorar esse fato? —,
jogando bola com a turma de biologia, e enfim. Foi isso.
— Só isso?
— Aí o Bruno foi cuzão e falou… cê sabe. — Fiquei sem
tomar meus medicamentos por dois dias, devo contar essa parte?
— Tive uma sessão de terapia hoje e minha psicóloga falou que eu
não deveria canalizar meu ressentimento em transas casuais, e fez
aquele discurso sobre ética. Ética a qual, de acordo com a
sociedade e minha psicóloga, não estou levando a sério.
A verdade é que também sei disso, mas prefiro não admitir.
Nem para mim mesmo.
Certa vez, li um livro em que a personagem gostava de
gastar dinheiro com a terapeuta à toa, eu a julguei e me tornei
exatamente como ela pelo jeito.
— Boa noite, bem-vindo à República do Coreu, em que posso
ajudar? — O garçom interrompe nossa história.
— Amigo, traz um chopp artesanal, e duas doses de Salinas.
— Cadu responde ao garçom simpático.
— Não vou beber pinga hoje.
— Eu sei o que é melhor para você, relaxa. Mas você está
cansado de saber disso, certo?
— Por favor, Cadu, sermão não…
— Sermão sim, Alazão. — Eu odeio quando ele veste a
persona do Grilo Falante da minha vida — Já conversamos diversas
vezes, Nickinho, e para você estar aqui, nesse estado, tenho
certeza que não foi tão ok assim.
— Não foi, porra! Meu cu não passava wi-fi, Cadu. Eu dei
uma de grandão,  pois estava tão puto com a aluna, com o André,
com o Bruno e suas falas atravessadas… A raiva me impulsionou…
Mas, queria sair correndo. É o trabalho da minha vida, faltam meses
agora, meses para foder tudo. Já imaginou perder mais de quatro
anos de pesquisa?
— Por causa de boceta ainda. Coisa que você pode ter aos
montes na The Jungle, e mais de uma por vez. Onde está o seu QI
altíssimo? Perdeu com o cabaço?
— Não fode, Carlos Eduardo.
— Eu já tinha te avisado, cara, essa merda de pegar aluna…
Isso uma hora ia dar ruim e não me venha com essa que você tem
regrinhas, é ridículo. Presta a atenção… Ela provavelmente não fez
uma denúncia formal, se não estaria te acolhendo em minha casa,
você ainda é um aluno no doutorado, perderia a bolsa,  vaga de
professor e depois você ficaria sem teto, é o mínimo. Mas já pensou
no tanto de coisas que transar com elas poderia te acarretar?
— Sei.
— Não parece. Essa aluna te ameaçou por três pontos, e o
que vai ser da próxima vez? Elas vão dar para você em algum
momento querendo facilitação de provas? De trabalhos? E quando
não conseguirem, vão dizer que foram coagidas por você. Vão te
ameaçar sempre, e você vai viver nesse limbo, entre ética e tesão?
Cabe a você até um processo de assédio. E tudo isso por quê?
Você não consegue segurar seu pauzinho, como um adolescente
virgem de treze anos? — Faço dedo para ele que devolve.
Muito maduro, Nicolas.
— Eu sei disso tudo, não preciso que você liste os meus
delitos e em quais crimes me encaixo.
— Preciso, mas não vou entrar nesse ponto. E depois disso
tudo, você enfiou aqueles ossos de dinossauros no cu dele? Do
Bruno, ou do marido, tanto faz. — Cadu poderia ser muitas coisas,
mas ainda era o meu melhor amigo.
Pelo jeito, não só a foder ele iria me ensinar nessa vida.
— Não posso, é crime.
— Sério?
— Claro, depredação de patrimônio científico.
— Posso enfiar meu estetoscópio no rabo dele. — Gargalho
e viro o resto da minha cerveja. — Não é crime isso.
— Uai, exercer indevidamente a medicina veterinária, não é?
— Não é, nenhum deles estaria em uma consulta comigo.
Infelizmente, só posso consultar animais.
— Mas nós somos animais, sabe… Você deve ter estudado
em algum momento. Perante a taxonomia, somos classificados…
— Céus! Nem mesmo com álcool você desliga? Eu sei
espertinho, fiz faculdade também, ou você acha que tirei meu
CRMV[20] do cu? Não responda. Enfim, foda-se. Quem liga? — ele
dá de ombros. — Algo mais que eu deva saber do Nicolasverso? —
É a minha vez de dar de ombros e suspirar.
— E foi isso… Acho que vou recorrer ao celibato. Minha
psicóloga ficará feliz, minha carreira ficará feliz. A única parte triste
nesse acordo será meu pau.
— Jamais, boceta é bão demais. Reserve suas fodas para
The Jungle, e a terra voltará a girar normalmente. Lá você se farta,
ninguém se importa quem é você, e depois você volta para Ouro
Preto, e sabe como é, né? — Peço outra cerveja, e Cadu me olha.
— Já bebeu quanto hoje?
— Acho que essa é a terceira? Quarta?
— Você chegou há meia hora. Vamos agora beber água.
— Você estava me oferecendo cachaça agora.
— Mudei de ideia. Quero você sóbrio.
— Não vou na The Jungle hoje, amanhã tenho visita técnica
na Gruta Do Lapinha.
— Mais um motivo para você não beber… E tem mais.
— Mais?
— Estou considerando me mudar…
— Se mudar? Para onde?
— Não sei, cara… Você sabe que a minha vibe é gado…
Reprodução assistida, essas coisas, estou preso aqui há dois anos
cuidando de cachorro de madame… Não que eles não mereçam
cuidado, mas porra… Eu quero mais sabe?
— Hmm, você sabe que não combina com você, né?
— Como assim?
— Cadu, olha o seu estilo… Cara, você usa gola polo, seu
perfume é importado, o que é esse cardigan amarrado no pescoço?
— Olho para ele e busco mais sinais de heterotopismo.
— Nick! Qual é, cara?
— Você vai usar jaleco no pasto!
— E daí? Eu sou médico veterinário, é óbvio que eu vou usar
jaleco, é meu uniforme. — Apoio a cabeça nas mãos e sorrio para
ele. — É na fazenda onde minha mãe trabalha.
— Então isso já é certo? Você já está indo?
— Vou cumprir um mês de aviso prévio.
— Pelo amor de Deus, quero fotos de você trabalhando
enterrado no estrume! — gargalho. — Já pensou? Você tendo que ir
buscar leitõezinhos no chiqueiro, enchendo sua unha de lavagem!
— A cena é impossível de ser criada em minha cabeça, mas só de
pensar nela, eu automaticamente tenho crise de risos.
— Ha. Ha. Ha. Superengraçado, Nick, ria mais. — E é o que
eu faço! Não faz sentido tudo isso. É como misturar água e óleo. —
Vamos voltar ao seu falso celibato que não vai durar três dias?
 
Loren Thompson
Minha primeira semana transcorreu bem na cidade
encantada.
Vou sim continuar chamando esse lugar assim.
Ainda mais depois de passar uma semana inteira no museu.
A conservação da história, o cuidado com a exposição, as pessoas,
por quem  encanto-me cada dia mais, me fazem agradecer muito a
insistência de Suzanne para que seguisse essa linha de pesquisa e
todo o incentivo para vir para cá.
Ah… As pessoas são algo que devo exaltar por aqui, pois
meu encantamento não pode ser descrito só por esse termo.
Precisa ser destrinchado.
O Senhor José ou Zé, como ele falou que posso chamá-lo, é
o marido da Dona Flor, e todos os dias quando eu desço para o
café, ele sorri e pergunta se estou precisando de alguma coisa.
Duas vezes por semana, ela coloca um buquezinho de flores locais
em um aparador que tem na entrada do meu quarto.
No domingo, eu dormi mais tempo do que o normal, quando
desci, pensei em ir até a padaria que achei no google, mas Flor, que
insiste em ser chamada assim, me levou até o cantinho da sua
cozinha, e me alimentou.
Céus, sinto que ganharei mais peso em seis meses do que
ganhei na última década.
Depois daquela terça-feira, a do futebol, não vi mais Nicolas.
Quer dizer oficialmente, pois ele parece seguir árduamente a
rotina de correr todos os dias pela manhã, sempre com os mesmos
rapazes. Durante dois dias, eu o vi correndo à noite. E, desde então,
mais nada.
Como ele mesmo disse naquele primeiro contato, a cidade é
quase fantasmagórica na segunda e na terça.
Estou mais um dia na minha segunda casa em Minas Gerais,
o Museu da Inconfidência.
André disse para eu ficar à vontade e, desde o dia que ele
me trouxe até aqui e me apresentou a gerente do museu, não o vi
mais.
Jamile, a gerente do museu, é uma moça — céus! já estou
começando a falar como eles — muito linda que parece morar aqui
dentro. Ela é sempre muito solícita e além de me explicar sobre a
exposição, sempre está disponível para me levar ao acervo e
ajudar-me a procurar o que eu acho que preciso.
Decido dedicar o dia de hoje ao “Salão do Império”, em busca
de sustentar minha tese que alguns costumes perduram até hoje na
sociedade. Seguro minha prancheta com forçae anoto alguns itens
que eu quero acessar no acervo do museu e, por incrível que
pareça, reconheço um timbre de voz.
— Atenção, turma, presta atenção em mim! O que
combinamos em sala de aula?
— Não podemos tocar nas peças do museu — uma voz jovial
responde. Aproximo-me deles, sem ficar completamente exposta e
os observo-os.
— O que mais? — Nicolas pergunta.
— Nem bater no vidro. — alguém atrás da fila responde.
— O que nós veremos nesse museu? — Ele torna e
perguntar.
— Resquício da presença da coroa portuguesa e a
inconfidência mineira — um adolescente responde na frente da fila.
— Muito bem, pessoal! As fichas técnicas nos auxiliam no
passeio. Não podemos sentar nos móveis, não podemos tocar em
nada, e onde vocês devem permanecer?
— Em frente aos seus olhos.
— Muito bem, começamos pela minha esquerda — Nicolas
começa a conduzir uma turma de adolescentes pelo Museu da
Inconfidência, e ainda não me viu.
Quésia, a neta de Dona Flor, vem com os alunos atrás, e com
eles tem mais duas professoras, pelo menos suponho que sejam.
Decido seguir sua visita ao museu, e percebo como sua
oratória é boa, como ele conduz os alunos e principalmente a
paciência que faz isso.
Ele explica como a casa funcionou ao longo dos anos, do
período em que a cidade  foi capital do estado, de quando trocou o
nome de Vila Rica —  porque era chamada assim — para Ouro
Preto.
Na sala do Império, mostra os resquícios da coroa
Portuguesa no Brasil, e eu anoto as coisas que ele fala, e pretendo
perguntar depois.
Nicolas abre um espaço para perguntas e então, por quinze
minutos, ele vai respondendo à turma de jovens animadamente.
Nicolas os libera para banheiro e água antes de seguirem com a
visita guiada.
— Pensei que você fosse biólogo — digo ao me aproximar.
— Loren — Ele dá um sorriso tímido, e acanhado, eu diria. —
Quanto tempo!
— Uma semana, não que eu esteja contando — dou-me
conta do que eu respondi e coro. Loren, é só um garoto.
— E sua pronúncia melhorou consideravelmente. Parabéns!
— Obrigada! — É bom ouvir isso. Os métodos de Oli foram
eficazes, mas estar inserida em lugares onde a língua é constante é
uma metodologia totalmente eficaz. — Então… decidiu continuar
sua graduação parada de história?
— Não… isso — ele aponta para as crianças — é um projeto
social. Eu me inscrevi há uns anos na secretaria de cultura e faço
um trabalho voluntário algumas vezes no mês com as crianças da
rede pública de ensino.
— Nossa, Nicolas! Isso é muito legal.
— Eu estudei na universidade pública, acho que todos
deveriam fazer algo em sociedade para “devolver” — ele faz aspas
com os dedos — para as pessoas de alguma forma todo o
conhecimento adquirido lá dentro. Meus pais sempre fizeram isso, e
decidi fazer o mesmo.
— Nick, as crianças estão prontas — Quésia aparece e
chama.
— Claro, vamos seguir.
— Posso acompanhar a visita guiada? — pergunto.
— Claro, fique à vontade. — Ele toma seu lugar na frente e
começa a conduzir a turma ao segundo piso do museu.
Começamos a visita pelo lado esquerdo do lugar onde temos
diversas pinturas de Mestre Ataíde, um pintor mineiro de estilo
barroco, superconceituado. Seguimos pelas salas de esculturas,
depois a sala de arte religiosa, passando pelas salas do triunfo
eucarístico, em seguida para a exposição de oratórios, e ele ressalta
a importância das peças para estabelecimento da religião, até
então, euro centralizada, o catolicismo romano.
Percebo que eu não havia levado em consideração as
crenças religiosas para minha tese antes das falas dele, e então
faço um círculo na palavra “religião” e depois tentarei perguntá-lo
mais sobre o assunto.
A sala de exposição de Aleijadinho ganha uma cara nova
quando Nicolas conta a história do escultor. Além de escultor, ele foi
um arquiteto e entalhador local, reconhecido nacionalmente pelas
suas obras e feitos durante o que Nicolas chamou de Brasil
Colonial.
Suas obras seguem um estilo barroco, nascido na Itália, e o
estilo rococó, aparentemente começado na França. Marco com
asterisco, para priorizar em meu texto, e sigo com a turma até a
exposição de mobília.
As pequenas camas, cadeiras e mesas chamam a atenção
dos alunos que questionam o professor à frente.
— Os europeus eram pequenos, logo a mobília seguia o
padrão do tamanho deles.
— A fessora de história disse que muitos de nós podemos ter
origem europeia, e você não é pequeno, fessor.
— Luana, eu sou belo-horizontino, não sei se posso entrar na
comparação da professora de vocês — a turma ri —, mas temos
que considerar que hoje em dia somos muito miscigenados.
Podemos ter alguma origem europeia, mas também podemos ter
uma parcela africana, e eles eram maiores. Sem contar nossas
origens indígenas. Para saber exatamente sobre nossas possíveis
origens, deveríamos, cada um, fazer teste de ancestralidade
genética.
— Ainda acho impossível uma mulher adulta cabê dentro
disso — uma aluna aponta o espartilho exposto e de fato é bem
pequeno.
— Vou provar para vocês que uma mulher europeia pode ser
menor.
— Hum, como, fesso?
— Loren, pode vir aqui na frente? — Loren, eu? Aponto para
mim, e ele sorri. — Essa é a Loren — ele diz quando, com meu
rosto, pescoço e colo corados, me dirijo até onde ele está —, minha
amiga inglesa. — Nicolas se abaixa e sussurra em meu ouvido —
Você já fez teste de ancestralidade genética? — Eu assinto e ele
revira os olhos. — É a cara dos estrangeiros fazerem isso. —
Concordo, porque contra fatos não há argumentos. — Qual o
resultado?
— Sou cinquenta e oito por cento inglesa, trinta e quatro por
cento irlandesa e oito por cento galesa.
— Uma puro sangue então — ele ri. — Como eu estava
falando, Loren é uma mulher cem por cento europeia, para ser mais
exato ela é de origem total das ilhas britânicas, ou seja, vai ser um
ótimo padrão comparativo. — Ele me pega pela mão e me coloca ao
lado da peça e me sinto envergonhada por ser o centro de atenção
daqueles pequenos jovens.
— Nuuuuu, fessô, ocê é treis veiz o tamanho dela, uai! —
Olho para Nicolas ao meu lado e percebo que realmente ele é bem
alto, comparado aos meus 1,54m. Olho-o de baixo para cima e, se
fosse beijá-lo, eu precisaria de um suporte.
Não que fosse beijá-lo um dia.
Obviamente.
Nicolas arranha a garganta e se volta para os alunos.
— Pois bem, como vocês podem ver, Loren, licença — ele
pede e toca minha clavícula com uma mão, e a outra toca meu osso
próximo ao cós da calça que estou usando. Sinto a temperatura da
sua mão, junto a pressão leve do seu toque, meu coração dispara e
meus pelos se eriçam —, tem o tronco menor do que a… Venha
aqui, Jéssica — uma aluna com a forma corporal próxima a minha
se aproxima receosa, mas para ao meu lado. — A anatomia das
duas é bem próxima, mas vocês percebem que — mesmo Loren
sendo uma mulher adulta, e Jéssica ainda estando em
desenvolvimento — tem uma diferença considerável de uma para a
outra? Levando em consideração que o espartilho era ajustado
debaixo dos seios, vocês conseguem ver que ele poderia ser usado
em Loren. Poderia talvez ficar um pouco apertado, pois todos…
— Estamos em constante evolução — alguém fala ao fundo,
e ele sorri.
— Bom saber que estão prestando atenção nas coisas que
eu digo em sala. Mas como Eduardo completou ali atrás, esse é um
espartilho europeu do século XVIII, então vários fatores nos trazem
a forma corporal que temos hoje. A demonstração de que os
europeus são menores, e que temos que levar em consideração
mais de duzentos anos cronológicos evolutivos, foi o suficiente para
vocês, senhoras e senhores?
— Sim! — um coro toma conta da sala que ecoa.
— Obrigado, Loren, por ser nossa modelo. Vamos continuar
nossa visita.
Essa já é a última sala de exposição, então ele abre para
perguntas de novo. Aguardo Nicolas finalizar as explicações,
prestando atenção e anotando algumas coisas.
— Próxima semana, nós vamos ao Museu de Mineralogia,
fechado? — combina com a turma que sorri animada — E a
professora Quésia vai levá-los de volta à sala de aula.
— Aaaaaah — um coro de insatisfação é solto pela turma, e
ele abre um sorriso.
— Sejam bonzinhos, se não, sem ajuda do tio Nick na feira
de ciências. Tcha-au! — ele dispensa a turma que segue em fila
para fora do museu.
— Ei, Nicolas, posso falar com você? — digo quando vejo-o
pegando suas coisas no guarda-volumes.
— Claro! Em que posso ajudar minha modelo inglesa? — o
jeito como seus olhos fixam em meu rosto me deixa sem graça,
coço a nuca, e penso se isso vai ser uma boa ideia.
Primeiro, ele pode nem topar, para começo de conversa…
Segundo, Nicolas parece ter tendência a ser invasivo, não
por consciência, pelo menos não parece ser, e eu sou reservada…
E…
— Loren?
— Desculpa, então… Eu vi que você tem um conhecimento…
Não sei a palavra para o que eu quero dizer. — Sinto-me corar, e ele
ergue uma sobrancelha.
— O que você quer falar?
— Quando você tem um conhecimento adquirido, entende?
— Sim, se chama etnoconhecimento.
— Isso! Dever ser isso. Como se escreve? — Ele pega a
prancheta e a caneta de minhas mãos,  me toca no percurso, e
como desculpas oferece só um sorriso sem dentes.
Ele escreve a palavra em uma caligrafia elegante demais
para ser masculina, não que eu esteja estereotipando.
Percebo que estou a tempo demais analisando a palavra, e
então sorrio.
— Vou procurar no google se é isso, mas acredito que seja.
Enfim, você acha que poderia me ajudar com algumas coisas?
Talvez uma visita guiada pela cidade possa me auxiliar em
valorizar…? — é essa palavra? — e sustentar minha tese.
— Claro! Eu não posso me comprometer com uma
regularidade alta, mas acho que posso te levar para conhecer um
local por dia. O que acha?
— Para mim, ficaria ótimo.
— Bem, esse — ele pega novamente minha prancheta e
toma notas — é o meu número, me envia um “oi” e a gente
combina.
— Obrigada.
— Não por isso… Eu tenho uma pilha de provas para corrigir.
— Pilha? Isso não é aquele objeto que dá … eletricidade as coisas?
— Preciso realmente ir, e me dedicar a isso.
— Obrigada. Pela ajuda e disposição.
— Que isso, não é nada.
Loren Thompson
Releio minha tese, olho minha hipótese e nada.
Estou assim desde o horário que cheguei do museu.
Para ser específica duas horas.
Penso em Nicolas e nos ensinamentos que ele passou para o
grupo hoje, e penso se tem alguma fonte que eu possa usar e
melhorar o texto.
E é movida a isso que mando uma mensagem.
Oi.
Olá, Loren.
 
Sua resposta chega rápida, e vejo que a foto de perfil dele no
aplicativo de mensagens tem a cidade ao fundo, eu gostaria de ter
uma foto assim, pois acho que nunca mais voltarei aqui.
Afinal, minha viagem para cá é exclusivamente para essa
pesquisa.
 
Você disse que
eu poderia enviar
uma mensagem,
se precisasse
de ajuda, e seria
muito útil uma fonte
para justificar o meu
texto, os livros que André
disponibilizou são muito
subjetivos, a internet,
em sites acadêmicos, também.
Eu preciso da história local,
costumes locais, entende?
Você teria algo assim?
Seja livro ou revista científica
local?
Hmm..
Eu mesmo não tenho,
mas tem um cara daqui
que faz história, deixa eu
ver com ele.
Um minutinho.
 
Por que ele escreveu no diminutivo?
Enquanto eu espero, olho as horas e faço o cálculo se é tarde
ou não para ligar para Emma na Inglaterra.
 
Voltei.
Ele tem sim.
É um calhamaço.
Posso levar para você?
 
O que é um calhamaço?
 
Se eu precisar saber
o que é um calhamaço,
vou dispensar.
KK’
É um livro robusto,
grande… Entende?
Ah, okay.
Se você quiser
posso ir buscar,
não quero te
incomodar.
Loren –’
Eu moro em frente,
literalmente.
Vou levar para você.
Muito obrigada.
Vou descer.
 
Estou colocando os sapatos para descer, quando recebo um
e-mail da minha orientadora, com nossa diferença de horários,
quase não conseguimos nos falar algumas vezes. Respondo-lhe a
sua dúvida sobre as datas e desço.
Abro a porta abruptamente, e a cena que se desenrola na
curta calçada é o que me para.
Nicolas e Quésia parecem estar em um embate caloroso.
— Você não tem jeito! Parece que tem prazer em viver nessa
loucura. Você não é mais o bom moço que chegou aqui, e… —
Quésia o acusa gesticulando ferreamente. Já ele possui a postura
alerta e agarra o livro pesado em suas mãos.
— E o que você tem a ver com isso, Quésia?
— Eu gosto de você, e…
— E porra nenhuma. Você não pensava assim há cinco anos.
Podemos pular essa etapa? Já faz cinco anos. Cinco. Por favor,
pare de desgastar o respeito que ainda sinto por você, por causa da
Flor, só pare. — Eles namoraram?
É impressão minha, ou todos vêm ao mundo com uma veia
curiosa?
Se eu fosse Emma, seria cara de pau o bastante para
perguntar antes mesmo de dar boa noite.
Mas não sou a Emma, então vou dormir e sonhar com o
desfecho dessa história.
— Então vai ser assim? Você vai continuar enfiando seu
pau... — ele a corta.
— Vai, vai ser assim, vou continuar enfiando meu pau onde
quiser, quem quiser me dar e eu quiser comer,  vou fazer e foda-se.
Para com isso. Ou eu mesmo vou conversar diretamente com a Flor.
— Já li livros eróticos demais desse país para não entender do que
se trata isso.
— Você vai envolver a vovó nisso? — Ela recua dois passos.
— Pelo amor de Deus e Nossa Senhora, Nicolas! Ela é uma idosa, e
nós somos adultos.
— Não estamos sendo adultos neste exato momento,
Quésia. Ir ao departamento e confirmar uma história que você não
conhece foi baixo... Até mesmo para você. É por isso que digo, se
insistir nisso, sim, vou conversar diretamente com a Flor!
Não vejo quando um hóspede se aproxima, mas levo um
susto ao ser cumprimentada e automaticamente notada.
— Noite, moça.  — As duas cabeças que até agora
discutiam, se viram em minha direção.
Sinto toda a vergonha de ter sido pega espionando
estampada em meu rosto.
Posso jurar que ouvi um “Amém” sair da boca de Nicolas—
Acho que esse momento é inútil — ela diz sem graça, vindo em
direção à pousada.— Pelo menos nisso, concordamos.
— Boa noite — ela diz rudemente e entra sem esperar uma
réplica.
— Oi — cumprimento-o sem graça.
— Oi, Loren, me desculpe pelo show.
— Que show? — Prefiro sair pela tangente do que deixar
meu lado curioso tomar a vez.
— Isso é muito gentil de sua parte. Enfim, trouxe o livro, e ele
tem algumas marcações que meu colega usou no ano passado,
deve ser bem útil. — Ele me entrega o livro.
— Obrigada por isso. Eu estava achando o meu texto pouco
argumentado. Vai ser muito útil.
— Não por isso. — Ele tem o rosto tenso, de quem está com
a cabeça a mil, e quem precisa espairecer, ou vai explodir.
E eu não sei movida a que, decido fazer algo que não é o
meu comum.
— O André esteve um pouco ausente essa semana, e eu
descrevi minha metodologia, pelo menos acho que descrevi. Você já
tem o título de mestre, se importaria de dar uma olhada no meu
texto... Bom, eu sei que não é sua área de dominação, mas você se
ofereceu uma vez. — Ele protela um pouco, e logo emendo — Se
puder, obviamente.
— Posso, ia só me jogar no sofá mesmo, e ficar fazendo
vários nadas. — Eu sorrio, pelo menos acho que sim, e abro a porta,
guiando-o para o meu quarto.
O que raciocino depois, Céus! Estou levando um homem
jovem para o meu quarto, o que será que vão pensar de mim?
Mas, essas pessoas não têm nada a ver com a minha vida,
certo?
Deus, morar com Emma esses anos fez de mim uma libertina
que não liga para a opinião alheia.
O que essa atitude diz sobre mim?
Mas é um cara doze anos mais novo.
E você não vai fazer nada com ele, Loren.
— Esse é o meu quarto — abro a porta, convidando-o
silenciosamente para entrar.
— Esse é o melhor quarto da pousada.
Suponho que seja, pois é amplo, arejado, tem sacada
própria, janela do chão ao teto, banheiro privativo espaçoso e com
banheira. É bem tecnológico, mas mantém a arquitetura clássica da
cidade. E a luz que entra de manhã e no fim de tarde é maravilhosa.
— Deve ser…
— Vai por mim, é sim — ele é enfático na afirmativa.
— Como sabe? Parece estar tão certo disso.
— Porque morei aqui. Nesse mesmo quarto, durante quase
três anos.
— Mesmo?
— Sim. Quando fui aprovado na universidade, era menor de
idade. Meus pais não queriam sair da capital para ficar aqui comigo,
então até eu ficar maior de idade, morei aqui. A Flor é como uma
segunda mãe para mim. Ela passava um relatório semanal para a
minha mãe — ele sorri —, elas ficaram muito amigas. Até a minha
vaga na república surgir, fiquei aqui. — É assim que conheceu a
Quésia?
— E tem algum segredo seu arquivado aqui? — ergo a
sobrancelha para ele. — Talvez uma horcruxes [21]escondida? — Ele
gargalha e balança a cabeça.
Percebo que Nicolas mantém os cabelos um pouco mais
longos e ondulados, do que havia notado anteriormente, chegam a
cobrir a orelha. Essa observação direta da sua imagem, me deixa
um pouco desconcertada, abro o computador, enquanto ele fecha a
porta.
— Até tem, mas prefiro que você não desvende esse enigma,
e nem mate um pedaço da minha alma — fala baixinho.
— Bom, se você quiser pular a introdução e ir direto à
metodologia, não vou me importar — digo abrindo o arquivo.
— E perder os créditos? Não. Vou ler tudo o que você tem.
Eu leio bem rápido.
— Okay. Fique à vontade. — Dou espaço para ele se sentar
na minha mesinha de duas cadeiras. — Vou ficar na cama,
analisando o livro. Se ficar com dúvidas, é só falar.
— Sim, senhorita Thompson. Mas vai por mim, após mais de
quatro anos em uma sala de aula universitária, nada, repito, NADA
pode me chocar. Já li de tudo um pouco.
Ele senta-se e passa a ler o arquivo quieto.
Ficamos assim durante um tempo, e então meu celular toca.
Emma. Em uma chamada de vídeo. Não sei se devo atender,
pelo horário em Londres, ela pode bem estar tomando banho.
Nunca tivemos muitas restrições quanto a isso uma com a outra.
— Se eu atender, irei atrapalhar você?
— Jamais, fique à vontade. Já te falei, quem dá aula, está em
um outro nível de alma, somos canonizados, fazemos mais de uma
coisa ao mesmo tempo — ele segue lendo, e eu atendo-a.
— Oi, Emma. — Seu rosto um pouco bêbado preenche a
minha tela.
— Loooooooooou, eu estou numa pior.
— E bêbada. Você está sozinha?
— Não! Trouxe a Amber comigo. 
Amber anteriormente era secretária de Daniel Valentine,
quando Emma começou a trabalhar lá, ela fazia a vez de relações
públicas e assistente dele, mas com Belle montando a própria
marca de roupas masculinas, Em obrigou — figurativa e literalmente
— Daniel promover Amber, sua amiga do café, de secretária para
assistente, e essa amizade vem crescendo a cada dia.
Um fato sobre Emma, é impossível não amá-la.
— Mande um “oi”. Onde vocês estão?
— No Magic Mike. — Ah, não! Emma vai ser a sociopata
perseguidora de gogoboys agora?
— Hmmm, não sei o que achar disso.
— Não tem que achar, pelo jeito o Heitor não está aqui
hoje, por isso eu bebi.
— Se ele tivesse... O que você faria?
— Um boquete! — Ela grita, e antes que eu possa abaixar o
áudio, Nicolas explode em uma gargalhada. — Quem está aí?
— É o Nicolas.
— O universitário?
— Sim. Ele é professor, pedi a ele um auxílio sobre minha
tese.
— Quero vê-lo! — ela diz animada.
— Nicolas, minha prima louca quer te conhecer — falo com
ele em português, pois estou no país dele, e por mais que não se
importe de conversar comigo em inglês, acho extremamente
soberbo conversar em outra língua.
— Acho que eu posso dizer “oi” — ele responde, ajeita o
corpo na cadeira, e sorri.
— Em, esse é o Nicolas — viro a câmera para que ela o
veja, e ele acena para o celular.
— Caralho, Lou, ele é gostoso! — ela diz empolgada, como
só uma Emma bêbada pode ser. Meu coração dispara, e eu fico
atônita. Ao contrário de Nicolas que gargalha.
— E ele fala inglês — falo alto desvirando a tela.
— Ótimo, assim posso desenrolar com ele. HEY NICK!
Minha casa em Londres está aberta para você! — ela diz alto.
— Posso ver se faço meu PhD aí — ele fala para que ela
escute.
— Minhas pernas também.
— Emma! — Eu deveria prever isso, por que, Deus?
Já é tarde demais, Nicolas se sacode de rir, com as mãos na
barriga, e o quarto parece ter aquecido ao ponto de fusão, tamanho
o calor que toma todo o meu corpo devido à vergonha.
— Vou desligar, a Amber trouxe shots, ligo amanhã. —
Simples assim, ela desliga.
— Me desculpe por isso.
— Por favor, me apresente sua prima. Jamais peça
desculpas. Eu estava tendo um dia de merda, e ela aliviou o meu
estresse.
— Que bom que se divertiu. Já eu, vou fingir que essa cena
nunca aconteceu, e vou perguntar o que está achando do meu
texto.
— Muito bom, vou deixar alguns comentários, para ver se
você consegue implementar, mas até então… Estou fascinado. Você
é muito inteligente!
— Isso vindo de uma pessoa que terminou o ensino médio
aos dezesseis — ironizo, e vou em sua direção, e antes que eu
chegue lá, recebo uma notificação de Emma no grupo que temos
com Olívia e Belle.
ALERTA: Loren está com o universitário gostoso, no quarto dela.
REPETINDO: NO QUARTO DELA. Eu aposto que ele tem um
tanquinho.
É o que basta para meu celular explodir de mensagens.
Nicolas Amaral
O problema do pecador é a tentação.
Na minha cabeça, a conta estava certa.
Eu estava firme e forte.
Nada de comer ninguém aqui.
E aí apareceu ela e sua tese. — As mensagens insinuantes,
das minhas companhias, continuavam, mas elas não são o pivô do
meu pau duro, não, elas não.
Caralho, que tesão da porra.
Eu tenho apenas vinte e quatro anos, não sei ainda o que
penso sobre céu e inferno.
Deus existir, ainda é uma incógnita para mim. Os estudos
dominicais nunca me convenceram de muita coisa, ainda mais
quando me falaram que o homem veio do barro e a mulher da
costela dele.
Mas o inferno, esse não há dúvidas de que existe, e ele é
bem aqui, agora. E possivelmente o elemento de tortura que eles
usarão hoje é o meu pau.
Todos os dias eu sigo a mesma rotina de correr pela manhã
com os caras da república, e estava tudo bem.
Porém agora eu vejo Loren em todos os lugares. O tempo
todo.
E detalhe, ela não mudou nada. Absolutamente, nada, na
rotina dela.
O mundo era normal, ela existe nele há mais tempo do que
eu. Doze anos para ser exato. E aí, ela resolveu ficar uns tempos
aqui. Tudo bem no universo, várias pessoas transitam
geograficamente o tempo todo. Sejam em viagens, intercâmbios ou
mudanças.
Mas essas pessoas não são a Loren.
Não tem a mente, e as palavras de conexão da Loren.
E nada é tão ruim que não possa piorar.
Pois agora além de vê-la, eu a percebo. É como positivo e
negativo, metal atraído pelo ímã.
Quando volto da corrida, ela geralmente está sentada na sua
sacada, uma xícara na mão, só de roupão, ora está lendo, ora está
ao telefone, e teve até um dia que estava passando hidratante nas
pernas, ainda de roupão e toalha na cabeça.
Essa imagem não deveria ser erótica, NÃO DEVERIA.
Mas se não deveria, por que eu tive uma ereção que me fez ir
para o banho sem me alongar?
Quando estava na graduação, o professor de Biologia
Evolutiva,  nos deu uma missão: trazer para a aula o maior número
de “teorias” da criação do mundo. E o melhor desse trabalho era:
Ele não precisava de uma fonte científica segura. A ideia era discutir
sobre o assunto e nos fazer assimilar e nos convencer sobre a
veracidade da teoria do Big Bang e, por tabela, da teoria da Seleção
Natural de Charles Darwin.
Houve tantas histórias, umas mais absurdas do que as
outras. Mas a teoria que nossa realidade era algo como a realidade
assistida, como na série “Divergente”, era a que eu mais
desdenhava.
Seria tarde para acreditar nela?
Porque tenho absoluta certeza de que Loren veio parar aqui e
agora para ser a minha provação, e aí eu até posso acreditar que
ela foi mandada por alguma Divindade, para quando chegar meu
juízo final, eles passarem todo esse momento na tela de provas.
Principalmente a cena de ontem à noite.
Eu estava chegando da universidade, cansado. Fiz um
trabalho de campo com a turma, em outra cidade. Minhas botas
estavam carregadas de lama de caverna, havia carrapichos em toda
a minha calça e, no banho, achei samambaias em meu cabelo, que
eu precisava cortar, mas antes de entrar em casa, e morrer, pois
essa era a prioridade  — mais uma vez —, recorri ao erro de olhar
para a janela de Loren.
Eram quase oito da noite, e ela estava enrolada em um robe
preto, e digitava concentrada em seu notebook, tão calmamente
seus dedos percorriam o teclado, e sua boca fazia um bico fofo.
Quanto tempo eu fiquei olhando isso? Não sei.
Mas quanto mais a olhava, mais queria ver quais as palavras
inteligentes que ela estaria colocando ali em seu texto, qual o
superplot de sua tese, qual a sua teoria sobre mais um documento
que outros antropólogos deixaram passar, mas ela cirurgicamente
iria discorrer um ou dois parágrafos inteligentes sobre eles.
Da última — e única — vez que li seu texto, ela havia usado
um pequeno trecho de uma tabela do século XVIII de compra e
venda de cavalos para comparar com tabelas usadas hoje por
hípicas mineiras. E adivinhem? Ela comprovou vários entrelaces da
época que permanecem até hoje. Sen-sa-ci-o-nal.
— Terra para Nicolas? Hellooo? — uma pequena mão é o
que me tira do devaneio. — Eu estava pensando se deveria chamar
um médico, estou te chamando há algum tempo.
— Desculpe, Loren, estava em outro mundo — o mundo do
seu cérebro e talvez de sua calcinha também.
— Você sumiu, faz o quê? Uns dez dias que não te vejo
desde que leu minha tese. Foi algo que Emma falou naquele dia?
Ela é impulsiva, fala muitas bobagens, mas é inofensiva — ela
divaga.
Faz treze dias, e contando.
Sara, minha amiga escritora — que conheci em um
congresso de anatomia e fisiologia comparada de mamíferos,
desistiu da carreira de bióloga, como acontece com noventa e nove
por cento das pessoas que se formam em biologia, e decidiu se
aventurar em escrever romances eróticos para o mundo —, em um
dos seus últimos lançamentos, um personagem masculino disse
uma vez: é foda ter duas cabeças e pensar com a de baixo. Ou foi
algo assim, mas o fato é que Stv, o cara do livro, tem toda a razão.
E é por isso que eu “sumi”.
Chama-se tesão incubado. 
— Eu fico na capital alguns dias. De quinta a tarde, até
segunda de manhã. Chego à cidade por volta de  13h30, e nem
passo por aqui, vou direto para a universidade. Enfim, estou aqui e
sou todo seu milady. Em que posso ajudar? — Ela havia me enviado
uma mensagem antes de ontem à noite, pedindo uma ajuda.
Meu pau queria ajudá-la de várias maneiras, então tal qual
Kung Fu Panda, eu sentei, meditei e treinei a minha mente e meu
corpo para ter esse encontrinho com ela na terça à tarde.
— Ah, sim. Então, tenho seis meses, agora menos que cinco,
para toda essa pesquisa e desde quando cheguei, estou no Museu
da Inconfidência, o André disse que essa seria a minha segunda
casa. Mas tenho receio de saturar a pesquisa dentro de um único
tópico como justificativa. Não posso correr o risco de chegar a
Londres em janeiro, que é a data da minha entrega, e não ser
aprovada, sabe? É um gasto, e eu não estou querendo e nem posso
perder tempo com uma reprovação. Tenho planos. — Eu nem sei o
que ela começou a falar, mas sua boca rosada se mexendo durante
a fala, e suas sardas se movimentando de acordo com o movimento
maxilar, e essa voz cantada em um português fofo, me derreteu
todinho.
E foi por isso que eu fugi.
A semana toda.
Não dá.
— Sua sorte é que eu estou ao seu dispor hoje. Vamos, vou
te levar a um lugar — pego-a pela mão, e começo a descer a ladeira
que é para chegar até o Museu Casa dos Contos.
— Onde estamos indo? — Ela olha para minha mão grande,
segurando o seu pulso pequeno e fino com as sobrancelhas
arqueadas, e então a solto.
— Museu Casa dos Contos.
— Que seria…? Lembro do André citá-lo, mas não me
explicou sobre o que ele era.
— Um museu que vai te contar a história do dinheiro
nacional. Sobre a moeda, desde quando usávamos moedas de
troca, moedas de ouro e prata, até a moeda atual, que é o Real.
Acho que lá você conseguirá sustentar sua tese sobre a influência
europeia.
— Vocês têm quantos museus aqui?
— Treze, sem contar as igrejas, que são históricas também.
— E por que você não me disse isso antes? — indaga-me.
— Porque você não me perguntou. E você é estranha —
okay, eu poderia ter deixado esse pensamento sobre ela guardado
para mim.
— Estranha?
— Sim, você é toda… Europeia. E tem aquele jeitinho… Sabe
como? De ser fria e calculista. Acho que você poderia ser uma serial
killer, tamanha a sua frieza. Parece a Elsa.  E eu falo demais — digo
quando olho para trás, e ela está com a expressão ultrajada. —
Desculpe, eu…
— Elsa? Que Elsa?
— De Frozen. Nunca assistiu Frozen? É uma animação.
— Eu sei de quem está falando, só que esse é um desenho
recente, não?
— Animação, Loren, é uma animação.
— E qual a diferença?
— Se eu falo com mulheres que eu vejo desenho, perde o
encanto, se falo que assisto animações, elas podem levar para algo
futurístico, 4K, alguma extensão de um jogo, e aí pareço um cara
descolado. — Olho para trás, e ela segura sua bolsa transversal, e
morde o lábio.
— É sério isso? — Por que sempre tenho que desatar a falar
como o Burrinho do Shrek? A descrença está estampada em sua
cara.
— Muito, e não ria. Eu amo aquelas animações com animais,
fico comparando com os animais reais.
— Seu preferido é qual então? A Era do Gelo?
— Não, esse fez uma bagunça na linha evolutiva, misturou os
animais de um período e outro, mas é didático, e os animais são
legais. Amo o Sid. Mas o melhor é Moana, com certeza. As músicas
são as melhores. — E algo inacreditável acontece, eu ouço uma
gargalhada espontânea de Loren, e esfrego os olhos para saber se
é real.
— Céus! — Ela enxuga o canto dos olhos, e eu sou
trombado, por uma pessoa que quer passar no pequeno passeio de
pedra-sabão, pela pressa do cidadão, ele não é daqui. Deve ser
paulista, paulistas estão quase sempre com pressa.
— Desse jeito vamos chegar lá quando o museu fechar.
— Desculpa, Nicolas, mas jamais imaginei que você assistiria
desenhos, ops, animações — ela se corrige antes que eu faça —,
vai me falar o quê agora? Que tem você tem top dez deles?
— Uai, Loren, é óbvio! É isso que biólogos fazem!
Selecionamos, nomeamos e classificamos. Faço isso com tudo na
vida.
— Sério?
— Bem sério, tenho uma pasta separada por nome e cores,
como o Christian Grey, mas ao invés de mulheres, são animações,
avaliações de alunos… etcetera.
— Meu Deus, você leu Cinquenta Tons de Cinza? — o
espanto está estampado em seu rosto.
— Loren, acho melhor a gente parar de falar sobre mim, isso
pode te assustar. Tem coisas que não me orgulho, e acho que não
ficaria confortável com isso. Não me orgulho nada. E vamos logo,
daqui a pouco alguém te acerta um trem, por você estar parada aí.
— Tudo bem, professor, vamos indo.

— Boa tarde, dotôzinho, como que cê tá? — Antônio, um dos


vigias do museu, me para quando eu adentro-o.
— Boa tarde, seu Antônio, eu vou bem. E você? As crianças?
A Cida?
— Uai, vai bem dimais. A Brenda só fala da tal fêra, disse que
eu tenho que ir, que cê tá ajudando, e que ela tá me homenagiano.
Cida vai bem, cê vai querê quejo essa semana?
— O trabalho dela está lindo mesmo, eu espero você lá.
Pode falar com a Cida para entregar o meu sim,  pode entregar lá
em casa, qualquer um dos meninos, passo lá para acertar depois,
se ninguém atender, pode deixar na Flor.
— Tá certo, dotô. E quem que é a moça bonita?
— Loren, minha amiga, vim ajudá-la com um estudo que está
fazendo.
— Moça, cê tá bem dimais, esse menino tem só
conhecimento na cabeça. Inteligente pra bosta. — Eu era feliz
quando só tinha conhecimentos, e não sabia.
Se eu soubesse, deveria ficar só com eles: meus filmes,
séries e livros. Sem mulheres, sem complicações.
— Ele é mesmo. — Na cara dela está explícito que não
compreendeu o que ele disse, ou compreendeu parcialmente.
— Seu Antônio, vou indo que se não eu atrapalho o senhor a
fechar o museu.
— Bom passeio, gente.
— Boa tarde, professor — alguém me cumprimenta e eu
aceno.
— Boa tarde, Nicolas, bem vindo ao museu. Posso te ajudar
em algo? — A recepcionista, um caso antigo, me aborda.
— Olá, Thalita,  não, muito obrigado. Já conheço tudo. —
Coloco a mão na cintura de Loren, e a conduzo pela escadaria por
onde começamos a visita.
— Por que parece que todo mundo te conhece aqui?
— Porque é basicamente isso. Todo mundo me conhece.
— Essa — ela sacode a mão em minha direção — imagem
de bom moço não combina com você. — Quando ela diz isso, paro
de andar, ficando para trás, e ela segue.
“Essa carinha de popular, essa imagem que você quer passar
para nós, não cola, você sempre será o Nicolas que chegou aqui há
quatro anos. Seu dinheiro pode comprar o que você quiser, mas
você vai continuar sendo gago, passando vergonha e não pegando
ninguém, você é um perdedor. Independente se você agora tem
essa imagem de modelo de cuecas.”
— Nicolas? — Respiro fundo, e olho Loren no topo da escada
— Está tudo bem?
— Sim — sorrio, engulo em seco e a alcanço.
Passeio com Loren pelos cômodos do museu, que
anteriormente era uma sede, até então da capitania Minas Gerais,
de administração pública, o que dá o nome ao museu Casa dos
Contos.
Durante os anos a casa foi usada para diversos fins,
inclusive, a sua construção inicial era para ser morada do cobrador
de impostos da coroa portuguesa.
Houve uma época que foi usada como casa de fundição,
onde os escravos faziam dentre muitos itens, até mesmo moeda.
Durante a Inconfidência Mineira, serviu inclusive de prisão
para alguns inconfidentes.
Hoje é só um museu que conta a história da moeda em nosso
país, e existem exposições de mobiliário, obras de artes e livros, os
mais antigos livros.
Livros em várias línguas. Encontra-se desde poesia até
manual de navegação marítima.
Loren anota alguns nomes que ela acha que podem ajudá-la,
e seguimos a visita.
— Lá em cima, é a última sala, a sala do mirante, você quer
subir para ver? 
— O que eu vou achar lá?
— Livros também, e tem uma luneta, para ver a casa dos
inconfidentes, e você consegue ver a cidade, tem janelas por todos
os lados.
— Quero sim.
— Então vamos lá.
Começo a subir a escada de dois lances mais íngremes da
minha vida. Para uma pessoa que como eu tem quase 1,90m é um
grande desafio chegar lá em cima.
— O que eram os inconfidentes? — Loren pergunta
enquando ajusto a luneta em direção a casa, para que ela a veja.
— Foi um grupo socioeconômico, basicamente elitizado, de
pessoas que estavam descontentes com a coroa portuguesa. Os
impostos estavam cada vez mais altos, eles viram que as coisas
estavam indo mal, eles não viam progresso na cidade. Isso é porque
o governante de Lisboa queria tirar daqui o valor para reconstruir a
capital portuguesa depois de uma catástrofe natural, acho que foi
um terremoto, sei lá. Já havia passado um governo corrupto antes
pela capitania. Era um momento frágil.
— Eles fizeram o quê? Uma guerra? — questionou, me
olhando com essas avelãs que Loren chama de olho.
— Eles tentaram fazer uma revolução. Estavam tentando
fortalecer o movimento, sabe? Então além da elite, eles começaram
a chamar escritores, pintores, comerciantes… Quanto mais gente,
melhor. Mas é aquele negócio, se até Jesus foi traído, — é o que as
pessoas contam, pelo menos — aqui não seria diferente.
— Então, eles queriam liberdade?
— Sim. Os Estados Unidos já haviam ganhado a liberdade da
coroa Inglesa. Os inconfidentes queriam liberdade da coroa,
eleições para definir quem seria o governante, diversidade de
manufaturas, eles sabiam que a extração do ouro uma hora iria ruir,
e que os mineiros cuidassem de Minas.
— Nada absurdo.
— Não, mas Minas Gerais era o local mais rico do país. A
coroa nunca entregaria isso sem uma luta. E nessa de boca, em
boca, para crescer o movimento, um comerciante que devia muito a
coroa, delatou os inconfidentes, em forma de sanar suas dívidas.
Por isso a coroa chamou o grupo de inconfidentes…
— Traidores. É isso que significa — ela completa. — Alguns
historiadores não reconhecem o termo mais, e o abominam
completamente.
— Exatamente… Mas era isso, o grupo traiu a coroa.
— E aí?
— E aí, desse lugar — aponto onde está parada e a luneta
—, eles começaram a vigiar a movimentação,  então foram
condenados. Nem mesmo começaram a revolução. A Rainha
perdoou alguns, dentre todos, o único que pagou com pena de
morte foi João da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes.
Chamo-a para que ela observe a casa dos inconfidentes
através da luneta.
Seguro-a no lugar, e Loren se abaixa, ficando inclinada sobre
a mesa. Fico tentado a olhar de sua nuca até o cóccix, e talvez um
pouco mais para baixo, mas me contenho. Mesmo que eu saiba que
sua blusa subiu um pouco, e que seu cabelo está preso em um
coque frouxo.
Sinto sua mão tocar a minha, que mantém o objeto focado,
seus dedos pequenos estão quentes, e mesmo assim sinto-me
arrepiar.
Tento me lembrar da parte da história que estou contando, e
desvio os olhos das unhas pequenas pintadas de nude.
— Para ele foi dado a pena de morte. E ficou decretado, após
dezoito horas de leitura do julgamento, que ele fosse enforcado em
praça pública, como um aviso àqueles que resolvessem se rebelar
contra Portugal, e que fosse esquartejado. Os pedaços deveriam ser
distribuídos na estrada que ligava Minas ao Rio. A cabeça dele foi
posta em praça pública, onde hoje temos a estátua dele, em frente
ao museu da inconfidência, no dia seguinte, a cabeça não estava
mais lá, e ninguém sabe onde ela foi parar.
— São todos os túmulos do museu então… Eu vi a lista, mas
fiquei tão focada nos costumes e afins, que não canalizei minha
energia em descobrir mais sobre aqui.
— Nosso cérebro sempre nos mostra aquilo que queremos
ver. — Com pessoas, com objetos, com animais.
Menos você pelada, e isso é uma pena.
Nossas sinapses parecem ser programadas para ver aquilo
que queremos. Nossa própria visão é invertida, é o cérebro quem a
“acerta”.
— Bom, acabamos por aqui, você acha que consegue fazer
bom uso dessas informações?
Loren Thompson
— Nossa, consigo fazer muita coisa — pelo menos eu acho
que consigo, reflito para mim mesma. — Sei lá, o André não é muito
presente, sabe como? — pela primeira vez na vida, quero jogar
conversa fora com alguém que não seja Emma. E isso é estranho.
— O André está há muito tempo enfurnado naquela reitoria
— responde sério. E percebo que ele mudou em algum momento,
logo no começo da visita. — Ele não deve orientar ninguém há uns
três anos. Isso está sendo prejudicial a você?
— Não… quer dizer, mais ou menos, eu ainda não tenho
experiência suficiente em textos científicos para julgá-lo como bom
ou ruim. Suzanne, minha orientadora, sempre dá uma lida no
documento partilhado, mas não acrescenta muita coisa.
— Orientar trabalho é chato, Loren, é por isso que os
professores fogem. Eu mesmo fujo.
— Sério? Isso é maldade, as pessoas precisam se formar.
— Eu não disse que não faço, só fujo, é diferente. O André
mesmo aparecerá em algum momento, e trocará meia dúzia de
palavras. — Percebo que alcançamos a porta do museu na rua
apertada novamente. — Mas como disse, há três anos ele deixou o
cargo de vice-reitor, para reitor. Está perdendo o jeito. Como Os
Volturi, os vampiros reis da Itália, sabe como? Tanto tempo lá
parado que já tem aqueles movimentos retardos.
— Você está comparando o André com a realeza
Crepúsculo? — Olho para sua cara, e fico fascinada. Não sei o que
isso significa, e o que diz sobre esse momento. Mas de certa forma
fascinada.
Como Nicolas consegue fazer essas comparações?
Pela primeira vez em algumas horas, vejo a sombra de um
sorriso em seu rosto.
— Eu sou estranho, desculpe.
— Eu não acho você estranho.
— Acredite, eu sou. Mas não entraremos nesses detalhes. O
fato é que professores não gostam. Mas a gente faz.
— Você, professor universitário que não quer orientar as
pobres almas, poderia me acompanhar em um café ou tem muitos
alunos para trocar meia dúzia de palavras? — Ele olha o relógio em
seu pulso e sorri.
— Posso tomar um café, por meia hora. Depois tenho que
digitar e-mails de meias palavras.
— Bom, te convidei para o café, mas não sei aonde ir.
— Vem, tem uma padaria bem… aqui — ele indica quatro
lojas a frente. — É a padaria do seu Emanuel, tem o melhor pão de
queijo que você vai comer na vida.
— Melhor do que os da Flor?
— Não conta para ela. Boa tarde, Helena. Você me vê dois
pães de queijo, e dois cafés? — Ele pede a senhora que está
debruçada no pequeno balcão da padaria.
— Nicolas! — ela parece contente em vê-lo —  Cê sumiu
demais. Vou lá na cozinha, pegar os quentim. Pode sentar lá que eu
levo procês. — Nicolas coloca a mão em minha cintura, e me leva à
mesa do canto.
Lá fora vejo o entardecer repousar na montanhas, e acho que
em todos os meus dias aqui, eu vou contemplar isso.
— Sinto que eu falei algo de errado. Você ficou estranho. —
Ele para de brincar com o sachê de açúcar.
— Impressão sua.
— Nicolas, vamos lá. Você tem que me dizer. Não somos
amigos? — apelo para o lado sentimental, como Emma sempre faz.
— Somos? — Seus olhos reluzem um certo interesse.
— Eu não tomo café com qualquer pessoa, e nem levo
estranhos ao meu quarto.
— O jeito dos ingleses fazerem amizade é diferente — ele
divaga, olha pela janela, e volta a sua atenção para mim.
— Aqui, Nicolas, trouxe os primeiros que saíram — a
senhora, nomeada Helena, deposita nosso pedido, e sorri calorosa
— e vou deixar uns para você levar. E semana que vem à noite
começa o rodízio.
— Meu Deus, Helena, vocês querem me engordar! — ele
sorri faceiro. — Serei obrigado a vir.
— Vem e traz a sua amiga. — Ela sorri para mim, e sai.
— Rodízio?
— Sim, vários pães de queijo, recheados, é um sonho.Tem
de todos os tipos, salgado e doce.
— Vocês recheiam isso? — Aponto para o prato.
— Claro! Com bacon, presunto e muçarela, e…
— Vocês recheiam o pão de queijo com queijo?
— Xiu! Com requeijão, goiabada, nutella… É muito bom.
— Eu não posso ser sua amiga, se você não me conta as
coisas. É um ultraje! Vocês recheiam esse pedaço do céu, e você
não me conta isso? — brinco com ele.
— Você quem é pouco criativa. — Ele vira para trás. —
Helena, tem nutella?
— Já vou levar.
— Pronto, Loren, seremos amigos de novo?
— Se você me contar por que ficou estranho. — Ele protela
um pouco, e então volta o olhar para o prato em nossa frente.
— Você percebeu que suas sardas se parecem com essas
marquinhas do pão de queijo? — ele observa, e me faz olhar o pão
também.
— Você está me distraindo.
— A partir de hoje, só irei chamá-la de “Pãozinho de queijo”,
viu? Somos amigos, com apelidos e tudo mais. Quer um colar de
meio coração? — ele sorri, e eu continuo olhando para ele, sem
ceder aos seus terríveis encantos. — Você disse uma coisa que me
lembrou de algo não muito legal.
— Que coisa?
— Não importa, Loren, é bobagem.
— Acho que quando algo dói em uma pessoa, não é
bobagem.
— Você nem fez por querer.
— Mas se eu fiz, tenho que saber o que fiz, para não fazer de
novo. — Ele suspira pesadamente e me olha.
— Você disse que a “imagem de bom moço” não combinava
comigo. Me lembrou de uma coisa antiga, nada demais.
— Me desculpe por isso.
— Como eu disse, não foi sua culpa.
— Eu só quis dizer que, em todos os livros que eu já li, em
todas as relações que eu já vivi, vi ou assisti na televisão, o cara
popular, pegador e bonito, não combina com o cara que é educado
com senhoras, que para o que está fazendo para conversar com um
vigia, ou então faz trabalhos voluntários… Foi isso o que eu quis
dizer.
— Meu Deus, Loren! Você anda lendo mocinhos tóxicos
demais. E o que a faz pensar que eu sou o cara pegador? — Ele
leva a mão ao peito e sorri.
— Já vivi tempo o suficiente para saber que homens bonitos
não têm mais nada a oferecer… Talvez uma conta bancária cheia, e
só — Logan era extremamente bonito e rico. Paramos por aí.
Loren, pelo amor de Deus, essa conexão não faz nem um
pouco de sentido. Entre Logan e Nicolas, temos um oceano inteiro,
literalmente.
Mas por que diabos estou nessa comparação, obviamente
fadada ao fracasso, e ilógica?
— Por favor, vamos mesmo discorrer sobre suas conquistas
amorosas explícitas? — ele sorri, e dá de ombros.
— Quer dizer que eu sou bonito? — Nicolas espreme os
olhos em minha direção e mantém o sorriso debochado no rosto.
Reviro os olhos, e nego com a cabeça.
— Você sabe que é.
— Não sei. Tenho memória curta, igual a Dory. Talvez você
tenha que me lembrar da imagem que meu espelho refletiu hoje
pela manhã. — Ele me dá uma piscadinha.
Nicolas.
Piscou.
De.
Um.
Olho.
Para.
Mim.
— Nicolas, você está jogando charme para cima de mim? —
Ele morde o lábio inferior, como quem segura o riso.
— E se eu estiver?
— Eu tenho trinta e seis anos.
— E eu vinte e quatro. Idade é só um número, gata.
— Você está citando Crepúsculo de novo?
— Lua nova, o filme. Engraçado, você está julgando meu
gosto por animações e meu lado bookstan e cinéfilo, mas
estranhamente conhece todas as citações até agora. Pode admitir,
Loren, eu sou o mocinho perfeito.
— Você quer que eu amacie seu ego?
— Não, quero uma resenha sincera do que você vê, para eu
saber a possibilidade de investir em um outro mercado. Sabe… De
mulheres…As de trinta e seis anos, me parece um bom começo.
— Outro mercado? O mercado das moças novas está
escasso?
— Está indisponível. Vamos lá, Pãozinho de queijo, dê o seu
melhor — ele insiste.
— Nicolas… — eu começo a rir, e ele franze o cenho — Oh
meu Deus, você está falando sério.
— Seriíssimo.
— Nicolas, a nutella. — Helena coloca o pote em nosso meio,
e quando faço que vou me servir, ele o pega.
— Só depois que você me responder.
— Okay…
— Não precisa ficar igual uma cenoura, alaranjada de
vergonha, Pãozinho de queijo. Abra seu coração. — Ele ia mesmo
usar esse apelido?
Olho para Nicolas, e percebo que eu nunca, de fato, havia
reparado nele.
Eu sabia que ele era bonito, mas quantas vezes de fato
olhamos para uma pessoa, e absorvemos todos os seus detalhes?
Por exemplo, sei que os maridos das minhas amigas são
bonitos. Steven, Daniel e até mesmo Heitor, que conheci por um
print de sua rede social que Emma enviou-me essa manhã, são
bonitos.
Mas eu nunca os olhei.
E deve haver um filtro, um bloqueio, sei lá, em mim, que não
me leva a reparar isso.
Analisando, agora, esses últimos anos, eu nunca vi ninguém
depois de Logan. Acabo de me dar conta de que não me lembro de
nenhum cara que veio após meu divórcio, e nem antes. 
Eu era terrivelmente apaixonada a esse ponto ou ele era
tóxico a ponto de me tirar até isso?
Possivelmente a segunda opção.
Logan era taxativo quanto ao comportamento de Emma, ele
sempre tinha dizeres ofensivos para ela, pois seu jeito livre o
incomodava.
Sempre existia em sua fala uma reprimenda ou negativa após
a palavra mulher.
“Uma mulher não deve dirigir, eu estou aqui para fazer isso
por você.” “Uma mulher não deve vestir roupas curtas, onde já se
viu isso?” “Uma mulher não deve beber, isso é masculino demais.”
“Uma mulher não deve olhar para outro homem, isso dá a ele
liberdade demais, e você é casada.”
Sempre havia um não.
Enfim.
Nicolas não foi exceção à regra.
Até agora.
O cabelo um pouco grande em cima que cai em ondas
castanho-claro até a altura das orelhas, lhe dão o ar jovial, como de
fato ele é.
Nicolas tem pouca barba, e eu acho que gosto bastante
disso, os poucos pelos parecem ser macios, a boca dele tem lábios
perfeitamente desenhados, a ponto de seu arco do cupido causar
inveja nas mulheres, principalmente em mim, que tenho o meu
pouco marcado.
Percebo que seus olhos têm uma cor indefinida, parecem ser
verde-oliva, mas às vezes são castanhos.
Suas sobrancelhas grossas dão a impressão dos olhos
serem pequenos.
Junto a isso algumas pintas se destacam paralelamente nas
bochechas e nariz. Se somarmos à pequena cicatriz pouco abaixo
na boca do lado esquerdo, Nicolas fica com uma mistura perfeita de
play bad boy fofo.
Sério isso, Loren? Pelo amor de Deus.
Essas junções nem são possíveis.
Pelo menos, não eram.
— Eu estou brincando… — percebo que meus pensamentos
me levaram para longe.
— Desculpe, estava escaneando sua beleza — brinco, e ele
esfrega as mãos e bate palmas —, eu gosto do seu rosto triangular
invertido, e…
— Loren! Isso aqui não é um exercício da sua aula de artes
clássicas para a graduação — Ele me interrompe.
— Como você quer que eu faça então?
— Com naturalidade, não essa porra de rosto triangular
invertido. — Ele falando palavrão, é o ápice da mistura de bom
moço e de pegador da faculdade.
— Me ensine então, como você me descreveria? — Ele
coloca os cotovelos na mesa, e apoia o rosto nas mãos.
— Bom, a primeira coisa que reparei em você foi como seus
cabelos acobreados combinam com suas sardinhas, e isso a deixa
com um aspecto fofo, apesar de eu ter experiência suficiente para
saber que essa sua cara pode me enganar, e você ser bem safada
na cama…
— Nicolas!
— Ah, e agora que somos amigos, eu só penso que você fica
terrivelmente deliciosa corada, e acho que você fica assim após ser
chupada, se não for, é um pecado.
— Céus!
— Seus olhos me lembram avelãs,  e eu amo avelãs, seus
lábios finos me parecem macios, e vez ou outra penso se o toque
deles será leve como a batida de asas de borboletas, ou robustos
como uma mordida em um pêssego grande e suculento e…
— Pelo amor de Deus, chega! — Ele gargalha alto, a ponto
das outras mesas nos olharem.
— Você tinha que ver sua cara, estava muito engraçada.
— Você fez isso para me deixar sem graça.
— Um pouco — ele admite sorrindo. Percebo a volta que
suas bochechas dão em seu sorriso, e tenho que lembrar de puxar o
ar. — Como já cumpri minha cota diária de vergonha alheia, vamos
lá. Você vai provar um pedaço do céu agora. Pão de queijo com
nutella.
Loren Thompson
Eu não sabia que precisava ter um amigo homem.
Até ter Nicolas na minha vida.
Tudo bem, talvez não fôssemos amigos… amigos, sabe
como?
Como Emma… Mas essa não é uma comparação válida. O
que tenho com Emma está em um outro nível.
Talvez eu possa comparar essa amizade com talvez a de
Belle e Olívia. Que não é a mesma relação que eu tenho com
Emma, que sabe absolutamente tudo, temos uma ligação tão forte,
mas tão forte a ponto de conseguir sentir que a outra está em
apuros, ou talvez ficar bem se a outra estiver bem, ou mal se a outra
estiver mal.
Mas acho que Belle e Olívia é uma boa comparação.
Sabemos as coisas principais e importantes da vida umas
das outras — por exemplo a Belle passou por um grande problema
com bulimia, e a Oli sofreu um exílio político —, damos opinião se a
outra pede, nos falamos algumas vezes durante a semana,
torcemos pelas vitórias umas das outras, vibramos juntas, se for
preciso uma mão amiga, um auxílio, estaremos aqui.
Apesar de que talvez Nicolas não seja esse tipo de amigo.
Pois a única coisa que sei dele, é que, aparentemente, gosta
bastante de companhias femininas, e é um cérebro ambulante.
E o que ele sabe sobre mim?
Sou uma mulher de trinta e seis anos, em busca de um título,
que ele já tem, sou inglesa e fico com vergonha com grande
facilidade.
O pentelho aprendeu isso, e essa é a sua mais nova
diversão.
Entretanto, em todos os casos, eu acredito que poderia ser
amiga dele, e vice-versa.
Pois qual seria, além desse, o motivo para ele me mandar
mensagens de “bom dia”  todos os dias na última semana?
E pior, as mensagens não eram um simples texto escrito.
Eram pequenos vídeos de poucos segundos, em uma
montagem, mal feita propositalmente, em que seu rosto aparecia em
sóis sorridentes, às vezes nuvens ou arco-íris.
Durante o dia, vez ou outra eu recebia fotos dele com
legendas.
Havia aquelas com frases clichês motivacionais, ou dele em
seus afazeres.
Percebi que ele ama dar aulas, mas odeia qualquer coisa
burocrática. Lançar notas, corrigir provas, distribuir pontos, estão em
sua lista de piores coisas a serem feitas.
Já estar em sala de aula e trabalhos de campo, ele adora.
No fim de semana, ele foi acompanhar um grupo de alunos
em uma mina de extração de minério.
Resultado? Um book dele no meu celular. Falando nele…
 
Oi, amiga!
O que está fazendo?
Escrevendo meu artigo.
Passei no museu,
me disseram que você
não foi essa semana.
Está tudo bem?
Sim.
Eu só quis trabalhar
no material que eu já
tenho, para depois
incluir mais.
Foi me procurar?
Obviamente.
Você acha que pode
dar uma pausa para
tomar uma comigo?
Tomar uma?
Isso é homólogo a
drogas?
LOREN!
Eu não uso drogas.
Quer dizer, até uso,
mas são prescritas por
médicos.
Estou te chamando para
uma cerveja.
Se você usa drogas
(com prescrição)
deveria ingerir álcool?
E hoje é quarta feira,
14h50.
Deveríamos beber?
 
Assim que a mensagem é entregue a ele, ouço alguém bater
em minha porta.
— Sim, Pãozinho de queijo, nós deveríamos beber. Minha
semana está sendo uma merda. E mais uma coisa, para sua lição
cultural em Minas Gerais. Minas não tem mar, mineiros vão para o
bar. Sempre. Seja pelo amor ou pela dor, pela alegria ou pela
tristeza. Até quem não ingere bebida alcoólica aqui, vai ao bar. Boa
tarde. — Ele adentra o meu quarto, como se fosse dono do lugar, e
então não satisfeito em se sentar em minha cama, ele joga o seu
corpo atravessado nela.
— Como você subiu?
— Puff! Por favor, Loren, esse já foi o meu quarto, lembra? E
a Nina quem está na recepção hoje, sabe como é, minha fã.
— Você é tão convencido. Por que sua semana está uma
merda?
— Estou sem transar há alguns dias. — e eu, que estava
bebendo água, engasguei. Ele me olha, e sorri, como um anjo que
não é.
— Eu não sei se vou me arrepender disso, mas sinto que
vou, por que você está sem… há alguns dias? E quantos dias?
— Você pode falar “transar”, não nasce sapinho[22] na boca,
sabe? — O que diabos é sapinho? — E você é maior de idade, no
meu país e no seu também. — Ele fica calado, suspirando sozinho,
e então eu volto a beber minha água. — Estou fazendo um detox de
bocetas. — Ele faz de sacanagem, só pode.
A água me engasga, e eu perco o ar.
Nicolas se levanta no susto e eleva meus braços acima da
cabeça.
— Respira devagar, calma, Loren. — Ele imita uma pessoa
respirando profundamente em minha frente, junto a tapinhas nas
minhas costas.
Aos poucos vou voltando ao normal, mesmo respirando com
dificuldade.
— Sente-se melhor?
— Nicolas, eu podia ter morrido.
— Por causa do meu detox de bocetas? — Ele gargalha —
Eu quem estou na seca, Pãozinho de queijo.
— Você vai deixar eu voltar para o meu trabalho?
— Não. Não tenho amigos aqui, meus colegas são
universitários e não posso desviá-los da graduação, eles já se
distraem com uma mosca, e meu melhor amigo, Cadu, mora em BH,
até o fim de semana pelo menos; minha amiga Sara mora em São
Paulo, ou seja, você é minha companheira de copo agora. E resistir
é inútil. Sem contar que você me deve essa.
— Devo?
— Sim, você tem culpa parcial em meu tempo sabático. Se o
André não tivesse me visto batendo uma pelada com minha turma
— Pelada é futebol? —, coisa que ele só fez porque quis ser um
bom anfitrião e te levou para conhecer o campus, metade dos meus
problemas seriam evitados. Então, sim, você me deve.

— Então, você vai me explicar o motivo da sua… não


libertinagem?
— Primeiro vou comentar sobre o seu vocabulário que vem
ganhando palavras de alto nível.
— Assisti “Bridgerton” dublado esses dias. — Ele ri, e levanta
a mão para a garçonete.
O Brasil tem hábitos estranhos.
A cervejaria artesanal que me trouxe, nunca seria descoberta
por mim. — Admira-me que ela esteja relativamente cheia para uma
quarta à tarde. Talvez eu seja desligada.
Quase em frente à estátua em homenagem à memória de
Tiradentes, uma porta pequena se abre, toda preta, e uma
plaquinha típica da cidade, posta perpendicularmente contrária à
parede, também preta com escrita em dourado diz: “Cervejaria” e
só.
Adentramos por um curto beco, e descemos algumas
escadas, chegando a um salão grande, com pedras, que eles
chamam de “pedra-sabão”, compõem totalmente o lugar, do chão ao
teto. Mesas redondas de madeira completam o local.
Ao fundo, um balcão com alguns bancos altos, a parede tem
bebidas de cima a baixo.
— Então… — digo quando a garçonete anota algo que ele
pediu e sai.
— Bem… Primeiramente eu não sou tão promíscuo assim…
— Você parece ser.
— Assim você me ofende.
— Bom, eu ouvi o que as moças disseram naquele dia
quando o André te deu uma bronca, e nem estamos falando da
Quésia… — Nicolas torce a cara.
— Que moças?
— Tinham umas moças vendo você jogar futebol aquele dia,
e elas estavam falando de você. Pareciam ser alunas —  recordo-
me.
— O que elas disseram sobre mim?
— Não vou amaciar o seu ego. Pode esquecer.
— Qual é, Pãozinho de queijo, como minha amiga você
deveria me contar.
— Nicolas, eram coisas … indizíveis.
— Hmm… Elas estavam falando que chupo bem? Pois elas
sempre elogiam isso, ou talvez estavam falando do meu sexo anal…
— NICOLAS! — Coloco minha cabeça no tampo frio de
madeira, e ele ergue as sobrancelhas.
— Vou chutar sobre a chupada, não são todas que curtem
um anal.
— Você é terrível…
— Loren, há uns poucos anos eu venho construindo minha
autoestima e um exercício que a minha psicóloga passou é: sempre
afirmar em voz alta aquilo que eu reconheço que faço bem. E não é
vergonha nenhuma assumir para você ou qualquer pessoa, o quão
bom sou chupando uma…
— Já entendi  — corto-o.
— Sou um ótimo professor, e tenho um rosto triangular
invertido lindo. — Bato em seu ombro.
— Você é ótimo me envergonhando.
— Loren, meu Pãozinho de queijo, se liberta disso. Sexo é
tão normal quanto beber água e urinar depois.
— Eu sei disso.
— Tá, tudo bem, você pode saber, mas… Não trata como tal.
— Você fala de uma forma tão… — não consigo achar a
palavra que eu quero.
— Normal, Loren. Eu trato do jeito normal. Pois é. Veja bem,
tudo o que eu faço é de forma consensual, faço com quem quer, e
da forma que a pessoa quer. Não sou um babaca. Quando uma
mulher diz não, é não. — Por que Nicolas, um jovem, tem essa
consciência e Logan, um cara dezoito anos mais velho que ele, não
tem?
Loren, isso se chama caráter.
— Eu não peço nudes, elas mandam sem eu pedir, e não
mando fotos das minhas partes íntimas, nem mesmo se a pessoa
me pedir. Não aceito que gravem o ato sexual que eu esteja
envolvido. Não transo com alunas, se estiver dando aulas para elas.
Tomo todas as precauções, como preservativos e exames em dia. E
não vejo motivos para não falar sobre. Estou brincando com você,
mas se quiser eu paro. É só você pedir.
— Onde entra a Quésia em seu quebra-cabeça antibabaca?
— Ele suspira.
— Quésia entra em um passado. Um passado de cinco anos
atrás, em uma relação imatura, na qual eu saí muito machucado, e
ela… Numa melhor, pelo menos pensou que fosse. Mas o mundo
gira, e ela não aceita isso.
— Você falou, falou, e não disse nada.
— É complicado, uma história longa e nada legal. Minha
semana já está sendo uma merda. — A garçonete volta com duas
canecas gigantes de cerveja, e deposita no meio da mesa várias
pequenas porções de comidas variadas.
— Nossa, quanta cerveja! — Observo chocada.
— 800ml. É a melhor cerveja que você vai provar na vida! —
Ele pega sua caneca e a ergue em minha direção bebendo em
seguida.
Pego o meu celular para tirar uma foto e postar na ferramenta
que a foto dura 24h em minha rede social.
— Sério? Você faz o tipo que tira foto de comida?
— Geralmente não, mas olha para isso. É enorme.
— Marca o meu arroba.
— Eu não tenho você.
— Não dá para ser seu amigo assim, Loren, você não me
segue.
— E você por acaso me segue?
— Bom, se você olhar as solicitações, talvez ache um
@a.nicolas — faço o que ele pede, e de fato há uma solicitação lá.
— Tsc, tsc. Péssima amiga de copo.
Aceito a solicitação e o sigo de volta, o perfil dele é aberto e
tem mais de quatro mil de seguidores.
Posto a foto, volto a minha atenção para as coisas postas na
mesa.
— O que são essas comidas?
— Isso é um combo chamado: trem bão. Aqui você tem
torresmo mineiro, pastel de angu, molho de galinha caipira, e esse
você come com as torradas, e polenta frita.
Todas as porções parecem deliciosas, e começo a comer
pela carne.
A pele crocante faz barulho quando mordo, e uma suculência
toma todo meu paladar.
— Hmm.. isso é muito bom! — digo de boca parcialmente
cheia e automaticamente me repreendo. — Você não vai comer?
— Não, estou de dieta. Mas eu pedi para você, fique à
vontade.
— Dieta? Pelo amor! Você já está bebendo, que diferença
faz? Você corre todos os dias, tem um ótimo físico.
— Faz que não vou ingerir mais essas calorias. Eu de fato só
preciso beber. É bom saber que me acha gostoso — ele pisca.
Nicolas deveria parar com isso.
Quer dizer, o ato é extremamente sexy, mas eu posso ficar
afetada com isso, e sou doze anos mais velha.
— Eu não disse isso… — Meu celular se acende, e vejo a
notificação no grupo.
Merda.
 
Belle: Vocês viram que a Loulou
está bebendo antes das 16h?
No horário local.
 
Olívia: E detalhe, ela está
a-com-pa-nha-da.
 
Emma: É com o universitário
gostoso, que eu falei com vocês.
O Nicolas NÃO
é universitário.
 
— Bom, suas amigas acham, isso basta. — Ele sorri, e
percebo que ele já leu o que elas falaram.
— Ler mensagens das pessoas neste país não é falta de
educação?
— Até é, mas atire a primeira pedra quem nunca fez isso —
ele dá de ombros e volta a beber sua cerveja.
 
Belle: Isso são detalhes.
Achei ele fofo.
 
Olívia: Não posso dar meu
parecer se é gostoso, as fotos
no perfil dele, estão todas vestidas.
Olívia!!!
Belle!!!
Vocês são casadas!
Vocês stalkearam
o perfil dele?
Olívia: Não é porque estou de dieta
que não posso apreciar o cardápio.
E sim, obviamente.
 
Belle: Faço dessas minhas palavras.
E no momento não estou nada feliz,
com o meu marido. Pois ele quer
sair para correr!
 

 
Belle: Odeio exercícios físicos, isso
não me deixa feliz. E ele ri. Fico
altamente estressada e excitada.
 
Emma: Tenho experiência. Vai
por mim, ele é gostoso. Mas
confesso que fiquei chateada,
eu estava pronta para um tanquinho.
 
— Será que sua prima está interessada? Acho que transar
com ela, não me daria problemas. — Ergo a cabeça para ele, e vejo
que ele ainda está lendo meu celular.
— Hey, você continua bisbilhotando — acuso-o.
— Estão falando sobre mim, tenho direito. Posso mandar foto
do tanquinho se quiser.
— Elas estão enchendo o saco…
— Me sinto bastante ofendido, me dá aqui esse celular. —
Ele pega o aparelho da minha mão, e ergue a blusa.
Chocada.
Não há como definir minha situação.
Nicolas, sempre usa roupas mais largas ao corpo. Eu não
havia prestado a atenção nisso.
E de forma alguma tinha imaginado o que estava por baixo
daquele moletom.
Não são músculos a lá Chris Hemsworth ou Dwayne
Johnson. Mas tem um pouco de músculo por ali.
E o tanquinho…
Não são seis ou oito quadradinhos completos, mas existe
uma marcação elegante, como de alguém que começou a malhar há
pouco tempo, talvez. O peito é delgado, mas também marcado.
Abaixo do umbigo tem ralos e poucos pelos castanhos que se
adentram para a cueca. Sua pelvis é saliente, e desenha um “V”,
pelo menos eu acho que é, requintado que desaparece em sua
vestimenta.
Percebo que estou encarando seu abdômen.
E eu não deveria gostar do que eu vejo.
Mas eu gosto. Bastante.
Só não posso admitir isso para ele, para ninguém na
verdade.
— Prontinho, enviada. — Ele põe o aparelho em cima da
mesa, então coloco um pedaço de torrada com galinha na boca,
para que eu tenha o que fazer. Acho que eu não conseguirei
conversar agora.

Prontinho!
 
Emma: Wooooow!
Aí sim! Eu vi qualidade!
 
Belle: O do Dan é mais
bonito, mas ainda assim
tenho que concordar com
Em, é bem instigante.
 
Olívia: Não é o Stv, mas
está de parabéns, cara!
GENTE!
 
Nicolas me olha, e pega o aparelho de mim de novo, e aperta
o áudio.
— Desculpe, senhoras. Vou me esforçar mais nos
exercícios físicos, para que em uma próxima imagem, eu
satisfaça a fantasia de vocês — ele gargalha faceiro.
— Já chega, que invasão de privacidade. Céus! Elas não têm
limites, e você também não conhece essa palavra.
Nicolas Amaral
Loren é amiga, não comida (DORY; AMARAL, 2022).
Darwin dizia que “para ser um bom observador, é preciso ser
um bom teórico”.
Quanto mais eu afirmar que ela é minha amiga, menos afim
dela eu vou ficar. Tenho que firmar sempre em minha mente a teoria
de que ela é minha amiga, e plim! Meu cérebro vai absorver e
armazenar essa ideia.
De volta ao território seguro. Friendzone o nome dele.
Essa é a teoria, mas em contrapartida temos a prática.
Há alguns dias venho pensando nisso.
Não teria problema, não é? Ela vai embora daqui uns meses
mesmo.
Nicolas! — Eu sou o juiz e carrasco dos meus próprios
pensamentos.
Mas não está dando certo!
Não tem como dar certo, se ela continuar com essas
olhadelas em minha direção, e soltando barulhinhos enquanto prova
as iguarias mineiras.
Já contei que ela está com um bigodinho de cerveja?
Pego um guardanapo, e levo ao seus lábios, e dessa vez ela
não se afasta. Acho que finalmente ela está começando ficar à
vontade em minha presença.
E você pensando nas sacanagens que quer com a moça.
Nicolas, você não presta.
Loren está corada e desligou o seu celular desde que enviei o
áudio para suas amigas.
— Você parece chocada com o meu tanquinho — resolvo
atormentá-la, pois já que não posso foder ninguém, pelo menos vou
ter uma diversão que não envolva o meu pau, quer dizer, não
diretamente.
— Nicolas, nada mais que vir de você irá me chocar — ela
diz forçando uma indiferença.
— Loren, Pãozinho de queijo, você não pode dizer isso para
mim.
— Vamos lá, tente.
— Tenho uma tatuagem na virilha. — Ela para o pastel no
meio do caminho para boca.
— Que tatuagem?
— Uma frase.
— Tudo bem, você está pedindo, que frase?
— Suck my[23], e três pontinhos — O pastel cai de sua mão,
direto para o prato.
— Você está brincando.
— É sério, calma, vou te mostrar — Me levanto e faço como
quem vai abrir a calça, mas ela põe as mãos em cima das minhas, e
me puxa para baixo.
— Para, Nicolas, você é doido? — Sua cara de desespero
me desarma e eu gargalho até lágrimas escorrerem no canto dos
meus olhos.
A cereja do bolo é ela corada.
Suas sardinhas ficam muito mais laranja quando ela fica
assim, é lindo de se ver.
— Somos amigos, todo amigo já viu o outro pelado. Que mal
faz? Vai me dizer que nunca viu suas amigas peladas?
— Minhas amigas sim.
— Loren, que frase mais sexista. Pois eu já vi meus amigos e
minhas amigas.
— Eu nunca tive amigos homens.
— Que vida triste a sua… Somos ótimos companheiros. Se
bem que… Nunca tive amigas mulheres, eu sempre dormi com elas,
e elas não queriam me ver depois.
— Nicolas, você está falando sério da tatuagem? — rio da
cara de desespero dela.
— É brincadeira, pode respirar aliviada. — Ela bebe mais um
pouco da sua cerveja. — Eu não sei por que você ficaria tão
chocada se fosse verdade!
— É tão … Não sei uma palavra para expressar o que eu
acho.
— Então eu não posso te contar um fato verdadeiro sobre
mim.
— Vá em frente, me choque.
— Já fiz sexo com mais quatro pessoas.
— Não, você está blefando.
— É sério. Por que eu iria mentir?
— Porque você gosta de me constranger.
— Pois acredite, Pãozinho de queijo, é verdade.
— Você e quatro mulheres?
— Eu, Cadu e mais três mulheres.
— Você já ficou com outro… — ela desvia o olhar, e percebo
que ficou sem jeito.
— Outro cara? — ela assente. — Não, outros homens nunca
me brilharam os olhos. Mas eu curto um pegging de vez em quando.
Gosto de ser mimado com uma massagem na próstata. Mas é
complicado fazer isso em sexo casual, e as pessoas não são tão
abertas assim, existe um preconceito muito grande em relação a
isso na heterossexualidade. E não é só chegar e fazer. Requer um
certo carinho, e cuidado. Pegging tem a ver com troca, segurança,
entrega e consentimento.
— E como isso funciona? — A curiosidade está mais
estampada do que o choque em sua face. E essa pergunta cai como
uma rocha em meu colo.
Entendam bem, minha cabeça de cima já aceitou, com muita
dor, que nada vai acontecer.
A de baixo não.
E ela está só imaginando os dedos delicados de Loren em
mim, enquanto eu gozo loucamente.
Apoio o tornozelo direito no joelho esquerdo a fim de
esconder minha ereção.
— Hm… O que especificamente? — Ela engole em seco.
— O pegging.
— Ah, não, senhorita. Não vamos ter essa conversa.
— Por quê?
— Porque não quero fazer de você um objeto das minhas
punhetas — jogo o melhor sorriso cafajeste, pois sei que fará com
que ela recue.
E como dois e dois são quatro, ela recua.
— Ah, tenho mais uma para te chocar.
— Acho que já é o suficiente. Entendi que você…
— Eu frequento um clube de sexo — interrompo-a. Sua
pequena mão cobre a sua boca, que está aberta em um “o”
maiúsculo. — Sua vez agora.
— Minha vez? — ela pergunta, ainda em completo estado de
choque.
— De me chocar.
— Acredite, em comparação a você, eu não tenho nada para
contar.
— Ah, não, nada disso, Pãozinho de queijo, você é doze
anos mais velha. Vamos lá, não é possível que não tenha coisas
para me contar. Um caso sórdido com um cara mais velho? Um cara
mais novo? Um número incontável de parceiros… Se esforce um
pouquinho.
— Nicolas… Vamos lá, não tem nada. Você está fazendo
amizade com a Thompson errada — ela sorri. — Talvez você deva
fazer amizade com a Emma. Ela faz sexo em grupo, — ela gargalha
— , dança de lingerie no Magic Mike, é adepta ao sexo casual e ela
te contaria histórias ótimas, ela é bissexual.
— Gostei dela, quando você voltar para Londres, depois de
dois meses eu irei defender meu doutorado, em dezembro eu chego
para fazer meu PhD, ela me ofereceu abrigo — lembro-a.
— Ah, vocês vão se divertir demais.
— Ótimo saber disso. Mas vamos lá, não fuja. Com quantos
pessoas você já transou?
— Você sabe essa conta?
— Não, Pãozinho de queijo, mas já deixamos claro que eu
combino com a outra Thompson. — Ela ri, e vejo que começa a
contar nos dedos. — Uau, você já encheu uma mão! — brinco
quando vejo ela marcando seis — e continua contando! Terceira
mão! Que safada, Thompson! — Ela sorri e me olha.
— Doze.
— Doze? As fodas da sua vida toda dão doze caras? — ela
assente.
— Eu não consigo só chegar e transar com um cara, tenho
que ter a mínima ligação com a pessoa.
— Você é demissexual então?
— Não sei se eu me encaixaria nisso, a terapeuta nunca me
classificou assim. Sei lá, só é estranho, para mim, ficar pelada na
frente de uma pessoa que eu nunca vi.
— É como a Jamie, a regra dos três encontros.
— Jamie?
— Amizade Colorida, o filme…
— Nunca vi.
— Isso é uma afronta! Tem o Justin Timberlake.
— Não sei mesmo qual é esse filme. Mas talvez não seja, o
que eu sinto não tem a ver com sentimento emocional ou afetivo. O
que eu sinto se remete mais a segurança.  Houve dois caras que eu
tive algo sexual, casual puramente, mas eles me passaram
segurança no dinamismo todo. — Ela ergue as sobrancelhas,
parecendo surpresa pelo o que ela mesma disse.
— Vamos marcar de assistir o filme. Você não pode
atravessar o oceano de volta para a casa sem ver esse filme. É um
absurdo. Voltando ao seu número baixíssimo de parceiros sexuais.
Doze, Loren?
— Contando que eu fiquei com o mesmo cara por doze anos,
e nesse tempo fui casada por onze anos — espera, o quê? —,
sobram onze caras nos últimos cinco anos. Ou seja, eu sou uma
devassa. — Ela me olha — Você não concorda? O que foi? Por que
está me olhando com essa cara? — Eu não sei qual a minha cara,
mas, chocado é o mínimo.
— Você foi casada?
— Fui…
— Caralho, isso é chocante!
— Não é não. Você acha que alguém é incapaz de se casar
comigo? — Ela parece ofendida.
— Não, não, não. Como alguém é capaz de se casar com
você e deixar você ir? — Ela se assusta com a minha resposta.
— Não sei se te entendi…
— Olha só para você… Você é linda, carismática, inteligente
e gostosa, desculpe falar assim, mas se você não sabe que é,
deveria saber. E como um cara perde isso, me fala? Porque na
minha cabeça não faz sentido nenhum. E você está falando com o
cara que nunca cogitou a possibilidade de se casar… Tem noção do
tamanho desse paradigma? Loren, se você pedisse, eu me casaria
com você, sem pestanejar. — Ela revira os olhinhos aveludados, e
não dá créditos ao que eu acabei de falar.
— Pode ter partido de mim o rompimento.
— Verdade, isso faz sentido. Desculpe minha indelicadeza.
Posso perguntar por que você decidiu se separar?
— Pode, mas eu não vou te responder… — Ela toma o
restante de sua cerveja, e percebo que o seu humor mudou um
pouco.
— Desculpe, meu lado curioso às vezes se exaspera.
— É só que… é delicado e complicado. Envolve muitas
coisas, e eu nem sempre gosto de abrir essa caixinha. É algo que
eu abro para poucas pessoas.
— Tudo bem, preciso conquistar o lugar de melhor amigo. —
Ela dá de ombros e concorda. — Loren, eu vou ser o melhor amigo
da sua vida todinha. Vou pedir uma rodada de cerveja para
brindarmos a nossa melhor amizade.

Tive a ideia perfeita!


Bom dia, Nicolas!
Você está ciente que
é domingo 7h?
Sim, e você já está
acordada, o mundo
ainda está girando
no eixo certo.
HAHAHA
Qual boa ideia você
poderia ter a essa hora?
Meu projeto BFF
está indo de vento
em popa, minha
melhor!
Vento em popa?
Sabe como é…
A plenos vapores,
voando alto,
obtendo sucesso
com rapidez…
Qual a sua superideia?
Estou chegando
em Ouro Preto,
logo, você será
minha hoje.
Vamos ter o dia
do amigo.
Eu não estou entendendo.
Não tome café.
Chego em meia
hora, esteja pronta.
 
Não sei o porquê, mas pela primeira vez na vida quero ser
amigo de alguém. Sei que pareço ser esse cara popular, e etcetera,
mas eu não era, minha infância e adolescência foram regadas à
solidão. A vida adulta não seria diferente.
Esses resultados corroboram com o número de amigos que
eu tenho, dois, Carlos Eduardo e Sara, que mora longe demais para
termos uma ligação constante e viável.
Meus pais foram excelentes, mas  trabalhavam muito, como é
o caso da maioria dos pais brasileiros que priorizam a boa educação
para os fihos.
Com um irmão anos mais velho, não tínhamos assuntos ou
interesses em comum.
E a escola pode ser terrivelmente cruel se você não se
encaixa dentro dos padrões estabelecidos por alguém.
Quando Loren me perguntou como eu sou assim, dito bom
moço, é porque quando não nos encaixamos entre os nossos, nos
expandimos para além.
Se eu não era bem visto na escola que dirá na graduação,
que era o mais novo da minha turma?
E foi assim que fui parar no trabalho voluntário na igreja
católica — mesmo o cultuamento religioso não fazendo sentido
nenhum para mim —, ajudando-os a arrecadar fundos para qualquer
que fosse a festa dedicada a alguma santidade deles, ou comprar
ovos de páscoa e brinquedos para as crianças. Meu interesse não
era no que a religião pregava ou fazia, mas sim na caridade em
questão. As festas dedicadas às santidades sempre envolvem
mesas fartas que alimentam aqueles que têm fome. A compra de
ovos de páscoa ou brinquedos no dia das crianças tem a ver com a
felicidade e esperança dos pequenos, e assim por diante.
Fui preencher minhas cargas de horas complementares,
como guia turístico voluntário das escolas públicas dentro e fora da
cidade.
Ajudei na horta da comunidade evangélica — pois eu sou
laico —, que serve sopa aos desabrigados no inverno. Ajudava
Dona Joaquina, em seu centro espírita, a arrecadar agasalhos no
inverno. É como a velha história, o importante é participar
Comecei projetos extras na escola estadual da cidade, pois a
ciência é ampla, nós professores, quando lecionamos no ensino
regular da educação fundamental ou média, não conseguimos dar
todo o conteúdo curricular proposto.
Então eu me organizei para dar aulas extras de
biologia/ciência, sobre aqueles assuntos que eram extensos e uma
aula não seria suficiente para trabalhar, durante a graduação e
mestrado.
Assuntos como educação sexual e infecções sexualmente
transmissíveis, genética ou evolução, ficavam por minha conta.
E foi assim, que virei cinéfilo, bookstan e o amigo da
vizinhança, como o Homem-Aranha, mas em vez de evitar assaltos
e ajudar as velhinhas com meu sentido aranha, eu ajudava a
comunidade de formas menos heróicas, e a minha única arma era a
educação e o conhecimento. Fosse ele adquirido na academia ou
por forma autodidata.

— O que vamos fazer domingo às 7h40? — Loren já abre a


porta de calça jeans branca, tênis da mesma cor, e uma blusa de
frio de linha verde musgo de gola alta. Simples, mas claramente
suas roupas não são brasileiras.
Loren grita: europeia.
Seja pelas roupas ou modos.
Meu Pãozinho de queijo fofo.
Percebo que nunca reparei suas vestimentas.
Talvez meu tempo sabático esteja finalmente dando certo.
Eu parei de vê-la como uma transa e passei a vê-la como
uma pessoa, que ela obviamente é.
Nicolas, deixa para enganar quem não te conhece.
Ainda essa noite você sonhou com ela, as mãos pequenas
dela dentro de você enquanto a boca acariciava suas bolas.
— Ainda mais nesse frio. — Ergo as sobrancelhas, e rio.
— Seu país neva, Loren. Estamos no fim do outono, e só
está fazendo 10°. Mês que vem entraremos no inverno, em meados
de junho.
— Não estamos abertos a discussão.
— Estão? Você e quem?
— Meus seios que estão túrgidos. — Porra, Loren, não fode.
— Céus! Estou ficando  ao seu lado  tempo demais. Já ando falando
atrocidades indecorosas indizíveis.
— Céus, digo eu! Você parece ter saído de um livro da Julia
Quinn, Scarlett Peckham, Lisa Kleypas ou qualquer escritora de
romance regencial.
— Você lê romances regenciais?
— Loren, você deveria perguntar o que eu não leio. Vamos
ficar discutindo em frente sua pousada, ou iremos para a
programação do dia?
— Você não deveria estar em outra cidade?
— Dia D. na instituição.
— Vou querer saber o que é isso?
— Um dia institucional que acontece todo semestre, é voltado
para coisas fora da sala de aula. Palestras com conselhos,
progressão de carreira… Essas bobagens de privilégios às
instituições particulares. Os professores cumprem carga horária
remota. Podemos ir, milady? — Tenho vontade de completar a
informação de que se não a visse hoje, ficaria uma semana sem vê-
la, e eu não gostaria disso.
Gosto da amizade dela e do tempo que temos juntos.
— Claro. Mas eu não deveria ser vista na presença de tal
libertino.
— Vem logo, Pãozinho de queijo, ou vai congelar — puxo-a
pelo braço, e a coloco dentro do meu abraço de lado, e beijo sua
testa. — Programação do dia: Um leve café da manhã…
— Vai ter pão de queijo e broinha de canjica?
— Você agora só come isso? Deve ser por isso que suas
sardinhas aumentaram — passo o dedo em suas pintinhas, e reparo
que ela passou algo em seus cílios que destacam ainda mais os
olhos castanhos e as bochechas laranja. Sua boca está com um
brilho molhado, e pela proximidade tem cheiro de menta. — Você
sabe que não vai achar essa iguaria típica em seu país, não é? —
falo baixo sem distanciar-me dela.
Para mim, beijos sempre foram parte do ritual de
acasalamento.
Os animais são assim. Uns dançam, uns trazem presentes,
uns brigam… Mas tudo faz parte do ritual de acasalamento.
O escolhido pela fêmea terá uma cópula, aí terão filhotes…
Alguns depois irão morrer, seja por ter cumprido o seu papel
na natureza, que é se reproduzir, ou serão mortos pela fêmea, o que
acontece com os louva-a-deus, ou morrerão instantaneamente, pois
o pênis irá explodir durante o ato, como é o caso do zangão.
Mas valerá a pena, pois seu papel natural se cumpriu.
Essa é a chamada: seleção sexual.
E nós como animais — dito — racionais, não fugimos do rito.
Ele só é menos conciso.
Somos até piores na verdade.
Não escolhemos só pelas características físicas, que alguém
padroniza atraente, mas também por posses materiais e
intelectuais, ou falta dela.
Cada um tem o seu critério.
Porém, o critério tem padrão.
O cara com melhor carro ou que tem o cargo mais alto na
empresa ou o mais bonito e magro, ou a conta bancária
ridiculamente alta, geralmente têm mais sucesso. Tendo duas ou
três características dessas, a pessoa não precisa ter um intelecto
atraente ou um QI mínimo. Se tiver as quatro, você ganha passe
livre para ser idiota.
Agora se você for intelectualmente atraente, e só… Desiste.
O ideal é que você seja intelectual e tenha dinheiro, pois aí
você compra o resto.
Assim você estará apto a entrar no mundo sexual dos únicos
seres racionais. Grande merda.
Enfim, como ia dizendo.
O beijo.
Rito de cópula obrigatório.
Nunca pensei muito sobre ele.
Inclusive me questionava a importância dele nos romances
que já li. Seja ele de época ou contemporâneo. Seja ele do tipo: “Se
amaram a noite inteira” ou um romance erótico com cenas 
torridamente quentes.
O beijo sempre é o início de algo.
Não precisamente carnal. Em quase noventa por cento —
fonte? não precisa —, ele representa amor, jura de eternidade e
tudo o que acompanha o “para sempre”.
Eu nunca senti vontade de beijar alguém. Até agora. —
Minha psicóloga insiste em dizer que isso está relacionado com
minhas questões do passado.
Sempre fiz, pois entendi que isso é a largada para mais.
E nesse momento eu gostaria muito de beijá-la.
E eu não sei o que isso diz a mim.
Seja sobre o beijo ou sobre o rito.
— A Flor vai me dar a receita — ela fala baixinho me
encarando e lambe os lábios em seguida.
— Ah… pode ser então. Café da manhã com pão de queijo e
broinhas. Depois programei um passeio cultural na Igreja de São
Francisco de Assis, depois almoço e iremos ver o filme que você
nunca viu.
Nicolas Amaral
— Hoje não temos nenhuma história sobre a sua divindade
sexual ou mil perguntas para fazer? — Loren pergunta enquanto
estamos caminhando lado a lado, em direção à igreja, após o café
da manhã.
— Posso ter, sou bem prolixo.
— Você está estranho, desde o café da manhã. — Na
verdade foi antes, pois eu queria beijar você, Pãozinho de queijo, e
acho que isso geraria dedo no cu e gritaria[24].
— É sono, acordei muito cedo em BH para estar aqui a
tempo do café com você. 
— Não precisava fazer isso, você sabe, não é?
— Sim… Mas quis fazer — E agora eu quero mais que sua
companhia pelo jeito —, me deixou um tanto quanto atormentado
saber que minha melhor amiga passaria esse dia outonal sozinha
em uma pousada. E precisaria vir para cá de qualquer jeito. — Não
tão cedo, mas viria. — Eu gosto da sua companhia, Loren.
— Você não vai parar de me encher por causa disso, não é?
— ela ri, e parece ignorar propositalmente o que eu digo depois.
— Não. É isso que melhores amigos fazem, eles exploram o
pior de você.
— Eu só queria incrementar meu vocabulário. Mas acho que
estou vendo os filmes errados. Talvez eu deva optar pelos filmes e
séries contemporâneos.
— Ah sim, eu apostaria nisso. Quais foram os últimos que
você viu?
— Sanditon, e uma adaptação de Persuasão e Orgulho e
preconceito.  
— Janelover você hein! Nunca li um livro dela.
— O quê? Que absurdo! — Ela para no meio do caminho, e
parece que é a escritora que recebeu uma crítica de sua obra.
— É você que vive falando que eu sou novinho…
— Eu não disse isso, eu disse…
— É homólogo, Loren, mesma coisa. Então, eu sou de outra
época. Sou quase geração millenium. — Ela coloca as mãos na
cintura, e continua parada no meio da ladeira que estamos subindo.
— Eu vou querer saber o que é isso?
— Não, você não vai — gargalho —, nem eu queria na
verdade. Mas de fato, acho que me encaixo mais na literatura
contemporânea. Os romances de época são bons quando temos
uma terrível trama libertina.
— Isso não deveria me espantar. Você gosta dos livros por
esse motivo.
— Não mesmo. — Pego em seu braço e faço com que ela
recomece a andar.
— E qual estilo você mais gosta?
— Acho que devo classificar os que menos gosto, ou odeio.
Autoajuda. Eca. Me dá urticária. Suspense e terror não me brilham
os olhos, mas já li um clássico ou outro, Drácula e Frankenstein por
exemplo. Amo um livro de fantasia. É sensacional a mente de um
ser humano criar um outro universo.
— E romance — ela completa.
— Obviamente. É quase um artigo científico para mim.
— Por quê?
— Você deveria gostar também. Diz muito sobre a interação
humana. Eu sou um biólogo evolucionista, as interações são a base
dos meus estudos. Sei que a maioria das histórias são ficção, mas
alguém escreveu essa história, e as palavras escritas dizem muito
sobre o autor.
— Eu não disse que não gosto. Quais as temáticas que você
gosta?
— Romances universitários, os que se odeiam e depois se
amam, amores de segundas chances… Sei lá, eu sou bem fácil de
agradar. Só odeio romances de amigos, eles perdem tempo demais
na fissura de “somos só amigos”, fico o tempo todo gritando: “se
peguem logo!”, romances com diferença de idade, podemos
protagonizar um desses, o que acha? — Olho esperando suas
bochechas corarem, e pisco para ela.
Seu pequeno braço me cutuca, e ela não diz nada.
— Tudo bem, nada de namorar a Loren. Gosto de romances
sáficos e aquilianos também. Acho que é isso. Gosto de pouco
drama também. AMO livros com bebês. Menos quando as mulheres
fogem grávidas, isso não é legal. Descobriu sobre o bebê, conte
sobre ele.
— Sério? Você disse que nunca se viu casando.
— Mas casar não tem nada a ver com bebês. Fazer bebê é
muito legal.
— Os livros que você lê têm muitas personagens fazendo…
bebês?
— Achei que isso fosse óbvio. Tem que ter um pouco de
erotismo, no mínimo. E você?
— Eu o quê? — ela me olha de baixo.
— Só lê clássicos? — ergo as mãos para o alto e às balanço
em deboche.
— Não, nós não vamos ter essa conversa.
— Pãozinho de queijo, isso só me leva a pensar coisas
indizíveis sobre você. Você é uma safadinha, Loren. Tive uma ideia.
— Uma ideia sensacional!
— Vou me arrepender de perguntar — ela diz rindo —, qual
ideia?
— Vamos fazer uma lista de coisas estranhas sobre nós. —
Uma ideia magnífica, se eu descobrir que ela odeia plantas, maltrata
animais ou algo assim, minha vontade de beijá-la irá passar.
Se bem que ela tem uns peitinhos tão lindos. Pelo menos
parecem ser por trás das roupas.
Nicolas! Foco!
— Por que faríamos isso?
— Amizade, Loren, amizade. Você não está me ajudando a
ser seu melhor amigo.
— Ok. Comece para eu entender a dinâmica.
— Tenho sapiofilia.
— O que é isso?
— Hmm… Eu me atraio sexualmente/romanticamente
baseando-me na inteligência ou educação da pessoa — dou de
ombros como se isso fosse absolutamente normal.
— Como isso funciona?
— Eu posso… Nossa, como vou te explicar isso? Posso estar
lendo um texto, ou conversando com uma pessoa, por exemplo
você, e se perceber nas suas falas e em posicionamentos que você
é uma pessoa inteligente, ou ler algo escrito por você, e perceber o
mesmo… — Péssimo exemplo e argumento de novo, Nicolas.
Loren continua olhando-me, e eu sinto o frio na nuca.
Pareço estar no ensino médio de novo, apresentando aquele
trabalho que deveria ser feito em grupo, mas eu fiz sozinho.
— Não sei se estou sendo claro — não, eu não estou — mas
um outro exemplo, se você for uma pessoa recorrente no meu dia a
dia e for educada em sua … Essência… talvez possa me apaixonar
por você. Que dizer, transar… Está ficando cada vez pior o que eu
estou falando.
Você sabe que acabou de falar que pode se apaixonar por
ela, né?
Não, que pode transar com ela.
Parabéns, Nicolas!
Idiota do ano.
— Isso complica sua vida em vários níveis, não? — Ela
percebe meu embaraço e sinto que posso beijar seus pés, só por
ela guiar o assunto por outro lado.
— Como assim?
— Se você está corrigindo, sei lá… Relatórios, provas,
trabalhos dos alunos…
— É… Pode-se dizer que existe essa possibilidade.
— Nunca aconteceu?
— Loren, você já viu um texto universitário? São cópias
ambulantes em sua maioria, senão da internet, de um colega
próximo, eles usam um site de sinônimos e adeus coesão textual.
Existem exceções, mas na maioria das vezes as informações que
eles me trazem são notícias velhas para mim. É diferente de um
texto seu, por exemplo.
— O quê?
— Chegamos! — aponto para a igreja. — Hora da cultura! —
finjo animação, e espero usar esse momento cultural para
desanuviar a minha mente.
Passada a estranheza da “lista de coisas estranhas sobre
nós”, a visita a uma das maiores obras de Aleijadinho em conjunto
com Mestre Ataíde, voltamos a ser mais como nós.
Eu conto um pouco sobre o que sei daquelas obras, e Loren
encantada sobre tudo e qualquer coisa.
Levo-a para almoçar na taberna, como disse quando a
conheci, e pareço ter voltado ao normal.
Alguém que rege o cósmico, obrigado.
— Quando eu voltar para Inglaterra terei que ir o mais rápido
possível para uma academia — ela reclama enquanto abro a porta
da república, que está deliciosamente calada. Os meninos devem
estar todos dormindo de ressaca.
— Você pode correr comigo se quiser.
— Nas ladeiras?
— Bom… Sim.
— Obrigada, vou passar. — Ela observa a república, que não
é lá sinônimo de organização, mas é mais organizada que algumas
femininas, sem contar que por ser professor, o fato impacta
minimamente.
Bem minimamente. 
Meu quarto é o maior, estou nesse lugar há mais tempo que
os meninos. Sou quase a mobília da casa, como os personagens de
A Bela e a Fera.
Não sei por que me sinto melancólico quando olho para o
meu quarto nos últimos tempos.
Em novembro defendo meu doutorado, e aí? O que eu farei
da minha vida?
— Bem-vinda ao meu quarto, vizinha! — abro espaço para
ela adentrar, e vejo que ela protela na porta.
— As pessoas não vão achar estranho… eu estar aqui?
— Relaxa, os meninos são tranquilos. Fique à vontade, se
quiser tirar sapatos e tal — gesticulo por toda a roupa que ela veste,
às vezes ela está usando algo por baixo do casaco. — Vou ligar o
aquecedor.
— Aquele é o meu quarto? — ela aponta para a sua janela,
em frente a minha.
— É sim, por quê? — pergunto enquanto ligo a televisão e
faço login no streaming — Loren?
— Estou puxando a minha memória se alguma vez já fiquei
pelada por descuido.
— Ah não, infelizmente — faço um biquinho —, teria sido a
alegria da minha semana.
— Nicolaaaas!
— Vem, Pãozinho de queijo, eu prometo não dar em cima de
você durante o filme. Vamos assistir em português para melhorar
seu vocabulário.
Loren Thompson
Ele deu em cima de mim.
Pelo menos eu acho que sim. — Isso que dá não ter tido uma
vida dita normal, você não consegue distinguir uma coisa da outra.
Só posso estar louca. Sim, isso explicaria muitas coisas.
E a pior parte disso é que eu gostei, de verdade. Sinto-me
com dezenove anos de novo. No primeiro ano da faculdade, na
primeira vez que ingressei, obviamente.
O filme começou, e sentei-me a uma certa distância dele,
passado dez minutos ele alegou frio e me puxou para baixo do seu
abraço.
Como se eu, que bato no meio de seu peito, pudesse
aquecê-lo.
Nos outros vinte minutos seus dedos passaram a fazer
carinho em minha cabeça, e gostei.
Deveria ter me preparado para as cenas de sexo. Pelo amor
de Deus! O filme se chama “Amizade Colorida”.
Mas não me preparei.
E então estou abraçada ao corpo firme, de um cara mais
novo, inteligente e gentil, que para completar ainda tem um sorriso
faceiro lindo.
Não sei em qual momento suas pernas grandes se
enroscaram nas minhas, a mão passeou na minha cintura
livremente, e pela primeira vez em muito tempo eu não recuei de um
toque surpreso.
A luz natural do dia foi sumindo pela janela, e fomos
banhados somente pela luz que vem da tevê.
Há muito tempo eu parei de assistir de fato o filme.
Na terceira ou quarta cena de sexo, pois estava cada vez
mais ciente dele em mim. E minha mente travessa traçou
inimagináveis cenários em que eu e ele protagonizamos as cenas
de Mila Kunis e Justin Timberlake.
E isso não é certo.
Mas ao mesmo tempo não parece errado.
Não sei o que imaginava do quarto do Nicolas — eu nem
deveria imaginar o quarto dele, esse é o ponto.
Mas não era um quarto clean, metodicamente organizado e
cheiroso. Bastante cheiroso.
E agora, possivelmente, sempre irei olhar em direção a esse
quanto quando sentar em minha janela, seja para o café, seja
enquanto eu estudo.
A quem quero enganar?
Desde todo aquele papo promíscuo sobre pegging, parceiros
sexuais e as brincadeiras dele permeadas de segundas intenções,
passei a viver em um constante estado de calor.
Seria a menopausa?
Loren, pelo amor de Deus, não seja precoce.
A noite quando me deito, em vez de pensar na ligação que
farei para minha mãe e pai, para Emma, na minha defesa de
mestrado em janeiro, ou sei lá, um presente de aniversário para
enviar para minha tia em quinze dias, eu me prendo a Nicolas.
Em coisas banais, como o toque dele é singelo, como sua
presença, imposta por ele mesmo, ao mesmo tempo natural, faz
minha permanência aqui suportar à distância de casa.
Eu saí da casa de meus pais para a faculdade, menos de um
ano depois, estava casada, e então estava com Emma.
Antes de embarcar para esse momento da minha vida, minha
psicóloga me incentivou a viver esses momentos que foram tirados
de mim de alguma forma.
Porém temi o desconhecido.
Temia largar tudo que eu planejei para esses seis meses, e
querer voltar para casa. Para segurança que se tornou o
apartamento em que moro com a Emma, ou a casa de meus pais
que fica a treze quilômetros da minha moradia.
Há anos eu venho trabalhando meu autoboicote, então estar
aqui há dois meses, com uma tese com grande desenvolvimento, e
sozinha com Nicolas, faz um sentimento estranho tomar-me,
percebo ser orgulho.
Eu sinto orgulho pelo meu trajeto até aqui.
— Você dormiu, Pãozinho de queijo? — sua voz baixa me
assalta tamanho era minha dispersão.
— Não, eu estava divagando — volto a atenção para o filme,
mas sou recebida pelos créditos.
Sua mão contrária a que me mantém próxima a ele, ergue
meu queixo delicadamente, e Nicolas tem um vinco diferente entre
as sobrancelhas.
— Você gostou do filme? — nossa proximidade é tanta que
consigo sentir seu hálito quente em meus lábios.
— Sim.
— Você está tão cheirosa — ele aproxima o seu nariz da
minha bochecha, e espira minha pele. Meu coração dispara, sinto
meu pescoço pulsar, e minha boca secar.
Lanço meu olhar para ele, e deparo-me com um Nicolas de
olhos fechados e longos cílios tremulantes, seus lábios formam um
arco, e como o pouso de uma borboleta, seu lábios tocam a lateral
do meu rosto.
Sua mão grande toca-me sem brusquidão no outro lado do
rosto.
Não vejo escapatória, percebo o beijo chegando, e anseio por
ele.
Sem pensar se é certo ou errado, se é uma loucura ou se
estou gozando de plena sanidade, eu só quero.
Meu celular vibra e acende em nosso meio.
É como um grande choque que passa de mim para ele, e nos
distanciamos rapidamente.
Emma.
Salvadora da pátria.
Me levanto rapidamente, e calço o tênis.
— Preciso ir, obrigada pelo filme.
— Loren… Loren, espera.
Não, eu não espero e, sem saber como eu saí da república
nem como entrei no meu quarto, atendo a ligação.
 
Eu fugi.
Não só do Nicolas.
Fugi da Emma, da Flor e do seu Zé, e da vida.
Belo retrocesso.
Na segunda de manhã, eu enviei uma mensagem para minha
terapeuta, e adiantamos a nossa sessão on-line do mês, e a
realizamos na parte da tarde.
Resultado disso?
Eu ainda não sei.
Estou tentado processar tudo o que ela disse ali para mim.
Mas ela pediu para eu fazer com Nicolas o mesmo check list que
criamos anos atrás.
Quando me desvinculei de Logan e resolvi seguir com a
minha vida, percebi que existia em mim uma vontade de conhecer
pessoas.
Eu não estava desesperada para transar, ou sei lá… voltar a
ter um relacionamento longo. Aliás, até hoje, após cinco anos, eu
não me envolvi em um namoro, ou algo assim. Tive meus casinhos
aqui e ali. Saí e fiquei com um cara mais de uma vez, mas foi isso.
Bom durante aquele período.
E quando verbalizei essa vontade a ela, devido ao meu
histórico, reforcei a minha apreensão em estar sozinha com um
outro cara, pois sendo Logan meu marido e fez  o que fez, que dirá
um outro cara?
Então juntas criamos um check list.
Eu expus o que lembrava que me engatilhava, e ela
adicionou a ciência nele.
Ela pediu que primeiro processasse tudo o que vivi com ele
desde nossa aproximação inicial, até nossa “amizade”, e depois eu
aplicasse Nicolas em nosso check list.
Foi uma das sessões mais longas que tivemos nos últimos
três anos.
E Nicolas? Nada foi contrário ao teste.
E mais uma vez, como tantas outras, paguei para ouvir que o
fator dominante de toda a causa era eu.
E o maior absurdo vem agora: Hanna, minha psicóloga, disse
que não há problema nenhum em ficar com um cara doze anos mais
novo. Desde que ele seja maior de idade, e consensual.
E levando em consideração que ele ia tomar iniciativa...
Pelo menos parecia que  ia me beijar, ele me mandou uma
mensagem logo depois com um simples “Desculpa”, então ia
mesmo me beijar.
Estou surtando.
Óbvio!
O garoto mal tinha saído do útero, eu estava menstruando.
Aos quinze anos já estava dando o meu primeiro beijo, e ele mal
falava cem palavras e uma frase completa. Aos dezoito eu estava
entrando na faculdade, ele mal escrevia o nome dele, se bem que
deve ter sido uma criança inteligente, aos seis ele deveria saber
mais do que os outros, mas não interessa, ele nem tinha largado as
calças curtas ainda!
Perdi minha virgindade aos dezenove anos. Ele tinha sete
anos. Aos vinte estava casada, e ele? Tinha oito anos, oito.
Eu vivi uma vida de casada, com responsabilidades de uma
“mulher casada”. Horários de refeições, uma casa para cuidar, um
marido para zelar, e ele? Estava na puberdade por todo esse tempo.
Agora mesmo tenho trinta e seis e…
Ele tem um grau de escolaridade maior do que o meu, e já
conheceu sexualmente mais pessoas e…
E nada, ele ainda é um garoto.
E você ridiculamente está se comportando como uma
menina, mantendo a janela e cortina fechadas, e ficando enfurnada
neste quarto.
Já faz três dias, Loren.
Três noites que ele invadiu meus sonhos.
Invadiu com toques singelos, com sorrisos fáceis, com beijos
na testa, e me engolindo em abraços de lado.
E beijos. Beijos na boca, gostosos beijos na boca, que
evoluíram para beijos no corpo todo.
E piora.
Essa noite, ele foi além de beijos e toques. Nicolas me
incendiou, no sonho, me consumiu e chegou a ponto de eu acordar
molhada.
Pela manhã seguinte, ele tentou me ligar, no desespero, eu
cancelei a chamada. E então silêncio.
Não estou vendo ele correr esses dias, e confesso que às
vezes olhei para sua porta, mas é sempre o mesmo entra e saí de
caras jovens e algumas meninas.
Será que algumas delas iam para o quarto de Nicolas?
Não é da sua conta, Loren.
Decido só existir hoje, e amanhã é outro dia.
Amanhã volto a minha tese, e tudo o que tenho que fazer.

O amanhã foi sentido figurado, pois fiquei reclusa ali a


semana toda.
Ignorei tudo como se tivesse tempo a meu favor. Conversei
pouco com as meninas e desviei quando elas perguntaram se
Nicolas estava se empenhando em melhorar o tanquinho.
Apesar de achar que ele não estava se empenhando, pois
parou de correr todos os dias.
Pronto, virei stalker.
— Boa tarde, Jamile! — cumprimento a gerente do museu
quando bato em sua porta.
— Boa tarde, Loren. Que surpresa! Pensei que iria embora
sem se despedir.
— Não, estava trabalhando na pousada mesmo. Precisei
fazer uns ajustes no texto. Eu só saio daqui para ir embora. Quer
dizer, no mês de julho, vou precisar me apresentar em São Paulo,
mas vai ser coisa rápida. E depois, quando sair, vai ser direto para
casa.
— Ansiosa para voltar?
— Com saudades, mas estou bem. Vocês são hospitaleiros.
— É a melhor coisa de Minas.
— Falarei disso por aí… Bem, preciso consultar um arquivo
no acervo, teria como?
— Claro, vamos lá.
Seguimos para a ala leste do museu, e Jamile preenche o
silêncio com trivialidades de seu fim de semana, e ela fica bem feliz
com sons de concordância.
Lá dentro, ela me deixa à vontade para procurar a cópia do
diário da imperatriz que o museu mantém.
Coloco a máscara que é item obrigatório ao entrar aqui,
ninguém quer que a pessoa que está manuseando espirre e traga
fungos para os itens de valor monetário irreparável, calço as luvas
também obrigatórias, e começo minha caça ao tesouro.
Sento-me no chão quando o encontro, começo a folheá-lo.
Quando acho o que preciso, apoio-me na prateleira atrás de mim e
levanto-me.No silêncio da sala vazia, ouço o barulho de algo
amassando.
Olho para baixo, para um lado e para o outro, e então vejo
grudada em meu braço.
— AAAAAAAAH! — começo a me sacudir, jogando o diário
em minhas mãos longe tamanho o pânico, arrancando luvas e
máscara no caminho.
— O que foi, Loren? — Jamile aparece na sala desesperada,
não mais do que eu.
— A spider, motherfucker[25].
— Loren, calma, não falo inglês, o que aconteceu?
— I had a spider on me[26] — Como que fala essa palavra?
Aponto o animal aparentemente morto, e ela entende.
— Merda, vem, vamos pra UPA[27]. — O que é uma UPA?
Não me lembro de ter pago seguro de saúde nessa viagem.
Merda! Toda viagem que fiz antes, me lembrava desse
seguro. Como fui esquecer logo nessa viagem? Seis meses não são
seis dias.
Eu vou morrer?
Essa aranha é venenosa?
Fico estática.
Jamile sai por um instante e fico olhando para o animal no
chão, se ele se levantar é capaz de eu subir na cadeira.
Ela volta com um copo plástico descartável, e com uma régua
ela empurra o animal para dentro.
— Venha comigo, fica calma. Se você começar a falar em
inglês eu não consigo ajudar. João — ela chama o vigilante que está
por ali —, pega o carro, vamos levar Loren na UPA, tem que ser
rápido.
A palavra rápido faz meu coração acelerar, e se eu morrer
aqui, longe de todo mundo, da minha casa, de tudo?
A todo momento fico olhando para onde o animal estava
procurando uma picada, e não vejo nada. Olho para o copo na mão
de Jamile e sinto meus pelos se arrepiarem.
Jamile vai atrás comigo e dá instruções a João.
Não sei quanto tempo se passa, mas parece não demorar até
pararmos em frente a um pequeno hospital.
Salto do carro na porta junto com Jamile, e eu não percebo
que não tenho nada além do celular comigo. Como vou pagar isso?
— Boa tarde, minha amiga foi picada por uma aranha. — É
isso, aranha, era esse o nome do animal. Jamile fala com a moça na
recepção.
— Ei, Jamile. Trouxeram o animal? Há quanto tempo
ocorreu? — Uma moça atrás de nós que aparentemente ouviu e já
tomou frente de tudo. — Meu nome é Fernanda, eu sou a
enfermeira-chefe do plantão — ela traz uma cadeira de rodas —,
você pode vir comigo. Sente-se por favor, é protocolo de
atendimento. — Sento-me mais que depressa.
Já vi documentários demais sobre animais peçonhentos para
saber que posso morrer ou desmaiar a qualquer momento.
— Ela não é daqui, Fernanda, e está misturando o português
com inglês.
— Nossa Senhora, então venha com a gente, Jamile. — Ela
entra pelas portas duplas, e Jamile segue em seu encalço me
empurrando .
A enfermeira se dirige a uma porta branca e coloca a mão no
trinco, abrindo-a no rompante.
— Estou em procedimento! — O médico fala, mas já é tarde.
O rapaz está deitado na maca, a cueca está um pouco abaixada e o
médico está aplicando-lhe algo.
— Desculpe, doutor — ela puxa a porta de novo —, uma
paciente com picada de aranha.
— Já finalizei, só um momento para o paciente se recompor.
Loren Thompson
Nem um minuto se passa quando o médico abre a porta, e
dela sai Nicolas.
Nicolas?
O que ele faz aqui?
Ele está doente? O que o médico estava aplicando nele?
Por um momento me esqueço porque vim parar nesse
pequeno hospital, e fico só olhando-o.
Ele mesmo parece um tanto surpreso em me ver aqui, e
aparentemente não sabe o que fazer, se me saúda ou passa direto.
Ele sem reação, para mim, é algo completamente novo.
— Moça, posso ver? — O médico me traz à realidade, e eu
engulo em seco.
— Sim — digo a ele, e entro.
— Como aconteceu? — pergunta a mim, mas não o olho.
Meu sentido está completamente atento a Nicolas parado um
pouco depois da porta conversando com Fernanda, a enfermeira.
— I was in the collection[28]…
— Loren, em português… — Jamile fala e, antes que eu
pense, ela toma frente.
— Ela estava no acervo, e eu estava do lado de fora, me
espantei quando gritou e então ela apontava para a aranha,
aparentemente morta — Fernanda abraça Nicolas, e ele sai do meu
alcance ocular, e a enfermeira entra.
— Tem quanto tempo do acidente?
— Menos de quinze minutos.
— Loren…? — Olho para ele — você já teve contato com
algum animal peçonhento antes? — Nego com a cabeça — Alergia
a algum medicamento? Picada de inseto? Reação a qualquer
animal?
— Não.
— Está sentindo alguma dor?
— Não.
— Esse é o animal? Vocês têm certeza? — ele pergunta
enfático.
— Foi o que ela me apontou, eu só coloquei aqui dentro e a
trouxe. — O médico olha para trás, e a enfermeira se aproxima.
— Onde está o Nicolas?
— Saiu, Dr. Marcos.
— Pois vá atrás dele, eu não acabei com ele. E diga que
estou precisando de ajuda. Liga pro Samuel, pede que desça aqui.
Ajuda? O que ele quer do Nicolas?
— O local de contato foi o seu braço?
— Sim, eu fui me levantar, encostei na prateleira de trás —
respiro fundo e penso nas palavras que eu vou dizer — e aí escutei
o barulho de algo… — como que vou explicar isso?
— Oi, Marcos — A voz de Nicolas me toma a atenção de
novo.
— Garoto venha aqui, mandei chamar o Samuel, mas você é
biólogo, que aranha é essa?
— Sou biólogo, não especialista em aracnídeos… — ele
resmunga, mas se aproxima — onde foi o acidente?
— No museu. — respondo.
— Na coleção? — por que diabos importa onde foi ? —
Porque cada animal tem um habitat, Loren — e aparentemente
eu estou falando em voz alta. — Sim, em inglês ainda, você vai
responder? — Sinto todo meu sangue se acumular em meus
pescoço e face.
— Sim. Foi.
— Confere com o Samuel, mas dada a localização e as
ocorrências é a aranha-marrom. Mas… CONFERE se foi, a picada
só vai aparecer entre 12h e 24h, se é que ela foi picada. — Quem é
Samuel?
— Você acha que estou mentindo? — que audácia.
— Não, só acho que você pode ter se desesperado com o
animal e se exasperou. Você viu ele te picando?
— Cheguei, mandou me chamar? — Um rapaz alto e
sorridente adentra a sala. Os cabelos são longos  presos em um
coque, e ele está usando um jaleco. O médico entrega para ele o
copo, e ele analisa. — Por que mataram ela? É uma aranha-
marrom, onde vocês acharam? Isso é álcool? — Ele pergunta ao
médico e na confirmação despeja no copo.
— Ela me picou, ou talvez não…  — Digo olhando para
Nicolas, e ele morde o lábio.
— Oi, eu sou o Samuel. Sou o biólogo responsável técnico na
zoonose da cidade, como aconteceu?
E lá vamos nós.

Eles tiram sangue para exame, e o médico me explicou o


protocolo de atendimento. Sem picada e certeza dela, eles fazem
um atendimento protocolado.
Primeiro, ele checa todos meus sinais vitais, ausculta minha
respiração e olha a garganta, depois ele explica que estava
conferindo a glote, aplica antitetânica, faz medicação intravenosa e
prescreve os medicamentos para eu tomar.
Devo fazer 72h de observação, então amanhã terei que vir
aqui pela manhã e tarde. Se eu sentir dores de cabeça, febre, dores
locais ou náuseas, eu devo voltar imediatamente.
— Eu não trouxe cartão — falo com Jamile que está ao meu
lado enquanto finalizam a aplicação que o médico pediu.
— Que cartão? — o celular dela não para de tocar.
Já ouvi ela mandar cancelar as visitas ao museu, contratar a
dedetização, e pelo que eu entendi, o museu ficará fechado por três
dias.
— Para pagar a conta do hospital.
— Loren, isso aqui é o SUS. — Eu deveria saber o que isso
significa? — É do governo, é pago com nossos impostos, sabe?
Não pagamos, quer dizer não diretamente.
— Tem certeza?
— Absoluta. Aqui — ela me entrega uma caixa de
medicamentos — É o que o médico prescreveu, já peguei para você
tomar.
— Você… roubou?
— Não — ela ri — alguns medicamentos a gente só pega,
apresentamos a receita e se tiver disponível, eles nos dão.
— De graça?
— Com impostos — ela ri. O seu celular toca de novo, e ela
pede licença.
— Loren — o médico adentra o lugar, e agora eu o observo.
Deve estar próximo aos quarenta anos, é moreno, esguio, bonito e
tem uma barba bonita e grisalha —, seus exames ficaram prontos,
sem nenhuma alteração. Eu vou te dar alta, mas você não pode
ficar sozinha, pode haver algo e você vai precisar vir para o hospital
imediatamente, ok?
— Tudo bem.

Não vi Nicolas ir embora e enquanto eu voltava para a


pousada fiquei pensando sobre toda a cena no hospital, e então me
questionei o que ele estava fazendo lá.
Agora estou parada na porta da república, pensando se eu
bato ou não na porta.
Vou bater e vou dizer o quê?
Olha, eu entrei em parafuso porque queria te beijar e você é
anos mais novo? Estou parecendo um disco arranhado.
E não seria muita cara de pau pedir para deixar o número
dele na discagem rápida, caso eu passasse mal?
Essa é uma ótima desculpa esfarrapada, mas é a única 
desculpa que tenho.
Maduro também para alguém como eu…
— Moça, cê vai entrar? Ah, oi, Loren. — Reconheço Samuel
parado atrás de mim, olhando para a porta que eu estou decidindo
se bato ou não.
— Samuel, oi… Eu vim procurar o Nicolas.
— Ah… Não sei se ele está, mas imagino que sim. Pode
entrar, você sabe onde é o quarto dele?
— Sei. — Ele passa por mim e abre a porta.
— Fica à vontade. — Aparentemente ninguém aqui liga para
a segurança.
Subo as escadas, vejo algumas portas abertas, algumas, tem
estudantes, outras só luz acesa. Vou até a porta que há alguns dias
eu sai correndo e ignorei o morador do quarto.
Bato uma, duas e na terceira vez, ele responde.
— Pode entrar! — abro a porta, mas não adentro o quarto,
vejo-o sentado em uma cadeira gamer, de costas para a porta, sem
camisa. Tem quatro montes de papel em cima da escrivaninha, ele
está com uma caneta vermelha e risca o papel ferreamente. —
Como a Loren está Samuca? — ele pergunta ainda de costas.
Meu coração dispara quando ele pergunta sobre mim, e não
sei o que isso diz sobre a distância autoimposta entre nós.
— Eu estou bem, obrigada por perguntar. — Quando
respondo, ele larga o papel, e gira a cadeira.
Nicolas está de óculos,  ele fica mais bonito com eles, se é
que isso pode ser possível, e parece surpreso em me ver. Percebo
que seus braços são fortes, mas delgados. Nada de músculos
robustos, apesar das veias dele serem bem salientadas, o peitoral
combina com o conjunto da obra.
Consigo ver algumas tatuagens, mas antes que eu as defina
ele se levanta, e rapidamente coloca uma camisa, como se eu
pudesse esquecer o que acabei de ver.
Como se no meu grupo de amigas não tivesse uma foto dele,
quer dizer, do tanquinho dele.
— Como você entrou?
— O Samuel estava voltando de algum lugar, e me deixou
entrar na casa, não que ele tenha usado alguma chave, ou que
algum morador tenha me parado no percurso e tenha me
perguntado quem eu sou e onde ia. Se queria saber de mim,
poderia ter me perguntado.
— O Samuel chegaria a qualquer momento, e não é como se
a gente estivesse conversando.
— Acho que o que estamos fazendo se chama conversar…
— Ele sorri de lado e concorda. — Posso entrar? — ele concorda.
Eu acho que já vi diversas nuances de Nicolas, mas ele de
óculos posso dizer que é incrivelmente sexy, e esse seu jeito
despojado, de camisa amassada, short — o que eu também nunca
presenciei — e descalço é altamente quente.
Loren!
— Vim pedir encarecidamente para deixar seu número na
minha discagem rápida, caso eu passe mal, o médico disse que
tenho que ficar 72h de observação. Não que eu tenha sido picada —
ele gargalha ao ponto de colocar a mão na barriga ao notar meu
sarcasmo demasiado.
— Não tem sido bons dias e eu não falei desse jeito — ele se
defende. —  Só estava olhando por todas as possibilidades, e são
cinquenta por cento para sim e cinquenta por cento para não, você
não viu a aranha te picando.
— Não posso esquecer da parte em que você quase se
recusou a identificar o animal peçonhento, quanto rancor no
coração, mocinho. — Sento-me na sua cama, e vejo-o tirar o óculos,
que raiva, com eles ele parecia mais velho, e eu poderia aceitar um
beijo dele.
Loren!
— Em minha defesa, eu estava fazendo o procedimento
certo. Não é algo que domine, se dissesse: Nossa, doutor, certeza
de que isso é uma jararaca! E então você seria levada a BH e usaria
soro antiofídico à toa.
— O que é uma jara… isso o que você disse?
— Uma serpente.
— Claramente o animal não era uma serpente.
— É mesmo, Sherlock? Qual o número do  seu CRBio-04[29]?
Você tem certeza dessa informação? Porque assim, a baleia não é
um peixe, e a baleia assassina, na verdade é um golfinho, o peixe-
boi não é peixe, e não se parece com um boi… Podem acontecer
coisas estranhas na natureza. A biologia é sinistra… — ele
contrapõe minha resposta, com um belo ponto de vista, um pouco…
rude.
— Okay, já entendi.
— Por acaso eu moro na mesma casa que o Samuel, e ele
tem coleção biológica de aranhas, pois ele é estranho, nessa época
do ano é comum acidentes domésticos com aranhas e escorpiões,
então eu acertei, mas as pessoas têm que parar com a mania de
achar que biólogo sabe de tudo da natureza, o nome de todas as
plantas do universo, quanto tempo vive uma tartaruga marinha, se
uma baleia sair da água ela vive quanto tempo? etcetera, não
somos google ambulantes. Vou lançar essa campanha quando me
inscrever como presidente do conselho regional de biologia —
tagarela mais um pouco.
— Está tudo bem com você? — questiono sobre o assunto
que eu estou enlouquecida por saber, ignorando propositalmente
sua tagarelice.
— Sim. Bom, como você pode ver, tenho muito trabalho —
ele aponta para a mesa —, mas estou bem, e você?
— Sem nenhum sintoma e espero que continue assim. Por
que você estava no hospital hoje? — ele desvia o olhar e dá de
ombros.
— Rotina.
— Rotina com agulhas?
— Eu sei, parece péssimo. — Ele não parece estar no modo
prolixo. Decido não insistir.
O que eu esperava? Ignorei-o por dias.
— Eu vim pedir desculpas.
— Uai, achei que tinha vindo pedir um favor.
— Também e desculpas. Minha reação de correr porta a fora
e sumir por uma semana foi um pouco demasiada.
— Acho que eu quem deveria pedir, Loren.
— Não vamos ficar nesse bate e volta, sabe? Somos adultos.
Estamos ambos desculpados? — decido por fim.
— Claro, como preferir.
— Você sumiu essa semana…
— Ah… Fui para Belo Horizonte. Na segunda de manhã,
recebi o convite para palestrar em uma instituição privada lá e
aproveitei o tempo para colocar em dia algumas matérias do
doutorado e desenvolver minha tese.
— Você nunca falou dela para mim.
— Eu segui uma linha de pesquisa baseada nos achados de
Peter Lund em minhas pesquisas para conclusão da graduação,
aproveitei e a desenvolvi no mestrado. Basicamente falei sobre a
evolução da espécie humana. Minha linha de pesquisa não mudou,
ainda estudo a evolução humana, mas antes meu foco era em
características físicas.
— Uau… E o que você achou?
— Mudanças esqueléticas que podem ter desencadeado uma
adaptação evolutiva significativa para o sucesso populacional dos
Homo sapiens e talvez a extinção do Homo neanderthalis.
— E agora, você está focado em quê?
— Genoma. Alguns seres humanos têm genes que
pertenceram ao Homo neanderthalis. E é o que eu pesquiso através
do rastreamento genético, em colaboração com um cientista que
reside na Alemanha. Estou discorrendo se existem fenótipos[30] em
comum entre o Homo sapiens e o Homo neanderthalis aos que
apresentam genótipo[31] do extinto. — Isso é muito inteligente, céus!
— Isso é praticamente uma antropologia biológica, se é que
faz sentido. — Ele sorri e concorda.
— Sim. Me inscrevi para um programa de PhD na Alemanha,
eles têm um programa de genética avançada que pode me auxiliar a
continuar essa pesquisa no próximo ano. Se eu quiser aprofundar a
pesquisa, terei que ir atrás de recursos premium. Acho que aqui na
UFOP já tirei tudo que poderia. Provavelmente irei ficar enfurnado
dentro de um laboratório, o que não gosto muito. Pipetas e balanças
de precisão. Mas, acho que seria um diferencial para mim,
profissionalmente falando.
— A Alemanha é bem perto da Inglaterra, você pode ir me
visitar no próximo ano.
— Verei o que eu posso fazer para você não morrer de
saudades… — ele brinca, morde o lábio, e recoloca os óculos. —
Eu gostaria de discorrer meus quase dois anos de doutorado com
você, mas aquelas pilhas de provas não vão se corrigir sozinhas —
ele aponta para os papéis, e percebo que estou o atrapalhando.
— Claro, me desculpe. Obrigada mais uma vez, pelo… favor.
— Disponha. Caso precise, eu estou a uma viela de
distância.
— Espero não precisar, mas obrigada. — Levanto-me da
cama e vou para a pousada.
Afinal, qual a finalidade desta visita, Loren?
Nicolas Amaral
Olho Loren fechar a porta e me questiono sobre o que foi
tudo isso?
Por que ela veio aqui?
Por que ela me procurou?
Isso significa alguma coisa?
E por que meu coração disparou, e minha respiração perdeu
o ritmo normal quando isso aconteceu?
Isso é fisiológico, Nicolas.
Não tem nada a ver com a sua sessão de terapia?
Aquela que mais uma vez minha psicóloga discorreu sobre
meu processo e defendeu o ponto dela de que minha vida sexual,
pode estar relacionado com minhas questões anteriores.
Por que eu estou… Feliz por ela ter vindo?
E por que senti uma leve euforia quando ela se desculpou,
mesmo não tendo culpa de nada? Porque ninguém é obrigado a
aceitar um beijo que não quer.
Talvez tenha a ver com o fato de as desculpas dela terem
demonstrado que eu não fui rejeitado. Quer dizer, foi uma rejeição,
mas não pelos motivos que eu supus.
Mesmo que você tenha dirigido por quase duas horas só
passar o domingo com ela.
As expectativas de um domingo, e depois do beijo, eram
minhas.
E isso não confirma o que sua psicóloga apontou sobre seu
processo?
Cala a boca, consciência!
Provas, corrigir provas. Vou focar nisso.

Às 21h30, meu estômago faz barulho pela enésima vez, e eu


já passei do horário de tomar a vitamina.
Minha psicóloga pediu encarecidamente que eu pare de
interromper o ansiolítico para beber, ou  pelo bel prazer de dizer que
esqueci.
Como se não bastasse ela, o psiquiatra reforçou o pedido.
De nada adiantou eu falar que o medicamento vinha
diminuindo minha libido, a ponto de entrar na The Jungle esse fim
de semana e não querer transar. Ambos insistiram que essa
diminuição está ligada a minha autoestima ou coisas psíquicas,
como perder o doutorado — mesmo que eu diga que está tudo bem
—, não ao fármaco.
E o psiquiatra teve a audácia de abrir a bula e me provar que
essa reação adversa, diminuição de libido está ligada a homens
maiores de cinquenta anos que passam pela andropausa.
Mas eu ainda acho que estou tendo uma reação adversa.
E se eu for aquele percentual que a pesquisa não cobre, eles
não podem afirmar com tanta ênfase assim.
Ora essa, eu sou cientista!
Em biologia, não se usa nunca e nem sempre.
Não podemos afirmar algo se estamos em constante
evolução.
Em todos os casos, aqui jazo eu, totalmente contrariado
tomando essa vitamina, há uma semana sem beber, e tomando
todos os dias no horário o ansiolítico.
Faço o sanduíche light que é a opção da nutricionista para a
noite, e tomo banho.
 
Acho que estou com febre.
 
É o que a mensagem dela diz quando eu estou ajeitando a
cama para dormir, às 23h45.
 
Acha?
Sim. Não tenho termômetro.
Abre a porta,
vou levar um para
aferir sua temperatura.
Ok.
 
Pego minha caixinha de primeiros socorros, e vou até ela.
Quando chego em seu corredor ela está me esperando na
porta, usando um robe de cetim branco, e eu fico tentado a saber se
a camisola é do mesmo tecido ou é daquelas rendadas nos seios.
Hmm, acho que não, seria ousado demais para ela.
Nicolas, não se julga um livro pela capa.
Ela entra, mas antes percebo que os olhos estão um pouco
vermelhos. Ela estava chorando?
— Boa noite, Dona Aranha, vamos verificar essa febre? — 
digo quando entro em seu quarto.
— Eu só penso que posso morrer aqui e nunca mais ver
minha família. E vou ter feito o quê em meus trinta e seis anos? —
ela me olha desolada sentada em sua cama com os olhos
vermelhinhos, e é de partir meu coração de manteiga derretida.
Foda-se, eu não sei guardar rancor, nem ser uma pessoa fria
e distante, não com ela. Loren que lute com esse jeito britânico dela.
— Ôh, Pãozinho de queijo, não fica assim — sento-me ao
seu lado, e seguro sua mão —, eu vou te abraçar, tá bom? — tomo-
a em meus braços, e beijo sua testa. — Vai ficar tudo bem, vou
cuidar de você. Irei aferir sua temperatura, se você estiver febril, nós
vamos pegar meu carro e vamos para o hospital de novo. Se não,
eu vou sentar naquela cadeira e a cada hora vou verificar a
temperatura de novo.
— Você promete? — escuto seu fungadinho em meu
pescoço.
— Palavra de escoteiro! Onde já se viu? Vou deixar você
morrer sem antes ser beijado por você? — brinco com ela.
— Será que nós deveríamos transar caso eu morra em 72h?
— Será que ela está com delírio? O que mais eu sei sobre aranha-
marrom? Esse seria um efeito do veneno?
— Loren… — Por que ela está falando isso?
— Se bem que esse seu pijama não é nada cativante.
— Ow, ow, ow, esse pijama é maravilhoso! — Olho para
minha calça que imita as escamas de dinossauros, e a blusa é um
Tiranossauro rex — Eu ganhei dos alunos do trabalho social.
— Me sinto obrigada a gostar dele agora.
— O que importa é o que está por baixo, e vou te falar,
ninguém nunca reclamou. Mas esses assuntos indecorosos não são
para moças, castas e inocentes. — Pego o termômetro e ligo-o. —
Levanta o braço, por favor. Vamos verificar se essa senhorita está
com febre. — Ela faz o que peço, e eu abaixo o braço dela,
aguardando o termômetro apitar.
— Você fica bonito de óculos, deveria usar mais — ela
preenche o silêncio enquanto aguardamos.
— Obrigado, Srta. Thompson. Acostumei a usar lentes há
alguns anos. — dou de ombros —, uso óculos muito raramente,
agora. — Abaixo a minha cabeça, olhando para os meus pés.
— Deveria aderir, você se parece mais velho, fica mais
charmoso. Nem parece errado eu querer te beijar com eles. — Oi?
Essa última parte ela diz tão baixinho que suspeito ter ouvido
errado. Olho para ela, e o termômetro apita.
Pego-o, e ele marca 36,9º.
Coloco a mão na testa dela, e ela fica me olhando.
— O que foi? Estou com febre?
— De acordo com o termômetro não, mas… Posso jurar que
ouvi você dizer algo que envolva você me beijar.
— Desculpe-me, eu só estou em pânico. Nada de febre? —
Mas e o beijo? Qual a parte você vai falar sobre o beijo?
— Nada, você está bem.
— Me sinto ridícula. Talvez você tenha razão, e eu nem tenha
sido picada.
— Não vamos descartar a possibilidade, pode ser que sim.
Vou sentar em seu sofá, à 1h verifico de novo sua temperatura.
— É ridículo, você pode ir embora. É só pânico.
— Prefiro ficar, vai que realmente algo aconteça.
— Não precisa sentar no sofá, podemos dividir a cama.
— Não, não podemos.
— Por quê?
— Porque essa cama é pequena, eu vou relar em você, os
homens têm ereções esporádicas durante a  noite, sabia disso? E
você vai voltar a ficar estranha, então não. Prezo demais nossa
amizade para isso. Foi ruim ficar longe esses dias. Meio que me
acostumei com você.
— Caso não se lembre, eu já fui casada, então dormi e
acordei com um homem, vários dias. E você sabe que eu vou voltar
para Inglaterra, não é? — indaga.
— Nós precisamos falar disso agora? Vamos deixar para
sofrer na hora de sofrer — brinco com ela.
— Foi bem infantil da minha parte sumir, não é?
— Foi sim, ainda mais sendo eu a pessoa da relação que vai
fazer vinte e cinco anos no fim de semana — revelo para ela.
— Meu Deus, será seu aniversário!
— Sim. Isso nos coloca a onze anos de diferença. Podemos
nos beijar agora? Você se sente menos pior?
— Nos coloca a onze anos e seis meses. Faço aniversário
em janeiro. Não, não me sinto melhor.
— Achei que seria mais fácil — dou de ombros.
— Para com isso. Você fica falando essas coisas, vou acabar
acreditando.
— Mas é para acreditar mesmo — vai que cola.
— Nicolas, olha o tanto de mulher que já passou pela sua
cama… Você vai em um clube de sexo… Então, por favor, quer
mesmo que eu acredite que você gostaria de me beijar?
— Por que eu não gostaria?
— Porque sou uma mulher de trinta e seis anos. E
claramente há muitas mulheres que queiram você.
— É você quem está superestimando a sua idade aqui,
Loren, Não estou com mulher nenhuma… Sou um libertino em
redenção.
— Não existem só suas alunas nessa cidade, sabia?
— A maioria é.
— Mas elas estudam outras coisas…
— Sim, mas meu calcanhar de Aquiles é da geologia.
— Seu o quê? — esqueço-me as vezes que esses
trocadilhos a confundem
— A menina que fez a chantagem. Ela é da Geologia.
— Eu deveria me lembrar de chantagem?
— Longa história, mas uma aluna com quem eu fiquei, fez
uma chantagem por pontos.  E foi assim, que gentilmente fui
afastado da turma de espeleologia, e aí tudo começou a dar errado.
— E o clube?
— O Cadu foi embora, quer dizer, mais ou menos, ele
arrumou um emprego em uma fazenda, e decidiu ir. Não tem muita
graça ir sozinho. E minha psicóloga sugeriu ser válido eu minimizar
ir até o clube.
— Por quê?
— Você está curiosa, hein? Basicamente o frequento desde
os dezenove anos… e desde o início do processo terapêutico,
algumas vezes ela coloca em cheque meus pensamentos sobre a
The Jungle. Algumas vezes ela me levou a pensar se eu não estava
desviando minhas… questões, para minha vida sexual.
— Hmm… E você validou isso?
— Da forma como ela colocou o pau na mesa, pode ser que
seja. Tenho que dar aula às 8h, podemos dormir então? — Decido
encerrar esse assunto e fechar essa caixa de pandora, antes que
ela continue com as perguntas e me leve a lugares que não estou
preparado para visitar.
— Claro. Qual lado você prefere? — Não acredito que vou
mesmo fazer isso.
— Qualquer um, Pãozinho de queijo, vou apagar a luz.
Ela se deita do lado direito me obrigando a dar a volta no
quarto e me deitar do lado esquerdo.
— Obrigada por hoje, sério.
— Não precisa agradecer. Os mamíferos têm cuidado
parental. Está inato em nós — a escuto sorrir.
— Eu gosto de conversar com você, sempre aprendo ou
relembro de algo que estudei há muito tempo. Você deve ser um
bom professor.
— No geral eu sou. Posso te levar para me acompanhar
amanhã na universidade.
— Eu iria adorar! O museu ficará fechado para dedetização.
Como vamos comemorar seu aniversário?
— Vamos?
— Se somos amigos, logo eu serei convidada. — Prendo a
gargalhada, pois se fosse comemorar, seria com Cadu, na The
Jungle, acho que isso não seria apropriado para ela.
— Então, meus pais fazem uma festa, chamam todos os
parentes, e aquela comoção toda. Graças a minha sobrinha, eles
estão longe. Cadu não vai conseguir sair da fazenda por uns
tempos, para Sara é inviável, então eu tinha pensado em ir acampar
em uma cachoeira na Serra do Cipó. — Está aí algo que venho
pensando por dias a fio.
— Sozinho? — Até cinco minutos era.
— Com você, ora essas. — Péssima ideia, péssima ideia,
péssima ideia. — Se quiser ir, é um convite.
— Vamos assar marshmallows em uma fogueira?
— Podemos.
— Vou precisar de roupas de banho? Não trouxe isso na
mala.
— Se quiser entrar na água, sim. Ou iria sugerir pelados, mas
lá é muito turístico. Podemos providenciar isso. Precisarei passar
em BH, dar aulas na quinta e na sexta. Lá tem shoppings e lojas de
departamentos.
— Fechado, vou com você. — E que Deus me ajude, como
diria um libertino de romance de época
Olha só, Loren está me transformando em um ser que recorre
em Divindades que nem sei se acredito, mesmo que
metaforicamente.
— Acho que estou sem sono — ela se mexe, e nos cobre
com a mesma manta. Não vou pensar sobre isso. Ela fica de lado, e
me olha.
— Posso te contar piadas biológicas ruins. — Viro-me de lado
também, e assim nossas alturas se igualam.
— Céus! Quero ouvir isso.
— Okay… Lá vai: O que um cromossomo disse para o outro?
— Hã… Eu não vou saber te responder, você sabe disso.
— Cromossomos felizes!
— Oh, meu Deus! — ela ri.
— Próxima : Por que uma célula vai ao psicólogo? — ela fica
me olhando, mordendo o lábio esperando a resposta.
— Fala logo — ela dá um tapinha em meu ombro.
— Porque ela tem complexo de Golgi.
— Jesus! — Ela ri mais alto — Essa é pior.
— Para, são ótimas piadas! Mais uma: O que o
espermatozóide falou para o óvulo?
— Não faço a mínima ideia.
— Deixa eu morar com você, minha casa é um saco — Loren
gargalha alto, e eu cubro a boca dela com minha mão. — Tem
outros hóspedes aqui, sabia? — Ela tenta se controlar, e sinto-a
esquentar ao meu lado. A luz que vem da rua é pouca, mas sei que
ela está corada. — Você tem um péssimo gosto para piadas. — Tiro
a mão da boca dela, quando vejo o acesso de riso cessar.
— Você quem é culpado. — Ela empurra o cabelo que caiu
no rosto para trás, ainda sorrindo.
— Você fica linda assim, corada e gargalhando. Deveria fazer
isso mais vezes.
— Você deveria me contar mais piadas então. — Ela se senta
e tira o robe voltando a se deitar. Por quê, Loren? — Eu senti calor
com você me fazendo rir — ela se justifica, ao se ajeitar do seu lado
da cama.
E pelo jeito sou eu quem vou sentir calor agora.
A camisola como eu supus não é ousada, do tipo bico dos
seios à mostra, mas o decote em ‘V’ deixa bastante espaço para
minha imaginação.
O espaço fica só em minha imaginação, pois o da minha
calça já foi há muito tempo.
Será que foi assim para Edward Cullen? Querer pegar a
humana e não poder? Ele queria comer a Bella no sentido literal ou
no figurado também? Vou ter que ler o livro na visão dele.
— Nossa…
— O que foi Nicolas?
— Estou me sentindo em Crepúsculo, quando o Edward quer
muito beijar a Bella e não pode. — Ela começa a gargalhar de novo.
Sou uma piada para essa mulher — Loren, para de rir!
— Desculpa, parei. Parei. Eu acho incrível como sua mente
funciona. Só isso.
— Fica quietinha, Pãozinho de queijo,  se não eu vou dormir
pouco e acordar mal humorado.
Se bem que eu podia beijá-la… Ela deu indícios que queria,
não estava louco, juro que a ouvi falar.
Olho-a e mais uma vez seus cabelos insistem em tapar seu
rosto. Empurro-os para trás, e deixo minha mão em seu rosto. Meu
polegar roça suas bochechas, e ela sorri, fechando os olhos.
Seu corpo se aproxima mais, o meu automaticamente é
atraído para o seus, e seu suspiro baixo é o que eu preciso para me
aproximar dela.
— Eu vou te beijar, você sabe disso?
— Sim, eu estou esperando.
Nicolas Amaral
— Está esperando? — sussurro tão próximo que meus
lábios, ao se mexerem, tocam os seus.
— Sim, e eu não quero pensar demais, pois eu vou surtar de
novo com…— puxo seu pescoço delgado para frente e toco seus
lábios com os meus.
Certa vez, li um livro sobre a filosofia de Darwin, e ele disse
que: "É necessário olhar para a frente da colheita, não importa o
quão distante isso seja, quando uma fruta for colhida, algo bom
aconteceu."
No contexto, ele estava falando sobre a evolução humana.
Eu, na época, associei isso aos fenótipos e genótipos que
poderiam nos dar alguma vantagem evolutiva.
Porém, agora, com os lábios de Loren nos meus eu penso
que jamais uma frase filosófica fez tanto sentido para mim.
Uma colheita nunca foi tão esperada.
O tempo é relativo para cada pessoa,  para uns uma semana
não é nada, mas para mim, que convivi com minhas incertezas e
meus gatilhos autodepreciativos, uma semana é muito tempo.
E pelo jeito chegou minha colheita.
Ao mesmo tempo que quero afoitamente adentrar sua boca
em selvageria e acolher seus gemidos doces, eu quero contemplar
isso, esse momento.
O que isso diz sobre mim e minha filosofia de beijos?
Por que estou pensando em mil e uma coisas ao invés de
agir?
Passo um braço em sua cintura e a puxo para se aproximar
de mim, quase a montando em mim, mas sem de fato fazê-lo, pois
ela pode se afastar a qualquer momento.
Passo minha língua entre seus lábios, e ela se afasta um
pouco.
— O que foi? — sussurro.
— O que é isso, Nicolas?
— Bom, anatomicamente se chama língua…
— Você está colocando sua língua na minha boca?
— Estranho essas escolhas de palavras, mas na minha
concepção estou te beijando.
— Não me recordo de já ter beijado assim… — lembro-me de
outras pessoas falarem que não se costuma beijar usando língua
pelo mundo, e sorrio sobre sua colocação.
— Tsc, tsc, Pãozinho de queijo, você gosta de falar sobre
nossa diferença de idade, e parece que vou ter que te ensinar tudo.
Carpe diem, Loren. Deixa eu te ensinar a  ser beijada de verdade.
Posso? — Ela assente, e me aproximo dela novamente.
Pouso meus lábios em sua bochecha e trilho o caminho até
sua boca, primeiro deixo um selinho, e repito, percebo sua entrega
ao sentir mais o peso do seu corpo sobre o meu, e então introduzo
minha língua em sua boca, delicadamente passo ela entre seus
lábios, e então toco a sua com a minha.
Um pequeno gemido sai de sua boca,  guardo-o em minhas
entranhas, seguro sua nuca e aprofundo o beijo, captando sua
delicadeza e sabor de menta. Dou-lhe uma mordiscada em seu lábio
inferior.
Os seus pés tocam minha panturrilha, e ela se esforça para
me escalar. Seus braços abraçam meu pescoço e sua coxa toca a
minha virilha, acordando completamente quem estava com sono.
Afasto um pouco meu quadril do contato,  e dedico-me a beijá-la.
Rodopio minha língua na sua boca, sugando a sua para mim,
ela aprende rápido, no  ritmo de nossa dança, pois devolve os
movimentos em minha boca.
Seu quadril ondula se aproximando, e eu ligo o foda-se,
prendo sua cintura colada em mim, e ao mesmo momento que ela
sente meu pau endurecido, sinto seus mamilos túrgidos sob o tecido
fino da camisola.
Seus lábios finos captam os meus, puxando-os, mordendo
levemente em seguida, eu sorrio por isso e ela se afasta um pouco
me olhando séria.
Seus cabelos estão pouco volumosos, sinto suas bochechas
quentes, e aposto que ela está com os lábios inchados.
— O que foi? — ela sussurra.
— Nada. É assim que se beija no Brasil.
— Eu gostei bastante.
— Podemos fazer de novo… se você quiser. Ou já está
surtando?
— Acho que posso experimentar um pouco mais disso.
— Posso fazer isso a noite inteira — retiro meus óculos, e
coloco-os na mesa de cabeceira, acomodo-me mais na cama e a
puxo para mim. — Faça o seu pior, Pãozinho de queijo, em prol da
ciência do beijo eu serei seu cobaia. Só me promete que não vai
surtar quando o celular despertar às 7h.
— Eu prometo.
— Pode vir, sou todo seu.
Loren balança um pouco a cabeça, como quem expulsa um
pensamento e se aproxima beijando-me novamente.
Não sei quando a sessão de beijos cessou, se ela cessou ou
fomos tomados pelo sono, mas, há alguns anos, essa é de longe o
melhor dia da minha vida, e eu nem precisei me despir para isso.

Quando o celular desperta, eu já estou acordado.


Geralmente acordo às seis para correr, então meu corpo já
está acostumado com a rotina.
Loren está enroladinha e recostada em minha costela. Ela
respira baixinho, e fico com dó de acordá-la para levá-la para a
universidade comigo.
Tento sair da cama sem chacoalhá-la, e coloco os óculos,
pegando o termômetro, ligo-o e coloco em sua axila e ela se retrai
com o metal frio.
— Shh, shh, é o termômetro — sussurro beijando sua
bochecha. Sua temperatura permanece a mesma de ontem a noite,
sem febre ou estado febril.
Busco um papel pelo quarto, e escrevo um bilhete sucinto:
que não queria a acordar, para me enviar uma mensagem quando
acordar, que sua temperatura permanece inalterada. E informo que
devo chegar às 16h da universidade.
Deixo o termômetro e a caixinha de primeiros socorros, e
saio, cobrindo-a direito e sorrindo ao me recordar dos beijos
trocados.

Nunca uma manhã foi tão arrastada como a de hoje.


É um caos instalado, frequência de perguntas interrompendo
a explicação de todas as aulas. Eu sigo a filosofia de que não
existem dúvidas ou perguntas burras. Aliás, essa palavra é péssima,
preciso procurar alguma melhor. Mas hoje, especialmente hoje
quero pedir aos meus alunos que estudem a porra do material
enviado, e que usem a biblioteca para estudar e não se pegarem.
Às 11h30, estou seguindo para última aula antes do almoço,
que só terminará às 13h50, e sinto fome, pois até na república hoje
estava um caos.
Catorze caras dividindo uma casa. Catorze. Parece que todos
hoje decidiram ir estudar, e trabalhar, o que acometeu uma situação
insustentável para o café da manhã.
Aí você pensa, nada pode piorar.
Pode.
É aula prática.
Ah Nicolas, você odeia orientar trabalhos e as aulas práticas
também?
Veja só, não existe comparação. Uma coisa é uma coisa,
outra coisa é outra coisa.
Orientar trabalhos é chato pelo período de tempo extenso
que cumprimos carga horária com os alunos, sem contar que eles
têm preguiça de seguir uma pesquisa que vá lhe dar um artigo
publicado, eles só querem se formar. Isso é redundante para mim,
não me brilha os olhos, não me fazem querer estar ali com eles.
Mas dar aulas práticas de Anatomia Animal Comparada para
a turma de Medicina Veterinária do quarto ano, almoçar em
quarenta minutos e voltar e dar a mesma aula para a Biologia do
sexto ano, é insano, um pesadelo. Ensinar alunos adultos da minha
idade, pouca coisa a mais ou a menos a se portar dentro de um
laboratório, colocar aluno para fora por falta de jaleco, sapato
correto, pedir para prender o cabelo e colocar luvas… Surto total.
Loren ainda não ligou, mandou mensagem ou sinal de
fumaça.
Isso me deixa um pouco nervoso.
Por que, Nicolas? Foram beijos. Se aquiete.
E se ela surtar? E se me ignorar por mais uma semana? Ou ir
embora sem dar tchau?
Acho que eu estou surtando.
— Aula de hoje: Analogia e Homologia — digo vinte minutos
depois de refazer o ritual do laboratório — NÃO é para tocar nos
espécimes, até eu explicar a prática — digo quando os apressados
já estão mexendo nas amostras em cima da mesa.
Já falei que odeio o cheiro de formol que se instala nessas
aulas? Pior que aqui, só a aula de Anatomia Humana e os
cadáveres de lá.
Assobio quando na última mesa, Lucas, levanta a Raia-Viola
que está lá para estudo e brinca com sua cauda e enfia os dedos
em seus olhos.
— Lucas, cara, me ajuda aí, estou com fome, vocês já
perderam vinte minutos de aula, vocês voltaram ao sexto ano? —
Ele coloca o peixe de volta na bandeja de inox e me olha estranho.
É, eu não costumo ser um cuzão. Não está sendo um bom dia.
Sigo explicando a prática, reforçando a diferença em analogia
e homologia quando sinto meu celular vibrar no jaleco.
— Um momento, turma, com licença — vou até o canto atrás
da porta, me viro de costas e atendo falando baixo — Oi, Pãozinho
de queijo, eu estava preocupado.
— Oi, desculpe, fui ao… Não sei o nome, mas ao lugar que o
médico disse que atenderia hoje…
— Posto de saúde?
— Isso, e está tudo bem. A suspeita é que eu não tenha sido
picada, já se passaram quase 20h, e nada ainda. Você está
almoçando?
— Na verdade estou dando aula — Olho para trás e vinte e
sete pares de olhos me olham com interesse como se não tivessem
coisa melhor pra fazer.
— Ah me desculpe, pelo horário eu supus… Enfim,
conversamos depois.
— Chegando em casa, eu te aviso.
— Okay.
— E Loren, obrigado… Você sabe — sorrio para o telefone.
— Até mais, Nicolas. — Ouço seu suspiro, e ela desliga.
Será que foi demais agradecer?
Porra, por que estou tão inseguro?
Você não tem dezenove anos, e não é a mesma pessoa de
antes, Nicolas.
Relaxa.
Você pediu para ela não surtar, e você mesmo está surtando.
— Onde eu parei? — retorno a aula. — Vocês vão apontar
como homólogos, os órgãos…
Loren Thompson
Olho para a mensagem digitada e protelo o envio.
Estou nessa há trinta minutos.
São suas amigas, Loren!
Com  dedo pairando sobre o “enviar”, eu suspiro e antes de
apertar o comando na tela do celular, recebo uma mensagem de
Nicolas, abro a imagem que ele enviou pela barra de comando e
sorrio ao ver que é uma foto sua de jaleco em um laboratório.
Sem óculos e não menos bonito, vejo-o sorridente, e atrás os
alunos com a mesma vestimenta se debruçam sobre… que diabos é
isso? animais mortos? Antes que eu responda, uma imagem de um
quadro branco que tem a mesma caligrafia bonita que recebi como
“bom dia” hoje de manhã, e desenhos, lindos desenhos, tomam
minha tela com os dizeres “última do dia para ir beijar sua boca,
Pãozinho de queijo” .
Sem pensar clico em enviar a mensagem que digitei há
algum tempo.
Faço isso no rompante, pois Nicolas me faz querer correr
para as colinas com uma única mensagem.
Em menos de cinco minutos uma chamada em meu grupo se
inicia, e quando atendo, uma Belle no banheiro com a cara de
desespero, Emma com roupas de academia correndo e Olívia
dirigindo aparecem. Já é fim do expediente na Inglaterra.
— Uau, vocês foram rápidas — falo quando uma cacofonia
de vozes toma a chamada.
— Vocês se beijaram? — elas dizem juntas.
— Sim… Por que vocês ligaram? Eu só fiz uma pergunta.
— Precisávamos olhar na sua cara — Emma responde.
— E sua pergunta não faz sentido nenhum? Como assim
você nunca foi beijada de língua? — Olívia toma a vez, e Emma
concorda.
— Você realmente precisava fazer essa viagem ao Brasil, sua
escolha de homens ingleses e referências eram péssimas — Olívia
continua.
— Eu só sei lá… Para mim eram coisas de livros eróticos,
livros de romance… E é bom isso.
— Melhor que isso só a língua do novinho na sua boceta…
— Céus, Emma… Não chegaríamos a tanto. — Não
chegaremos.
— Olha o palavreado — Olívia diz tirando o cinto, e abrindo
uma porta eu acho — Oi, meu amor, boa noite — sua doçura derrete
até a mim e sei que Sophia entrou no carro.
— Boa noite, mãe — seu rosto aparece na tela, e ela sorri —
Oi, gente.
— Olá, Sophia — um coro toma conta da chamada.
— Belle? — chamo a minha amiga que não deu sua opinião,
e Belle sempre tem uma opinião. Só o coque alto aparece na
chamada.
— Gente, eu estou grávida — seu rosto banhado de lágrimas
e com um teste na mão aparece na tela.
— Mentira!
— Oh meu Deus!
— Vou ser tia!
Ficamos tão ensandecidas com isso, que meu beijo é
assunto passado. Emma parou de correr, Olívia não arrancou o
carro, e eu me deito na cama, pois sei que vai demorar essa
chamada.
Nós começamos a opinar sobre nomes, quarto, como contar
para o Dan, e ela decide usar o ensaio fotográfico do dia dos pais, e
fazemos planos para um serzinho do tamanho de um caroço de
feijão.
Passamos desse surto para o casamento da Olívia, que sim
vai se casar de novo, agora de noiva e pompa, no fim de semana.
E voltamos a mim.
Meus braços estão doendo de segurar o celular.
— Eu ouvi o que você disse, Loren e li sua mensagem —
Belle recomeça o assunto. — Eu só estava contabilizando o teste.
Mas, o fato é: você gostou?
— Sim, Belle, mas…
— Então pronto, sem mas. Acho que o seu surto de sumiço
da semana passada já foi o suficiente. E da próxima vez, eu juro,
vou eu mesma pegar um avião para a América do Sul para te bater.
Não me irrite, estou grávida — todas riem.
— Eu concordo — Olívia emenda sua opinião no assunto —
Ele é maduro para a idade? Porque assim, idade é algo que a gente
conta, e não está estabelecido em lugar nenhum que é proibido.
— Ele é — vejo que não preciso pensar demais para
responder sobre isso. Pois de fato Nicolas é. — Mas ele é… Vocês
sabem — digo assim, e espero que elas entendam que ele é
sexualmente ativo,  afinal Sophia está com Oli — e não sei se eu
quero isso.
— Se não quer, fale que não quer — Emma diz sem dar
chance para as demais. — Pelo que você fala dele — Eu falo dele?
—, ele não parece ser idiota igual ao estrume, e olha que eu julgo
bem, sempre te falei que Logan era um idiota, no mais acho que a
melhor coisa é vocês falarem sobre isso, já estabelecer limites, ou
sei lá… abra o jogo com ele, sobre aquilo. Você vai ficar pouco
tempo aí, o que pode acontecer para vocês se verem de novo? Tem
um oceano inteiro entre nós.
— Foi pensando assim que eu estou casada — Olívia brinca.
— Acho que seria válida uma conversa.
— Eu acho que se é para ser, o universo dá um jeito — Belle
continua — Não podemos fugir do destino, sabe? Eu acredito que
para tudo tem dia e hora pré-estabelecidos, nós, reles mortais, só
não temos acesso. — Belle e suas crenças.
 
“Cheguei agora, vou tomar um banho, tirar o cheiro de látex, pó de
luva e formol, podemos nos ver depois?”
 
A mensagem dele chega, e eu percebo o sol sumindo, e a
bateria do celular no fim.
— Vou considerar as falas de todas vocês, mas agora vou
para o banho. Belle, me mande notícias, parabéns de novo! Oli,
quero fotos suas e de Sophia no fim de semana, Emma, só se
comporte. — Todas riem, e se despedem.
Dou um “ok” para Nicolas e vou eu mesma para o banho.

Atravesso a rua e me pergunto se bato ou não na porta.


Decido não bater, pois ela sempre está aberta.
— Olá? — Digo ao colocar a cabeça na sala deles. Como da
outra vez, vejo rapazes aqui e ali.
— Ôh, moça, entra aí — o rapaz que vejo correr com Nicolas
todos os dias se levanta do sofá, sem camisa, e sorri. — Cê é amiga
do Nickinho, não é? — concordo — Carece de bater não, pode
subir. Última porta do corredor.
— Obrigada, boa noite. — Subo as escadas e vou direto até
o quarto, bato à porta,  e espero que mande entrar, mas ele abre a
porta e sorri ao me ver.
— Oi, Pãozinho de queijo — ele pega minha mão e me puxa
para dentro e me abraça —, como foi o dia ? — ele pergunta depois
de beijar minha testa.
— Foi bom, o médico tem quase certeza de que não fui
picada. — Ele ergue a sobrancelha como quem  se acha certo
disso, e eu o empurro de leve pelos ombros. — Seus olhos estão
vermelhos — observo.
— Eu sei… estressei com um aluno hoje, e aí cocei os olhos,
para não estrangulá-lo, e as luvas estavam sujas de formol e as
lentes não ajudam nisso.
— Tira as lentes, Nicolas.
— Para eu poder ficar com cara de mais velho quando você
me beijar? — brinca. — Você não se importa mesmo com óculos?
— pergunta sério.
— Quem se importa com óculos, Nicolas?
— A…— ele se interrompe, então dá de ombros — Algumas
pessoas se importam — ele abre a gaveta e vejo o estojo de lentes,
as tira. — Nossa, que alívio. E então só fez isso de interessante
hoje?
— Fiz alguns acréscimos na tese e falei com minhas amigas.
Vou ser tia! — conto empolgada. — De novo.
— Uau, tia Loren. Tem quantos sobrinhos? — Ele me puxa
para sentarmos na sua cama.
— Sou filha única, e a Emma…
— A Thompson que eu deveria ser amigo?
— A própria — sorrio — não quer ter filhos. Ela ama crianças,
mas como ela mesma defende, a maternidade não é todo esse
romance água com açúcar, então adotamos os filhos das amigas.
Olívia, minha amiga brasileira, é mãe da Sophia, e está em um
processo de adoção, são duas crianças, e agora a Belle está
grávida.
— E você não vai dar a Emma sobrinhos?
— Eu penso nisso… — respondo-o — congelei meus óvulos,
com a vida acadêmica tardia, não sei quando isso acontecerá.
— No seu casamento não houve vontade? — curioso que só,
ele pergunta.
— Meu casamento foi complicado, Nicolas. — Ele morde a
boca, e percebe que o assunto pode ter morrido.
— Pois penso em ter um miniEu por aí. — Ele troca a direção
do assunto, e me pego sorrindo imaginando um miniNicolas.
— Céus, não… Acho que o mundo não precisa disso. — Ele
se faz de ofendido com muito exagero.
— Assim você magoa meu pequeno coração, Pãozinho de
queijo, é um absurdo.
— Nicolas, seu filho vai piscar para as enfermeiras no
berçário… — ele gargalha.
— Um fato que só poderei te dizer quando o bebê nascer. Te
enviarei fotos e vídeos dele, ou dela.  Vai ser o bebê mais
encantador da maternidade, você vai ver — aponta para mim e sorri.
— Você pensa em se casar, de verdade? — Ele disse que
não, mas dá sinais que sim às vezes, é bem confuso. Minha
curiosidade se aguça. De fato Nicolas é tão livre, que me pego
achando estranha a imagem dele casado e empurrando um carrinho
de bebê, mas imaginá-lo empurrando um carrinho é altamente
atraente.
— Não é o sonho de todo bookstan? Loren — ele me chama
pelo nome e eu acho estranho —, me respeite, leio romance de
época, o casamento é superestimado em todos os enredos, existe a
glorificação das núpcias… — ri.
— Então isso é um sim?
— Não, estou brincando. As pessoas, até hoje, de fato
superestimam o casamento. Eu não tenho uma visão igual das
pessoas sobre… Deus e a instituição… Eles pregam o casamento
como um sacramento. Parece uma receita de bolo, sabe? Ou você
opta por seguir uma vida cristã, sendo o… Sei lá, padre ou pastor
das pessoas, e isso seria muita pressão. Formar opinião de
pessoas… Não sei se estou sendo claro.
— Está sim.
— E se não for isso, você deve seguir o matrimônio… E eu
não vejo a vida desse jeito. Parece uma bifurcação bitolada e
arcaica, isso ou aquilo. Só tem sabor chocolate e morango, se eu
quiser baunilha, não tem concorrência. Nisso eles estão nos
encaixotando, entende? Só homens e mulheres cis têm um “pedaço
do céu”, salvação e glorificação. E o restante? Vai pegar todo
mundo e colocar num caldeirão e por fogo?
Ele bagunça os cabelos molhados, e não parece confortável
com o que está expondo para mim.
— Se Ele põe as pessoas no mundo e é amor, como pregam
o tempo todo,  como Ele permite que elas cheguem aqui assim, do
jeitinho que são, com seus gostos e particularidades, e deixe com
que elas sofram com preconceitos e julgamentos dos seus
semelhantes? 
Ele se cala por um momento, morde o lábio e suspira.
— Enfim, não faz sentido todo esse discurso, era só eu
responder sim ou não — sorri —, então a resposta é não sei.
— Não sabe? — ele assente.
— Não sei, porque posso me apaixonar por uma pessoa que
queira viver toda a divindade do casamento, a gente não pode dizer
que dessa água não beberei, e se de fato eu me relacionar com
essa pessoa, não vou boicotar o sonho dela de viver esse momento.
— Mas?
— Mas para mim o que conta são atitudes. Podemos bater
um contrato e seremos felizes? Ótimo, façamos isso. Eu só quero
uma pessoa, sabe? Dividir a vida, boletos, talvez um cachorro…
— Filhos com sua cara… — brinco com ele.
— Verdade, serão um charme, você não acha?
— Com certeza — concordo em tom de cinismo, mas acho
que os filhos dele serão, sim, bonitos.
— Se a minha esposa quiser, teremos um ou meia dúzia,
afinal vai sair dela, né?! Eu topo treinar fazer os bebês a hora que
ela quiser — pego a almofada do meu lado e bato nele de leve. —
Desculpe, serei mais principesco com sua honra — gargalha — Eu
só quero ser feliz, Loren, e fazer com que a pessoa que esteja
comigo seja também. Como faremos isso acontecer? Não sei. Mas
do jeito que acontecer e funcionar para os dois, está ótimo.
— Se for sem a instituição, melhor… — reforço seu desejo.
— Sim, bem melhor… Não me entenda mal — ele tenta se
explicar para mim, e eu penso em interrompê-lo, e dizer que não
sou religiosa.
Mas quero ouvir o que ele tem a dizer, pois são falas
inteligentes, e sua idade fica em xeque quando ele discorre sobre
um assunto polêmico.
— É que as pessoas religiosos ficam presas a casamentos,
geralmente, por acreditarem em coisas ditas por pessoas comuns…
“Ah, mas está na bíblia”, um livro que foi escrito por homens, e além
de estarem infelizes, estão às vezes em um relacionamento
abusivo, sofrem abusos físicos, psicológicos, sexuais… Tantas coisa
e permanecem porque alguém disse que “o que Deus uniu o homem
não separa”, mas o homem trai, bate, abusa e mata. E muitas vezes
usam o nome Dele para isso. É doentio.
“Aí passamos para o pressuposto que a pessoa não se
detenha à religiosidade. Vamos levar em consideração o controle
patriarcal. O casamento é um contrato — só mais um meio do
homem impor suas vontades —, envolve dinheiro, bens materiais
entre outras coisas intrínsecas. E as pessoas se submetem às
mesmas coisas que já falei, mas, em vez do viés religioso, aceitam
as coisas por cifrões. Há pessoas que matam o cônjuge para ficar
com o patrimônio, já houve casos em que os filhos mataram os pais
para ficar com a herança… Quando eu paro para analisar a
instituição do casamento, vejo mais contras do que prós. No fim eu
só quero um lar.”
A fala de Nicolas me atinge como uma bala certeira à queima
roupa.
Não me desencadeia um gatilho, ou algo do tipo, mas eu
penso: onde esse menino aprendeu essas coisas?
— A forma como as pessoas dizem amar é estranha… Eu
prefiro um amor que seja respeito, cuidado, carinho,
companheirismo e empático, mesmo que sem a instituição, do que
um amor que tem somente sentimentos contrários a esses, mas que
é repleto de regras e pompas em nome de alguma divindade. E
você está com a cara de assustada.
— Desculpe, estou refletindo sobre o que você está falando.
— Refletindo coisas boas ou ruins?
— Boas, e estou impressionada. Com a sua atual idade, eu já
estava casada, e percebo que comecei a pensar nisso, ver o amor
dessa forma, há apenas uns sete anos... eu acho.
— Meus pais me deram uma educação católica. Do jardim de
infância ao ensino médio. Eu dou aula em uma instituição católica, e
trabalho no museu dela… E para mim, destoa muito o amor pregado
e o amor executado. Como é possível uma pessoa amar o próximo
e, ao mesmo tempo, disseminar ódio pelo mundo?
Eu não sei, Nicolas…
— Talvez eu não seja salvo, de acordo com a instituição e a
forma como eles descrevem Deus. Eu faço sexo sem estar casado,
minha vida sexual é depravada, Loren, vivo-a em prol do prazer, e
às vezes o prazer é imoral, não é nada casto, e voltado só para
reprodução, como a religião prega, mas eu o faço com pessoas que
querem assim, e permitem isso. Já me embebedei, já agredi
pessoas, talvez tenha sido o sofrimento de alguém, já sofri dores
físicas e psíquicas causadas por outras pessoas, dos sete pecados
capitais, passeei livre e consciente por todos e não sei se existe
uma balança de compensação entre pecado cometido e a punição
sofrida. Se existir, talvez eu seja salvo, se não… — ele dá de
ombros.
Qual seria a extensão desses pecados versus sua punição
para se anularem?
— Você não acha que pode pensar assim devido a sua
profissão?
— Não — é rápido e não hesita em responder. —  Eu era
apenas uma criança quando vivenciei o ódio e quis morrer por
causa deles. — Ele parece bem sério.
— Como assim, Nicolas? 
— Nada importante… Gosto da ciência, pois ela traz
soluções, sabe? Estamos sempre trabalhando, a maioria dos
profissionais, em boas causas. Descobrindo vacinas, buscando
soluções para o mundo, aumentando o tempo de vida, coisas
importantes. E apesar de ter ingressado cedo na graduação, já
cheguei nela com uma clara definição de amor e ódio, os quatro
anos de estudo só compactuaram com minhas conjecturas.
Por um momento consigo ver em Nicolas uma coisa inédita,
que eu jamais pensei que passaria por ele, ou que soubesse o que
seria.
Dor.
E só uma pessoa que vagou por esse vale, sabe reconhecer
outra.
Nicolas, vinte e quatro anos, alegre, brincalhão, destemido e
forte, a partir dessa conversa, passou a ser para mim um cara com
mais de trinta anos e um enigma.
Loren Thompson
— Você já jantou? — fica clara a sua mudança de assunto.
— Não. — Ele segura a minha mão, e beija os dedos.
— Podemos ir jantar se quiser, nas noites de outono e
inverno, há caldos nas barraquinhas da igreja, na segunda quinzena
começam as festas juninas, é como se fosse uma pré-festa.
— Nicolas… — revejo todos os meus pensamentos, levo em
consideração todas as falas das meninas, e o que eu quero.
Eu realmente não posso acreditar no que eu vou falar.
— Sim, Pãozinho de queijo? — Ele mexe em minhas
falanges, brincando com meus dedos.
— Bem… sobre ontem…
— O que tem ontem? — ele se senta ereto, e presta a
atenção total em mim. — Você não gostou?
— Eu gostei sim… Mas não sei como prosseguir daqui para
frente… — digo a ele.
— Uai, Loren, seguimos como queremos… Se você quiser
ser só minha amiga, seremos isso, se quiser meus beijos eles são
seus. Se ambos gostarmos e quisermos continuar, não vejo porque
não…
— Mas tenho trinta e seis anos, você vinte e quatro… Você
passou a noite em meu quarto, e vou passar um fim de semana
sozinha com você… Todo mundo nessa cidade parece conhecer
você, e aparentemente grito sou estrangeira, eles podem começar a
falar sobre nós, e mesmo que eu vá embora daqui uns meses, não
quero ser uma senhora depravada que desvirtua jovens. — Nicolas
tenta segurar a risada, mas ele não aguenta e explode.
— Loren — ele gargalha —, é mais fácil eu desvirtuar você.
— Eles vão falar e… — ele se levanta da cama, e vai até sua
escrivaninha. — O que você está fazendo? — ele volta com uns
papéis, e começa a lê-los.
— Estou verificando os meus boletos… Esse é o aluguel,
água, luz… Um cartão de crédito, tenho que parar de comprar on-
line, estou enriquecendo a Amazon…
— Eu vim conversar com você, e você…
— Estou verificando se sou eu mesmo que ainda pago as
minhas contas, e aparentemente sim. E adivinha, Pãozinho de
queijo? Estão todas em dia. Eu não devo nada a ninguém, Loren, e
pelo jeito você também não. Então por que você está preocupada
com isso? Relaxa.
— Eu só prefiro evitar.
— Não se preocupe demais, você será uma Maria Mucilon,
que passará tranquilamente pela triagem de idade .
— O que diabos é isso, Nicolas?
— Nada com que precise se preocupar, relaxe. As ordens
são suas. Loren — ele segura minhas mãos e olha nos meus olhos
—, quem dita como as coisas vão ser é você. Eu jamais faria com
você, ou qualquer pessoa, algo que te deixe desconfortável.
— E se eu falar que não vou transar com você?
— Eu vou dizer: que pena, Loren, mas você está perdendo,
pois a minha chupada é sensacional e meus dedos mágicos. — Ele
se aproxima e coloca a sua boca em meu ouvido — seria uma pena
não comer a sua boceta, mas vou transar tanto com a sua boca,
que, qualquer beijo que você deu até hoje, será apagado da sua
memória, e toda vez que você beijar uma boca, é o gosto da minha
língua que você vai sentir. — Não sei se é o sussurro ou o hálito
quente que me arrepiam, mas acho que são os dois.
— Menino… — perco um pouco da capacidade de fala e
raciocínio.
— Não me importo de ser seu segredinho sujo, Loren — ele
pisca para mim, e eu ainda não consegui responder a sua última
fala — Eu só vou pedir que você pare de corar, pois você fica
extremamente gostosa, e tenho um fraco por suas sardinhas. Se
você não quer transar comigo, então você tem que parar de corar.
— Céus, Nicolas!
— Ah, e já que não vamos transar, posso pedir sua
permissão para me masturbar pensando em você durante o banho?
— Para! — empurro seu ombro, e ele ri descaradamente,
pois tanto eu quanto ele sabemos que está fazendo isso para me
deixar sem graça.
— Parei, parei, não precisa ser agressiva. Eu só quero
acertar nosso acordo. — Nós temos um acordo? — Se eu não vou
transar, preciso de um alívio. Isso é biológico, sabia? Você deveria…
— NICOLAS.
— Tudo bem, nada de falar putaria, nem insinuar sua
masturbação. E nada de sexo. A punheta está liberada pelo menos?
— Você faz o que você quiser com seu… — balanço a mão
em direção a sua virilha.
— Com meu pau? — suspiro e mordo o lábio.
— É… se quiser transar, ou qualquer coisa, faça… Nós não
temos nada.
— Você, Pãozinho de queijo, quebra profundamente meu
pequeno coração. Mas vou te perdoar, afinal, você é iniciante na
escola de safadeza. E só para deixar registrado, eu não vou transar
com ninguém, enquanto você me deixar beijar sua boca.
— Eu não quero que você faça disso uma grande coisa,
sabe…? Não quero namorar. E eu vou…
— Embora, eu já sei, mulher. Você está igual ladainha em dia
de missa. Relaxa, Pãozinho de queijo, o nome disso é ficamento.
— É o quê?
— Nada, é uma música. E olha só, Loren, você está aí toda
aristocrática e pomposa, mas eu quem deveria estar te dando
avisos, pois se te der uma sarrada de jeito, amorzinho, você vai
pingar mais que alambique. Então já deixo aqui avisado que você
pode se viciar no novinho, e eu sou made in Brazil. Você pode até
procurar o seu décimo quarto a minha altura por aí, mas dificilmente
alguém irá te causar transando, o que eu posso te causar beijando.
Podemos selar nosso acordo com um beijo agora? — Eu não sei se
eu deveria ficar molhada com sua audácia, mas é isso que
acontece.
— Você não tem jeito…
— Se tem coisa que eu tenho é jeito… Mas talvez você não
vá conhecê-lo — ele pega a minha cintura, puxa-me em sua direção
— Você nunca assistiu Sobrenatural? Todo pacto é selado com um
beijo. E depois, vou pedir uma comida, já que você não quer ser a
refeição, e vamos assistir Monstros S.A. Se vou ser seu segredinho
sujo, você deverá seguir minha programação sem pestanejar.

Tão rápido a quinta-feira chegou, e eu arrumo uma mala de


mão para o fim de semana do aniversário do Nicolas.
O médico me deu alta completa, e aparentemente só matei a
pobre aranha de susto.
Meu celular se acende com uma mensagem do grupo, 
desbloqueio, vendo uma foto bonita de Dan e Belle chorando, ele
abaixado beijando sua barriga extremamente reta, e ela segurando
sua cabeça.
 
Belle: O papai gostou da ideia.
 
Olívia: Céus, vocês são tão lindos,
se eu não fosse casada, propunha
um trisal.
 
Emma: Eu estou solteira, Olívia, vai
ser na minha casa ou na sua?
 
Olívia: Na minha, nossa cama é
maior. Apesar que talvez seja melhor
na sua, afinal você não tem filha.
A foto está tão linda!
Por favor, Oli, não
encoraje a Emma
HAHAHA
Emma: Fechado, assim que te casarmos
sábado de manhã, serei o complemento
da sua núpcias.
 
Olívia: Fechado. Lou, você vai assistir
a transmissão?
 
Não posso prometer,
vou fazer um passeio,
não sei como será a
internet.
Belle: Um passeio? Sozinha?
Não.
É aniversário do
Nicolas, e vamos
acampar.
Emma: VOCÊS VÃO TRANSAR <3
 
NÃO!
Belle: Deveriam.
 
Olívia: Assino em baixo.
Boa tarde, meninas.
 
Prefiro evitar prolongar esse assunto, afinal, já tenho Nicolas
para gerenciar as expectativas de uma não transa.
A quem eu quero enganar? Tenho que gerenciar as minhas
próprias expectativas.
A noite passada foi um verdadeiro tormento, ele disse que
beija como quem transa com a língua, e o filho da… Merda, já ando
pensando palavras de baixo calão.
Mas o fato é que ele realmente faz isso.
A remota lembrança dos seus beijos me aquece, e eu sinto
minhas entranhas se contorcerem com vontades promíscuas jamais
imaginadas antes.
 
“Estou com a barraca armada, digo, esperando você para irmos
hahaha
chego em mais ou menos 10 minutos”
 
Nicolas sempre para o seu carro nas proximidades da
rodoviária, devido a sua placa, ou foi isso que ele disse.
Despeço-me de Flor que está na recepção, e deixo as
chaves, como é protocolo aqui na pousada. Quando saio, esbarro-
me em Quésia, ela olha-me de cima abaixo, e me cumprimenta, eu
só balanço a cabeça e sorrio para ela.
Subo a pequena ladeira que é a rua principal dali, até chegar
à BR que passa em torno da cidade; quando estou passando ao
lado do parque que se estende até os fundos do Museu Casa dos
Contos, ouço uma buzina e ao olhar, vejo Nicolas parando junto ao
paralelepípedo.
— Booora, Pãozinho de queijo! — Seu rosto sorridente grita
da janela, e eu quero me afundar mata adentro.
Algumas pessoas o cumprimentam, ou buzinam para ele que,
amistoso como é, retribui. Nicolas desce do carro, e abre o porta
malas, atravesso a via, e ele me abraça, beijando o canto da minha
boca, visto de fora pode se passar por um beijo no rosto.
Decido não surtar, não com isso.
— Onde estão os meninos que vão com você? — ele havia
me dito que quando vai para a capital, costuma levar alunos ou
colaboradores da universidade com ele.
— Eu tirei o nome essa semana do grupo da corona — ele
diz quando me conduz pela mão, e abre a porta do veículo para
mim.
— Por quê?
— Porque sou seu segredinho sujo — ele pisca e fecha a
porta. — Pronta para conhecer a melhor capital do país?
— Só posso concordar quando eu conhecer.
— Pãozinho de queijo, a essa altura você deveria acreditar
em mim.
— Por quê?
— Porque eu sou cientista, sei das coisas, gata. — Ele coloca
a mão em meu joelho quando estabiliza o veículo. — Já fiz nosso
roteiro, devemos chegar em BH por volta das 18h30, o trânsito é
ruim essa hora, vamos direto para a instituição em que eu dou
aulas. Minha última aula hoje finaliza às 21h50, e de lá vamos para
casa, comer e dormir.
— Posso ficar lá com você?
— Pode sim. Amanhã teoricamente eu deveria dar aulas à
noite e sábado cumprir carga horária no museu, mas a minha turma
vai fazer campo com outros professores, como sempre estou junto
deles, até quando não preciso, dessa vez consegui uma dispensa.
Então daremos aula de manhã, à tarde vamos ao shopping para
você comprar biquínis, mas estará frio, já aviso, e depois, vamos
acampar!
— Nossa, que organizado… — elogio-o com sarcasmo.
— Sou professor, me respeita. Inclusive, programei até uma
playlist específica para você. — Ele clica no painel do carro
aumentando o som do carro. — Essa música chama-se “eu não vou
namorar”, aprecie. — O som toma o carro, e eu rio quando ele, a
plenos pulmões e em uma desafinação constante, dá ênfase nas
partes que ele julga serem cantadas para mim.

Diferente da nossa primeira viagem de carro, que foi regada a


conversas desconfortáveis e sem jeito, essa foi divertida e
constante.
Nicolas apontava as cidades que íamos passando e
comentava sobre tudo, fosse do local específico que estávamos
passando, coisas como: animais que podíamos encontrar,
vegetação e turismo, ou ele emendava um assunto sobre política,
descobertas científicas — ciências em geral, a ponto dele falar
sobre a vontade de conhecer a Inglaterra, pois quer ir até Home Of
Charles Darwin - Down House, e também o Museu de História
Natural Inglês —  ou futebol.
Ele se sacudiu feliz ao saber que o marido de Olívia era o
treinador de um time da Champions League.
E ainda achava um absurdo que eu não tivesse ido assistir
um jogo em campo.
Às 18h48 ele estacionou seu veículo no estacionamento da
grande instituição.
— Amanhã darei aula prática, você terá que vir de calça e
tênis, o que é uma pena, pois suas pernas ficam sensacionais de
vestido.
— Você não vai parar nunca com isso, não é?
— Não! Estou investindo pesado em minha artilharia para
adentrar sua calcinha.
— Acho melhor irmos, seus alunos não vão ficar te
esperando.
— Eu tenho paciência, Loren, muita. Venha, vou bater ponto
para irmos. — Vejo-o tirar um crachá da mochila, me conduzindo
pela mão e o acompanho pelo campus.

Há alguns dias, Nicolas disse para mim que devemos saber


em que somos bons, ou algo do tipo, mas eu entendi que devemos
saber em que  somos bons e não deixar que nada nem ninguém tire
isso de nós.
E ele é incrivelmente bom nisso.
Em lecionar.
Eu não costumo pensar que nascemos com dons, ou
qualquer coisa assim, é melhor pensar que temos mais ou menos
afinidade com algo, e então desenvolvemos e treinamos habilidades
para algo.
E Nicolas fez isso muito bem.
Eu estou longe de ser uma cientista biológica, e pelo que ele
me explicou no intervalo sobre a divisão de ensino no Brasil,
estamos quase finalizando um ano letivo da graduação, mas mesmo
assim eu consegui compreender o que ele estava ensinando.
Há muito tempo eu não tenho contato com microscópio ou
matéria biológicas, a última vez foi durante as matérias generalistas
da universidade, e então, aqui estou, encantada com fotografias
microscópicas ósseas, enquanto ele discorre sobre diversas classes
dos animais. E não posso tirar os méritos da metodologia que ele
aplica para ensinar.
Estamos na última aula, de acordo com o horário, e uma
aluna, segurando um bebê envolto a um manto rosa, pede licença e
entra tomando um lugar ao meu lado na roda. Ela sorri sem graça e
parece estar sem jeito com o bebê.
Nem um minuto se passa, e então o chorinho toma a sala
interrompendo Nicolas, que sorri e continua a explicação.
O chorinho persiste, e alguns alunos começam a olhar para a
moça, e é nítido o desconforto da mãe. Passam-se alguns minutos,
e a aluna começa a juntar as coisas para sair.
— Onde você vai, Manuela? — Nicolas se interrompe, e
percebo que ele fala com a aluna.
— Desculpe, professor, mas não consegui ninguém para ficar
com a Laurinha hoje, e ela só quer ficar em pé, eu pego as
anotações depois, estou atrapalhando aqui.
— É só isso? Ela já comeu? Trocou a fralda? — ele
questiona.
— Sim, por isso cheguei atrasada do intervalo — justifica-se.
— Posso pegá-la? — Ele passa um álcool em gel, que
sempre tira da mochila e coloca em cima de sua mesa em todas as
aulas, nas mãos, braços e estende-os. Sem relutância, a aluna
coloca a criança em seus braços. — Venha, Laurinha, vamos dar
aula para esses cabeças de ovo — ele sorri, e coloca a bebê virada
para a turma, e todos sorriem para a cena. — Deixe a mamãe
estudar, garotinha, está faltando biólogo no mundo — fala baixinho
e, com destreza, volta para o meio da roda. — Voltando, pessoal, os
testudines…
Eu paro de prestar a atenção na sua explicação, e só tenho
olhos para os braços segurando a bebê, que fica mais quieta e
passa a chupar os dedinhos.
Deveria ser crime contra a saúde das mulheres esse tipo de
coisa.
Passo os olhos pela sala de aula e percebo que não tem uma
mulher prestando atenção em tartarugas ou seja lá o que for que ele
esteja falando agora, só nele balançando a bebê no colo.
Você disse que sua artilharia era pesada, Nicolas, mas isso já
é um golpe baixo.
Nicolas Amaral
— E aí, como foi sua experiência? — pergunto enquanto
caminhamos em direção ao meu carro.
— Você é apaixonado pelo o que faz, não é? — Sua pergunta
é mais uma afirmativa.
— Muito! — respondo sem pestanejar.
— Por que biologia, Nicolas?
— Eu amo a ciência, Loren, tem a ver com o poder da
descoberta, sabe? — Ela crispa os lábios e balança a cabeça.
— Mas existem várias áreas científicas que se encaixam
nesse padrão… Química, física, medicina… — Por que ela tende a
buscar respostas baseada nas questões que mais me atingem?
— Loren, é melhor mexer com animais e plantas. Essas
outras profissões eu teria que trabalhar muito as relações
interpessoais à minha volta. Pessoas machucam, quebram
corações, maltratam e podem fazer coisas que você nunca espera.
São capazes de atrocidades por vezes inacreditáveis. Plantas: você
dá água, adubo, coloca no sol e boom: elas te dão flores. Animais:
você alimenta, dá abrigo, e eles te trazem prendas, se for um gato
ou te esperam na porta se for um cachorro, dormem com você… É
só amor e carinho. Animais e plantas precisam do mínimo, e eles
vão te amar incondicionalmente. Pessoas: você dá amor, carinho,
aconchego, atenção, presentes e existem casos que até mesmo um
órgão, e então, boom: decepção.
— Faz sentindo…
— Já te falei, acredite em mim, eu sempre tenho razão.
Vamos comer podrão?
— Podrão? — sua língua se enrola, e eu rio.
— É, vamos colocar a mochila no carro, atravessar a rua, e
comer um cachorro-quente de origem duvidosa na barraquinha.
Pão, molho, duas salsichas, queijo muçarela, presunto, vinagrete,
uvas passas, milho, batata palha, maionese, ketchup e molho verde,
é dos deuses.
— Nicolas — a cara dela é hilária —, eu não tenho o costume
de comer isso, mas com certeza não é isso que vem em um
cachorro-quente.
— Ah não, Pãozinho de queijo, já basta brasileiros discutirem
a forma correta de comer um cachorro-quente, por favor, não venha
colocar aristocracia no meu podrão, venha, bora, antes que a
universidade feche e fiquemos sem carro.

Dirijo pela Belo Horizonte boêmia normal de quinta feira à


noite e, como fiz durante a vinda de Ouro Preto, vou apontando
locais ou coisas que acho interessantes ou mais gosto.
Sair da zona oeste da cidade para a centro sul toma pouco
tempo à noite, quer dizer em partes, próximo à universidade é
caótico, mas passado isso, a via expressa facilita o acesso.
Pergunto Loren se ela quer parar em algum lugar, e se quer
jantar, mas como se  esbaldou no cachorro-quente, e ainda comeu
mais um, reclamando sobre comer demais no Brasil, opta por ir para
casa, e eu fico feliz por isso.
Não mais do que meu pau, pois ele ainda tem esperança de
estar dentro de Loren, coisa que eu acho difícil de acontecer.
Reduzo a velocidade quando avisto a minha casa, na
verdade dos meus pais, se aproximando e abro o portão eletrônico
de dentro do carro.
Às vezes sinto saudades daqui.
Passei a minha infância e parte da adolescência aqui.
E tirando a pintura e as atualizações arquitetônicas, ela ainda
é a mesma casa da zona sul, com portões de grade em frente uma
das praças mais conhecidas e  renomadas de Belo Horizonte.
Minha mãe sempre prezou pelo clean, então é como entrar
em um iglu, as poucas cores que tem aqui são o cinza dos
estofados, tapeçaria e afins.
A casa tem seis quartos com suíte, duas salas, uma cozinha,
sala de jantar, dois escritórios e três banheiros. No quintal, além da
área gourmet no fundo da casa, ainda tem uma piscina aquecida.
E mesmo amando esse lugar, e tendo plena ciência que é a
melhor localização da cidade, não me sinto em casa.
Desde quando eu arrumei esse emprego, e precisei vir para
cá, sinto-me um estranho no ninho.
Não sei se foi por eu me recordar da dor de toda uma infância
e adolescência regada ao bullying.
— Uau, que casa linda — diz, ao entrarmos na sala de estar.
— Passarei suas considerações a minha mãe.
— Ela não vai se importar de eu estar aqui?
— Relaxa, Loren, ela jamais se importaria. Bom, talvez um
pouco se souber que você vai dormir no meu quarto, mas ela não
precisa saber disso.
— Eu vou dormir no seu quarto?
— Com certeza, ou podemos acordar a Terezinha, mas
quando ela trocou minhas fraldas já tinha cinquenta anos, então
deve estar dormindo, o que você prefere?
— Por que eu acho que está sempre me dando sugestões
tendenciosas?
— Porque é isso que estou fazendo. E tenho uma
programação muito legal para essa noite. — Eu abro meu melhor
sorriso, e vejo-a arregalando os olhos.
— Que seria?
— Os pinguins de Madagascar.
— Não.
— Sim.
— Por quê?
— Porque amo aqueles pinguins, e se você não vai deixar eu
comer você, deve aceitar minhas condições de te dar abrigo.
— Vamos zerar a Disney, Pixar, Fox ou qualquer outra
produtora de animações até eu ir embora. — Ela aperta o dedo em
meu peitoral.
— A culpa não é minha. Você, Loren Thompson, é uma
pessoa horrível, não confio em quem não gosta de animações.
— Desenhos.
— Repita essa palavra e vai dormir do lado de fora da minha
barraca, mocinha. Vamos, para o meu quarto antes que gere mais
provas contra você.
Guiei-a pela casa semi-iluminada, até o quarto que foi refúgio
por dezesseis anos. Pelo caminho, deixei meus olhos varrerem o
lugar verificando se Terezinha tinha feito o que eu havia pedido,
inclusive arrumado o quarto de hóspedes. — Minhas esperanças
eram dormir na mesma cama que Loren, mas, se eu visse o mínimo
de desconforto por parte dela, dormiria até no sofá.
Porém meus planos estavam dando certo a ponto de eu não
ver nenhuma foto minha espalhada pela casa.
— Você está sendo conduzida para um templo sagrado,
adentre com sabedoria — brinco com ela enquanto abro a porta do
meu quarto e acendo as luzes. 
A led azul ilumina a parede no fundo do quarto onde tenho
meus livros, mangás e HQ’s, alguns funkos pop estão por ali
decorando a estante de parede inteira. Vou até o pequeno sofá azul
escuro com almofadas de cubos mágicos que tenho ali e coloco
nossas mochilas.
Loren olha para tudo atentamente, e não consigo decifrar o
que se passa em sua cabeça.
Pego o controle da televisão e ligo-a esperando que se
conecte à rede.
— Um podrão pelos seus pensamentos…
— Não, sinto que irei explodir caso coma mais alguma coisa
hoje — ela ri —, não sabia que você tinha um lado geek/nerd.
— Não tenho — dou de ombros rindo.
— E esse quarto é o quê?
— Um refúgio… — Ela se aproxima da estante de livros e
passa curiosa pelos títulos rindo.
— Você leu mesmo os romances de época.
— E você ainda duvidava? Você tem que colocar mais fé em
mim, gatinha. — Abraço-a por trás e beijo sua nuca. — Você parece
surpresa.
— Não muito, combina com você. Falta o videogame para
combinar com isso aqui. — Ela aponta para o quarto.
— Eu jogava The Sims no pc. — Aponto o computador do
outro lado do quarto, e ela gargalha. — Vou tomar banho para
vermos o filme, se não vai ficar tarde. Fica à vontade, só não quebra
nada, por favor. Não mexe nos meus sabres de luz, são importados.
Deixo-a ali, e parto para meu closet em busca do que preciso
e depois para o banho.
Quando saio vestido para dormir, vejo Loren sentada em
minha cadeira gamer com o exemplar de O Lorde que Eu
Abandonei nas mãos e parece concentrada na leitura.
— Deixei no banheiro toalhas e produtos de higiene.
— Obrigada. Me empresta esse livro? — fala de repente.
— Claro, você só não pode usar as orelhas para marcar a
página — abro uma gaveta da estante e pego um marca página
entregando-o a ela —, muito cuidado com meu livro.

Como da outra vez, Loren começa o filme reclamando, mas


logo escuto suas risadinhas para a animação agitada na tela.
É impossível alguém não gostar de animações.
Quem não gosta nem é gente, por favor.
— Você sabia que a origem da palavra pinguim é galesa? —
falo com ela quando já estamos deitados há uns minutos no escuro
após o término do filme.
— Não.
— Você não está honrando sua genética — brinco e ela
belisca minha costela. — Aí, parei. Mas de fato são as aves mais
sensacionais da natureza.
— Prevejo uma torrente de informações biológicas.
— Mas são informações fofas — aperto-a junto a mim —, os
pinguins são monogâmicos, algumas espécies os pais chocam os
ovos, para acasalar os machos buscam pedras, ainda não sabemos
quais os critérios deles, e as oferecem às fêmeas que eles têm
interesse, é como um presente, ela é usada para fazer o ninho, e a
fêmea que a aceita, responde ao macho partido para a cópula.
— Isso é fofo, Nicolas?
— É uai, ele vai até o mar para trazer um presente, tem uma
dança nupcial e um presente, é mais do que muito macho humano
faz. — Ela me olha de baixo e sorri, assentindo, pelo menos eu acho
que é. — Se eu te oferecer um presente, podemos ir para a cópula?
— Nicolas! — ela gargalha — Tem que ser uma pedra bem
bonita — ela bate os cílios para mim e eu sorrio.
— Anotado, Pãozinho de queijo. Boa noite — tomo sua boca
na minha, e penso que quero dormir com ela todos os dias, posso
ficar mal acostumado com isso.

Sigo a rotina normal de aula da sexta-feira pela manhã, tendo


Loren como companhia, e ela parece estar encantada entre saídas
e entradas de salas de aulas e laboratórios.
Percebo a olhadelas de algumas alunas para mim, e que elas
ficam mais contidas com Loren próxima, talvez eu deva usá-la como
repelente.
Constato que a aula que ela mais gosta de assistir é a última.
Evolução biológica, para a turma do sexto período. Seu olhar corre
interessado pelos fósseis dispostos nas bancadas e minha fala
sobre os mamíferos ancestrais.
Da universidade, sigo direto para o shopping almoçar,
comprar alguns itens que eu preciso para o acampamento e
aproveito o tempo para Loren conhecer um pouco mais a cidade.
— Nicolas, sério, você tem que parar de me levar para comer.
— Vou deixar você passar fome? — Conduzo-a para fora da
praça de alimentação para comprarmos o seu biquíni, apesar de
estar frio.
Eu vou ser louco de perder o espetáculo que isso será? Mas
é nunca.
— Você fica me trazendo para lugares com comidas
espetaculares, me apresentando lanches, doces e afins. Você
mesmo não come quase nada.
— Ontem eu comi um podrão.
— Eu comi dois! — Ela faz uma carinha apavorada adorável
— Hoje a Terezinha fez aquele, como que chama?
— Broa de milho cremosa com queijo canastra.
— Isso, eu comi três pedaços, tomei duas xícaras de café.
— Para com isso, você está ótima, está linda e gostosa.
Poderia comer o tabuleiro todo e ainda continuaria assim.
— Eu comi quase seiscentos gramas no almoço. — Ela
aponta para a praça que ficou para trás.
— É difícil resistir a um frango com quiabo, Loren, eu te
entendo. — Beijo seus dedos, mordendo o mindinho. — Posso
ajudar você a queimar todas essas calorias… — pisco para ela.
— Olha que eu vou acabar aceitando! — Meu coração
acelera, porém eu vejo uma sombra de um sorriso, e faço meu pau
parar o pulso no meio do caminho. — Você fala que é difícil, mas
não parece ser, para você não.
— Com os medicamentos em dia, não é.
— Que medicamentos são esses que você toma?
— Ansiolítico e reposição hormonal — dou de ombros — e aí
tem a terapia, exercícios físicos... Chegamos, Srta. Thompson —
conduzo-a para a dentro da loja, e deixo que a vendedora a auxilie.
Sento-me no banco que é desses feito para o homem, que
toda loja tem, sabe? Tiro o celular do bolso e passo o olho pela
minha caixa de e-mail profissional, estou imerso nisso quando vejo
seus cabelos curtos se sacudirem para fora de uma provador.
— Nick — é a primeira vez que ela me chama assim.
— Oi, Pãozinho de queijo…
— Venha aqui — ela me chama com o dedinho, e eu não sei
o que ela queria, mas não estava preparado para seu puxão para o
provador.
Puta.
Que.
Pariu.
Loren está com um biquíni vermelho que deixa bastante
espaço para eu ser escroto em pensamentos e leva a minha boca
salivar.
— Não tem como eu sair com isso — vejo que ela está
corada. — Olha isso — ela aponta para os seios e eu estou fazendo
um puta esforço para não olhar, e então ela dá o golpe de
misericórdia, virando-se de costas. — Olha isso, minha bunda está
toda de fora, Nicolas! — Eu olho para o teto e começo a contar até
cem, melhor ir até mil. Cruzo minhas mãos sobre a frente do meu
corpo tampando o meu pau. — Nicolas, olha para mim, fala alguma
coisa.
— Loren, não me pede isso.
— Por quê? Estou pedindo para você me ajudar.
— Você está gostosa pra caralho, e se vai levar a sério o
papo que não vamos transar, por favor não peça que eu te olhe.
— Mas se você não olhar agora, como vou escolher? Apesar
desse — ela se vira de frente para o espelho de novo — beira a
indecência. Vai todo mundo olhar, e…
— E ficar de pau duro, do mesmo jeito que estou agora. —
Vejo seu olhar direcionar para a minha virilha, e mordo o lábio.
— Esse foi o maior que eu achei, Nicolas! — Seus olhinhos
castanhos estão em desespero.
— E está gostosa pra caralho — repito.
— O que eu vou fazer agora?
— Levar esse — vai me dar uma torção peniana? Com
certeza, mas porra…
— Eu só queria um traje de banho, não ficar tão exposta…
— Loren, isso é normal aqui, ninguém vai olhar para você.
Não pelo seu biquíni. Talvez olhem um pouco, pois você é linda. E
vou estar com você, ninguém vai chegar perto e te desrespeitar, vou
cuidar de você.
— Promete? — Vejo que ela realmente está preocupada,
pelo seu tom de voz e sua postura.
Foda-se meu pau duro.
— Loren — me aproximo dela, colocando-a contra a parede
do provador e meu corpo grande — estou te prometendo, eu vou
cuidar de você — abaixo-me e ergo seu rosto — sua boca e seus
beijos serão só meus se for isso que você quiser. Vou te respeitar
acima de qualquer coisa, Loren, e o principal, vou cuidar de você..
— Meu problema não é com você.
— É com o quê, então?
— Não sei… — ela sabe, mas não vai falar, é isso que sua
linguagem corporal diz.
— Você não quer experimentar um maiô, para se sentir mais
confortável?
— Não gosto desses…
— Então, Pãozinho de queijo…Nós estamos limitados,
qualquer loja que você for comprar trajes de banho no Brasil será
assim. Você não precisa de um, está frio, e vai por mim, você não
conhece uma cachoeira mineira.
— Você pode olhar, de verdade, para mim e falar o que
acha? — ela pede, e eu suspiro.
— Eu posso Loren, mas aí você não poderá se sentir
desconfortável com minha ereção.
— Você fica duro só por ver mulheres de biquíni?
— Não, meu problema é você de biquíni. Qual é, Loren, eu
venho falando há um tempo já que quero você, e isso não é uma
brincadeira.
— Nick, isso é complicado, e… — encosto-me nela com uma
mão em cada lado do seu rosto.
— Sabe o que é complicado, Pãozinho de queijo? — Ela
ofega e nega com a cabeça — Olhar para você todos esses dias, te
desejar e não te ter, da forma como eu quero ter. Sabe o que estou
querendo neste exato momento? — Seus olhos castanhos me
observam com atenção — Responde, Loren.
— Não.
— Quero baixar esse biquíni e conferir se esses mamilos são
da cor que minha mente fantasia desde o primeiro momento em que
te vi. Responde para mim, posso fazer isso?
— Não sei…
— Sabe sim, seu rosto está corado, sua respiração errante,
abdômen contraído, ouso dizer que a sua boceta está escorrendo, e
você será obrigada a pagar esse biquíni, mesmo que não queira
pois com certeza arruinou o coitado. Então me responda, Loren,
você quer a minha boca em seu seio?
— Eu sonhei com isso, na noite passada… — ela sussurra.
E você está ouvindo? São os portões do céu se abrindo e os
anjos cantando, porque: O Meu Momento Chegou.
Mentira, não acredito em nada disso.
Mas eu acredito na ciência e a fisiologia do êxtase está
estampada em Loren.
E como Isaac Newton gentilmente descreveu para nós a lei
da gravidade, se dois corpos possuem massa, ambos estão
submetidos a uma força de atração mútua proporcional a suas
massas… E o resto não interessa.
Atração mútua é o que nos faz estarmos aqui e agora.
Abaixo-me e sugo seus lábios lentamente, minhas mãos
desfazem a prisão que fizeram para ela e fazem o caminho dos
seus seios, deslizando suavemente, em um quase toque, pela sua
cintura, para então deslizar pelos pequenos mamilos sob o tecido.
Sinto-os se intumescer, e Loren se estremece. Traço a
costura da peça com meus dedos e quando chego na alça a abaixo
sem abrir os olhos, ou tirar minha boca da dela, deliciando-nos com
a antecipação.
Um pequeno chiado sai de sua boca quando meus polegares
traçam a superfície quente, rugosa e pontiaguda do mamilo duro.
Meu pau força o zíper da minha calça, e mesmo usando
cueca posso imaginá-lo com os quadradinhos desenhados nele.
Afasto-me de sua boca viciante, pois eu preciso tê-los entre
meus lábios.
Loren está um pouco ofegante, e seu olhar escaneia minha
reação. Desço meu olhar pela pele sedosa e avermelhada,
passando pelo seu queixo bonito, pela jugular pulsante, suas
clavículas ondulando rápido pela respiração acelerada, e elevados
pelo peça superior do traje, estão o par de seios mais lindos que eu
já vi.
E eu já vi muitos.
Obrigado por existir cromossomo X!
Puta. Que. Pariu.
Nunca houve dúvidas de minha parte que ela é linda, e
permeado pela fantasia eu imaginei-a nua várias várias vezes, e
nada me preparou para os dois montinhos elevados, salpicados de
delicadas pintinhas laranja como seu rosto, até a aréola alaranjada,
com um mamilo marronzinho, saliente, e pedinte por atenção.
Apossei-me deles em minhas mãos grandes, e sem tempo
para que ela pensasse, eu lambi primeiro um, depois o outro, para
então juntá-los em um volume pequeno no centro do seu tórax.
— Porra, você é tão gostosa! — coloquei o seio esquerdo
quase todo dentro da boca, e então chupo seu mamilo, rodeando
com a minha língua, sentindo sua textura enrugada e me deliciando
quando o bico se estendeu para mim, tornando-se mais pontudo,
conforme minha língua busca-o para si.
Loren solta um gemido, e eu mais que depressa tampo sua
boca, afinal estamos em um provador.
Mordisco-o e percebo que suas pernas se fecharam com
força.
Sorrio, e faço o mesmo com o outro seio, com o mesmo
cuidado e precisão.
As costas de Loren, escorregam pela parede do provador, e
eu sustento-a pela cintura, sorrindo com o seio na boca, encosto
minha ereção em sua barriga, e ela se contorce.
— O que mais preciso fazer para que seja minha, Loren? Não
existem mais palavras que eu possa te dizer que quero você, meu
corpo está clamando para tê-la, e o seu chama o meu como a porra
de uma mariposa para a luz. Por favor, Loren, seja minha.
— Moça, você precisa de alguma ajuda com a peça? — A
voz abafada da vendedora nos tira de nossa bolha, e Loren me
empurra,  subindo o biquíni. Seria muito feio desejar a morte da
moça?
— Nã-ão, ficou bom.
— Você deveria levá-lo — pisco para ela e falo baixinho.  
Nicolas Amaral
 
Saio da barraca, quando constato que Loren não está nela, e
meu coração dispara.
Pelo amor, ela surtou com uma pequena aranha, penso o que
será dela se encontrar com uma serpente, um lobo-guará ou uma
jaguatirica por aí.
Olho meu celular, e vejo que ainda não são seis da manhã.
Neste horário são quase nulos os raios solares por ser
outono, e o inverno se aproxima cada vez mais.
Ontem após nosso momento, pensei que ela se afastaria,
pois sinto-me em um grande twister[32] com ela, um passo para
frente e dois para trás, às vezes quatro.
Percebi seu constrangimento — e isso não é novidade,
entretanto no geral ela ficou bem. Mas, mesmo bem, ainda percebi
uma pequena distância, e ela — a distância, não parecia ser
consciente.
Foi nesse momento que considerei dar meia volta na estrada
e não seguir.
O que isso diria sobre mim?
Eu não sou mais o garotinho que já fui.
Não quero resgatar o Nicolas covarde e medroso, eu quero
ser protagonista da minha própria história, correr atrás do meu
objetivo, seja ele PhD na Alemanha, ou ter Loren, sou homem
suficiente para isso, e quando não sou, finjo ser, pois é assim que a
vida me obrigou.
Metade do tempo estou vestido da armadura de
autossuficiência, arrogância, piadas de duplo sentido e a
pseudoautoestima que esfrego na cara de todo mundo, pois se eles
perceberem a rachadura em minha vestimenta, com certeza irão
adentrar-me, dominar-me. E eu quero ser o único detentor desse
poder.
Após desconsiderar voltar para Belo Horizonte, pensei que
poderia chegar na área e alugar mais uma barraca para Loren.
Coisa que poderia ser evitada, se eu tivesse me preparado
para isso.
Eu só tenho uma, realmente, mas sempre tem os alunos, o
departamento de geologia, ou um colega que poderia me emprestar
outra.
Toda essa batalha passava-se dentro da minha cabeça, e eu
odiava que minha insegurança estivesse ganhado contra a minha
vontade.
Vontade de estar com ela, de querê-la, de dividir algo além do
meu corpo.
Por fim, decidi dormir no carro,e quando verbalizei minha
ideia, ela sorriu fraca e disse que era ridículo, pois já havíamos
dividido a cama, estava frio e tínhamos vindo pelo meu aniversário.
E aqui jazo eu, acordando sozinho, sem nem mesmo o
celular despertar.
Corro meu olhar pelo acampamento,  tudo ainda está calmo
por aqui, e não vejo sinal dela.
A Serra do Cipó é um dos pontos turísticos mais famosos e
procurados em Minas devido à distância entre a cidadezinha e a
capital. As cachoeiras são de beleza ímpar, e existem várias trilhas
que podem ser feitas. Por isso, um grande espaço foi planejado,
planado, criado banheiros e restaurantes, onde as pessoas vêm
todos os fins de semana para acampar.
O frio faz com que eu trema e bata queixo, mas ainda procuro
por ela. Encontro-a sentada em uma pedra, enrolada em um
cobertor, olhando o horizonte verde-escuro à sua frente.
— Senti sua falta — falo baixinho, e fazendo barulho
propositalmente no gramado molhado pelo sereno, para não
assustá-la.
— Desculpe, achei uma boa ideia ver o sol nascer, ontem
chegamos e ele já havia se posto, você dirigiu até aqui e trabalhou,
pensei que quisesse dormir mais um pouco.
— Pãozinho de queijo, sempre chame um biólogo para
contemplar a natureza — sorrio e dou de ombros. — Você quer
companhia?
— Sim, vem cá — ela se levanta da pedra para que eu me
sente, e quando faço ela passa a coberta por mim e se aninha em
meu colo, abraço-a nos envolvendo pelo cobertor.
— Está tudo bem? — essa pergunta veio e voltou várias
vezes à minha boca desde a loja de trajes de banho até eu pegar no
sono ontem à noite.
— Sim — ela suspira —, às vezes preciso de um tempo para
me adaptar a algo, como um jetlag, sabe? — eu assinto — Sou
como uma grande balança, Nick, fico buscando equivalência quando
algo acontece.
— O que aconteceu ontem fui eu? — ela sorri, e assente.
— Você é tão… intenso — ela busca meus olhos, e encara-
me — e é tão bom estar com você, que eu esqueço-me de tudo.
Parece um trem descarrilhado, e ao mesmo tempo que quero a
adrenalina de tudo isso, tenho medo de ser atropelada e me
machucar. — Pela primeira vez, desde nosso primeiro contato, sinto
que essa é a Loren.
Ela, puramente, nua e crua, e isso me faz sorrir e beijar seu
cabelo.
— Desculpe-me por ser assim.
— Não há pelo que se desculpar, como eu disse é algo bom,
mas preciso me adaptar.
— O que precisa saber, Loren, é que a comandante do meu
trem é você. Nada está no meu controle e sim no seu. Quem vai
guiar, decidir o que, como e onde, será você. Você é o sol, querida,
e eu orbito você, não o contrário.
Vejo-a ofegar, e pela nossa proximidade, sinto seu coração
disparar, igual o meu também está.
Palavras não são necessárias, pois nosso silêncio
externalizado é oposto a nossa conversa íntima, que grita tantas
coisas juntas, mas também separadas.
Ficamos quietos, contemplando o sol nascendo, o som das
aves, a cachoeira próxima, e o remelexo dos animais.
Nenhuma palavra precisa ser dita, pois às vezes o silêncio é
autoexplicativo.
— É seu aniversário, e você quer mesmo isso?
— Você fica tão lindinha suando e corada, completa a
fantasia que eu não consegui fabricar em minha mente — brinco
com ela, que reclama pela quarta vez na pequena trilha que decidi
fazer para chegarmos até uma das cachoeiras mais famosas.
— Eu sou sedentária, Nick, pelo amor de Deus, você vive me
chamando para correr nas ladeiras, e sempre recuso. Isso não te
disse nada sobre mim? 
— Loren, ouça — faço o sinal para que ela pare de esmagar
as pedrinhas com sua caminhada —, a cachoeira está próxima.
Venha, sobe em minhas costas — tiro a mochila de trilha das costas
e me aproximo.
— Não vou fazer isso…
— Anda, mulher, vai ser o test drive de você sentando em
mim um dia. — Ela gargalha, e eu só consigo canalizar minha
energia para os seios subindo e descendo no biquíni, pois, em
algum momento da subida, ela sentiu calor e, arrancou a blusa
uva/uvb que dei a ela, decidiu ficar só com os dois triângulos
vermelhos cobrindo o que eu queria ver, chupar e pegar novamente.
Sem pensar demais pego-a e coloco em minhas costas, e a
cada passo sinto o vento típico de queda d’água, o barulho
aumentando e menos de dez minutos carregando-a, chegamos no
espaço aberto no meio da mata e a grandiosa cachoeira enche
nossa visão.
— Nicolas… — Loren desce e passa para o meu lado,
erguendo a cabeça e contemplando-a. — Eu nunca vi nada tão
lindo.
— Claro, ainda não me viu pelado. — Ela ri e balança a
cabeça, senta-se e começa a tirar o tênis. — Eu vou entrar, você
vem?
— Pode ir na frente, vou montar as coisas para almoçarmos
aqui.
— Okay.
Várias pessoas já estão ali, pouco se importando em
congelar, pois já estão dentro da cachoeira, outras fazem rapel, e ali
se tem de tudo um pouco.
Casais, famílias e amigos.
Tento-me recordar se eu tive momentos esses que aquelas
pessoas estão tendo, mas não preciso pensar muito.
Não, eu não tive.
Penso na solidão que me acometeu nesses vinte e cinco
anos de vida completos, e tento de verdade não me importar.
Se as pessoas me repeliram por algo, elas que me perderam,
certo?
Errado.
Eu também perdi. Momentos, memórias, felicidades e
construções, e por que estou me importando agora? Que porra.
Eu odeio aniversários.
Foco em esticar a pequena lona, depois a toalha e colocar ali
as coisas que trouxe para nosso piquenique, focar em Loren e o
agora.
Por mais que não goste da data, talvez este ano com Loren,
eu possa adquirir memórias, e quando for velhinho em um asilo,
poderei me lembrar que passei o aniversário do vigésimo quinto ano
com uma mulher que senti um profundo carinho e ultrapassei a linha
do “só tesão” em algum momento entre o Nicolas de antes e o que
eu imaginei para o futuro.

— Você vai mesmo entrar com essa blusa?


— Loren, é uma blusa feita para isso — reviro os olhos
quando após o nosso almoço ela me convenceu a entrar com ela.
— Achei que nos agraciaria com o seu tanquinho.
— Nós?
— Eu e todas as mulheres que babaram quando você tirou o
short, belas pernas. — Eu gargalho, pois vê-la fazer a minha linha
de piadas e cantadas péssimas é engraçado. 
— Vou deixar essa parte exclusivamente para você — pisco
para ela e ajudo-a a entrar na água terrivelmente gelada.
Loren pede que eu tire fotos dela para que envie as amigas, e
enquanto ela vai o mais próximo da queda d’água que consegue,
um cara se aproxima e sorri na camaradagem.
— Posso te pedir uma ajuda, amigo?
— Quer que tire uma foto sua? — é normal pessoas
estranhas pedirem que tiremos fotos delas, quando nos veem de
fotógrafo gratuito dos outros.
— Na verdade, queria o número da sua amiga… — eu
esperava qualquer coisa, menos isso. Sinto meu semblante mudar,
meu sorriso receptivo some, e não sei explicar a fúria que me toma.
— Cara, aquela é a minha esposa. Nós estamos em lua de
mel — falo sem nem pensar.
— Desculpe, eu não vi nenhuma aliança, pensei…
— Pensou errado. Um relacionamento está além de dezoito
gramas de ouro circulando o anelar esquerdo.
— Me desculpe, irmão, eu…
— Não sou seu irmão, e não te desculpo — pelo mesmo
caminho que ele veio, vejo-o sair, e sem nenhum sorriso carismático
meu.
Será que Loren é adepta a golden shower[33]?
Mesmo se for, você nem comeu ela ainda, cara.
Na verdade, estamos trabalhando para isso, mas nem
sabemos se isso será uma realidade. 

Estou ligando a pequena grill portátil que tenho para grelhar


algumas carnes que trouxe para jantarmos, e vejo o remelexo da
barraca com  Loren colocando mais roupas de frio.
Sério, nunca vou entendê-la com todo esse frio que ela se diz
sentir aqui. O país dela NEVA!
— Nick, consigo acessar o wi-fi do carro? — Ela abre o zíper,
e sai vestida com mais camadas de roupa.
— Sim, deixa eu colocar para você — pego o aparelho dela,
e conecto. — Prontinho. Saudades de casa?
— Também, mas falei com meus pais ontem. Minha amiga
casou-se hoje, de novo, quero vê-la de noiva.
— De novo?
— Longa história — ela balança a mãozinha para mim, como
quem diz “melhor deixar”.
— Meia fofoca mata um fofoqueiro, sabia? — puxo-a para me
colo, e vejo-a esperando as mensagens do aplicativo carregar.
— Ela se casou com um cara, por conveniência…
— Isso existe ainda? O príncipe não escolheu ficar com a
Kate Middleton? — ela gargalha.
— Não existe, eles podem escolher o parceiro. Por isso falei
que é uma longa história. Basicamente ele precisava se casar e ela
de um esconderijo. Fizeram um casamento expresso, algumas
coisas melhoraram agora, e o marido queria vê-la de noiva. — Loren
passa pelas mensagens e então liga para elas.
Resolvo conferir minhas mensagens, e não consta nada de
novo.
Meus pais me enviaram um e-mail, juntos, sério, pai? Não
podia mandar uma mensagem? O ano é 2022!
Meu irmão enviou uma foto da bebê e uma legenda genérica
em nome dele, a namorada e a bebê.
Cadu, como sempre faz questão de comemorar tudo, disse
que enviou para a minha casa meu presente, postou uma foto com
textão.
Sara me mandou a puta que pariu, gargalhei quando vi. Ela
tentou me ligar por vídeo e não conseguiu. Mas ganhei seu novo
romance, autografado por ela, e disse ter enviado também uma
versão de colecionador premium de A Origem das Espécies, já que
eu reclamei por dias a fio quando um aluno estragou o meu.
E foi isso.
Okay, não foi.
Meus alunos, assim que viram o post que Cadu me marcou
logo pela manhã, começaram a me enviar felicitações, e foi um
recorde de nudes em péssimas edições de “parabéns”.
Minhas redes sociais tinham mais peito e boceta que o X-
videos.
Ignoro essa parte, e volto a afirmar que o importante foram
aquelas pessoas.
— … mesmo? Own! — Loren se sacudindo em meu colo me
trás para a realidade, e eu observo-a conversando com três
mulheres na chamada. Elas riem, e falam juntas.
Fico terrivelmente dividido se ela é mais linda falando em
português ou inglês…
— Beijos, beijos, tchau — ela desliga sorrindo.
— Já?
— Sim, estão quase no fim da festa, só queria vê-la de noiva,
e ganhei mais dois sobrinhos. Na verdade um menino, Lucas e uma
menina, Maria.
— Uhuuu, tia Loren.
Passamos a observar as demais pessoas que estão
acampando, jantamos, falando de tudo e nada, comemos os
marshmallows que ela queria, assados na grill, pois sou um biólogo
nutella, e não quero acender uma fogueira como os neandertais.
A noite faz com que a temperatura caia mais um pouco, e eu
chamo Loren para entrarmos e nos aquecermos.
Enquanto guardo as coisas que usamos no carro, pego o
aquecedor portátil para ligar dentro da cabana, ela entra. Levo cerca
de vinte minutos para organizar tudo.
Quando entro Loren está deitada lendo o livro que a
emprestei ontem, e do meu lado do colchão um pequeno embrulho
descansa.
— O que é isso? — pergunto colocando o aquecedor em seu
suporte no canto.
— Não sei — ela desvia o olhar da página e sorri —, talvez
você deva abrir. — Ela dá de ombros, sento-me tirando o tênis para
arrastar o corpo para o seu lado, pegando o pacote.
Vejo que ele é pesado, sem delicadeza nenhuma abro o
embrulho.
Gargalho antes mesmo de abrir a tampa da caixinha, pois
vejo que é uma caneca com pinguins, na verdade Os Pinguins de
Madagascar.
— Vi ontem em sua casa que tem um móvel na sala de jantar
só com canecas, e pelo conteúdo imaginei que fossem suas. Feliz
aniversário. — Porra, Loren, você não pode fazer isso e depois ir
embora! Como vou ficar sem meu Pãozinho de queijo observadora?
— É o melhor presente que alguém poderia me dar! É
perfeito! Eu faço coleção, Sara e Cadu ajudam a alimentar meu
vício, sempre que viajam trazem uma para mim. — Tiro a caneca da
caixinha vendo o quão fofa ela é. Com a cabeça ainda girando em
torno do fato dela ter prestado atenção. Só meus dois amigos já me
presentearam com o item, nem meu irmão fez isso.
— Você gostou? Mesmo?
— Amei! De verdade. Em que momento você comprou isso e
eu não vi?
— Quando você foi a drogaria, fiquei olhando as vitrines, e vi
uma loja de canecas. Espero ter acertado, você pareceu um pouco
viciado nesses bichinhos.
— Mais certo que isso, só sua boca na minha. — Pego o
livro, marcando a página e o coloco com a caneca de lado. — Muito.
Muito. Muito. Obrigado. — A cada palavra, vou selando meus lábios
aos seus para mordê-los no final. — De verdade, eu amei.
— É só uma caneca.
— Não, é a caneca que você me deu. E eu amei. Baixei
algumas coisas no streaming para vermos, e trouxe o tablet, quer
escolher?
— Na verdade, achei que teríamos uma sessão de beijos de
aniversário. — Ela dá de ombros, como se sugerisse isso sempre.
— Você é a melhor, Pãozinho de queijo — sento-me mais ao
meio do colchão e a puxo para me colo, com as pernas envolvendo
minha cintura. — Eu nunca irei me esquecer de você, Loren. E nem
desse aniversário.
— O que você quer dizer com isso?
— Não foque nisso, só por favor guarde essa frase e esse
momento. — Jogo seus cabelos para trás, inclinando sua cabeça
para a direita e tomando seu pescoço para mim.
Mordisco a pele fina dali e vou até sua orelha, mordo com
mais força o lóbulo, sugando-o para minha boca em seguida,
adentrando seu ouvido com a minha língua, fazendo com que ela se
remexa, roçando o meio das suas pernas em meu pau, que já
estava semiereto quando dei os primeiros selinhos nela.
Eu não sei que tipo de magia a envolve, porém sinto que meu
corpo corresponde ao dela, como uma reação química.
E eu só quero saber qual nosso produto final, Pãozinho de
queijo.
Loren se aproxima mais, e sei que ela pode sentir-me através
dos tecidos que vestimos, mesmo assim ainda continua.
Tomo seus lábios famintos, sugando sua língua para mim,
chupando os lábios, com tanta fome que em algum momento
nossos dentes se batem, e sorrimos, sem parar de nos beijar.
Sinto mãos pequenas e frias adentrarem minha camisa,
passeando pelos ralos pelos que tenho próximo ao umbigo, meu
pau tem um espasmo e então ele relaxa soltando o líquido pré-
ejaculatório, molhando minha cueca.
Porra, como é bom o seu carinho.
Com um toque delicado, ela vai das minhas costas, subindo e
descendo as mãos, cobrindo todos os lugares, arrepiando-me
inteiro. Automaticamente, forço sua cintura para se aproximar mais
de mim, e ela geme em minha boca.
— Estou com calor…
— Posso tirar sua blusa, Pãozinho de queijo? — ela
concorda, e em segundo ela está só de sutiã à minha frente.
— Posso tirar a sua? — surpreso pela sua pergunta, e com
sombras do passado permeando-me, eu demoro a responder — Só
se você quiser.
— Tudo bem, pode tirar — minhas roupas tomam o mesmo
rumo que a sua, ela me olha lentamente, vendo  cada parte de mim
pela primeira vez, e antes que ela veja demais, volto a beijá-la. —
Vou tirar seu sutiã… — ela concorda então tiro a peça.
Os seios que me atormentaram a noite toda nos sonhos,
estão de novo disponíveis para mim.
Seguro forte em sua cintura e inclino seu tronco, buscando o
seio para minha boca. Ela em momento nenhum solta meus
ombros, mas se deixa levar pelo meu toque, de olhos fechados e
lábios semiabertos, arfando.
Sinto que posso gozar fartamente só pelo ato de mamar nela,
e esse mínimo pensamento faz minhas bolas se contraírem.
— Porra — gemo beijando seu colo —, eu quero tanto comer
você. Você me deixa tão duro, está sentindo meu pau pedindo
atenção?
— Nicolas… Eu…
— Nós não vamos fazer nada, Loren, só quero que saiba
como me sinto com você. Eu quero tentar uma coisa, você deixa?
— O que você quer tentar?
— Você confia em mim?
— Sim — sem nem mesmo pestanejar, ela me responde.
Pego minha necessaire na mochila, tirando dela o óleo
corporal.
Seus olhos me acompanham curiosos, e consigo imaginar o
seu cérebro trabalhando para entender-me.
Dou um pequeno sorriso, e a puxo para que se aproxime
mais e vire de costas para mim, colando suas costas em meu tórax,
envolvo-a com minhas pernas como ela faz comigo, encosto  sua
cabeça na curva do meu pescoço minhas mãos traçam linhas
invisíveis na lateral do seu seio, descendo por sua costela, e depois
indo para o abdômen.
Regulo a minha respiração, pensando em várias coisas
broxantes, para minimizar a ereção, e aos poucos sinto ela ceder,
bem preguiçosamente.
Coloco um pouco do óleo em minhas mãos e esfrego-as,
esquentando-o. Sigo espalhando-o do umbigo até a clavícula,
sentindo o disparo do seu coração próximo ao meu, coloco suas
mãos apoiadas em minhas coxas, da forma mais relaxada
possível,começo a conversar com ela, sem nunca parar de banhá-la
com o óleo, deslizando ambas por todo pedaço de pele acessível.
— Eu sei que alguma coisa aconteceu, Loren — ela suspira e
tenciona — e não preciso que você fale sobre isso, a menos que
queira, e se quiser, estarei aqui para te ouvir. Mas quero que saiba,
acima de qualquer coisa, eu te respeito. Não sei o que fizeram e
quem fez, mas eu não sou essa pessoa, e acima do meu desejo,
quero você, Loren, como a mulher fofa, engraçada e inteligente que
é. Nesses meses nos tornamos amigos, não quero que percamos
esses vínculos construídos aqui quando você voltar para seu país.
Posso dizer com todas as palavras que amo você, e quem ama
cuida. Se você em algum momento viveu algo que foi contrário a
isso, por favor, não me compare ou iguale a isso.
Loren Thompson
Capto a paisagem, singularmente atípica para mim, pela
minha visão periférica, através da janela do carro sem realmente
percebê-la.
Não sei quais eram os planos de Nicolas para o fim de
semana, mas me parece um pouco cedo para voltarmos, afinal só
tomamos o café da manhã.
Uma música toca baixinho pelo carro e é o único som entre
nós, mesmo assim sua mão direita está sobre minha coxa enquanto
ele dirige pela estrada de chão batido.
Não sei o que houve com ele, mas algo aconteceu.
Nicolas é sempre sorridente, mesmo que no fundo de seus
olhos sempre tenha um mundo de coisas acontecendo, ele sorri,
desconversa o momento para uma piada ou dispara uma infinidade
de informações científicas para distrair-me.
E desde sexta, ele anda diferente.
Sei disso, pois reconheço-me nele, na dor dele.
Obviamente cada um sabe o que sente, dores psicológicas
não podem ser medidas em escala de dor, ou algo do tipo.
Percebi depois de um tempo que, do mesmo jeito que eu sou
reclusa em alguns momentos, ele é completamente expansivo, não
seria essa a estratégia dele? Se expandiu para que não víssemos o
que sobra na realidade?
Mas uma coisa é fato… Não posso dizer que só ele está
diferente.
Eu estou diferente.
Em que momento algo mudou? Eu não sei. E não sei
também a extensão disso.
Foi no beijo?
Na presença?
Na intimidade?
Na amizade?
No cuidado?
Na confiança?
Eu só queria saber as respostas para essas perguntas.
Mesmo que eu não saiba exatamente sobre, sei de uma
coisa.
A noite de ontem foi o interruptor que me acendeu de uma
forma diferente. E essa é a única certeza que tenho no momento.
Tirando Emma, meus pais, Oli e Belle, ninguém nunca,
jamais, cuidou de mim, ultrapassou a barreira da empatia para o
cuidado, e ele, sem nem mesmo saber a bagagem que eu carrego,
fez isso.
Nicolas vive me envolvendo em seu, dito, desejo.
Jamais permitiu que passasse uma oportunidade de me fazer
corar, ou me constranger,seja através de atos, seja com palavras,
no entanto, ontem, na barraca, foi o momento, até então, que estive
mais nua perto dele, porém, foi um dos, raros, momentos em que
estive mais segura.
Quando estive nos meus encontros casuais, sempre temia o
depois. O jantar ou balada com o cara era tranquila, mas, quando a
noite ia se adentrando, eu percebia que em algum momento ficaria
sozinha com o cara, era horrível. Realmente, estive sexualmente
com onze caras depois de Logan, porém os encontros e passeios
foram infinitos.
O primeiro cara com quem estive sexualmente foi após três
anos da separação. Minha psicóloga e eu divagamos sobre isso
algumas vezes, se estava realmente ligado ao abuso ou ao
processo de divórcio que foi longo, pois Logan se negava a assinar
o acordo, dizia que eu não valia o valor exorbitante que a advogada
pedia.
Como se algum valor pagasse o que eu passei.
O fato é que eu conseguia transar e ter orgasmos, mas até
chegar a esse momento, de irmos para a cama, era um processo
moroso.
E em um mundo em que as coisas estão cada vez mais
rápidas, entendo que eu não era a pessoa para o momento de
algumas pessoas.
De todas as vezes que Nicolas disse me querer, ontem vi a
verdade. Mesmo que seja um meio para o fim, que é sua cama.
Loren, obviamente!
Onde mais vocês iriam com isso?
Talvez, eu não possa colocar dessa forma, pois além de
tesão, temos a amizade, que de uma forma muito estranha começou
naquela plaquinha feita a mão escrito “Miss. Thompson”.
Onde vamos chegar com isso, Nicolas?

— Ei, Pãozinho de queijo — sinto um beijo em minha


bochecha —, vamos acordar?
— Que horas são? — espreguiço-me em sua cama, sendo
recebida pela penumbra.
— São 18h. Você está muito cansada ou podemos ir a um
lugar?
— Não estou cansada, dormi o tempo todo em que você
corrigia provas depois do almoço. — Não sei em que momento do
livro eu dormi, a última parte que me lembro era de Henry mais uma
vez se punia pelo desejo que sentia por Alice, credo, parece até
alguém que conheço.
Nicolas continuou introspectivo, mesmo soltando uma piada
ou duas durante o almoço, e disse que me recompensaria depois,
mas que precisava corrigir umas provas e lançar as notas assim que
chegamos em sua casa.
— Eu já estou pronto, então, assim que você estiver,
podemos ir.
— Nada gentil se arrumar antes de uma mulher, e depois
chamá-la para sair Nick.
— Relaxa, Pãozinho de queijo, minha diversão será ver você
de toalha de um lado para o outro. — Ele pisca e sorri.
Algum dia eu vou me acostumar com isso?

— Chegamos. E antes de descermos desse carro, quero


esclarecer algumas coisas. — Ele fica sério e pergunto-me se devo
me preocupar com isso. — Primeira coisa, estamos aqui porque
quero te provar um ponto e, como professor, eu acho que a prática é
sempre melhor do que a teoria. — Seus lábios se movem sem o
típico sorriso e percebo que ele fica lindo assim.
Contrário aos outros dias, ele está de óculos e isso eleva seu
carisma. Os cabelos são uma bagunça organizada, e percebo as
roupas diferentes do que ele costuma trabalhar, parecem
representar mais a idade dele, uma jaqueta preta e vermelha, cobre
a camisa branca, usando um all star branco, que se destaca na
calça preta, lindo é eufemismo para ele.
Se eu fosse minimamente igual a ele, diria que  está gostoso.
— Tudo bem?
— O quê?
— Você não entendeu?
— Desculpe, não ouvi o que você disse.
— Já foi constrangedor falar uma vez… — ele suspira —
Loren, nós estamos prestes a entrar na casa de swing, The Jungle,
você se lembra que te falei sobre ela?
— Céus, Nicolas! O que estamos fazendo aqui? — ele
gargalha, apertando o volante.
— Eu deveria ter desconfiado que você não tinha ouvido da
primeira vez. Repetindo, e você preste a atenção! — ele pega minha
mão e morde o meu dedinho — Para entrar aqui, é só com convite,
e o convidado só pode ter relação com o membro que o trouxe.
Pois, os membros enviam os exames de IST’s em dia, entendeu?
— Acho que ainda não… Continue.
— Para entrar existe um período mínimo para autorizarem o
convite, mas conversei com a gerente, paguei a mensalidade
dobrada, me comprometi que vai só observar as cenas públicas e
então ela autorizou sua entrada.
— E qual o objetivo disso tudo, Nick? Por que eu entraria
numa casa de swing?
— Consentimento. Segurança. Aprendizagem. Prazer. É um
ótimo jeito de quebrar o gelo.
— Nem Emma, que vive comigo a vida toda, teve essa
audácia, e dela eu espero tudo.
— Pontos para mim então — ele dá de ombros, como se
fosse normal levar pessoas a casas de swing. — Mas como falei, é
tudo consensual, estamos aqui em frente, temos duas entradas,
entrar ou não é com você.
— Não acredito nisso.
— Se você não gostar, estamos a menos de vinte minutos de
casa.
— Tudo bem.
Não está tudo bem, meu Deus, onde eu vim parar?
De mãos dadas com Nicolas adentro o lugar, sem saber o
que eu esperava, mas esperando o pior.
O ambiente é uma penumbra chique, de luz baixa e alguns
neons pulsam de acordo com a música pop remixada que preenche
o lugar. Até agora parece uma balada comum, até mais recatado
que o Magic Mike.
Loren, vocês não passaram da porta.
Respiro fundo quando Nicolas conversa na  entrada e o rapaz
solicito coloca pulseiras em nós dois.
De frente à entrada, há um grande balcão onde bartenders
preparam drinks, servem até comida. Algumas pessoas estão por
ali, vestidas.
— Não precisa ficar com essa cara de espanto, as pessoas
vão pensar que você é virgem e foi coagida — sussurra em meu
ouvido.
— Desculpe. Achei que… sei lá iam saltar pênis das paredes.
— Nicolas, que está atrás de mim, me abraça pelos ombros e sinto
seu corpo vibrar próximo ao meu. Gargalhando e tentando abafar o
riso em minha nuca.
— Você pode falar pau, aqui é livre censura, falando pênis
parece minhas aulas de educação sexual e, sim, existe esse
corredor, já que mencionou, vou te levar nele primeiro.
Ele pega a minha mão e nos conduz pelo lugar, e então após
o bar eu percebo onde estamos.
Tem algumas pessoas se beijando, se tocando nas mesas,
outras já estão transando mesmo, e elas estão tão concentradas
nelas mesmas, que pouco se importam com as demais.
Vejo que entre eles, alguns se masturbam vendo uma cena
ou outra.
— Aqui na direita você terá a parede com homens, na
esquerda mulheres — ele fala baixinho comigo.
O corredor largo permite que duas ou três pessoas transitem
ao mesmo tempo, e como ele falou na direita saltam tantos pênis
que eu fico perplexa.
Algumas pessoas estão abaixadas chupando os paus sem
cara, em alguns tem duas pessoas abaixadas dividindo o mesmo.
Uns usam preservativos, outros não. Existem casais ali, ora
dividindo o pau na boca, ora tocando-os.
Uma casal mais a frente, o homem investe com brutalidade
na mulher que está chupando o pau oculto na parede.
A cena não muda quando olho a parede esquerda, a
diferença é que dela salta seios dos mais variados tipos, e na parte
inferior as pessoas tocam, penetram ou chupam o invisível.
— Você já… — interrompi-me antes de concluir a pergunta.
— Fiquei de amostra? Ou me diverti com a parede? — eu
concordo — Já usei a parede sim, mas nunca fiquei de amostra, sou
visual demais. — Melhor nem perguntar o que ele quer dizer com
isso.
O corredor enfim termina e incrivelmente sinto-me molhada,
que merda é essa, Loren?
Somos recebidos por uma sala arredondada, mais um bar,
mas nesse o balcão largo contém postes de pole dance e estão
sendo usados, nas mesas acontecem coisas mais quentes e
explícitas do que lá fora, os gemidos conseguem ultrapassar Often,
de The Weeknd[34], que toca no ambiente.
Nicolas volta a se posicionar atrás de mim, ficando colado ao
meu corpo.
— Você já entendeu sobre ser consensual, certo? — eu
concordo — Então olha ali — ele sinaliza para a última mesa e me
conduz até ficarmos parados bem próximos dali. Nicolas se encosta
na parede, e quase me empala nele. — Olha como as línguas deles
estão dançando umas nas bocas do outro — ele começa a narrar a
cena desenrolando em nossa frente, na qual o homem está sentado
na mesa e a mulher enganchada na cintura dele.
Sinto o pau dele duro em minhas costas, e se não é a mão
dele em meu quadril me segurando ali, não sei o que me mantém
em pé.
Engulo em seco, segurando suas mãos, como se ele fosse
tirar a mão de mim a qualquer momento.
— Veja como a mão dele aperta a bunda dela, e o dedo largo
penetra a boceta dela, veja como ela geme extasiada, porra, Loren,
a sua boceta está escorrendo como a dela? — ele fala tão rouco,
baixinho em meu ouvido. Sinto meus pelos se eriçarem. — Eu
queria estar ali, sentado com você em meu colo, mas eu te pegaria
por trás… Faria você cavalgar invertida em meu pau, pensando
bem, seria de frente e mamaria em seus peitos fodidamente
gostosos…
Sua mão me aperta mais nele, sua língua penetra minha
orelha, eu gemo, contraio minhas pernas, mordendo meu lábio
inferior.
— Eu certamente me fartaria neles, e depois te colocaria
sobre essa mesa e abriria suas pernas. Você não imagina o quanto
quero conhecer cada pedaço seu, como quero conhecer cada
voltinha de sua boceta, serei um aluno exemplar, Loren. Sonho dia e
noite com seu grelo endurecido em minha boca enquanto te fodo
com dois dedos, esfregando a parede da sua bocetinha, te
lambendo inteira, beijando seus lábios como beijo sua boca gostosa,
faria isso várias e várias vezes até você gozar em minha boca, e eu
tomar toda a sua porra, quente, espessa…
— Puta que pariu — gemo.
— Isso mesmo, amorzinho, quero que você perca suas
amarras, quero você extasiada perdida no prazer que eu posso te
proporcionar. Abra os olhos. Olha para eles, Loren — não sei em
que momento fechei-os, mas eu só consigo ver a mim e Nicolas no
lugar daquele casal, merda, como vou viver com essa imagem em
minha cabeça? — Sonho em puxar o seu cabelo, igual o cara está
fazendo com ela… — O homem se sentou no banco e  colocou a
mulher de costas para ele, puxando seu pescoço e  batendo em sua
bunda.
— Nicolas, eu… — não sei o que falar ou fazer, perco
palavras e sentidos, a única certeza que tenho é do meu corpo
ardendo.
— O quê? Você também quer uns tapas nesse rabo gostoso?
— ele morde meu pescoço. — Desde sexta, a sua bunda não sai do
meu pensamento, fico imaginando-a vermelhinha com as marcas da
minha mão e dos meus dentes…
— Porra… — ele passa uma mão por dentro da minha blusa,
sem pudor nenhum, eu nem sei se eu tive um dia, abaixa meu sutiã
e pinça um mamilo.
— Merda, Loren, meu pau está tão duro de tesão. Quero te
foder há tanto tempo, mas antes disso, quero uma coisa. — Eu
percebo que só quero dar para ele, puta que pariu, onde me perdi
de mim?
— O quê? — Ele lambe meu pescoço, e eu estremeço. Sinto
que faria qualquer coisa por ele.
— Que você me coma.
— Nicolas…
— Eu reservei um quarto lá em cima, e se você quiser,
podemos ir para ele. Nada me deixaria mais duro que seu dedo no
meu cu enquanto gozo olhando sua cara de prazer.
Meu coração bate acelerado em uma mistura louca.
Eu não sei se é de prazer, luxúria, adrenalina ou qualquer
outra reação que tenha a ver com Nicolas pedindo que eu faça isso
com ele.
— Nick, eu nunca fiz isso… — falo baixo quando estamos
prestes a entrar no quarto.
— Para tudo tem uma  primeira vez, e vou te ensinar. — Seu
tom determinado me encoraja, mas ainda sinto que isso pode
acabar em uma tragédia.
— Nicolas, por que estamos fazendo isso? — ele fecha a
porta e anula todo o ruído exterior.
— Ainda não estamos fazendo nada… Mas, quero que você
confie em mim, que quando se entregar, seja por inteiro,  para isso
acontecer, estou confiando em você algo íntimo, que eu gosto, mas,
faço poucas vezes pois é complicado confiar em alguém para isso.
— Como você sabe que vou me entregar a você? — Ele
arqueia a sobrancelha, e morde o lábio. — É bem presunçoso da
sua parte.
— Depois do que aconteceu lá embaixo, duvido que você não
queira, e se seu orgulho e esses pensamentos errantes que você
tem em relação a minha idade ou a minha vida não permitirem que
você venha até mim, sei que irá se satisfazer com seus dedos, e
fará isso pensando em mim, ou seja, de qualquer jeito o seu prazer
será meu, Loren, pode ser do jeito divertido comigo participando ou
solitário. E aí o que me diz?
Foda-se.
Pulo em seu pescoço e busco a sua boca para a minha,
adentro-a com a minha língua, como ele sempre faz, e então estou
pressionada contra a porta, minhas pernas envolvem sua cintura, e
suas mãos parecem estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Minha calcinha está pesando de umidade, e tudo piora
quando suas mãos estão brincando em meu seio,  com precisão e
cuidado, tomados por uma fome gigantesca que nos cerca.
— Então, vai fazer as honras?
— Sim.
— Era isso que queríamos ouvir…
— Queríamos?
— Eu e meu pau. Venha. — Ele me leva até a cama com um
sorriso safado nos lábios, Nicolas tira a jaqueta e me coloca em seu
colo. — Você quer me despir ou eu mesmo faço isso?
— E perder toda a diversão? — De onde veio isso, Senhor?
— Isso! É disso que eu estou falando, estou te treinando
direitinho! — Ele comemora teatralmente, voltando a beijar minha
boca.
Ter uma foto do abdômen de Nicolas em meu celular não
fazia bem para a minha saúde mental, tudo piorou quando senti seu
pau durante as muitas ereções dele, e ontem foi a cartada final, ele
de sunga.
Suas coxas são torneadas e firmes, os pelos castanhos
cobrindo em totalidade são um charme, e aí tive o vislumbre do seu
pau marcando a sunga preta. Mesmo relaxado parecia ser grande.
— Vou poder tirar sua roupa também, ou só eu serei sua
cobaia hoje?
— Pode tirar — suas mãos ávidas já arrancaram minha
blusa, e abriram a calça em seguida.
Tiro sua camisa, abro o jeans, e ele já tirou o tênis e meias,
nosso afoitamento é tanto, que eu não sei onde foi parar nossas
roupas. Em segundos, eu estou só de calcinha e ele de cueca.
A peça branca tem a marcação molhada na extrema direita e
se antes eu pensei que ele era grande, acabo de constatar o óbvio.
— Minha boca chega a salivar com vontade de provar você,
Pãozinho de queijo… — alcanço sua boca de novo, mordendo-a e
levando minhas mãos ao cós da cueca.
Sinto o alto relevo de sua pele, causado pelos pelos eriçados,
então me estremeço.
Minhas mãos descem a peça que no momento é
completamente inútil, e o seu pau não é a primeira coisa que eu
noto, mesmo que fosse o que eu queria, é a maldita tatuagem, ela é
real.
Suck my...
Por um momento, paraliso; sua gargalhada enche o
ambiente, e eu rio junto, pois tenho certeza que a minha surpresa
está estampada em meu rosto.
De todas as convicções que eu tenho no mundo, duas
precisam ser rapidamente questionadas: A primeira, deveríamos rir
pelados, excitados e prestes a transar? A segunda, Nicolas precisa
ser estudado, pois é um espécime raro.
— Eu sabia que você ia gostar dela, querida…
— Eu nem sei se isso deveria me chocar.
— Não mesmo — ele desliza sua mão em um carinho pelo
seu pau vagarosamente, olho-o hipnotizada na forma como ele se
aperta, e suas veias ficam mais irritadas, a cabeça arroxeada expele
gotículas que enchem a minha boca d’água.
Não estou me reconhecendo.
— Você vai chupar meu pau essa noite, Pãozinho de queijo?
Ajoelho-me, vendo a surpresa de Nicolas, passo a língua nas
gotinhas que estão se acumulando na cabeça de seu pau, envolvo
sua cabecinha com meus lábios, dando pequenas sugadas,
solvendo seu gosto em minha boca, e antes que tome-o
inteiramente, ele puxa-me para cima.
Tomo sua boca na minha, e anseio pelo momento em que
estaremos unidos em um só.
Nicolas Amaral
Está acontecendo.
Eu mal posso acreditar nisso.
Puta que pariu, eu vou comer a Loren! — E ela vai fazer o
mesmo comigo.
Obrigado, criador de metodologias ativas que me fez ter essa
ideia.
Seus finos lábios, que eu passei a admirar tanto e furtá-los
para mim sempre que posso, tomam os meus em avidez, sugando-
me para ela, fazendo com que eu sinta meu gosto através da sua
boca, dificultando-me a manter o controle sobre o meu próprio corpo
que só quer estar dentro dela desesperadamente.
Desço sua calcinha preta e simples que está me matando de
tesão há algum tempo, sinto seu ofegar em minha boca quando
deslizo minhas mãos pela sua bunda e coxas.
Sua pele acetinada se arrepia com meu toque, sem demora
toco-lhe onde eu venho sonhando todas as noites dos últimos
meses: sua boceta.
Sem parcimônia, deslizo meu dedo médio em seu meio,
escorregando livremente tamanho sua excitação.
Nós gememos juntos, mas é ela quem se descontrola
mordendo meu lábio, me excitando ainda mais.
Pego-a no colo e a coloco sentada na beira do colchão, abro
suas pernas e me ajoelho.
— Estou louco para chupar você há tanto tempo, eu posso?
— ela assente e abre mais as pernas.
Coloco um pé em cada ombro meu, admiro os ralos e curtos
pelos ruivos e abro-a para mim. Pressiono o clitóris com o meu
polegar e, quando tiro o dedo, a teia de sua excitação acompanha-o,
fazendo minhas bolas se contraírem.
Abaixo-me e lambo-a de baixo para cima, parando no grelo
endurecido, dando-lhe atenção, sugo-o com os lábios, prendo-os
delicadamente em meus dentes, e deixo que minha língua
escorregue por ele para cima e para baixo inicialmente, depois
esticando a língua endurecida batendo-lhe com firmeza para cutucá-
la diversas vezes.
Loren prende meus cabelos entre as mãos e rebola em
minha boca, gemendo.
Com a missão de enlouquecê-la, penetro-a com um dedo
para alargá-la, depois o outro deslizando sob sua excitação para
então curvá-los para trás, movimentando-os para cima e para baixo.
— Merda! O que é isso, Nicolas?
— Quer que eu pare?
— NÃO!
— Esse é o melhor oral que você vai receber em sua vida.
Aperto seu clitóris entre os lábios da vulva, friccionando um
lábio no outro com o nervo endurecido preso no meio, sinto que
posso fazê-la gozar só com esse carinho, lambo o excesso de seu
fluído que vaza pelo meio, sem nunca deixar de resvalar meus
dedos no fundo de sua boceta quente e receptiva.
Volto a abri-la, puxando os lábios para cima, expondo o
clitóris chupando-o para dentro e para fora da minha boca.
— Nick… — ela tenta advertir, mas já sinto seus músculos se
fechando em torno do meus dedos
— Venha, Loren, goza para mim — mais ávido sugo seu
clitóris duro, deslizando minha língua em círculos até ela se
desfazer em minha boca.
Suas pernas se fecham em torno da minha cabeça, e é o
paraíso.
Aos poucos ela vai me soltando, com delicadeza tiro meus
dedos dela, e beijo sua boceta, antes de me levantar.
— Você está viva, Pãozinho de queijo? — ela grunhe e nega
— Poxa vida, pensei que teria seus dedos em mim hoje, como faz?
— Eu tenho trinta e seis anos, Nicolas, você não pode querer
que eu me recupere como você — Ela abre os olhos e me observa
pairando na cama.
— E é uma tremenda gostosa, o que tem na água britânica?
Se você estiver muito cansada posso me tocar só te olhando daqui,
é uma experiência e tanto também — digo-lhe já massageando meu
pau de baixo para cima, espalhando as gotas pré-ejaculatórias pela
cabecinha.
— Você já fez isso antes… — ela sugere.
— Não com você assistindo… Tenho certeza que isso será
uma experiência e tanto.
— Eu gostaria de tentar… — Ela fala baixinho, e não sei se
sua cor avermelhada é por confessar isso, ou do recente orgasmo.
— Seu pedido é uma ordem — vou até minha calça e pego
os dois sachês de lubrificante e o preservativo.
Seus olhos me seguem atentamente, e vejo-a sorrir.
— Você está preparado…
— Sempre, inclusive estou limpinho, o playground está
liberado — ela gargalha meio em desespero. — Um homem pode
sonhar, Loren, e estou sonhando com isso há muito tempo. Desde
aquela conversa em que eu te confessei gostar disso.
— Eu estou apreensiva de te machucar…
— Eu vou te ensinar — sento-me ao seu lado, passando
minhas mãos pelo seu corpo, pois é impossível tê-la à minha
disposição e não tocá-la. Beijo o seu colo, mordisco o seio pequeno,
e então mamo em seu mamilo direito, até ela arquear a coluna —
Vamos nos divertir, venha — puxo-a para cima de mim, colocando-
nos deitados certos na cama, beijando-a e acalmando-a.
Suas mãos me acariciam, pelo tórax e abdômen, arrepiando-
me, até chegar ao meu pau, onde primeiro ela me toca tímida,
reconhecendo-me para então fechar a mão em minha volta.
Se ajoelhando entre minhas pernas, ela observa-me em
totalidade, e pela primeira vez em muito tempo não tenho vontade
de pôr minha blusa de volta como acontece na maioria das vezes
em que estou sozinho e nu com uma pessoa casual, sem ser em um
momento aberto ou de swing.
— Pode apertar, eu gosto apertado. — Ela segue a instrução,
subindo e descendo a mão devagar levando-me a querer meter na
sua mão, mas também quero sua boca de volta ao meu pau, por
muitos minutos. Merda, por que puxei ela? — Isso, caralho, mais
rápido… — Ela pega um sachê de lubrificante e rasga com os
dentes, e eu poderia gozar com isso.
Se controla, Alazão.
Sem cerimônia ela despeja todo o conteúdo em minhas bolas
e acaricia com a outra mão, observo-a curioso, sem deixar de me
masturbar, Loren, espalha o lubrificante por todo o períneo.
— Não tem muito segredo, Lou, você vai precisar de mais
lubrificante, concentrar a maior quantidade no dedo que for
introduzir. Para ser mais fácil você vai ter que manter o dedo virado
para cima, e quando sentir uma pontinha endurecida  vai curvar um
pouco o dedo e acariciar…
— Okay — ela pega o outro sachê repetindo o processo,
ainda apreensiva, mas seguindo a instrução que lhe passei.
Seu dedo escorregadio e quente toca meu cu, acaricia-o
pelas bordinhas. Vagarosamente ela começa a penetrar-me
esquecendo-se do meu pau, tão animado quanto eu, na visão que é
ela concentrada, com um pequeno lábio formando um biquinho,
como ela faz quando está escrevendo sua tese.
Passo eu mesmo a tocar-me, vendo a cena se desenrolando.
A comum ardência de quem não faz isso com frequência está
presente, mas nada supera o prazer que começa a me inundar.
— Alarga-me rodando o dedo, Loren, como você abre a sua
boceta — ela assente e faz o que peço sentindo quando eu abro
para ela, facilitando que a primeira falange entre, fazendo-me vibrar
de excitação, aumento um pouco a velocidade da punheta. — Isso,
Loren, porra… Isso está uma delícia, vai até o fundo, Loren…
Ela faz o que eu peço e sinto o toque gentil em minha
próstata, e ela sabe que chegou, pois o dedo curva-se e rodopia
morosamente.
— Puta que pariu, continua, Lou, — acelero minha
masturbação, e por um momento ela para, observando-me. — Não,
pelo amor, continua. — Eu imploro, e ela volta a fazer o carinho, me
deixando extasiado.
— Está gostoso?
— Só continua, não para, por favor, está gostoso pra caralho,
põe mais um dedo — ela me olha assustada.
— Nick...
— Venha, eu aguento.
Rebolo meu quadril em seus dedos quase inteiros em mim,
sentindo o calor se acumular em minhas bolas e no meu pau.
— Agora mete em mim, Loren — ela faz o que peço, a
pressão da próstata junta-se a das bolas, eu aperto o meu pau,
acelerando a punheta, sentindo-a mais molhada pois meu pau está
babando de prazer. — Mais rápido, por favor, estou quase… — não
preciso de muito mais, dois toques em minha próstata é o que basta
para meu pau repuxar e expelir minha porra em jatos longos e
grossos. — Pode continuar, tem mais. Caralho, caralho,
CARALHOOOO — continuo a me masturbar com mais rapidez e
força, até sentir a pressão de um novo gozo e minhas pernas
tremem, sinto o líquido quente tocar minha barriga, fazendo uma
bagunça.
Loren ainda me acaricia, agora mais lentamente, até o último
espasmo do meu corpo abrandar.
Meu peito sobe e desce descompassado, com a respiração
errante.
— Todas as vezes que eu ver suas mãos agora, vou ficar
excitado — digo a ela quando meu fôlego volta aos poucos.
— Eu estou excitada agora, então posso dizer que estamos…
— ela procura uma palavra, e eu sorrio.
— Quites? Semelhantes?
— Isso.
— Longe disso, suas mãos ficam expostas o tempo todo,
terei que parar de te ver, ou você terá que usar luvas. — Sinto seu
tapinha em meu joelho, e seu riso baixinho me dá vontade de rir. —
Venha, vamos nos limpar.

Faço o trajeto para casa infinitas vezes mais leve, porém com
o pau duro. Dirijo com sua mão esquerda envolvida na minha direita,
às vezes mordisco seus dedos, e ela estremece.
Tomamos banho juntos na suíte da The Jungle, e não sei até
que ponto isso foi inteligente, pois minha ereção não baixou, e vê-la
pelada não estava ajudando. Porém eu queria ser cavalheiro, ao
contrário do meu pau.
Gozar com seus dedos me comendo foi uma experiência
extraordinária, mas agora eu queria me afundar nela, e até a
camisinha parecia zombar de mim quando a guardei de volta.
Quanto tempo será que eu deveria esperar para sugerir mais
uma vez comê-la ?
— Vamos pedir um fast food? — sugiro quando estamos de
volta em meu quarto.
— Você vai comer? — ela parece surpresa.
—  Estou decretando a noite do lixo, quero um hambúrguer
gorduroso, cheio de cheddar, bacon e cebola.
— Nossa, parece até mesmo um homem crescido — seus
olhos se fecham em fendas e o deboche está estampado em sua
carinha fofa —, pelo menos para pedir o seu jantar, já que para
acabar com a minha excitação…
— Pãozinho de queijo, você está sugerindo que eu não te
satisfiz? — É minha vez de estreitar os olhos.
Ela está sentada em minha cama, descalça e com as pernas
cruzadas na beira da cama.
Loren dá de ombros.
— Não pelo tanto de promessa que você fez… Achei que
você ser novinho duraria mais.
Aproximo-me dela e empurro seus ombros delicadamente.
— Eu estava tentando ser gentil indo resolver sozinho minha
constante ereção e vontade de comer sua boceta, mas você, Loren,
vai engolir sua audácia de sugerir algo assim do meu pau.
— Hmm… Não sei, como isso será possível.
— Esqueça a física de Newton, vou te ensinar hoje como dois
corpos ocupam o mesmo lugar no espaço.
Pego sua calça pelo cós e puxo-a para fora com a calcinha,
passo a mão pelo seu corpo das panturrilhas a cintura, agarrando
sua blusa e atirando-a para trás, ela mesma tira o sutiã, e eu
removo minha roupa afoito e coloco a camisinha.
— Abre as pernas, deixa eu conferir se você está pronta para
o novinho te comer… — ela faz o que eu peço, e o brilho molhado
está ali, exposto para mim. — Sabe qual o seu erro?
— Qual?
— Me desafiar, você não sabe o quão tenaz eu posso ser…
Meio da cama, Srta. Thompson, e mantenha as pernas abertas. —
Vou ao banheiro e derramo um pouco de lubrificante, desses que
esquenta, nas mãos e me sento entre suas pernas.
Esfregando as mãos começo a massagear sua virilha e
recebo um grunhido baixo.
— Um dia, eu ainda vou fazer você gritar, mas não será
hoje…
— Nick…
— O quão boa de anatomia você é?
— Sou péssima.
— Que pena, eu sou ótimo… Sei por exemplo que aqui são
seus pequenos lábios — acaricio o lugar — e todos livros de
biologia ensinam isso… Sabe o que eles não ensinam?
— Nicolas… Vamos logo.
— Shiu, odeio ser interrompido quando estou dando aula…
Mas voltando: o que ninguém te conta é que aqui atrás temos o que
chamamos de raiz do clitóris, e elas se prolongam até aqui — paro o
dedo no fim dos grandes lábios — e anexo a elas, temos os bulbos
do vestíbulo, ou bulbos dos clitóris — subo e desço meus dedos
pressionando com um pouco mais de precisão o local, sentindo as
ondulações preenchidas — é um corpo cavernoso igual ao pênis,
que se enche de sangue quando você fica excitada… — esfrego a
mão quente e escorregadia por ela, de cima para baixo, sentindo
seu corpo vibrar.
— Merda, Nicolas, para com isso — ela geme.
— É para parar ou continuar?
— Continuar.
— Estou quase finalizando esse slide, baby… De fato quando
você tem a impressão da sua boceta estar inchada, ela está. Meu
veredito é que a sua boceta está inchada pra caralho, agora a
pergunta é: Você quer dar pra mim?
— Sim.
— Tsc, tsc, tsc… Resposta completa e justificada, Pãozinho
de queijo. O acréscimo de palavras de baixo calão adiciona dois
pontos.
— Eu quero dar para você.
— Você ficaria tão mais gostosa se soltasse um palavrão,
mas meu pau está doendo, e deixarei você de recuperação, talvez
em uma prova oral. Venha cá, Loren, senta no colo do novinho. —
Puxei-a pelos braços e faço-a sentar enganchada em mim, com os
peitos à disposição.
Por estar tão molhada e com lubrificante, ela desliza em meu
pau sedento, e eu realmente não poderia dormir sem isso.
Minhas pernas cruzadas em lótus lhe dão mais conforto de
descer e ter meu colo alto para sentar. Seguro sua cintura e ajudo-a
a subir e descer.
Seus seios balançam com os movimentos e é a visão do
paraíso.
— Nick, chupa…
— Se você falar um palavrãozinho, eu chupo.
— Nicolas…
— Estou só esperando…
— Porra, Nicolas, chupa meus peitos — sorrindo, aplaco seu
pedido afoito.
Somos uma mistura quente e suada de duas pessoas
tomadas pelo prazer cru, em que dois corpos buscam libertação, e
seria perfeito se eu pudesse empalá-la a mim.
Cedo demais seu corpo dá sinais de orgasmo, apertando
meu pau, esfregando-se com ganância em meu osso púbico, as
mãos fechadas em meu cabelo, gemendo e avisando que vai gozar.
Mamo mais apertado, mordendo o bico do seio, fechando
minhas mãos em sua bunda, puxando-a para baixo, elevando o meu
quadril, ela goza mordendo meu ombro para sufocar sua voz.
— Você quer mais, ou posso te encher de porra? Posso
meter em você até você gozar de novo — isso é fake news, mas ela
não precisa saber disso.
— Não, misericórdia — arremeto mais rápido, em metidas
curtas, liberando meu gozo dentro dela.
— Eu não pedi misericórdia… Aguento mais uma ou duas, e
você? — provoco-a.
— Preciso comer — sua barriga ronca, e eu gargalho.
— Eu ia te oferecer minha bunda, mas o monstro do Lago
Ness parece estar morando dentro de você.
— Não é nada educado apontar as necessidades fisiológicas
das pessoas.
— Desculpe-me, tentarei ser mais principesco deixando-a
tomar banho enquanto peço comida para acalentar o pequeno Ness
do seu estômago, tenho certeza de que é ele que as pessoas viram
naquele lago — ela me morde, rindo.
Quando foi a última noite em que eu passei do sexo quente
para a tranquilidade em poucos minutos?
Nicolas Amaral
Seria possível, Loren, fagocitar[35] meu pau para dentro de
sua boceta?
Pois, eu não vejo outra alternativa para sanar minha vontade
de tê-la empalada em mim a todo tempo.
Vlad Drácula estaria sentindo inveja de mim agora.
Com a Pãozinho de queijo em minha vida, foi abortado o ano
sabático. Se antes era difícil manter-me afastado dela, agora não
tinha como mesmo.
E mais do que em qualquer momento da minha vida, eu
anseio pelas férias. Diferente de antes, que provavelmente iria
hibernar em meu quarto com Elden Ring[36] por vinte dias inteiros,
essas férias gostaria de passar trepando.
Bom, se convencesse a Loren disso, pois nosso sexo matinal
de segunda foi a última vez que meu pau esteve detro dela, e ele
está sentindo falta.
Ser adulto é um porre!
Ser professor, nas últimas semanas de junho, é pior ainda,
todos querem férias, os alunos, a secretaria, eu…
E Loren não está aqui a passeio. O museu ficar fechado a
semana passada atrasou seu cronograma e, com o tempo apertado,
ela não podia se dar o luxo de transar comigo loucamente.
Para falar a verdade a única putaria que estava acontecendo
era com a minha escrivaninha lotada de relatórios para corrigir.
Além dos beijos, minha única companhia foi a minha mão
essa semana.
— Boa tarde, Flor mais linda do meu jardim! — beijo a
cabeça salpicada de fios brancos.
— Ôh, minino, onde cê se infiou?
— Uai, Flor, estava trabalhando em BH. Cheguei segunda à
tarde, hoje eu vou de novo.
— E tá aqui pro modo de quê intão? Vai vuar, daqui até lá?
— Vim pegar a Loren — A reprovação está estampada em
seu rostinho marcado pelo tempo e sinto um calor se acumulando
em meu rosto —,fiquei de levá-la para a festa junina da universidade
onde eu trabalho — busco me justificar. Não sei por que sinto a
necessidade de não deixar explícito para a doce senhora que eu
transei com Loren.
— Vi ocês na festa daqui ça semana…
— Somos amigos, estou mostrando para ela algumas coisas.
— Minino…
— Boa tarde, Flor! — Loren chega na recepção, salvando-me
de um sermão de mãe, abençoada seja essa mulher.
— Oi, Lo, cê tá boa ,fia?
— Sim, e você?
— Tamém… Nick disse que vai levá ocê em Beagá, pede
esse trem pra te levar nu forró du maleta.
— Anotado, agora temos que ir, senão meus alunos atrasam,
e eu quero tirar férias, beijos, Flor — pego a mala de mão de Loren,
e conduzo-a pelas costas.
— Boa tarde, Loren, Nicolas — Quésia nos cumprimenta
quando passamos.
— Boa tarde — Loren a responde, e eu só balanço a cabeça.
— Por que parece que estamos fugindo?
— Porque estamos, quer dizer, eu estou fugindo da Flor. —
Beijo a sua testa e em seguida mordo sua bochecha. — Como
passou a noite? Dormiu bem?
— Pouco, minha menstruação está para descer, comecei a
sentir cólicas.
— Sabe o que é bom para cólicas?
— Advil?
— Sexo!
— Nick!
— É sério, cientificamente comprovado… As endorfinas,
serotoninas…
— Qual a programação do fim de semana?

Sempre que havia festa na república, eu participava.


Durante os quatro anos da graduação, fiquei inteiramente
isolado desses ambientes.
Nos primeiros, eu morava na pousada, então meus fins de
semana, quando não ia para casa, passava a potes de sorvete,
videogame portátil ou The Sims, talvez uma série ou um livro que eu
não conseguia pegar durante a semana por estar inserido em uma
ou duas iniciações científicas.
Aos vinte anos algumas coisas mudaram, mas eu preferia
muitas vezes estar em meu quarto fazendo qualquer coisa de antes,
do que estar em uma festa, muitas vezes.
Porém, uma coisa não mudou: Eu amava festas juninas, e
para ir nelas, não precisa ir até uma república, pois elas aconteciam
livremente da segunda quinzena de junho até a segunda quinzena
de julho na cidade.
Eu não conseguiria levar Loren nas festividades
ouropretanas, pois eu estou fora aos fins de semana, então decidi
trazê-la até o maior evento de festa junina do estado.
Funciona como um desfile de escola de samba, com a
premiação e as escolas disputando, mas são coreografias juninas.
— Então, o que você está achando?
— Eu nunca imaginei que o Brasil tivesse tantas
comemorações. Geralmente, nós, os estrangeiros, só conhecemos
o Carnaval. Mas isso aqui… — ela olha encantada para as
bandeirinhas e luzes que estão dispostas acima de nós — é
fantástico.
— É a melhor época do ano! As melhores comidas. Venha,
vamos nas barraquinhas.
Arrasto Loren de um lado para o outro, de barraquinha em
barraquinha, fazendo-a experimentar as mais diversas comidas, das
doces às salgadas, ela se esbalda.
— Eu estou com sede, acho que devo limitar os meus doces,
mas isso é tão bom! — ela solta um gemidinho comendo pé de
moleque da mão direita, com uma cocada na esquerda.
— Fique aqui, não saia, ou irei perdê-la, vou buscar água e
volto já.
— Sim, ficarei aqui.
A fila está um pouco grande, como é de costume nesses
eventos, mas a fila de bebidas sempre se desenvolve mais rápido.
Mal se passaram cinco minutos que a deixei na barraquinha
de doces, porém percebo que algo está errado antes mesmo de me
aproximar dela.
Loren corre os olhos por todo o lugar, mantém os braços
cruzados e com cara de poucos amigos.
Percebo uma figura mais alta que ela, o que não é difícil, e
mais baixa do que eu bem próximo dela.
— Meu boyfriend está próximo — ouço sua voz, misturando o
inglês com português, como da vez em que estava nervosa pela
aranha. Sua fala nada mais é do que ela tentando se esquivar da
atenção indesejada.
— Seu namorado? Onde ele está agora?
— Oi, amor, demorei? — corto sua fala, e seus olhos
ameaçam transbordar de alívio.
— Nick! — ela se aproxima, se jogando em meus braços.
— Algum problema aqui, amigo? — pergunto ao cara, muito
bem vestido, muito bem apessoado que estava a incomodando.
— Não, cara, me confundi, pensei que ela estivesse sozinha.
Eu quero falar muitas coisas, tipo: foda-se que ela estava
sozinha, ela não parecia querer algo ou então queria fazê-lo pedir
deculpas a ela, mas Loren estremeceu em meu abraço, e eu me
importava mais com ela, do que com qualquer outra coisa.
Ele se afasta, talvez não tenha bebido o suficiente para
querer arrumar uma confusão.
Beijo os cabelos gelados de Loren, e a aperto em mim.
— Está tudo bem, Pãozinho de queijo, eu estou aqui,
ninguém vai fazer nada com você. — O choro dela é baixo, mas,
pela nossa proximidade, consigo ouvi-lo.
Com Loren aconchegada a mim, decido ir embora, pois
claramente não há mais o que fazer aqui.
Ela não pergunta onde estamos indo, só me acompanha.
Dentro do carro, ligo o aquecedor, e resolvo levá-la para
longe da agitação, da multidão e som alto.
Subo a principal avenida da cidade, até um dos pontos mais
famosos, onde se encontra de tudo um pouco.
Aos pés da Serra do Curral, conhecida como Praça do Papa,
a praça com mais de 1.100m de altitude nos concede uma das
visões mais ímpar da cidade. Conhecida não só por isso, mas como
também um dos lugares mais diversos, pois é um ponto de encontro
de todas as tribos, principalmente à noite.
Estaciono o carro, desço e abro a porta para ela, conduzindo-
nos de mãos dadas até um espaço no gramado, coloco-a entre
minhas pernas, percebendo como gosto dessa posição, abro a água
e entrego a ela calado.
Ainda ouço alguns suspiros vindo dela quando beijo o seu
pescoço, depois dela se aconchegar em mim, seguro as suas mãos
com as minhas.
— Conheci Louis Logan na faculdade, eu tinha dezoito anos
— a voz baixa dela começa a contar —, havia feito um ótimo
primeiro ano, fui uma caloura aplicada, que vivia a vida de acordo
com a idade…—  ela solta um suspiro, e percebo que talvez o que
escutarei aqui, mudará completamente minha visão de mundo daqui
em diante.
— Loren, você não precisa reviver essas coisas.
— Eu sei — ela me olha e bebe mais da garrafinha. —
Participei de uma mostra de profissões, várias startups e empresas
de todos os portes buscavam estagiários ou prodígios para recrutar,
era uma boa oportunidade para todos, os que precisavam de
dinheiro para manter o alojamento, ou os formandos desesperados
por uma oportunidade.
Ela suspira, e estremece. Não sei se de frio ou ainda de
choque.
— A Logan’s Lawyers é bastante renomada. Uma associação
de advogados de uma família que é influente no meio, e segue por
pelo menos quatro gerações, não é algo pequeno. Eu estava
passando pelos stands, quando o vi. Louis Logan havia se formado
há um ano, e foi designado para recrutar pessoas para a empresa
onde os pais, tios e alguns primos atuam.
Ela se vira em meu colo, de frente para mim, olhando bem
dentro dos meus olhos.
— Eu nunca acreditei em amor à primeira vista, e até hoje
não acredito. Porém Logan era um cara insistente, não aceitava um
não como resposta e muito bom de persuadir, é inato nele, pelo
menos parece. Acho que ele me viu ali e decidiu que eu seria sua,
ou algo assim. Um dia, depois de muita insistência, aceitei sair com
ele, e foi o melhor encontro da minha vida.
Ela sorri sem humor, e morde o lábio inferior.
— Meus pais nunca foram ricos, mas nós sempre vivemos
muito bem. Sou filha única como sabe, e eu não precisava trabalhar
durante a graduação ou passar qualquer dificuldade para custear o
alojamento, mensalidades ou material didático. Meu pai era CEO de
uma mineradora de carvão, e minha mãe CFO da mesma empresa.
Eles prestaram serviço nessa empresa por muitos anos, e se
aposentaram no ano passado.
Loren olha para a Belo Horizonte brilhante sob nossos pés,
respira fundo e continua.
— Foi o melhor encontro, pois eu fantasiei anos da minha
vida sobre o encontro perfeito. E, aos quase dezenove anos, os
caras da minha idade estavam comigo na faculdade, me levavam
para festas em fraternidades ou alojamentos, bebíamos cerveja
quente e aguada, definitivamente, não era o encontro perfeito.
Logan me levou ao melhor restaurante do Condado de Oxfordshire,
me ensinou sobre vinhos, qual formato de massa combinava com
qual molho e qual harmonizava com o vinho ideal.
Percebo que seus pensamentos não estão em mim, pelo
contrário, estão talvez na Inglaterra de alguns anos atrás.
— Ele abriu a porta do carro, não avançou sobre mim, como
a maioria dos caras que me levavam para sair faziam e, no fim da
noite, Logan só selou nossos lábios, castamente. Faz parte de você,
Nick, toda a intensidade e seu jeito expansivo… Mas eu sempre fui
isso aqui. Acho que não conseguimos fugir muito do que somos.
Emma é como minha tia, faz amizades com todo mundo, em
qualquer lugar, no fim da noite ela marca um after, e comparece,
Emma sempre foi assim, desde a escola. Mas eu sou como minha
mãe, vou e me divirto com as pessoas que foram comigo, não
compareço ao after, se tenho uma festa no fim de semana ou
qualquer evento, uma semana antes estarei na cama mais cedo, e
ficarei com meus livros, na comida de aplicativo e sei que está tudo
bem…
Ela mais uma vez demonstra o amor e carinho pela prima, e
elas parecem ter o que eu tenho com Cadu.
— Sabe o problema da fantasia, Nick?
— Não. Qual?
— Ela vai durar algumas páginas e depois ela acaba. Os
contos de fadas só vão até o casamento — ela sorri amargurada —
e deve haver um motivo específico para isso. Exatamente como
meu relacionamento. Logan foi o meu sonho até o sim. Depois ele
se transformou no meu pior pesadelo…
— Loren…
— Ele apressou o casamento e aos dezenove anos me vi em
um vestido dos sonhos, com a cerimônia dos sonhos, foi perfeito.
Até embarcarmos em um avião rumo aos Alpes Suiços. O primeiro
problema foi meu traje para a viagem, que foi escolhido com tanto
carinho por Emma, foi um presente, como a lingerie da noite de
núpcias. Ele julgou inapropriado, o que causou uma estranheza,
pois eu não ia me vestir para nenhum outro homem. Começou com
uma roupa, e depois com os nãos. Sendo uma esposa de um
renomado advogado eu não devia sorrir para outro homem, não
deveria usar roupas curtas, maquiagens ou até mesmo cortar o
cabelo, a não ser que ele solicitasse e eu só poderia caso estivesse
junto.
— O que você pensou que fosse?
— Não sei, talvez um ciuminho, ou um charme. Eu havia
consumido romances demais na vida, para romantizar até isso.
Éramos um casal jovem, deveríamos transar o tempo todo, termos
cafés da manhã mágicos na cama, encontros com os amigos para
jantares e baladas. Primeiro foi isso, uma mísera roupa. Depois ele
me persuadiu a trancar a faculdade que meus pais pagavam,
lembro-me do meu pai insistir em conversar com ele, mas Logan
persuadiu que era por um ano, para eu me adaptar a vida de esposa
de um grande advogado. Renomado como ele era, dizia precisar de
mim, hoje sei que Logan só queria uma esposa troféu.
Estou tão inerte que ela me olhou para ver se estou
prestando atenção no que ela falava, sinto-me preso em uma
paralisia temporária, como um sonho que você quer fugir, mas não
tem controle dos membros.
— Foram onze anos de relacionamento, dez anos e meio, foi
o meu maior pesadelo, o qual me desencadeou gatilhos diversos.
Eu fui tão burra, quem se casa com seis meses de namoro? Aos
dezenove anos?
— Loren, você não foi burra…
— Fui! Eu fui, Nicolas! Tinha internet, tinha rede de apoio,
como deixei que ele levasse minha autoestima? Por que permiti
isso? Que mundo paralelo foi esse que vivi, no qual achava normal
ser comandada por outra pessoa? Logan fez comigo o que eu não
desejo a ninguém, ele me roubou de mim. Logan não me deixava
ver meus pais, ou Emma! Eu não podia usar roupas que ele não
pré-aprovasse… Nós íamos a todos os lugares que ele queria, e
eu? Onde estava o meu querer?
— Como você saiu disso? — Não sei por que meu coração
batia fraco e frio ouvindo-a contar sobre um tempo em que eu não
sonhava em conhecê-la, mas era assim que  estava.
Eu já deixei-me ser dominado por terceiros a ponto de não
gostar de mim mesmo, a ponto de não querer viver tamanha minha
dor.
Meus olhos estão lacrimejando, pois só quero nesse
momento colocar Loren em uma estufa, e tratá-la como a mais rara
espécie que sei que é. Neste momento só quero ser um macrófago,
engloba-la e protegê-la de quaisquer males do mundo que possam
atingi-la de alguma forma.
O que isso diz sobre nós, neste exato momento?
— Nossa casa tinha empregados para tudo, e elas eram as
poucas pessoas que  tinha contato, acabamos criando uma certa
amizade logo no começo do meu matrimônio. Eu cedi a Logan, se
ele queria que ficasse em casa no primeiro ano, para depois
retornar a graduação, tudo bem. Mas não queria ter filhos ainda,
queria viajar, conhecer o mundo, curtir a relação, ser professora na
graduação ou pós-graduação em uma instituição renomada, filhos
sempre estiveram nos meus planos, aos trinta e um ou trinta e dois
anos…
Pressiono-a em meu abraço, pois de alguma forma, parece
que o que ela me disse até agora, não foi o pior que vou ouvir disso
tudo.
— Um dia liguei para minha mãe, e pedi que ela me enviasse
dezesseis libras por mês em minha conta bancária. Era uma quantia
de dinheiro estranha, mas ela não questionou. E então sempre
pedia uma das moças que trabalhavam lá para comprar meu
anticoncepcional. Foram anos tomando, algumas vezes Logan me
questionava porque eu não engravidava, e sempre dizia que às
vezes não era a hora, mas dizia que era bom, pois minha graduação
estava trancada ainda, e ele não argumentava.
Uma pequena lágrima desce pela sua bochecha esquerda e
eu a seco.
— Eu estava cansada depois de anos daquela vida, de um
regime semiaberto, quando  percebi estava com vinte e oito anos,
nem mais assunto eu tinha para tratar com as esposas dos amigos
dele. Elas viajavam, juntas ou separadas dos maridos, e eu não.
Elas tinham amigas e faziam coisas que até então só vivi em meu
pensamento. Foi quando bati o pé que queria voltar a estudar, e
começamos uma guerra dentro de casa.
— Ele bateu em você? — pergunto com medo da resposta.
— Não. Mas às vezes eu preferia que sim, talvez soubesse
lidar melhor com a dor física do que a psicológica. Brigávamos mais
do que tudo, e eu sempre ia atrás dele me sentindo culpada. Nossa
relação sexual já não me satisfazia há tempos, mas sempre
concordava que ele transasse comigo, quando Logan gozava, eu
podia dormir.  Dois anos de brigas, deixam qualquer pessoa
exausta,e eu estava exausta, de fato. Quase onze anos disso, e eu
já com trinta anos. O divórcio já havia passado em minha cabeça
por diversas vezes, mas nos dois últimos anos, vivi com ele para
pedir o divórcio, não entendia por que ele não me deixava ir. Foram
dois anos no inferno.
— E então… Ele deu? — Ela sorri amarga, e suspira.
— Nicolas, deixe a ingenuidade para Loren de trinta anos,
quebrada e perdida de si mesma. Ele não deu. Logan chegou tarde
em uma sexta-feira chuvosa, remexeu as minhas coisas, e viu o
meu anticoncepcional. Ele me acordou, naquela noite Logan deve
ter acordado o condomínio todo, tamanho os seus gritos. Rompeu
toda a cartela do medicamento e jogou os comprimidos no vaso, e
disse que faria um filho em mim naquela noite.
— Pãozinho de queijo…
— Poderia resistir e me machucar, eu tenho 1,54m e pesava
55kg na época. Ao contrário de mim, Logan tinha 1,80m, pesava
90kg. Ele fez o que quis comigo. Quando acabou, subi a calça do
meu pijama, e corri porta afora. O condomínio tinha o próprio
sistema de táxi, parei o primeiro que eu vi, dei o endereço da Emma.
Em, teve que pagar o táxi, pois só tinha as roupas do corpo, e elas
estavam ensopadas. Sem contar que eu me senti tão violada que só
queria tirar aqueles panos de mim. Essa foi a gota d’água que fez
meu copo transbordar. Foi assim que a Loren, de trinta anos, quase
trinta e um, voltou para a graduação, e a de trinta e seis está aqui
contando essa história.
— Você, Loren Thompson, é foda. Foda pra caralho! —
Aperto-a em meu abraço, e beijo seus lábios delicadamente.
— Eu tento ser. Não é fácil sair de um relacionamento
abusivo, hoje sei disso.
— Não! Você é. E é por isso, Loren, que esse mundo é todo
seu, e não existem barreiras para você, meu bem. Não me restam
dúvidas que o mestrado não é nada, é só o começo. Depois virá o
doutorado, o PhD, e o que mais você quiser. Feliz daqueles que te
terão como professora. — Agora eu consigo entender porque seus
olhinhos brilham quando ela assiste a minha aula, como se
empolga, independente do assunto tratado. Ela quer viver isso.
E é isso que mantém todos os professores em sala de aula. É
o amor.
Nossos salários não são ¼ do que deveríamos ganhar,
nossas cargas horárias extensas, nossa classe desvalorizada, mas
é o amor que nos faz sair da cama, faça chuva ou faça sol. Esse
prazer, o gozo de saber algo e ensinar, é o que nos motiva todos os
dias.
— Ainda não sei… — ela sorri pequenino e se vira para mim
— acho que vou acabar o mestrado, ter meu bebê e aí verei o que
eu quero fazer. Não posso ignorar a biologia, trinta e seis anos, já
devo começar a pensar nisso. Uso DIU há cinco anos, talvez
quando voltar para Londres, e tirá-lo para manutenção não o
recoloque  e comece o processo de fertilização.
— Você é jovem ainda — ela revira os olhos —, é sério,
Pãozinho de queijo. Como estão os últimos exames?
— Muito bons, nunca tive nenhuma IST, os ovários e óvulos
de acordo com a médica estão saudáveis, ou seja, só falta o bebê!
— Viu só? Tudo certo para você me fazer tio! — por um breve
momento, meu coração para de bater, pensando na possibilidade
dela ter filhos com outro, o que não faz sentindo nenhum. Eu espero
o quê? Que Loren se apaixone por mim e que tenhamos filhos?
Nicolas, acorda! Em que fanfic você ficaria com essa mulher? Volto
do meu pequeno devaneio, mordo sua bochecha, e ela se remexe
reclamando — Mas o que eu quero dizer, é que… Acima de
qualquer coisa, Loren, você é foda, sua força é única. Coisas ruins
aconteceram com você, e eu só posso ser empático sobre, porém
estar aqui hoje, me mostra, te mostra, que não existe limites para
você. Então independente da ordem dos fatores, se o bebê vier
antes ou depois do mestrado ou doutorado, você vai ter o que quiser
ter, pois o mundo não é o seu limite. 
— Não sei, Nick… O cara hoje só tocou em meus ombros, se
aproximou e perguntou se eu estava acompanhada — ela parece
frustrada.
— Nem sempre vai ser fácil, Loren, mas você não pode se
esconder e deixar que as inconstâncias te pare. Todos temos dias
bons, dias ruins. Para ser justa com você mesma, o ideal é que não
coloque em uma balança o que foi sucesso ou não. Quando algo
sair da forma que não esperava, trate da forma que der para tratar,
se for fugindo, gritando… Faça, processe e depois use como
experiência.
Uma vez li um livro chamado The Play[37], da autora Elle
Kennedy, e uma frase me marcou profundamente: “Ninguém tem
um trabalho mais difícil do que o homem que vem depois do traidor.”
Essa é uma das minhas passagens favoritas desse volume,
quando Hunter Davenport descobria e expressava seus sentimentos
por Demi Davis, — personagem que foi traída pelo ex-namorado, —
que mesmo gostando de Hunter, sentia-se insegura, estando em um
relacionamento saudável, com um homem completamente diferente,
que a amava e respeitava.
Loren é uma pessoa incrível que merece o melhor amor do
mundo, e se eu adorava esse quote antes, agora ele se tornou mais
especial, porém modificaria para: Ninguém tem um trabalho mais
difícil do que o homem que vem após qualquer pseudo-homem.
Pois para ser um homem de verdade não é só carregar um
pênis como genitália.
Ela suspira e assente.
— Aqui é lindo — percebo que esse assunto não é o seu
preferido no mundo, e nem deveria ser. Eu mesmo só ouvi o relato e
quero mudar de assunto.
— Oras… É um: Belo Horizonte. — Ela me olha chocada e
gargalha.
— Tudo faz sentido agora!
— De dia ainda é mais bonito!
— Obrigada — ela diz após um tempo inseridos em nosso
próprio silêncio.
— Pelo quê?
— Não sei ainda. Talvez por tudo até aqui. Você me tira da
minha zona de conforto, e percebo que há muito tempo eu não me
sentia bem explorando coisas novas. Vou sentir sua falta em
Londres.
— Do que você vai mais sentir falta?
— Hmm, das informações biológicas, com certeza.
— Achei que seria do meu pau incrível… Tsc, tsc…Me leve
para morar com você, é bem simples de resolver.
— Vamos arrumar a papelada para isso! — ela gargalha.
— Com todo prazer, milady! — Pisco para ela, e busco em
minha mente um assunto banal para fazê-la rir e espairecer sobre
toda essa aura pesada que paira sobre nós  — Hey, sabe como é
feita a fertilização in vitro?
— Céus! Não.
— É incrível, a gente suga o esperma com o canudinho e…
Loren Thompson
— Não seria legal?
— Nick, isso seria medonho!
— Pãozinho de queijo, imagine só… O seu sonho virando
realidade dentro da realidade!
— Você sabe que se continuar falando, eu vou demorar ainda
mais, certo?
— Eu só estou te falando que se Uma Noite no Museu fosse
uma possível realidade, adoraria transar com a Cleópatra, li relatos
que ela era linda, sem contar que era uma rainha. — Nicolas está
sentado no para peito da grande janela do Museu da Inconfidência
enquanto eu tomo nota de alguns objetos expostos na última sala do
segundo andar, e vem me distraindo há pelo menos uma hora,
quando ele chegou para me buscar, pois vamos à mostra de
cinema, que faz parte do festival de inverno da cidade. — Vocês
historiadores são muito céticos.
— Cuidado, o feitiço pode virar contra o feiticeiro, menino do
Big Bang. — Ele se finge ofendido, e eu gargalho.
— Vai demorar muito ainda?
— Você perguntou isso há vinte minutos, e eu disse que
faltava pouco.
— A Jamile já foi embora há quase uma hora, o museu
fechou há quase duas…
— Você deveria estar na sua casa lendo, corrigindo provas,
lançando nota… Você disse que está doido para sair de férias? —
reviro os olhos para ele, enfatizando como vem falando isso nas
últimas semanas.
— Na minha casa não tem sua bunda transitando de um lado
para o outro… A visão daqui está fantástica, continue.
— Nicolas…— antes que eu termine a frase e me vire para
repreendê-lo, sua boca está colada na minha, sugando meus lábios
com fome enquanto sua língua explora-a.
Existe uma grande diferença entre uma noite completamente
casual, e o que está acontecendo aqui.
Eu não estou acostumada a ter um amigo com benefícios,
como Emma costuma chamar os caras com quem ela mantém
maior atividade sexual, por um tempo relevante.
Já houve situações que eu gostei da transa e voltei a ficar
com o cara, porém nunca houve essa… Necessidade disso.
Por Deus, eu estava menstruada e excitada — isso nunca me
ocorreu antes! Depois do segundo ano de casamento, amava ficar
menstruada, Logan se mantinha distante por sete dias inteiros — …
E se eu não parasse com os amassos de segunda a noite, eu
provavelmente teria transado com Nicolas, pois ele mesmo parecia
estar pouco preocupado com os lençóis.
Isso… Esse desejo, esse estado de excitação constante, a
vontade de um remember, me transforma em uma Loren de dezoito
anos, na faculdade pela primeira vez.
Estaríamos assim pela nossa convivência amigável?
Nicolas me reduziu — ou ampliou — a uma, quase, amante
voraz.
— Eu não aguento mais bater punheta, Loren, preciso estar
dentro de você — ele diz mordendo meu pescoço e o colo.
— Nick, o segurança…
— Eu estou pouco me fodendo para o segurança, Loren, olha
isso — ele esfrega sua ereção crescida em mim, sua língua passeia
por minha orelha me fazendo gemer —, quero tanto te comer, me dê
um motivo para não te jogar sobre essa cama e me fartar de você…
— Essa cama tem mais de trezentos anos? — consigo
raciocinar e respondê-lo.
— Ela pode facilmente quebrar sozinha, se é tão velha
assim… — sua boca atrevida morde o meu pescoço, e me arrepia.
— As câmeras, Nick, pelo amor de Deus — uma de suas
mãos já está em meus seios e a outra já tira a prancheta com as
minhas anotações.
— Você não gostaria de dar um show para o seu Geraldo?
— Você perdeu o juízo? — Quem está prestes a perder o
juízo sou eu com essas mãos que parecem ter mil dedos passeando
por baixo do meu vestido.
— Perdi, e isso tem muito tempo — ele começa a me
conduzir, e para dentro do banheiro do museu —, se o problema era
câmera, acabou. Me fala, sua menstruação acabou? Não que eu
ligue para isso…
— Sim! — tomo a sua boca na minha, e em instantes estou
sentada sobre a pia do banheiro.
— Puta que pariu, eu quero tanto comer você…— ele abre
sua calça, abaixa sua cueca e seu pau robusto salta excitado.
Como da primeira vez que eu o vi,  minha boca saliva, mas o
local e espaço me restringe.
Nicolas tira o preservativo do bolso, desliza-o sobre seu pênis
com habilidade, vindo até mim com fome, tomando minha boca e
abaixando meu sutiã para acariciar meus mamilos.
Seguro em sua blusa, querendo tirá-la, pois existe algo nele,
talvez a delicadeza dos músculos delgados e bonitos ou então as
tatuagens coloridas que ele tem espalhadas, que elevam meu
estado de excitação.
Com pressa ele levanta os braços para que eu a tire.
Deslizo minhas mãos pelos ombros nu, para então tocar o
peitoral e abdômen que faz morada em meus sonhos, tomo-lhe o
pau, masturbando-o enquanto suas mãos sobem meu vestido e
arrancam meu sutiã.
Desço minhas mãos para suas bolas, e as acaricio,
aproveitando a proximidade do períneo onde afago morosamente.
— Merda, isso é tão gostoso… — ele morde meu seio, em
seguida colocando-o quase todo em sua boca grande, sugando-o
como se sua vida dependesse disso.
— Nicolas… — meu corpo está arrepiado com suas carícias,
sinto minha calcinha pesar,  só quero-o dentro de mim.
— Eu… — ele arremete entre meus dedos algumas vezes,
suas mãos passeiam pelas minhas costelas, parando na lateral da
minha calcinha onde ele arrebenta a tira de um lado, e antes que eu
pense e proteste, ele faz o mesmo do outro.
— Hey!
— Estava atrapalhando — ele dá de ombros como se não
fosse nada —, posso comprar uma dúzia dessas depois, agora abre
as pernas para mim — ele eleva minhas pernas, separando-as o
máximo que ele consegue.
Sua arremetida direta me faz grunhir, e apertá-lo em mim,
cruzando as pernas em suas costas, parando-o até que eu o
acomode por inteiro.
— Inclina para mim, Pãozinho de queijo, quero te mamar
enquanto eu te como… — ele empurra meu tronco até que minha
cabeça encoste na parede, e faço o que Nick me pede.
Nicolas se curva mais, abaixa-se e lambe do meu abdômen
até  minha boca, voltando a beijar-me com fome, suas mãos
grandes me suspendem minimamente pela cintura e então ele me
gangorra em seu pau.
Sua boca engole o meu gemido, sinto meus seios pesarem
de desejo, esfrego-os em Nicolas e ele morde minha língua.
Empurro sua cabeça para baixo, ele sorri parando o beijo e
indo até onde eu quero, chupando meus mamilos com delicadeza,
fazendo sua língua circulá-los, voltando a mamar nele.
Solto minhas pernas de suas costas e as coloco sobre a pia,
pois já me acostumei com ele, e suas carícias me fazem babar a
sua volta.
— Você fica tão gostosa assim, aberta, dando para mim —
sua boca vai até meu ombro onde ele às vezes suspira, mas
principalmente desliza os lábios com delicadeza até meu pescoço, 
ora com a língua, ora sem, e esse carinho me excita mais, se
possível.
— Nicolas, mais… — eu tento me mexer, mas a posição não
facilita.
Nicolas leva a sua mão até meu clitóris e o prende entre o
indicador e polegar, deslizando-o entre eles com um pequeno
apertão.
Meu corpo se arrepia, sinto-me pulsar em sua volta, e quero
desesperadamente gozar.
— Shh, você não pode gemer aqui — ele sussurra em meu
ouvido, mal percebo que eu estava fazendo. — Vou ser piedoso e
comê-la rápido, mas terminando aqui nós vamos para minha casa.
Põe sua boca em meu ombro, pode morder, gosto disso. — Faço o
que ele pede, não confiando em mim mesma imersa no estado de
torpor.
Nicolas prende minha cintura, entrando e saindo de mim
rapidamente, esfregando meu clitóris em seu púbis, seu pau
tocando-me ao fundo, de forma que sinto-o sua cabeça avantajada
esfregando-se em minhas ondulações.
Nicolas goza gemendo baixinho, suando sob minhas mãos,
sem parar de arremeter por completo, ele volta a carícia em meu
clitóris inchado conduzindo meu orgasmo, que estremece minhas
pernas, e as fazem tremer, gozando e mordendo seu ombro.
— Mais duas transas comigo, você poderá encher um cilindro
do grito. — Eu não me recompus por inteiro, estou sob um
anuviamento que nos acomete pós-orgasmo, então não faço a
mínima ideia do que ele está falando.
— O que, Nicolas?
— Como em Monstros S.A, em que eles trabalham enchendo
os cilindros de gritos para converter em energia. Você é quase uma
Sullivan. — Seus ombros vibram enquanto ele gargalha, e eu acerto
um tapa em seu ombro.
— Você não vai parar com isso? De me deixar sem graça?
— Pãozinho de queijo, você não pareceu sem graça agora a
pouco. E não, não vou parar. Quero deixá-la sem graça mesmo
ajoelhada e apanhando com meu pau.
— Céus, Nicolas!
— Tem alguém aí? Dona Loren?
— Puta que pariu — Nicolas fala sem som algum, saindo de
mim, tirando o preservativo e vestindo a calça. Ele coloca meu
vestido em mim, ajeitando meus peitos no sutiã.
Estou tão estagnada, que tenho medo de me mexer e fazer
mais barulho.
— Oooooi?
— Responde — Nicolas diz baixinho, me descendo da pia.
— O-oi, Geraldo, sou eu. — Abro a porta e corro até o topo
da escada. O vigilante educado está com as mãos no bastão em
sua cintura parado no primeiro lance de escada.
— Dona Loren, que susto uai. Fui no banheiro, fiquei com
medo de alguém ter entrado para arruaçar aqui.
— Ôh Geraldim — Nicolas para ao meu lado, sorrindo para o
bom guarda —, eu quem atrapalhei seu trabalho, contei pra Loren
uma piada. — Sério, Nicolas? — Me desculpe.
— Uai, professor, cê tá aqui! Carece desculpa não menino, só
fiquei preocupado. Sabe como é esses estudantes daqui, não perde
uma oportunidade de querer fantasiar aqui dentro.
— Um bando de depravados! — Nicolas conduz a conversa
— Mas nós já estamos indo embora, aí o senhor fecha tudo e fica
tranquilo.
— Me dá tchau antes de ir —ele levanta a mão se
despedindo e descendo.
— Se você for ficar tão vermelha assim, sabe que vai
denunciar a gente, certo? — Nicolas beija minha testa e sorri.
— Você tem que parar de me conduzir para essas
depravações e…
— E você é a mais velha, então eu sou o conduzido. Vamos?
Ou você quer experimentar a cama de mais de trezentos anos?

— Sério que você nunca pensou nisso?


— Não, quem pensa nisso, Nicolas?
— Loren, tudo nessa vida tem nome…
Nicolas me chamou para almoçar com ele —  após minha
reunião com André, na qual discutimos um pouco sobre meus novos
resultados de pesquisa. — Eu deveria ter sido sensata, e ter dito
não? Deveria.
Mas aqui estou eu, sentada em um restaurante quase em
frente a pousada da Flor, comendo Risoto de queijo canastra,
discutindo com Nicolas nomes de nuvens.
— Bom, de fato nunca parei para pensar. Acho que eu não
observo o céu, não sou dessas pessoas, me limitei a deixar a minha
imaginação para quando pequena, em que buscava animais nelas.
— Você dizendo isso, acaba com qualquer fanfic que criei
sobre você. Onde está seu encantamento, mulher? — ele sorri
debochado. — Esse é seu problema, Loren — ele aponta o garfo
em minha direção —, parece que chegou em uma idade, apagou as
coisas legais, decidiu que é velha demais para isso e booom, essa
mulher linda, gostosa, porém fria. Let it go.
— Você não pensou isso ontem… — resmungo, mas logo me
arrependo.
Ontem depois do museu, onde em vez de eu ir para a
pousada, escrever, ou estudar, fui para o seu quarto e me perdi em
seu corpo.
— Uau! — ele faz a melhor cara de espanto — Você está
fazendo piadas sobre nossa depravação… Estou fazendo um bom
trabalho em te desvirtuar, até você voltar para a Inglaterra, você já
vai ser uma boa cadela!
— Ni. co. las! — Olho em nossa volta, mas pelo horário o
restaurante está vazio.
— Ah Pãozinho de queijo, espere só até levar minha surra de
pau nesse rostinho salpicadinho de sardas e corado… — sua
ameaça velada de promessa me aquece, e eu tomo um gole do
refrigerante. Guarapan. De acordo com a embalagem.
— Hmm, isso é gostoso.
— Sim, é cem por cento Mineiro, não vende em outro
estado… Voltando ao assunto — fecho os olhos suspirando, pois
tenho certeza que às 14h30 não é horário para falar abertamente
sobre rola na cara. — As nuvens têm nomes, essa mesmo é uma
Cumulus!
Suspiro aliviada quando ele termina a frase.
— Como chamam as que trazem chuvas? — decido seguir as
banalidades.
— Bom, tem a Nimbostratus que traz a chuva comum, e
branda. Já as Cumulonimbus trazem tempestades com raios, e
podem ter até 16 km de altura.
— O seu cérebro nunca dá memória cheia? — brinco com
ele.
— Às vezes — ele sorri e dá de ombros — Ei, eu comprei um
presente para você.
— O quê?
— Um presente.
— Por quê?
— Porque eu quis…
— Nicolas… — Ele ergue a sobrancelha e me olha com
desdenho. Resistir é inútil. Suspiro e encaro os olhos dele que
transbordam expectativa. — Tudo bem, o que é?
— Está aprendendo rapidinho, Pãozinho de queijo… — ele
enfia as mãos no bolso e coloca o pequeno embrulho perto do meu
prato. — Você disse que eu poderia caçar um presente de cópula.
Como um bom pinguim, tardo mais não falho, copulamos, então
aqui está o anel de noivado.
Pego o pequeno embrulho e abro, deparando-me com uma
pedrinha preta, envolvida em metais como uma pequena gota. Uma
fita segura, e é uma das coisas mais bonitas que já vi.
— Nossa, que linda!
— Os moradores contam uma lenda que a cidade ganhou
nome por causa dessa rocha, que todos conhecem com Ouro Preto.
Estou aprovado como o pinguim da sua vida? Lembrando que você
não poderá me trocar se aceitar minha pedrinha.
— Está aprovadíssimo. Obrigada, eu adorei. Coloca em mim?
— Você não pode me pedir essas coisas em público, depois
você reclama…
Loren Thompson
Nicolas sumiu.
Não literalmente, mas quase.
Julho chegou, e com ele suas férias.
Ele estava tão empolgado com elas, e pareceu um pouco
receoso quando lhe informei que eu deveria vir a São Paulo para
resolver o meu visto.
Fiquei tão absorta nos planos dele sobre “as nossas férias”,
que esqueci de comentar  sobre isso.
Nicolas até tentou parecer animado ao me deixar no
aeroporto, e prometeu me buscar hoje, quando eu chegasse.
Agora sentada pronta para decolar, após tudo resolvido,
deixo minha mente vagar pela sua carinha de sexta à tarde quando
ele me deixou no aeroporto.
Será que estamos nos envolvendo demais?
Logo irei embora, não faz sentido.
Mas, eu senti falta dele.
Não profundamente, mas em algum nível.
Desde quando nos tornamos amigos, Nicolas, se faz
presente em algum momento, seja com mensagens, com fotos do
que ele está fazendo, um convite para algo.
Como o festival de inverno da cidade, em que acabamos nos
amassos como adolescentes em um beco próximo a rua principal,
ou na mostra de cinema aberto, que mais nos beijamos comigo em
seu colo do que assistimos algum clássico do cinema mudo de
Charles Chaplin.
A companhia dele é natural, fácil de se acostumar. Sem
contar que é agradável.
Minhas amigas são engraçadas, me fazem rir de algo do
trabalho ou dos relacionamentos, mas com ele sinto que não será
preciso uma tagarelagem de muito tempo, pouco bastará para eu
sorrir,  é fácil.
Não posso dizer que essa facilidade não me intriga, e em
alguns momentos me deixa apreensiva. Há muito tempo em minha
vida, eu deixei de acreditar que as coisas poderiam ser assim para
mim.
Let it go, Loren.
Sorrio ao me lembrar que foi essa a observação dele, muito
certeira, sobre mim.
Na sexta à tarde, assim que pousei, recebi uma mensagem
dele avisando que iria fazer uma consultoria ambiental como pessoa
jurídica em uma cidade próxima, mas estaria de volta no domingo à
noite, e na segunda me pegaria no aeroporto, mesmo eu dizendo
que não precisava.
Mal divago por todas as questões que empurrei para algum
canto de mim, e sou trazida pela aeromoça solicitando que nos
preparemos para a aterrissagem.

Olho em meu relógio, e refaço as contas.


Nicolas está atrasado, em trinta minutos.
Percebi durante esse tempo que os brasileiros não são muito
pontuais, mas meia hora para um aeroporto, é bastante coisa.
Meu lado autossabotador logo cria aquele alerta vermelho
sobre eu estar bastante envolvida com um cara anos mais novo, e
que provavelmente nossos caminhos divergem demais, e levando
em consideração isso, não poderia, mesmo se possível, criar
grandes expectativas com Nicolas, caso nossas nacionalidades
permitissem.
Por outro lado, um que está gostando, até mais do que
deveria, disso tudo, começa a criar cenários de possíveis atrasos
dele.
Talvez seja o trânsito, ele pode ter furado o pneu, passou
para abastecer ou talvez…
— Loren Thompson? — olho para o rapaz alto e bonito em
minha frente — peço desculpas pelo atraso, mas acabei me
perdendo nos portões de desembarque.
— Quem é você?
— Eu sou o Cadu, amigo do Nicolas. Ele pediu que eu viesse
buscá-la e a levasse até Ouro Preto.
— Me buscar? Por quê?
— Você não recebeu nenhuma mensagem dele?
— Qual mensagem? — ele suspira.
— Olha, o Nick sofreu um pequeno acidente, mas…
— Acidente? Como assim? — corto-o, sentindo meu coração
gelar, e então disparar com força em meu tórax.
— Sábado durante a consultoria, a mata fechada tinha uma
pequena fossa que estava coberta pelas folhas, ele acabou ficando
para trás montando armadilhas, perdeu-se do mateiro, pisou nela e
afundou. Não era muito funda, mas fez um estraguinho. — O que
diabos é um estraguinho?
— Ele está bem? — minhas pernas tremem, e meu nariz arde
um pouco, como quando vamos chorar, percebo que estou temendo
a resposta do rapaz.
— Só resmungando como um bebezão, mas está sim. Estou
cuidando dele. Como ele prometeu te buscar aqui, mas ainda não
está conseguindo dirigir, pediu que eu viesse, e te levasse até o
destino.
— Eu não quero ir para Ouro Preto, quero vê-lo.
— Hmm, não sei se ele vai gostar disso, o nosso garotão está
um pouco amassado. Você tem uma tese para fazer, certo? Vai para
lá, e dentro de uma semana ou duas no máximo, vocês se
encontram e…
— Moço! Tem como você falar coisas que eu entendo? Se
ficar nervosa, vou misturar português com inglês, você fala inglês?
— Falo um pouco, por favor, não comece com isso. O que
você não entendeu?
— Estragadinho, amassado…
— Ele teve escoriações, e um braço luxado. O rosto está
arranhado e ele está sentindo dores. Mas está bem.
— E eu quero vê-lo.
— Moça… Olha só…
— Não olho, eu quero vê-lo. Neste instante — cruzo os
braços e foco em seu rosto.
— Ah foda-se, não sou sua babá, quer ir? Vai. Se o Alazão
chiar, você vai escutá-lo. Não estou sendo pago para lavar aquele 
pau grande dele mesmo. — Ele vai reclamando, e  o sigo, levando
minha bolsa de mão.
Ele destrava o carro, percebo que é o do Nicolas, se senta e
espera que eu faça o mesmo.
— Desculpa por ser mal-educada, mas você não estava me
ouvindo.
— Olha só, moça, o Nicolas pediu que você não fosse para
lá, sou amigo dele, só estava cumprindo o que ele pediu, mas seja
lá o que vocês dois estão tendo, não ligo, estou cheio de problemas,
minha chefe me odeia, e vai odiar ainda mais quando souber que
vou me ausentar por uma semana e… — ele continua falando, do
jeito que os mineiro fazem, falando rápido e cuspindo palavras que
nunca ouvi durante esse tempo aqui. Mas o fato é que meu foco
está só no que Nicolas pediu que eu não o visse.
Espero que ele termine o discurso dele sobre enfiar
estetoscópio no rabo da vaca que é sua chefe…
— Por que ele não quer me ver?
— Aaaaaah não, não vou me enfiar nisso.
— Nisso o quê?
— Nicolas e… — ele solta o volante e sacode as mãos —
todo o resto.
— Eu ficaria grata por entender o que você está falando.
— O Nicolas tem problemas com a imagem dele, e ele não
quer aparecer assim para você — ele suspira —, pelo amor que
tenha a Deus, moça, você acredita em Deus ou é como Nicolas?
Nossa senhora, eu nem sei nada de você. Por que me enfiei
naquele fim de mundo?
— Eu acredito sim. E o Nicolas não tem problema nenhum
com imagem, e nós somos amigos.
— Olha só, se tem pau e boceta não dá para ter amizade,
ensinei tanta coisa para ele, sempre frisei que isso não existe! —
Sinto minhas bochechas arderem, e então ele grunhe. — Merda,
não posso falar essas coisas para você, o Nicolas me avisou. Mas
foda-se também, já está pedindo demais. Ele tem questões sim. Eu
conheço o Nicolas desde quando ele tinha dezenove anos, sei o que
estou falando. Mas é bom saber que ele aprendeu a vestir a capa da
segurança.
— Não faz sentido, não estamos falando da mesma pessoa.
— Estamos, mas você conhece o Nicolas de vinte e cinco
anos, e eu não. Eu conheço pelo menos cinco versões anteriores a
essa. É bom saber que ele vai bem.
— O que você está querendo dizer com isso?
— Eu não posso falar. Só esqueça isso. — Eu não vou
esquecer.
— Então, vocês são amigos há bastante tempo…
— Sim, nos conhecemos em uma chopada da UFOP. Ele
estava tomando o primeiro porre, era um amontoado bêbado, de
choro e catarro. Nada agradável aos olhos.
— Você estudava lá?
— Não, na UFV, Universidade Federal de Viçosa, uma cidade
próxima, as festas sempre têm alunos de todos os lados.
— Hmm… E viraram amigos?
— Sim, eu tinha vinte e dois anos, tinha acabado de largar o
curso de Zootecnia, estava quase formando, para entrar em
Medicina Veterinária, uma loucura. Estava bebendo para tentar
esquecer a merda que eu estava fazendo.
— E por que ele estava bebendo?
— Vai ter que perguntar a ele. Mas o fator importante é que
depois desse dia, viramos amigos e eu apresentei para ele a… —
ele para, e morde o lábio.
— Casa de swing?
— Ufa, ele contou. Sim. Eu o levei até lá. E aí foi isso.
— Pelo jeito você não é como seu amigo, que gosta de
estender detalhes…
— Gosto, mas não sei até onde você sabe.
Merda, Nicolas, o que você não me contou?
Quando Cadu estaciona na casa de Nicolas, parece que uma
grande bigorna foi retirada de meu peito.
Salto do carro, e adentro a casa em que já estive antes, indo
direto para o seu quarto.
Bato na porta, antes de abri-la, não querendo pegá-lo
descomposto.
— Pode entrar, Terezinha! — abro-a e o vejo sentado na
cama, com um tablet a tiracolo, só de cueca, um braço imobilizado,
e várias escoriações pelo corpo. — Eu vou esperar o Cadu para
jantar, está cedo ainda — ele continua mexendo no aparelho com
uma mão. Quer dizer, a mão que não está impossibilitada para uso.
Arranho a garganta, e  ele então me olha.
— Desculpe, não é o jantar.
— Loren, o que você está fazendo aqui? Onde está o Cadu?
— ele parece surpreso e assustado ao me ver.
— Eu estou aqui, e posso continuar te ajudando no banho e
segurando seu pau para o xixi, mas não me faz ficar perto dela, ela
fica fazendo perguntas, e você sabe que eu não sei guardar
segredos, nunca soube — a voz grave de Cadu surge atrás de mim.
— O que você falou para ela?
— O que eu não posso saber?
— Nada demais, só que te conheci bêbado, nem contei o
motivo. — Nós três formamos uma cacofonia, falando juntos.
Nicolas tenta puxar o lençol para se cobrir, mas não
consegue. Vou até ele e o ajudo.
— Vou deixá-los sozinhos — Cadu sai e fecha a porta.
— Por que está me olhando com essa cara, Pãozinho de
queijo?
— Não sei qual a cara, mas estou tentando entender as
coisas que seu amigo disse.
— Cadu fala demais, eu devia ter dado um outro jeito de te
levar a Ouro Preto.
— Por quê?
— Uai Loren, você está aqui para estudar, e na sua última
reunião com o André, ele deixou um caminhão de tinta vermelha em
seu artigo — ele olha para a parede enquanto fala.
— Okay, você já disse o que quer que eu acredite, agora
pode falar a verdade?
— Não tem nenhuma verdade para contar.
— Tudo bem, não quer falar, não fale. Do que se trata tudo
isso? — aponto para o seu corpo machucado.
— Idiotice, não seguir normas de segurança… Essas coisas.
Quando eu terminei a minha parte da consultoria, fui ajudar na
montagem de armadilhas para pequenos mamíferos, me distraí e
aconteceu.
— Você está de mau humor — ele suspira e concorda. Me
sinto surpresa por isso, pois ele não é assim.
— Desculpe, vai passar. Como foi a viagem? Pode se sentar,
eu não vou te morder. Como você mesma pode ver, estou
impossibilitado. — Sigo até a cama e me sento.
— Foi normal, e nem demorou tanto. Passei praticamente o
dia todo de hoje no aeroporto. Pensei que demoraria, mas foi bem
rápido. 
— Você deve estar cansada… Por que não toma um banho?
Está tarde, amanhã o Cadu te leva e…
— E se eu não quiser ir? Existe essa possibilidade…
— Mas eu não posso fazer nada, e… — ele me olha e então
morde o lábio — estou sendo idota, o que você quer fazer?
— Eu quero ficar, mas e você? O que quer?
— Não queria que me visse assim, mas agora… Foda-se.
Prefiro que fique. Estou entediado, e com dores.
— Já tomou banho? O que o médico disse?
— Tomei sim. Nada demais, Pãozinho de queijo, nenhuma
fratura, esses arranhões estão doendo mais do que o braço.
Acredite. — Aproximo-me mais de seu corpanzil na cama,
percebendo que uns são superficiais, os das pernas e coxas, já na
barriga e braços são mais profundos, de forma que tem sangue
acumulado.
— Como você conseguiu isso? Cadu me explicou o que
houve, mas suas pernas estão boas demais, não digo o mesmo do
resto…
— Eu estava de calça jeans e perneira, um equipamento que
usamos para evitar picada de serpentes, foi isso que me protegeu.
Mas a blusa estava solta e era larga demais, acabou subindo, mas
estou bem.
— Já entendi que está bem, mas Cadu disse que você está
reclamando como um bebê.
— Cadu é um filho da puta, ignore-o.
— Como ele chegou aqui?
— Dei o contato dele para o corpo de bombeiros. Só avisei
meus pais hoje.
— E o que eles falaram?
— Estão acostumados — ele desdenha com a mão boa —,
não é a primeira, nem será a última vez que um biólogo se machuca
no campo. Minha mãe fez toda aquela moção, mas eles estão a
milhares de quilômetros, e estou bem. Terezinha é da família, e está
cuidando de mim, e o Cadu também.
— Você precisa de alguma ajuda? Cadu disse que está te
ajudando no banheiro…
— Não preciso de nada, sério. Ele está sendo dramático. Ok,
sei que minha mão dominante não é a esquerda, mas tenho certeza
que até mesmo uma punheta posso bater com ela.
— Céus, Nicolas… Você precisa mesmo dar esse exemplo?
— Você disse que estou de mau humor, estou tentando ser
eu — Ele dá de ombros, mas geme de dor. — Tem algo que pode
melhor meu humor…
— Que seria?
— Voce tomar banho de porta aberta…
— Quem sabe você dê sorte — sorrio para ele, e vou ao
carro buscar minha mala.

Dois dias.
Esse é o tempo para o humor de Nicolas melhorar.
Cadu me fazia rir, mas o irritava, o que era engraçado.
Eu ficava sentada de costas para o quarto, no meio da
parafernalha nerd dele, usando sua mesa para trabalhar em meu
artigo que, como ele mesmo citou um dia, parecia “menstruado de
tão vermelho”, mas ouvia hora ou outra a conversa deles.
Algumas vezes jogavam juntos, Nicolas lia um livro, enquanto
ao seu lado Cadu assistia algo em seu notebook, estávamos
“funcionando”. Mas, de fato, a melhor parte era quando Cadu
implicava com ele, pareciam dois irmãos às vezes.
— Sabe o que eu queria agora? — Nicolas pergunta tão perto
que me assusto.
— Você deveria ficar deitado… O que você quer?
— Um beijo, desses bem molhados e com bastante língua.
— Onde está o Cadu?
— Foi resolver umas coisas. E depois disso, tenho outro
pedido… — paro de digitar, e presto a atenção em sua postura
desleixada praticamente sentada na escrivaninha — Por favor,
vamos comer uma comida beeeem calórica.
— De repente, você melhorou o humor e ficou exigente?
— Não, exigência mesmo seria querer gozar… Isso é só um
mimo.
— Eu não sei dirigir aqui, vamos ter que ir andando.
— Tudo bem, e o meu beijo?
— Caso você se comporte, ganha na volta. Vamos.
Loren Thompson
— Quase vale a pena machucar para que você dê comida em
minha boca, sabia?
— Que horror, Nicolas! — Levo o refrigerante aos seus
lábios, enquanto ele segura o hambúrguer. Primeiro ele reclamou,
depois começou a repensar motivos positivos que o levaria a ficar
imobilizado, sob meus cuidados constantemente.
— É sério, me sinto um Rei! Só falta minha súdita se ajoelhar
para mim. 
— Pois saiba você que…
— Nick Bolinha! — Um estranho, sem educação, senta-se em
nossa mesa e corta minha fala. — Ca-ra-lhooooo, não acredito. É
você mesmo? — Olho para Nicolas, e percebo algo errado.
Sua postura está rígida, o maxilar travado, e o hambúrguer
que ele ficou escolhendo por meia hora caiu da sua mão, direto para
a mesa.
— Meu nome é Nicolas.
— Ah Nick Bolinha, qual é… Desencana! Você está ótimo.
Quer dizer… Parece meio machucado, mas o físico… Melhorou
demais. Você perdeu o quê? Pelo menos uns cinquenta quilos.
Quem é essa? Sua irmã?
— Você sabe que só tenho um irmão mais velho, ele estudou
com seu irmão, Tiago.
— Claro, é verdade — o estranho toca a sua testa —, então é
sua amiga? Por que assim você claramente está magro, criou um
músculo ou outro e ficou até bonitinho, mas antes de me aproximar,
fiquei olhando-os por um tempo, para ter certeza de que era você. E
então, quando tive  certeza, acabei me aproximando… Você sabe
que…— Nicolas limpa a mão no guardanapo e arrasta a cadeira
para trás, se levantando.
— Tiago, você já disse que eu era uma pessoa gorda. Não
precisa reforçar sua fala.
— Enfim — o rapaz morde o lábio —, só fiquei
impressionado. De verdade, parabéns! — pelo que exatamente o
estranho está parabenizando-o? — Ela é uma moça bonita, mas
você não conseguiria uma pessoa assim, e…
— Hmm, e como seria uma pessoa que eu conseguiria? —
Nicolas o encara, e eu olho de um para o outro.
— Não precisa me olhar assim cara, somos amigos, lembra?
Não precisamos disso.
— Se bem me lembro, nós não fomos amigos, em nenhum
dos anos que estudamos na mesma turma. Você queria saber e
especular se era Nicolas Oliveira Amaral, bom você confirmou. Não
vamos sentar e trocar trivialidades. Mais alguma coisa? — Eu vi
Nicolas de mau humor durante três dias seguidos e o que eu
percebo na cara dele agora, não é mau humor, parece…
Ressentimento.
— Nossa, cara, isso ficou no passado… Você ainda se
ressente por brincadeiras? Éramos crianças, Nick Bolinha, e…
— Eu já te falei que meu nome é Nicolas. Se passaram
quase dez anos, e se você ainda encara aquilo como brincadeira,
significa que por todo esse tempo, as coisas não evoluíram para
você.
— Eu acho que você está exagerando, como quando
crianças e…
— Tiago, eu não sou nada seu, você queria ver se era eu, e
sou. Não fomos amigos antes, e não seremos agora. Eu estou
machucado, só quero terminar meu lanche e ir para casa.
— Foi mal, aí — ele ergue ambas as mãos em sinal de
rendição, levanta-se da mesa ainda nos olhando.
— Pelos anos anteriores, ou por agora?
— Não queria atrapalhar o seu lanche — ele se vira e vai
embora.
Eu continuo sentada, por um momento, não sei como
proceder. Nicolas coça a cabeça, respira fundo, e força um sorriso
em minha direção.
— Será que podemos levar para casa e terminar lá? — Ele
pergunta olhando para baixo.
— Se você preferir assim, por você, não vejo problemas
nisso, mas se for por causa de terceiros… Acho melhor terminarmos
enquanto ainda está quente. — Ele assente e senta-se ao meu lado.
— Loren… — ele morde o lábio, seus olhos vagam para
vários lugares, menos para mim.
— Nick, eu não preciso saber as coisas que você não quer
compartilhar comigo. Foi isso que você me disse, certo? — ele
concorda — Está tudo bem. Depois disso aqui, você ainda vai me
pagar o milk shake? — Sorrio para ele.
— Claro, preciso alimentar esses vermes que vivem em você
— ele olha para o hambúrguer dele, que não dá mais para comer,
depois para mim e sorri.

— O que vamos assistir hoje? — pergunto quando me sento


ao seu lado na cama, com a toalha enrolada nos cabelos.
— Hmm, acho que nada.
— Nada? Por quê? Vamos esperar o Cadu?
— O Cadu foi a The Jungle, não devemos esperá-lo
acordados. Podemos só deitar? Estou cansado. Acho que ir e voltar
do shopping me esgotou.
— Claro, vou pentear os cabelos e apagar as luzes. — Faço
tudo bem rápido, deitando-me devagar  para não machucá-lo.
— Deita aqui, Pãozinho de queijo — ele aponta para o peito
dele.
— Vou te machucar.
— Não vai nada. Venha. — com cuidado me encosto ao seu
lado esquerdo, e fico quieta. — Eu amo seus cabelos, já falei isso?
— Não. Você disse que os reparou primeiro.
— Pois é, deveria. Eu amo. Acho lindo ele curtinho assim.
Combina com você. É cheiroso também — ele apoia o nariz na
minha nuca, suspirando, fazendo-me arrepiar.
— Você fique quieto — toco o seu abdômen descoberto, e o
belisco de leve.
— Ai, Pãozinho de queijo, isso dói. — Seu braço está subindo
e descendo em minha lateral, parando no seio demoradamente.
— O quão mais rápido você sarar, será melhor. Então fique
quieto.
— Está ficando afetadinha? — mordo seu peito com um
pouco mais de força e ele ri. — Parei, parei.
Sou absorvida pelo quarto escuro e sua respiração lenta,
descendo e subindo. Está tudo tão quieto, que acho que o sono o
dominou por completo.
— Eu tinha vinte anos… — ele fala de repente — há alguns
anos eu pensava nisso, mas sempre protelei. Tinha medo. Mas aos
dezenove anos, Quésia aconteceu, e foi o meu golpe de
misericórdia. Meu grito de socorro. Você está acordada?
— Sim.
— Passei uma infância e adolescência inteira… lutando… —
Percebo-o buscando palavras e isso é uma novidade. Ele mesmo se
denomina prolixo.
— Do que você está falando, Nick?
— Da balança… A minha vida é relativamente curta. Eu fiz
vinte e cinco anos há um mês, então pense… Faz só três anos que
eu comecei a me olhar no espelho, mas ainda tenho dificuldade de
ficar sem camisa em público, ou usar uma roupa justa. Comer fora
de casa, em ambiente aberto e com mais pessoas, é algo que
comecei a fazer no último ano. Mas dependendo do dia, ainda
penso se minha fome aguenta chegar em casa. Não fazer
exercícios, me deixa um pouco ansioso… Existem tantas coisas
rondando meus pensamentos ao mesmo tempo, que não sei se
consigo te contar essa história sem me perder nos momentos ou em
detalhes.
— Nicolas, você não precisa contar, sério.
— Eu sei — ele suspira. — É estranho como as coisas
funcionam. Começam tão pequenas e insignificantes, ainda na
infância, em forma de brincadeira, mas podem te quebrar para
sempre. E por anos a fio, trato isso na terapia. — Sua mão aperta-
me ao seu corpo.
"É ridículo que aos meus vinte e cinco anos, ainda me sinta
afetado por algo que começou aos seis anos, sinta-me perdido
pelos reflexos da minha infância. Como adulto que sou, me sinto um
idiota. Não queria que fosse assim. Me sinto infantil, e ridículo por às
vezes ainda me sentir dessa forma.
“Mas, ao mesmo tempo que conjecturo esse sentimento,
sinto-me de luto pela inocência de amar incondicionalmente que
perdi em algum momento. Talvez, eu nunca seja curado, e essa
ideia não é nada satisfatória.Sou péssimo em estabelecer conexões
profundas com as pessoas… Mas queria ser diferente. Queria ser
mais leve, sem o peso de manter toda a minha guarda erguida para
as pessoas.”
— Isso não é verdade. Sei que nós nos conhecemos há
quatro meses, mas, temos uma conexão… Talvez não tão profunda,
da forma que você gostaria de ter, mas temos. Pelo menos de
minha parte é assim.
— Sim… Mas, isso pode ter acontecido porque eu já saiba
que você vai embora. É como uma fenda temporal, entende? Terei
meu oásis por seis meses, então, a levarei ao aeroporto e nós
vamos nos despedir. Já está escrito isso. Estou mostrando e
entregando a você um Nicolas reservado a poucas pessoas.
— Como o Cadu? — me lembro das falas de seu amigo
durante o trajeto.
— Sim, exatamente como ele. Conheci o Cadu em uma festa
da universidade. Foi durante meu primeiro porre. Eu pesava
sessenta quilos a mais do que hoje. Na ocasião, Quésia tinha
rompido o relacionamento comigo. Foi um dos piores dias da minha
vida. Ela conseguiu que eu revivesse todos meus piores pesadelos.
— Vocês namoraram por quanto tempo?
— Quase três anos. Eu morava na pousada, ela estava no
ensino médio e era uma das mulheres mais lindas que já tinha visto.
Nós temos a mania de achar que quando entrarmos na graduação,
nossa vida vai dar uma volta de completa, parará em outro lugar , e
será como um filme dos anos 2000. Como a Jenna, em De Repente
Trinta. Mas a vida real é bem diferente.
— Sei bem como é…
— Pois é… E então eu me sentia ótimo namorando uma
menina da minha idade, mas que ainda estava na escola, linda e
encantadora. Pensei que fosse amor, de verdade, do mais profundo
e sincero. Quando ela entrou na graduação, as coisas mudaram.
— Como mudaram?
— Ela percebeu as festas, e linda como é, outros rapazes
começaram a ficar interessados. Seu ego estava inflado, Quésia
não queria mais ser vista comigo, o carinha gordinho, fofo e de
óculos. A imagem dela poderia ser afetada por mim, ela não queria
isso. Uma vez, Quésia disse isso com todas as palavras, em uma
das muitas brigas que tivemos antes de romper completamente.
Disse que não era do interesse dela ser namorada do cara que
ajudava na horta da igreja, dava aulas de reforço gratuitas ou então
estava em dois projetos de pesquisas. Nada do que para mim era
importante, estava no mesmo grau de importância para ela. Hoje eu
vejo isso.
“Muitas coisas antes do término me marcaram, mas quando
ela disse: Oh meu Deus, você é tão bonito, por que não emagrece?
Poderíamos ser tão felizes se você fosse magro. Você tem dinheiro,
sua família tem boas condições, faz uma cirurgia.  Acho que essa,
ou qualquer variável dela, foi a frase que mais ouvi, dos seis aos
vinte anos, e ouvi-la da pessoa por quem estava apaixonado, doeu
mais do que qualquer bullying que já havia sofrido em todos os
meus anos de colégio.”
— Nicolas, isso é… cruel. — Tantas coisas começam a fazer
sentido agora. As informações começam a girar em minha cabeça,
se encaixando tão rápido, que se eu estivesse de pé, iria cair.
— Em momento algum não disse que não era. Sabe, Loren,
eu não tinha nenhum problema de saúde. Nada. Nem hipertensão,
nem diabetes ou hipotireoidismo. Era um pouco sedentário,
confesso, não tinha amigos, ir para a natação ou futebol era uma
tortura,  voltava para casa chorando e queria comer. Só isso. Depois
de alguns anos tentando, meus pais desistiram de me obrigar a ir.
Quando chegava, só queria comer e depois sentar em meu quarto,
lia um livro inteiro ou me prendia a jogos…Eu era tão tímido e
patético! Meus trejeitos sociais eram tão poucos, que quando as
pessoas conversavam comigo, eu gaguejava, de nervosismo. Minha
falta de jeito para lidar com as pessoas, fizeram com que adiantasse
dois anos escolares… Sabe qual minha única doença?
— Qual?
— A doença do padrão. Ela incrustou tanto em mim, e por si
própria com a ajuda dos fiscais de corpos, roubaram meu amor
próprio. — Sua voz está tão baixinha, que mal passa de um
sussurro.
— Eu acho que o maior problema dessa situação são as
pessoas… — ele reflete —  Elas não entendem uma criança. Todos
os dias fazem delas, uma extensão de um adulto. A criança é só um
ser em branco. Como um HD novo. Um vasto espaço de
armazenagem, sem filtro. Transformados em miniextensões adultas,
quando nem mesmo os adultos sabem lidar com suas emoções.
— E então, elas estão preenchidas de todas as podridões de
um adulto. Estão copiando as ditas brincadeiras dos pais, estão
sendo sexualizadas, aos doze anos estão sendo oprimidas a
crescer e beijar na boca… Sem contar as outras coisas. Quem é a
vítima jamais esquece. Ter visto Tiago hoje, me fez recordar de
coisas que eu queria poder esquecer completamente, para sempre.
— Ele era seu agressor?
— Ele e mais alguns. Os apelidos eram o de menos. Eles
roubavam meu lanche e eu ficava das 7h às 16h sem comer, me
deixavam de fora do time na educação física, trocavam de lugar nas
excursões, pois diziam que eu os apertava, faziam os professores
me colocarem no fundo da sala, pois tampava o quadro.
“Pensei que no ensino médio mudaria, mas aí passei de ser
incomodado para ser ridicularizado, ou então o mau exemplo. Não
coma muito, ou ficará tão gordo quanto aquele rapaz, ele é bonito,
mas ninguém nunca irá amá-lo. Foi uma das frases que mais me
marcou, dentre tantas, foi de uma mãe no shopping.
“As falas vêm sempre veladas de uma falsa preocupação
com a nossa saúde, mas é mentira, em noventa e nove por cento
das vezes, está atrelada a nossa imagem e nada mais.
“Quando se é gordo, todos em sua volta vão reparar em seu
prato, os garçons vão supor que o prato maior é seu e te servir com
ele, mesmo que você tenha pedido uma salada. Temos nossas lojas
de roupas tamanhos especiais, com uma fachada estampando o
número dos nossos manequins, pois os departamentos estão no
padrão. Nós não.
“Grande parte da população vê a obesidade como um
descuido, pensam e dão soluções para nós tão facilmente: entre em
uma academia, isso é falta de exercício físico, faça uma dieta…
Como se essas coisas fossem fáceis. Para alguns, podem ser
realmente,  para outros, não. O ponto inicial é diferente para cada
um — desde nosso nascimento —, por que nossas realidades
seriam minimamente próximas?
“Quantas pessoas têm um problema real para perder peso?
Seja uma doença, crônica ou aguda, física ou emocional…
Independente da situação, somos punidos por algo que não é nossa
culpa. Somos ridicularizados, alvos de ódio… Somos levados a nos
achar pessoas indignas de amar e ser amada.
“E é tão ridículo e hipócrita, pois ao mesmo tempo que esse é
o tratamento que as pessoas gordas ganham, as magras são
elogiadas pelo mesmo que as gordas não são. Como o
metabolismo. Sempre ouvi coisas como: o metabolismo de fulano é
ótimo, ela come x coisas por dia e não engorda. Então o meu é
ruim? Beltrano era bonito, mas agora que emagreceu, está lindo…
Mas o que mudou foram os dígitos da balança… O rosto, a feição
da pessoa é a mesma! Por que fazem isso conosco?”
— Sinto muito que você tenha passado por isso.
— Nos últimos anos, estou tentando me educar para não
perder minha essência, adaptar-me para ser mais que uma imagem,
enxergar-me num todo, mais do que um físico, tem dias que são
fáceis, outros não. Ainda mais quando alguém que você ama,
reafirma aquilo que você está lutando para não ser. E foi isso o que
a Quésia fez. Disse que estava comigo porque eu era a sua
esperança de sair do interior, ela enviava os recibos das minhas
contas todos os meses para os meus pais, ela sabia que a condição
financeira era boa. E então eu era o seu passaporte para a capital.
— Foi um tanto cruel isso.
— Não mais do que admitir que estava com outro cara, há
alguns dias, mesmo ainda estando comigo, pois eu não era
suficiente para ela. Esse foi o golpe de misericórdia dela. Seguido
de uma frase que me marcou como um dono faz com seu gado:
Que eu poderia ter evitado a traição dela se fosse mais magro e
bom de cama. — Ouço seu riso sem graça, e só então percebo
meus olhos cheios de lágrimas. — Foi aí, nesse momento, que
enchi a cara na faculdade, e encontrei Cadu. Ele me levou para a
pousada, dormiu em uma cadeira dura no canto do quarto. Quando
acordei, sentindo-me péssimo, ele me levou à drogaria, me fez
beber uma mistura nojenta, colocou-me em seu carro e me
apresentou a The Jungle.
“Sempre tive como base o relacionamento dos meus pais,
crente que a sexualidade estava atribuída a uma só pessoa por uma
vida inteira. Sei que para muitos não era assim que as coisas fluíam,
escutava papos de todos os tipos na faculdade, mas a minha visão
de mundo era outra. Então, imagine a cena: Eu, recém-saído de um
relacionamento de uma certa forma duradouro, com opiniões que
estreitavam a sexualidade somente ao sentimentalismo… Jamais
tinha visto uma outra mulher nua presencialmente. De repente me vi
entrando em uma casa de swing… Lembro-me como se fosse hoje
da primeira cena que me deparei. Na sala transparente, acima do
louge, um sexo grupal, altamente sensual… Foi chocante em um
primeiro momento. Se bebi horrores na noite anterior, naquela, eu
tripliquei a dose. Tive que pagar a lavagem do carro de Cadu devido
ao vômito.
“Quando ele fez o convite de irmos novamente, eu despejei
nele toda minha frustração com o mundo relacionado a autoimagem,
ele escutou tudo em um silêncio sepulcral, e fez o que chamamos
de reintrodução adaptativa — ele ri —, como um animal resgatado
pelo IBAMA.
“Primeiro frequentei o bar algumas vezes, me adaptei às
visualizações. Quando me senti um pouco mais seguro, passei a
frequentar a parede e aquela diversidade começou a me aguçar aos
poucos, a deixar-me extremamente excitado. Nessa altura já
chegávamos juntos, e Cadu sumia no meio dos corpos, voltando
uma hora ou duas depois.
“Comentei com ele que talvez eu quisesse experimentar algo
casual, mas tirar minha roupa para uma pessoa era complicado,
para duas ou mais, tinha certeza que perderia a ereção. Então ele
me levou ao quarto escuro. Naquela altura imaginei que nunca mais
teria uma experiência sexual tão prazerosa quanto aquela. Onde eu
não via nada, mas sentia e ouvia tudo. Frequentei essa sala várias
vezes, até querer me aventurar com luzes acesas. Cadu
percebendo isso, me convidou para um ménage, com uma amiga
dele, nós três entre quatro paredes privadas, foi importante para
mim esse processo. Em oito meses, eu tive minha primeira
experiência com completos estranhos em quartos privativos, sem
Cadu me ancorando; depois de três meses, eu participei da minha
primeira cena pública, na sala de vidro, e foi assim que me vi sendo
membro da The Jungle.”   
— Depois você não parou mais?
— Não, fiz dali um espaço seguro e exploratório… Sabe,
Loren, minha psicóloga uma vez me perguntou por que gostava
tanto da casa, inclusive algumas vezes ela levantou o ponto de eu
canalizar emoções passadas em relações sexuais casuais, nunca
respondi isso para ela. Mas hoje sei que o motivo de amar a casa é
pelo simples fato de que nunca fui julgado lá, demorei um tempo
para perceber isso, mas quando aprendi, me fiz pertencente dali. As
pessoas que estão em uma casa de swing geralmente estão lá em
busca de prazer e nada mais. Nada mais importa, além do prazer.
Nem a quantidade de dinheiro na carteira, em quantos dígitos tem a
balança quando você sobe nela.
— E depois?
— Depois… — ele ri — tomei uma decisão da qual me
arrependo, mas não tem como eu voltar atrás. E meu
arrependimento está estritamente ligado ao momento. Pois tomei
uma decisão por terceiros e não por mim. Não ali.
— O que você fez?
— Uma cirurgia bariátrica. Lembro-me que Quésia estava no
intercâmbio, e quando ela voltou, fez da minha vida um inferno por
alguns meses. Inclusive, naquele dia no museu, em que você se
desculpou por julgar minha aparência, recordei-me da exata fala
dela, em um dos dias em que ela me procurava e a ignorava. Ela
disse:
“Essa carinha de popular, essa imagem que você quer passar
para nós, não cola. Você sempre será o Nicolas que chegou aqui há
quatro anos. Seu dinheiro pode comprar o que você quiser, mas
você vai continuar sendo gago, passando vergonha e não pegando
ninguém, você é um perdedor. Independente se você agora tem
essa imagem de modelo de cuecas.” — Minha garganta se fecha e
faço esforço para segurar as lágrimas em meus olhos.
— Aquele dia que você me viu na UPA, eu estava tomando
minha dose mensal de vitamina. É um procedimento que devo
seguir pós-cirurgia. Será assim até o fim da minha vida, devido ao
método da minha cirurgia. Andei meio negligente com a minha
saúde. Física e mental. Faltei a sessões de terapia, consultas
rotineiras com a equipe multidisciplinar que me acompanhou antes,
durante e pós-cirurgia. Hoje em dia, depois de cinco anos, sigo uma
vida normal, com consultas de rotina… Mas, andei displicente
demais no ano passado, então minha terapeuta sugeriu de uma
forma nada sutil que deveria voltar por um tempo a uns
especialistas.
— Como foi esse período adaptativo, pós-cirúrgico, na The
Jungle? 
— Foi melhor do que esperava. Não só lá, como de forma
geral. A idade ajudou com a perda de peso em larga escala sem a
necessidade de uma cirurgia reparadora, até porque me obriguei —
e o nutrólogo também — a criar uma rotina de exercícios para deixar
o sedentarismo, o que até hoje faço por obrigação, não por gostar. É
incrível como cinco furinhos mudaram minha vida completamente —
ele toca o abdômen próximo as últimas costelas ligadas ao esterno.
— Depois de quase três anos as marcas eram mínimas, porém
ainda me incomodavam, camuflei-as com tatuagem, com o mesmo
método que os tatuadores fazem reconstituição de mamilos em
pessoas mastectomizadas. Não sei bem o que eu estava tentando
fazer, talvez apagar por completo as minhas dores psíquicas, como
se apagá-las fizesse com que me esquecesse desse momento da
minha vida.
“Mas o fato é que não posso apagar minhas memórias, então
para sempre carregarei todas comigo. Venho me exercitando
fisicamente ferreamente há cinco anos, e talvez nunca ganhe um
tanquinho com seis ou oito quadradinhos sulcados completamente,
sinto ter que decepcionar suas amigas — ele ri, mas ainda não com
um humor completo. — E mesmo tendo me arrependido da cirurgia
em algum momento, sinto-me orgulhoso de alguma forma, sei que
isso é contraditório, mas, talvez, eu não teria as oportunidades que
tenho hoje.
“Infelizmente ainda somos julgados pela nossa aparência, e o
mundo é gordofóbico, quem diz o contrário é hipócrita. Estamos a
passos lentos, trabalhando visibilidade para minorias, mas temo que
nossos filhos ainda precisarão lutar bastante pela igualdade. E se eu
ainda fosse gordo, talvez meu trabalho como docente não existiria,
poderia ser só mais um auxiliar de laboratório ou o cara que redige
relatórios do campo, mas o fato é que seria mantido longe dos olhos
públicos.
“De toda forma, continuei explorando a minha sexualidade na
casa, mas emagrecer fez com que outras pessoas me notassem, 
foi então que eu resolvi explorar o sexo casual fora do swing. O que
agora não me parece inteligente, pois extrapolei a ponto de quase
perder o projeto da minha vida” — ele suspira pesadamente.
— E como você está hoje?
— Medicado — ele faz piada e gargalha —, estou bem,
Pãozinho de queijo. Ano passado perdi peso além do esperado,
estava exagerando nos exercícios físicos, comendo mal e minha
mente estava entrando em colapso por receio de engordar. Estou
completamente de alta agora? Não, mas acho que ninguém
alcançará o ápice da vida para uma alta completa.
— Como se sente em relação a isso?
— Bem… Quer dizer, tem seus altos e baixos, como qualquer
pessoa. Mas sou mais consciente dos meus atos e suas
consequências, acho que estou em um caminho certo.
— Como você se imagina futuramente, Nicolas? Já
conversamos sobre isso, mas agora, com a sua caixa de pandora
aberta, me fala: O que você quer?
— É uma pergunta complexa… Existem tantas
possibilidades, é um leque aberto. Não costumo fazer planos a
longo prazo, no momento o que sonda minha mente é a aprovação
do doutorado, e então o programa de pós-doc. Fiz dois projetos, e
vou submeter ambos. O da Alemanha é um curso muito bom, mas
não sei se seria feliz em um laboratório fechado por dois anos ou
mais, trabalhando única e exclusivamente com pipetagem e doses
em microlitros, provavelmente não serei, mas academicamente seria
um sucesso.
— Sua carreira científica é um sucesso, não vamos falar
disso. Pergunto sobre o Nicolas, a pessoa.
— Hmm… penso em sair do Brasil e arrumar uma barriga de
aluguel.
— Nicolas! Estou falando sério.
— E eu também. Quero um bebê, mas não um casamento.
— Por quê?
— Porque as pessoas me veem como um corpo, um objeto
de desejo. Não me leve a mal, eu amo sexo, de verdade, e se meu
corpo me proporciona isso, por mim tudo bem. Mas, é vazio.
— Talvez você deva deixar as pessoas se aproximarem, de
verdade, e não estou falando sobre contar do seu passado, estou
falando para permitir que elas saibam como sua inteligência é
divertida, como você faz trocadilhos com filmes e conta péssimas
piadas, elas irão ver sua essência, não seu físico, seja o de agora,
seja o de antes.
— Não sei fazer isso.
— Sabe sim, eu fiz isso. Só reparei seu físico quando você
me perguntou se era bonito — parece que faz séculos, mas foi há
poucos meses —, para mim, você era como os maridos das minhas
amigas. Eu sei que eles são bonitos, mas não sei quantos gominhos
eles têm no abdômen. Sempre tive consciência da sua beleza, mas
jamais te encararia só como um corpo físico ou alguém que eu
queira só transar.
— Você, Pãozinho de queijo, é o pote de ouro no fim do arco-
íris, edição limitada, peça colecionável, essas coisas. Jamais existiu
no mundo uma espécime de Loren Thompson, você é única, e acho
que posso revirar todo o planeta, que jamais encontrarei alguém
minimamente parecido com você.
— As pessoas são todas diferentes, Nicolas. Não faz sentido
essa fala sua.
— Não, você está errada. Mas acho inútil discutir sobre isso,
ainda mais depois de toda essa estranha sessão de verdades. Acho
que agora mereço aquele beijo que você me negou mais cedo, para
eu dormir feliz.
Nicolas Amaral
Quem convidou Barry Allen[38] para as minhas férias?
Pois só pode ter sido isso que aconteceu com elas, um
velocista a invadiu e roubou-a de mim.
Tudo bem que meu pequeno acidente e a ida de Loren à São
Paulo, parecem ter feito os dias correrem, mas poxa vida. Só queria 
mais alguns dias.
Nem tudo foi perdido, obviamente.
Entre a escrita das nossas teses,  após meu horário no
museu aos sábados, consegui levar Loren aos fins de semanas para
passeios turísticos em Belo Horizonte.
Percorri com ela o Circuito Cultural da Praça da Liberdade,
entre os museus, a biblioteca pública e o Palácio da Liberdade.
Foi uma tremenda cilada, que eu mesmo formulei e fui pego.
Afinal, não tinha como, não querer, comer Loren na biblioteca
pública. E quando eu sugeri isso, vi a pequena faísca de dúvida se
deveríamos ou não… Porém ela olhou minhas escoriações com as
cascas de cicatrização, e decidiu que não, não iríamos transar.
O mesmo aconteceu no Palácio da Liberdade, onde fantasias
sujas — ela usando somente uma chemise do século XIX enquanto
a comia de quatro na escadaria do palácio — nublaram minha
mente.
Não tenha ereções públicas que dure muito tempo, não
recomendo. Meu pau passou dois dias dolorido.
Deitar e acordar com ela também não estava sendo fácil.
Principalmente que ela colocou na cabeça dela que ainda não estou
bem.
Porra, em uma semana eu já aguentaria uma sentada
gostosa dela.
Como não tive nada disso, usei o resto do tempo livre para
levá-la pelo circuito da Pampulha e fizemos o típico passeio turístico
na orla da lagoa, conjunto arquitetônico de Oscar Niemeyer,
esplanada do Mineirão e visita ao estádio.
No fim, antes de declarar o adeus definitivo às férias, e sofrer
até dezembro, levei-a ao Edifício Maletta no festival gastronômico
dos botecos mais tradicionais da capital mineira, onde, além de
apreciarmos a comida, tentei ensiná-la um pouco de forró, e decretei
que precisamos de mais tempos juntos, pois Loren com certeza é
boa em muitas coisas, mas dançar forró não é uma delas.
— Como foram as miniférias, Srta. Thompson? — pergunto
quando estamos a caminho de Ouro Preto no domingo. Recebi
minha grade curricular da universidade particular, e minhas aulas
deste semestre serão dadas nas quintas e sextas, o dia inteiro em
ambas, sem grade para as segundas.
— Muito boas! Sério, estou encantada! Se você não fosse um
excelente cientista, te indicaria ser guia turístico. Foram dias
mágicos.
— Pare com isso — aperto sua coxa —, fui criado aqui, já fiz
esse circuito muitas vezes. Me jogue em São Paulo e você verá que
marmota manoteira que serei.
— Marmota manoteira? — sua cara de interrogação me faz
rir.
— Sim, vou ser estranho lá, e só darei furos. Entendeu?
— Poderei viver anos aqui, e juro que precisarei de um
dicionário.
— Não, para. Você é ótima.
— Sou mesmo! Em São Paulo conversei só em português e
nem pensei sobre as palavras, foi no automático. E eu estava
nervosa, poderiam me deportar de lá, sabia?
— Você fica tão linda orgulhosa, Loren. Me diz que vai fazer
uma live da sua defesa para mim? Quero assistir isso.
— Verei o que eu posso fazer para você — ela pisca de lado,
e me faz gargalhar.
— Loren, Loren, sorte terá o décimo quarto homem, pois
você está ficando uma vadia safadinha nas minhas mãos.
— Nicolas! Céus, você disse isso? — seu rosto é a própria
personificação da Morte de Todo Mundo em Pânico.
— Pode apostar que eu disse.
— Quando acho que não pode se superar, você… Meu Deus.
— Fazer você corar é meu esporte favorito, não importa o
quão baixo eu tenha que descer para isso — dou de ombros.
— Que árvore é essa que estou vendo em todos os lugares?
— ela desconversa completamente, sem nem mesmo pestanejar.
— São os ipês — olho ao longo da rodovia, onde somos
agraciados pela aparição da minha planta favorita. — Temos ele
roxo, rosa e amarelo, são os mais comuns, mas o branco é o mais
lindo.
— São peculiares.. tão… únicos.
— Eles são a principal mudança, onde nós sabemos que o
inverno está no fim, e logo a primavera dará as caras. Sabe, eu
tenho uma analogia para eles…
— Claro que tem! Ela envolve bocetas? — engasgo com o
vento,  recupero-me com uma crise de gargalhadas.
— Loren, por favor, me diz que vai falar isso quando
estivermos transando? — ela nega, e baixa o rosto corado —
Jamais faria uma analogia desse tipo com os ipês.
— Duvido muito, vindo de você logo pensei que havia feito
uma comparação das flores com… Você sabe.
— Bocetas? — ela revira os olhos e concorda — Você está
mesmo me conhecendo, e estou adorando isso. Mas eu não faria
isso com a minha planta favorita. Quer saber ou não?
— Quero sim, apague esse momento constrangedor com
suas análises biológicas, pelo amor de Deus.
— Os ipês antes de florir perdem todas as suas folhas,
quando já são adultos, os juvenis ainda as mantém até a maturação
total, mas a analogia que eu faço é com as pessoas. Uma árvore
precisa das folhas para fotossíntese, é o primórdio da botânica, mas
aí, essa árvore grande, se desprende todas as folhas por um
período relativamente longo, para então florescer por um período
tão curto, é esplendoroso seu enflorescer, mas dura tão pouco… E
sabe onde eu quero chegar?
— Não faço ideia.
— Nós nos apegamos a coisas tão menores em nossa vida,
para vivermos uma mediocridade, que não nos levará a lugar
nenhum. Levamos em consideração demais a decência e
julgamento de moral que alguém nos impõe. Enquanto isso uma
árvore se desfaz de suas folhas, o que é sua fonte de transformação
energética, se despe e se expõe para viver míseros dias de
esplendor. Ela vai sofrer com o vento, com a baixa temperatura, a
falta de energia instantânea e mesmo assim ela faz. Se não
conseguirmos aprender nada com isso, não sei se temos salvação.
— Nicolas, isso é tão… Nossa, não acho nenhuma palavra
que descreva o que quero dizer.
— Sim, eu entendo. Os ipês me ensinaram muitas coisas,
arriscar, não temer, tentar não me importar com as opiniões alheias,
pois estou fazendo o que eles dizem que não posso, pois eles têm
medo de arriscar e se despir. Hoje vejo que se  pudesse ser uma
planta, seria um ipê, só para florir em agosto e mostrar a todos que
posso fazer o que eu quiser, independente do que eles irão falar.
— É essa árvore que você tem tatuada na costela?
— Exatamente. Para me lembrar que depende de mim,
florescer em agosto, não deles.
— Eu não sei se já te falei isso, mas você é especial, Nick. —
Seu sorriso, junto ao aperto da minha mão que está sobre a sua
coxa, faz com que meu coração acelere, e eu quero parar o carro no
acostamento só para beijar sua boca.
Menos de dois meses, é esse o tempo que falta para que ela
vá embora.
O que eu vou fazer aqui sem você, Pãozinho de queijo?

Odeio reuniões.
Odeio ainda mais as reuniões de início de período letivo.
Quando uma vem seguida da outra, e essa última é sobre os
ajustes finais da minha tese de doutorado… Porra, só quero morrer.
Mas não posso, pois tenho planos com a Pãozinho de queijo.
Planos salientes.
— Hey, professor, posso entrar? — a pequena cabeça ruiva
desponta entre a porta e o batente sorrindo.
— Com certeza! — Loren desfila em minha direção,
colocando suas coisas na bancada da frente que está vazia. —
Como foi com o André?
— Foi ótimo, ele me elogiou, sabia? Me deu sugestão de
fotos que irei precisar para o artigo e para a apresentação, estava
todo educado e solícito. E a sua reunião?
— Reunião de doutorado, péssima.
— Por quê?
— Porque o Bruno quer introduzir algo que não quero, e
odiei. Se eu fizer isso, atraso de seis meses a um ano minha defesa,
quero e vou defender em novembro. Não faz sentido o que ele quer,
na verdade faz, para ele, para enaltecer o superego dele.
— Se não acredita, não faça. E a outra?
— Peguei duas turmas de primeiro período, e não tenho
material pronto para isso, por isso te chamei aqui… Sei que
marcamos um café à tarde, podemos atrasar um pouquinho?
Preciso só ver o que tem nesse laboratório para a aula inaugural.
— Claro, enquanto isso vou ver quais fotos tenho na nuvem
para o artigo.
— Sim, senhora, serei o mais breve o possível.
Enquanto ela está absorta em seu material, vou até a porta,
trancando-a, e trazendo o microscópio comigo.
Sigo organizando a bancada, fotografando o que preciso para
montar o plano de ensino e apostila, como quem não quer nada.
— Pãozinho de queijo, você já manuseou um microscópio?
— Há muitos anos, nas minhas primeiras matérias
generalistas. Por quê?
— Curiosidade… Na aula inicial eu gosto de colocar as
coisas comuns para os alunos no microscópio, eles ficam
alucinados. Pode ser minha cobaia?
— Nicolas… — Loren me olha de lado, desconfiada, morde a
boca, se levanta e vem em minha direção.
— Então, vou colocar no microscópio: bolha de sabão, pena,
detergente em pó, água contaminada, frutas, algumas lâminas
prontas, e você vai vendo. Depois me diz o que achou da aula — ela
assente, desconfiada.
Seguro a vontade de rir, para manter uma postura, mesmo
que eu queira despi-la, deitá-la na bancada e comê-la.
Começo a passar as lâminas e vou prestando atenção em
suas reações. Loren é tão fofa, tenho que me segurar demais para
não apertá-la e beijá-la durante a demonstração.
— Então, o que você achou?
— Muito legal, Nick, sério, nunca tinha parado para pensar
sobre essas coisas no microscópio.
— Qual você mais gostou?
— Das frutas! Sério, são perfeitas as fibras aumentadas
desse jeito.
— Só tem uma coisa que é mais legal do que isso tudo…
— O quê?
— Espermatozóides! Quer ver?
— Quero!
— Ótimo, você só precisa me ajudar a tirá-lo.
— Tirá-lo?
— Sim… Do escroto… — ela cora, e eu não me aguento,
gargalho a ponto de me sentar.
— Nicolas! Sério, não tem jeito! — ela bate em meu ombro —
Eu sabia que tinha alguma sacanagem em mente, como me deixei
ser ludibriada por você?
— Você não vai contribuir com a ciência? Que absurdo,
Loren. Poderia coletá-los sozinho, mas com companhia é mais legal.
— Você ia trazer sua… ejaculação para aula inaugural?
— Loren, os alunos não saberão que é minha. É material
biológico, quando colocamos as amostras ninguém fica
questionando de quem é o xixi, o esperma, o sangue ou as fezes.
— Biólogos são estranhos.
— Somos normais, vocês quem superestimam o normal.
Você prefere que eu faça o quê? Dê o potinho para um cara da
república e peça para eles? Ou pegue um aluno e peça que ele vá
ao banheiro e me traga uma amostra? Isso sim seria estranho.
Então, você vai me ajudar ou prefere que eu faça isso em casa
pensando em você?
— A aula é amanhã.
— Espermatozóides vivem até 72h. Sim ou não?
— Sim.
— Ótimo, vou te dar a melhor aula experimental da sua vida.
Nicolas Amaral
Pego-a pela cintura, sentando-a longe dos materiais
dispostos na bancada, sem perder tempo, tomo sua boca na minha,
já tirando a roupa de seu corpo afoitamente, sendo recepcionado
por ela pela mesma fome, em segundos estamos nus.
Ela com as pernas em volta da minha cintura, meu pau
dolorido em nosso meio, e o seu seio em minha boca.
Merda, por que Loren tem que ser tão gostosa?
Isso com certeza vai atrapalhar meu processo de esquecê-la
quando ela for embora.
Mordisco sua clavícula, sugando a pele alva, até marcá-la de
rosa claro.
— Eu não posso colocar o preservativo antes de tirar a
amostra, se não vai comprometê-la — sussurro em seu ouvido —,
acho melhor eu me tocar antes de seguirmos…
— Ah não, você não pode me excitar e fazer isso… — ela
desce as pernas e nos gira até que eu esteja com a bunda
encostada na bancada fria — e seu eu tirar com a boca? — Oi?
— Você está falando que vai me chupar até eu gozar? — Por
favor, sim!
— Se não atrapalhar a amostra…
— Não vai! — respondo depressa — Pode ter células
epiteliais ou bactérias, mas não vou corar a amostra então, não vão
aparecer, e…
— Nick, isso é um sim ou…
— É um sim com certeza! Cai de boca em mim, já tem uns
meses que sonho com você me chupando até gozar. — Loren se
ajoelha por cima de minhas roupas, suas mãos pequenas tocam
minha virilha, traçando suavemente minha tatuagem ela sorri, e
balança a cabeça, como se a visse pela primeira vez, ainda
desacreditada. Meu pau pulsa próximo ao seu rosto, a cabeça
inchada expelindo pré-semen. — Loren, Loren, eu ainda sonho
surrar suas bochechas rosadas com meu pau… — ela beija
delicadamente a gotícula robusta e sorri.
— Você não está ouvindo nenhuma negativa da minha parte
quanto a isso… — diz e abocanha-me, até metade.
Puta que pariu, ela disse isso?
Tento raciocinar, mas sua mão acariciando minhas bolas faz
com que eu perca o raciocínio.
Seguro-me na bancada, para não cair, enquanto Loren
desliza os lábios pelo meu prepúcio, mordiscando minha glande,
circulando meu óstio com a língua.
Pego-a pela nuca, e sua olhada de baixo para cima,
estremece-me ao ponto de querer encher sua boca de porra, de
colocá-la de quatro e fodê-la sem dó.
Puxo-a até que meu pau babado saia de sua boca.
— Espera, não é para acabar assim, rápido, e você está me
enlouquecendo.
— Uai, Nick, não é você o frequentador de swing aqui? Onde
está sua resistência?
Seu sorriso debochado,  me desestabiliza, seguro meu pau
pela base e bato com ele em sua cara, surpreendendo-a.
— Toda vez que falar uai e rir debochada, vou  tirar esse
sorriso daí com meu pau.
— Pois ele ainda não foi embora, uai… — sua provocação
faz a veia do meu pênis saltar, e minha boca enche de desejo.
Repito o movimento em sua outra bochecha, fazendo seu
sorriso ampliar, e sua boca captar-me quando com força meu pau
bate em seus lábios.
Loren me engole até o fim, minha cabeça toca a sua
garganta, eu tento recuar, mas com uma força desconhecida, ambas
as mãos seguram meu quadril, sou tomado pelo êxtase do vai e
vem de sua boca.
Quando percebe que me tem domado, sua mão desliza por
meu abdômen e tórax, o pequeno indicador me chama para baixar a
cabeça, eu o faço, seu dedo adentra meus lábios, chupo-o com
fome, como farei com seu grelo depois. Loren põe mais um dedo,
excitando-me ainda mais. Quando satisfeita, ela tira a mão, e leva-
os para acariciar-me no períneo, que é o paraíso.
Meus joelhos cedem, a ponto de quase eu ficar ajoelhado
para ela.
Olhando-a de cima, percebo os bicos dos seios rijos, quero
tocá-los, mas temo soltar a bancada e cair.
Meus olhos então fixam-se em meu pau entrando e saindo
entre os lábios finos, minhas bolas pesam com sua carícia, ela pisca
para mim e, antes que eu raciocine, seu indicador adentra em meu
cu.
Debruço-me de costas na bancada, encantado com toda a
onda de sensualidade que me toma, no melhor boquete que já
recebi na vida.
Delicada como só ela sabe ser, Loren toca minha próstata,
circulando-a, tirando meu pau de sua boca, só para lamber-me.
É o fim.
— Vou gozar, vou gozar, vou gozar, puta merda — minha
mão desesperada e meio trôpega busca o coletor na bancada,
despejando minha porra dentro. Estou tão entorpecido de prazer,
que demoro a perceber uma lenta masturbação vinda dela.
O suor escorre em minhas costas, minhas mãos tremem e
minha mente se inunda dos mais recentes flashes dela me
chupando.
Lentamente sua mão sai de dentro do meu ânus, fecho a
amostra, e estendo a mão livre para ajudá-la a se levantar.
— Você sabe que não vai dar, né?
— Para quê?
— Você ir embora, Pãozinho de queijo. — Pego-a no colo e
apoio-a na bancada.
— Essa possibilidade não existe, Nick.
— Pelo amor de Deus, você acredita nele, não faz isso,
Loren, estamos colocando sua puta interior para fora. Você faz o
melhor boquete da galáxia, como vou ficar sem você? — Deito
minha cabeça na curva do seu pescoço, sentindo seu pequeno
tremor, vindo do riso baixo.
— Bem, você vai ter que retirar todas suas amostras por
agora e congelá-las.
— Minha próxima amostra vai para dentro de você, isso
sim… Deite e abra as pernas — pego o preservativo dentro da
calça, e o coloco ao seu lado. Separadas na bancada, pego as três
pinças de madeira[39] e lhe mostro — aula básica de laboratório, que
objetos são esses?
— Pregadores de cabo longo?
— Não, não… E eu falei para abrir as pernas. — Lentamente
ela afasta as pernas, possibilitando-me ver o quão molhada ela está.
Meu pau recém-recuperado gosta do que vê, e minha boca saliva.
— Sem palpites? — ela dá de ombros — Pois bem, são pinças de
madeira, comprei especialmente para você.
— Três?
— Sim, duas para os mamilos, uma para o clitóris — ela
engole em seco, e seu queixo desce conforme a boca se abre de
surpresa.
— Você… — um delay a toma, e eu rio. 
— Vou te comer a lá BDSM hypado em 2011, versão
cientista, que dizer, quase isso, e adivinha? Você vai gostar.
— Eu não estou acreditando…
— Nessa altura do campeonato? — Acaricio o mamilo
marronzinho, fazendo-a estremecer. — Você já deveria colocar mais
fé em mim… Ainda mais, agora que quero-a aqui, vou me empenhar
mais para que fique…
— Nicolas… — antes que ela faça um discurso inteiro
durante o sexo, beijo-a.
Longamente, molhado, com bastante língua, chupando seus
lábios entre os meus, pescando-os com meus dentes, para então
colocar minha língua na sua de novo, e mais uma vez, até sentir seu
corpo mole entre meus braços. O beijo é desses que fazem
barulhinho, estremece e arrepia.
O que me faz parar é a falta de ar. Porém, só migro de sua
boca para seus seios, tomando o primeiro mamilo afoitamente,
mordo-o e o estico com a minha língua, para tomá-lo em mamadas
lentas e longas.
Loren eleva o corpo, querendo dar-me mais dela, e assim eu
faço, abocanhando o pequeno seio por completo, fazendo-a rebolar
embaixo de mim e gemer. Quando sinto a textura inchada, tiro-o
com pesar da minha boca, em seguida encaixando a pinça de
madeira. Repito o mesmo tratamento com outro seio, e é uma visão
do caralho, os mamilos presos sob o longo cabo das pinças.
Sorrindo, desço pelo seu corpo, mordendo e chupando, até
alcançar meu prêmio final. Abocanho sua boceta, sugando o clitóris,
preendo entre os dentes com delicadeza, bato minha língua nele
rapidamente. Loren, se segura em meus cabelos, rebolando contra
minha boca.
Introduzo meu dedo médio nela, esfregando a parede frontal
rugosa, em seguida coloco mais um, abrindo-os um para cima e um
para baixo, meto-os nela, e sou agraciado com um gemido alto. 
Seus pés se encaixam em meus ombros onde ela se apoia,
levantando o quadril para minha boca, fazendo com que eu acelere
os movimentos da língua e dedos. Antes que ela goze, eu paro, pois
se ela estiver contraída demais, não conseguirei entrar.
— Nicolas!
— Calma, Pãozinho de queijo! — visto o preservativo e meto
ela até o fim. Pego na bancada a embalagem esterilizada e retiro o
bastão de dentro. — Lembra-se o que é isso? — Mostro o objeto
para uma Loren extasiada e pedinte.
— É um bastão de vidro.
— Sim, mas hoje vai ser seu vibrador — abro os grandes
lábios e posiciono o bastão frio sobre clitóris. — Segure aqui,
querida. — Ela faz o que peço, eu pego a última pinça, fecho os
lábios em volta do bastão e os prendo. — Agora você vai desliza-lo
aqui.
— Merda, Nicolas… — ela geme quando começa a seguir
minha instrução — e você vai fazer o quê?
— Te comer gostoso — começo a me movimentar, entrando e
saindo de sua boceta.
Loren começa a se marturbar tímida, mas quanto mais sua
excitação cresce, mais a superfície lisa desliza no espaço apertado.
Aproveito o cabo longo das pinças, e as giro nos mamilos, às
vezes, abro-as minimamente, sem nunca deixar de meter em sua
boceta que, a cada investida, me aperta mais.
— Eu não consigo, essa porra está deslizando! — Loren,
frustrada, solta um palavrão, e isso faz meus pelos se eriçarem. —
Eu quero gozar e essa merda… — geme desapontada.
— Calma, meu amor, deixa eu te ajudar… — aperto mais a
pinça nos lábios, diminuindo o espaço do fino bastão. — Prontinho,
pode continuar.
Ela volta a desliza-lo com avidez, toda sua pele está
vermelha pelo esforço e excitação, percebo que Loren arqueia as
costas, sempre que giro as pinças nos mamilos e ela me prende ao
seu redor. 
Sua boceta pulsa em volta do meu pau, fazendo minha fome
por ela aumentar, como-a com metidas curtas, meu pau, maior que
a média, consegue sentir o colo do seu útero, e quando o faço,
rebolo contra ela, que grita meu nome.
— Nicolas, eu … merda, não consigo.
— Solta, meu bem, deixa eu fazer você gozar — assumo o
controle do bastão em sua mão, que está molhado demais, não sei
se de suor ou do fluido dela, e passo a masturbá-la. Aperto-o mais
para baixo e, ao sentir o nervo endurecido, vibro minha mão sobre.
— Não para, por favor, isso, continua… — ela aperta os
próprios mamilos nas pinças, consigo vê-los perder a cor, pela força
que faz.
Tê-la nua, suada e pedinte sob mim, desperta-me uma onda
de luxúria tão grande, capaz de fazer minhas bolas se contraírem e
expelir minha porra sem que eu sinta.
O orgasmo intenso faz meu períneo se contrair e relaxar, tão
gostoso quanto as vezes de um pegging completo.
Masturbo-a com mais pressão e velocidade, até que ela
goze, derramando seus fluidos quentes sobre minha mão, meu pau
e o bastão.
Encosto minha cabeça em sua barriga para que eu possa
voltar para a órbita terrestre.
Seu abdômen subindo e descendo me faz querer dormir
assim, em uma gostosa onda pós-orgasmo.
— Você está viva?
— Não sei ainda — ela ri —, isso foi muito, muito bom.
— Por nada, quando precisar… é só pedir.
— Você vai deixar que eu leve essas coisas para a
Inglaterra? — De repente sou tomado por um aquecimento, que
começa no fundo do meu âmago, ao imaginar outro cara usando
meus utensílios nela. Levanto-me depressa, saindo de dentro dela.
— Não, o cara que quiser fazê-la gozar, terá que comprar
suas prórias coisas… Pensando bem, ninguém a fará gozar como
eu faço.  — Começo a remover dela as pinças, mas a minha raiva
só cresce depois da minha frase, levando-me a perceber que o
problema não são as pinças ou bastão, ou qualquer outro utensílio
usado para o sexo… A questão é a imagem criada em minha mente
de Loren pedindo para outro cara fazê-la gozar.
— Não sinto minhas pernas.
— De nada. — Amarro o preservativo e descarto-o no
banheiro. Vejo-a estremecer por estar frio no laboratório, limpo-a
com rapidez e visto-lhe a calcinha, com sua ajuda, fazendo o
mesmo com o restante das suas roupas, em seguida me visto.
Descarto o papel, lavo as mãos, e encontro-a ainda sentada na
bancada.
— Está tudo bem?
— Sim… — calço as luvas descartáveis, preparo a lâmina,
meço 5µL[40] de sêmen pela pipeta, despejo-o sobre ela, sobreponho
a lamínula sem formar bolhas,  coloco-a pronta no microscópio e
acerto o foco, vendo minhas células germinativas se movimentando
rapidamente.
— Tem certeza? — ela insiste.
— Sim, Loren. Venha, já dá para ver os espermatozóides  —
chamo-a desviando sua atenção antes que ela insista nisso, e eu
seja obrigado a falar que estou com ciúmes, não acredito que estou
com ciúmes dela, de uma pessoa que não pode ser minha. — Por
eles dá para saber como meus filhos serão lindos. Talvez você deva
levá-los para Inglaterra e usá-los para sua fertilização. — Loren sorri
para mim e me leva na brincadeira, mas é toda uma verdade.
Abro espaço para que se aproxime. Enquanto ela segue
visualizando-os encantada, aproveito para respirar, e tentar eliminar
essa energia pulsante de dentro de mim. Céus! — como diz Loren
— acabei de ter dois orgasmos, não é para me sentir assim.
Temo que minhas glândulas suprarrenais estejam expelindo
tanto cortisol e epinefrina agora, que inibiram toda minha ocitocina
pós-orgásmica. Tudo isso pelo estresse do ciúme.
— Agora entendo, literalmente, sobre as pessoas
engravidarem com uma gotinha.
— É, cada µL  tem milhões de espermatozóides.
— São bem rápidos.
— Amanhã pela manhã, na aula, eles estarão mais lentos —
suspiro — Hmm, aquele café pode ficar para outro dia? Vou precisar
montar pelo menos a ementa, e são quase 17h.
— Sem problemas — ela me olha, forço um sorriso, tento não
ajeitar tudo rápido e sair correndo.
Eu só quero sair daqui.
Loren Thompson
— Eu juro para vocês, eu sei o que estou falando. Conheço
meu corpo.
— Amiga, eu te vejo todo dia, almoçamos juntas sempre, sua
barriga não está aparecendo!
— O Dan disse que está, e eu acredito nele! — Belle e Emma
entraram nessa pauta desde quando perguntei sobre a gestação, na
nossa chamada de vídeo em grupo.
— Belle, puft! — Olívia, que está de touca de alumínio na
cabeça, colocando máscaras de skin care de tecido nela, e nas
meninas. — Se você falar com Dan que quer um pedaço da lua ele
vai buscar, você acha que iria negar a você o prazer de vê-la sorrir
pelo elogio a sua barriga? — Todas riem, pois contra fatos não há
argumentos.
— Lou, vou te mandar uma foto, e VOCÊ poderá tirar suas
PRÓPRIAS conclusões.
— Pode deixar, Belle! Como estão as crianças, Oli?
— Vão muito bem. Estou louca que você os conheça! Lucas
foi passar uma tarde com Steven no CT[41], o danadinho parece que
nasceu com uma bola no pé, estamos incentivando, tanto ele quanto
às meninas a descobrirem suas habilidades. Lucas não quer dar
chance a outras coisas, quer ir trabalhar todos os dias com o pai. —
A paixão do sonho realizado parece iluminá-la a ponto de
resplandecer-lá... 
— Já marcou a passagem, Lou? — Emma me lembra porque
estou com o computador aberto sobre a cama há horas.
— Ainda não, estou olhando as opções ainda.
— Pelo amor de Deus, mulher, escolha logo essa data, você
é a única capacitada a me dar um vale-night, Emma só pode se
estiver sob supervisão também…
— Hey, eu sou a tia mais legal!
— Legal e legalmente responsável não são a mesma coisa,
amiga, continuando, e Dan quer contratar dois seguranças, um para
Belle e um para o bebê, então, ficar com duas adolescentes e uma
criança que AMA jogar bola dentro de casa, está fora de
cogitação… Só você pode me ajudar nisso.
— Oli, podemos ficar sozinhas, a gente dá conta do Lucas —
Maria tenta ajudar a mãe, o que é superfofo.
Há alguns dias, Oli comentou no grupo que Maria, por ser
mais velha, ainda não a chamou de mãe, diferente do irmão, Lucas,
que é mais novo, e está extasiado por ter pais. Percebo que a
maternidade tem diversos desafios, independente da forma que
você exerça ela. Mas, seja como for, Olívia está em êxtase com a
família, mesmo que a assistente social ainda esteja com eles, Maria
ainda a chame pelo nome, nada disso apaga seu brilho. Sophia
mesmo demorou anos para chamá-la de mãe.
— Mamãe está brincando, meu bem, ela só quer que a Tia
Loren volte para casa.
— Dois seguranças?
— Por favor, o homem acabou de esquecer esse assunto,
falem baixo! — Belle procura um fone de ouvido, e nós rimos dela.
— Quanto tempo você tem ainda? Quatro semanas?
— Três.
— Nossa! — Emma, para sua corrida noturna, me olha
surpresa. — Passou voando! Ainda bem, estou com saudades.
— Eu também, de todas vocês.
— Por que sua boca fala isso e sua linguagem corporal não?
— Olívia e sua expertise policial.
— Não é nada.
— Pois está me cheirando alguma coisa e, grávida, meus
instintos estão todos aguçados.
— Pois para mim, tem jeito de pau isso aí.
— EMMA! — Nós três a repreendemos, pois o celular de Oli
está sem fone.
— Desculpe, Oli! — Olívia vaga pelo quarto, e volta com um
fone no ouvido.
— Meninas, já volto — ela diz para as filhas que estão
deitadas na cama aos cochichos. — Ok, pode ir falando.
— Não tenho nada para falar.
— Você parece ter… — Belle insiste.
— Concordo. Por favor, não faça a gente esperar por três
semanas para você contar o que está acontecendo. — É um saco
ter Emma em minha vida às vezes.
— Eu e o Nicolas transamos.
— Meu Deus!
— Céus!
— Não acredito! — o caos se instala na conversa com as três
falando juntas.
— Quando?
— No aniversário?
— Ele come gostoso?
— Gente, vocês vão me enlouquecer! A primeira vez foi…
— Teve mais de uma? Que ódio de você, garota! — Emma
não me deixa terminar.
— Deixa ela falar — Olívia pede —, falta dez minutos para o
Steven chegar, e quero escutar tudo.
— Enfim, transamos bastante, foi um dia depois do
aniversário dele, sim, é gostoso — me limito a dizer essas coisas,
sem detalhes de compartilhamentos de passados, sobre ele estar
diferente esses dias, eu estar com pesar de ir embora, e etcetera.
— Cadê os detalhes? — Belle pede. — Eu conto tudo que o
Dan faz comigo. —Realmente, mas o caso é que ninguém pede,
quer dizer, Emma sempre pede detalhes, e nada a abala, mesmo
que esteja falando dos seus chefes. De acordo com ela, existe o
momento do crachá, e esses compartilhamentos são feitos fora
dele.
— Eu também — Emma concorda —, não o Dan,
obviamente.
— Meninas! — Olívia chama. — Talvez não seja o momento
— ela pisca, como se eu não estivesse na chamada — e tem algum
problema, Lou?
— Não, nenhum.
— Você parece triste, e…
— Pãozinho de queijo, cheguei! — Nicolas abre a porta do
quarto, cortando Olívia, e entra, me salvando de uma conversa que
não sei se saberia conduzir no momento. Afinal, o que é tudo isso
que está acontecendo agora? — Ops, desculpe, achei que estivesse
pronta. — tiro o fone esquerdo do ouvido e respondo-o sorrindo.
— Já estou, é só me despedir aqui. — Ele vaga pelo quarto,
se deita na minha cama e tira o celular do bolso.
— Que essas três semanas voem! — Emma reclama. Por
algum motivo desconhecido, meu coração se aperta e a última coisa
que eu quero é que as próximas semanas passem rápido.
— Okay, Okay, meninas, bora nos despedir, alguém tem
compromisso! — Belle começa a se despedir, em seguida sai da
chamada, Emma faz o mesmo, e Olívia me olha daquele jeito que
só ela sabe.
—  Sei que não temos muito tempo, e não posso falar tudo
que eu quero… — ela olha para algo atrás dela, e sua atenção
desvia com o som da porta abrindo — LUCAS! Sem bola! Você está
imundo! Steven, meu Deus!  — seu filho responde longe demais
para que eu entenda. — Vai para o banho sim, você e seu pai!
Logo! Steve, tem grama no cabelo dele! — Rio ao vê-la nervosa, e
ela coloca no mute.
— Já estamos acabando aqui — aponto para o celular. Ele
desvia o olho de seu celular, sorrindo, e me manda um beijo.
— Sem problemas, estou a sua disposição, milady.
Menos de um minuto ela volta a falar comigo
— Desculpe, chegaram antes, tem grama para todos os
lados. Enfim, voltando. Você não precisa me responder, sei que
Nicolas está próximo. Mas o fato é que há pouco mais de um ano
você chegou para que eu te ensinasse português, e aí está você. Do
outro lado do oceano, conquistando um sonho. No entanto, nesses
meses percebi que não só um título acadêmico te conquistou aí. E
nessa última hora, durante toda essa fala demasiada e sem pauta
nossa, só consegui reparar em uma coisa.
— O quê?
— Seu olhar. E sabe o que achei nele? — eu balanço a
cabeça em negativa — Eu. Não a Olívia Brown, de agora, com o
emprego que amo e realizando o maior sonho da minha vida que é
ter a minha própria família. Encontrei-me em seu olhar, no ano de
2019, quando eu percebi que queria pertencer a isso aqui — ela
gesticula para a casa —, queria o lar que Steve criou, queria
pertencimento, era só isso. Eu queria ficar, e foi isso que enxerguei
em você na última hora. E não tem problema nenhum nisso. Se for
da sua vontade e o desejo do seu coração, não se apegue a nada e
ninguém além de você, pois, se tem algo que aprendi nessa vida, é
que só nós podemos ser felizes por nós mesmas. Mais ninguém tem
esse poder. — Sinto minha garganta fechar, como um pré-choro, e
meu nariz arder.
— Obrigada.
— Não por isso. Agora vou deixá-la livre para cuidar do seu
garoto. Beijos, amo você.
— Eu também — respiro fundo, e tiro os fones por completo.
— Ei, você sumiu! — Sento-me ao lado livre da cama, e Nick larga o
celular.
— Odeio primeiros semestres! — Ele se arrasta até deitar em
meu colo. — Os alunos chegam pensando que universidade é
American Pie. — Ele suspira e parece bastante cansado.
— Nick, deixa-os. Daqui a pouco passa.
— Passa mesmo, principalmente quando receberem a prova
toda riscada. Sabe qual a maior nota da turma de Anatomia
Humana?
— Não faço ideia.
— 3,8 em 10.
— Nicolas, os alunos foram mal ou você pesou a mão na
nota? — conhecendo-o, sei do que ele é capaz.
— Posso ter tirado alguns décimos por respostas
incompletas… Porque falanges não são só falanges. Existem as
falanges proximais, as falanges médias e as falanges distais.
— Qual a diferença?
— As distais, são essas — ele aponta para a ponta dos seus
dedos. — É essa que mastubo o seu clitóris e que consigo aplicar a
pressão que você gosta; as médias são essas que curvo meus
dedos dentro de você e esfrego suas paredes rugosas, fazendo-a
suplicar por mais; e as proximais são as que me limitam, fico puto,
tiro os dedos e te meto logo o pau, pois sei que é o que você gosta,
e vai pedir em seguida.
— Nicolas! — empurro o seu ombro — E se um aluno te
responde isso na prova?
— Bom, se ele estiver falando de uma boceta que não seja a
sua, é dez, pela criatividade. Caso contrário é zero, pois você é
minha, então…
— Meu Deus, você só conhece os limites das suas falanges
proximais. — Ele gargalha e se vira de lado mordendo meu joelho.
— Você está olhando a passagem para ir embora? — Ele se
levanta no rompante, quase batendo a cabeça na minha.
— Sim, estava analisando dias e horários. Toda a parte
prática da minha pesquisa está pronta, qualquer coisa que vier a
precisar, poderei pedir a Jamile, André, ou até mesmo você…
Preciso repor as aulas que meus colegas deram por mim durante
minha ausência, então, por mais que queira tirar umas férias por
aqui, preciso voltar para Londres.
— Hmm, entendo. Quando você está pensando em ir?
— Dez de setembro, achei um voo de São Paulo para
Londres, direto. Ele partirá às 22h daqui. Chegarei mais ou menos
às 15h, no horário de lá. Chegarei no outono, então é bom que seja
esse horário. Não estou nada animada com o frio. Odeio o frio. Por
fim, achei um voo que sairá de Confins para São Paulo às 16h, não
quero me arriscar e perder o voo.
— Entendi. Podemos ir? Não quero chegar em BH tarde.
Chegar lá tarde é dormir tarde, e ter que dar aula às 7h não me
anima.
— Podemos.

Pareço repetitiva, e talvez eu esteja.


Mas Nicolas está estranho.
Ele veio o caminho todo de Ouro Preto a Belo Horizonte
calado. Sem nem mesmo cantarolar as músicas da sua playlist.
Ambas as mãos no volante, e o corpo tenso o tempo todo.
Ao chegarmos, tomamos banho, comemos e deitamos.
Sem mãos bobas, sem brincadeira e insinuações sexuais.
Nada.
Eu disse para ele que ficaria em sua casa, pois meu tempo
estava corrido, e queria ter mais uma revisão do artigo com André
antes de ir embora. Sem contar que não vi a necessidade de segui-
lo pelo campus a quinta e sexta-feira inteiras, de manhã até a noite.
Mas, combinei de passar o sábado no museu com ele.
— Bom dia, Terezinha, como vai?
— Tô bem, Loren, e como cê tá?
— Bem. Você viu o Nicolas?
— Menino Nicolas, colocou uns trem no ouvido e saiu pra
correr, daqui a pouco ele tá chegando. — Olho o relógio e vejo que
são 6h30 ainda. — Vai tomar café agora?
— Vou esperar o Nicolas.
— Ih, acho que ele não vai comer. Bebeu uns trem que ele
misturou no leite.
— Sendo assim, irei comer — sorrio para a senhora
fofíssima, que coloca um lugar na mesa para o café da manhã.
Não demora muito para que ele chegue, nos cumprimente e
corra para o banho.
Minha mente só consegue registrar a blusa molhada de suor
grudada nas costas e nádegas.
Meu corpo se arrepia com a visão, minha boca saliva e sinto
meu clitóris se repuxar.
Rapidamente termino de engolir o café, e vou atrás dele no
quarto, encontrando-o nu, indo para o banho.
— Hey, parece que você sumiu da sua própria casa. 
— Oi, Pãozinho de queijo, desculpe, minha cabeça está
bagunçada. Ando com dificuldades. — Isso me surpreende. É
estranho, pois estou tão acostumada com ele sendo autossuficiente,
que essa frase não condiz com o Nicolas que conheço.
— E eu posso ajudar em alguma coisa?
— Bem, você não ir embora, ajudaria em oitenta por cento…
— Sua resposta faz meu coração disparar, e engulo em seco. —
Mas isso não está nos planos, então estou tendo que me adaptar a
isso. Dormir sem ter você enrolada em mim, dirigir sem ter seu
joelho para segurar… essas coisas, sabe?
— Por isso está me evitando?
— Não estou te evitando, te trouxe para BH comigo uai e,
aliás, vamos jantar fora essa noite.
— Vamos?
— Sim, num lugar bem chique.
— Nicolas…
— Eu não abri uma petição pública, então não tem: Nicolas e
o resto do sermão.
— Só não me sinto confortável com você gastando dinheiro
comigo, e…
— Blá, blá, blá, Loren, venha para o banho. — Ele se vira de
costas, e entra no box, ligando o chuveiro.

Saber que irei embora é diferente de perceber que eu vou.


E é a caminho do museu com Nicolas que tenho essa
percepção.
Recordar-me do que Olívia disse ontem na ligação, as
palavras de Nicolas hoje e o e-mail de confirmação das passagens
em minha tela de celular fazem a realidade gritar em minha cara um
gigante: Acabou.
Em vez de Nicolas segurar meu joelho, sou eu quem faz isso
com ele, no curto percurso da sua casa até o museu.
Sua fala de mais cedo entristece meu coração, pois percebo
algo que ele aparentemente já faz antes, que em três semanas tudo
o que vivemos nesses meses se findará.
E não é só segurar o joelho e dormir de conchinha. Percebo
agora que me envolvi além do esperado.
São as refeições compartilhadas, as conversas
descontraídas, o sorriso fácil, as piadas biológicas ruins, os
passeios, as confidências trocadas, os conhecimentos agregados, o
carinho… a amizade.
Se um dia for me envolver com alguém, a única coisa que eu
desejaria é que essa pessoa fosse como Nicolas.
E neste exato momento um arrependimento sem tamanho
pesa em meu colo.
Por que não passei mais noites ao seu lado? Por que não o
chamei para jantar? Por que EU não programei algo para fazermos?
Existe internet hoje em dia, Loren, você poderia ter se
esforçado mais.
Mas a que custo? Mais envolvimento?
— Pãozinho de queijo? Tudo bem? Por que está chorando?
— A voz rouca dele desperta-me de meus devaneios. Passei tanto
tempo perdida em pensamentos, que nem o vi estacionar o carro. —
Ei — ele solta seu cinto, faz o mesmo com o meu, empurra seu
banco para trás e me puxa para o seu colo. — O que foi?
— Acabo de perceber que logo terei que ir embora — digo
entre suspiros e lágrimas.
— Bem… Já sabíamos disso, certo? — ele beija a minha
testa.
— Sim, mas eu não havia feito um balanço, e… — corto
minha fala, pois não sei dizer até que ponto devo e quero me expor
para ele. — Enfim, daqui a pouco isso passará, não se preocupe…
Quando…
Nicolas interrompe-me com um beijo, primeiro lento,
delicadamente, e então afoitamente sua língua busca a minha.
Dando voltas em minha boca, mordendo meu lábio, puxando com
força os cabelos em minha nuca, segurando-me com vigor pela
cintura, ele se esfrega em mim, enquanto engole meus gemidos,
deixando-nos arfantes, aos poucos Nicolas diminui o aperto em
minha volta, e nosso único contato são nossas testas, abro os olhos,
mas ele não faz o mesmo.
— Você disse hoje de manhã que estou estranho, e sei que é
verdade… — ele suspira. — Eu tenho, ao todo, entre colaborações
e autorias, treze artigos científicos publicados, já li, de acordo com o
skoob cerca de seiscentos e quarenta livros, e desde que a sua
volta para Inglaterra tornou-se uma realidade muito próxima, faltam-
me palavras  para expressar o que venho sentindo.
“Algumas coisas estão incrustadas em nós, me fechar em
uma situação estressante é uma delas, e é isso que fiz nos últimos
dias, por isso te peço desculpas.  Você sabe, Loren, que eu não
defini minha relação com nenhuma divindade, mas acredito na
ciência.
“Existe uma teoria que argumenta sobre o fluxo do tempo.
Acredita-se que o passado, o presente e o futuro coexistem, em
dimensões diferentes, e é nisso que eu estou me apegando para
conseguir aceitar que você vai embora. Que em algum momento
estarei ao seu lado, independente de qual seja esse espaço-tempo.
— Quando ele termina de falar, Nicolas abre os olhos e me encara
como se ele conseguisse enxergar o fundo da minha alma. — Estou
tentando não me abalar e vou conseguir. Farei dessas três semanas
as melhores da sua vida.”
Mal espero ele finalizar e sou eu quem toma a sua boca na
minha.
Se a teoria de espaço-tempo for real, espero que possa ficar
presa no looping desse beijo em alguma dimensão.
Nicolas Amaral
Seria tão mais fácil se nós fôssemos só seres racionais, e
não sentimentais.
Pois é racional que Loren vá embora em seu tempo. No
entanto, faltam três semanas, e em vez de usar a racionalidade, e
virar essa mulher do avesso, fazê-la usar a fábrica de pomada para
assaduras inteira nessas semanas, estou aqui perdendo tempo com
sentimentalismo, sofrendo por antecedência. Desviando minha
atenção para o inevitável, em vez de focar minha energia em
aproveitar o momento.
— Você se lembra quando estava fazendo um dossiê sobre
mim para sermos amigos? — ela pergunta após o almoço. Estamos
sentados no gramado atrás do museu, fazendo o restante do horário
de pausa.
Passei a manhã inteira com ela ao meu lado, enquanto
guiava visitantes pelo museu, e durante o tempo todo, eu só sentia
inveja do cara número catorze, pois essa mulher é linda demais.
— Sim! Achou mais alguma sacanagem sórdida para me
contar?
— Lembrei-me de algo que você talvez goste. Tenho uma
coleção de réplicas dentárias humanoide.
— MENTIRA!
— É sério! Comprei em um site indiano, são perfeitas. Foi o
tema do meu trabalho final de graduação, fiquei fissurada em
dentes. 
— O que eu tenho que fazer para ver essa belezinha?
— Ir me visitar em Londres, só assim — ela pisca para mim,
como costumo fazer, levando-me a gargalhar.
— Décimo quarto filho da puta sortudo — sussurro. Não
basta ser bonita, tem que ser cientista e fazer coleções estranhas.
— O que você disse?
— Nada. Venha, vou te mostrar o museu de verdade.
— Como assim? Onde passamos a manhã toda?
— No salão de visitantes, agora vou te levar para onde a
magia acontece.
— Eu vivi uma mentira! — Loren, de jaleco, luvas e máscara,
me olha indignada.
— Pãozinho de queijo, eu pensei que soubesse disso. Você é
historiadora.
— Nicolas, só existe uma pintura de Monalisa no mundo, e
ela está exposta no Museu do Louvre! Não é assim que funciona na
história!
— Mas existem réplicas pelo mundo.
— MAS todos sabem que a verdadeira, está lá.
— Loren, se escrevermos “réplica” perde o encanto. É difícil
manter um acervo assim. As escavações custam muito dinheiro, e o
Brasil não investe nisso. Você está dentro de um dos museus que
mais tem peças originais, e é só uma. Não podemos correr o risco
de expor a peça e perder detalhes importantes. Este crocodilo de
milhões de anos, nós temos a cabeça, e o Rio de Janeiro, o corpo.
Nós fizemos a réplica do corpo e eles, da cabeça.
— Como isso é possível? Por que vocês não juntaram tudo,
em um só e definiram alguém para ficar?
— Uai, a terra não é rígida, ela se movimenta. Imagina o
tanto que se alterou em milhões de anos. Nisso, os escavadores
acharam uma parte dele em — olho a etiqueta — Sete Lagoas,
Minas Gerais, o restante foi achado no Rio. E existe uma coisa,
chamada ego, conhece? Ninguém queria abrir mão, o escavador
daqui não abriu mão, nem o de lá. Existe um trâmite legal por trás
também.
— Ainda assim, estou indignada. — Ela cruza os braços em
frente o corpo.
— Aposto o meu salário do mês que em Londres e Nova
Iorque também têm réplicas. Não temos disponibilidade de peças
assim, em larga escala. Réplicas salvam pesquisas, mantém a
originalidade, conserva  a integridade e outras coisas. O museu de
cera, já devia te dar essa ideia. São réplicas de pessoas.
— Nicolas, uma coisa não tem nada a ver com a outra.
— Museu de ciências é assim, Pãozinho de queijo.
— Hum — ela dá de ombros, realmente chateada —, vou
fazer um estudo mais aprofundado sobre isso.
— Desfaça esse beiço, Loren. — Rio da olhadela que ela me
dá.
— Ou o quê?
— Ou vou te pressionar nesses armários e arrancá-lo de
você — ameaço-a.
— Pode vir então — novamente, mal-criada, Loren dá de
ombros.
Prendo seu corpo, entre mim e o longo armário de gavetas
onde guardamos os originais.
— Você sabe o que está pedindo, não é?
— Sim, eu vou ganhar? — abaixo nossas máscaras e
começo a beijá-la.
Desde o beijo no carro mais cedo, só penso nas cinco da
tarde, onde meu expediente se encerrará, e poderei tê-la comigo,
sozinhos, pelados, gemendo e suando.
Mas, parece que não vamos esperar até lá.
Desabotoo o jaleco dela, e sou grato a quem inventou o 
vestido, especialmente hoje, tiro sua calcinha e guardo-a no bolso.
Loren passa as pernas pela minha cintura, agarra-me afoitamente,
nossos dentes se batem no percurso, nos fazendo rir, antes de
seguirmos desejosos para um beijo molhado e barulhento.
Arranco minhas luvas, seguro sua bunda com força para
erguê-la…
— Aí — ela geme e esfrega o cabelo —, minha cabeça bateu
no puxador — Loren gargalha.
— Desculpe, desculpe. Se apoia na mesa de costas para
mim — Loren faz o que eu peço.
Ergo a saia do vestido, e defiro um tapa estralado em sua
bunda.
— Nicolas! As pessoas podem ouvir. — Ao mesmo tempo
que me repreende, ela se esfrega em mim, como a gatinha
manhosa que é.
— Relaxa, aqui está longe, e o salão está barulhento — faço
o mesmo com o outro lado — não podemos demorar, a qualquer
momento o Davi deve estar voltando do almoço!
— Então vem, eu já estou molhada.— Ela se inclina mais na
mesa, e me olha sobre o ombro.
— Décimo quarto sortudo do caralho! — gemo irritado tirando
o preservativo do bolso, tentando abrir minha calça e baixá-la, tudo
de uma vez.
Abro suas pernas com a minha, empurro as nádegas,
recebendo a visão do cuzinho que às vezes me tira o sono, encaixo
meu pau em sua boceta, arremeto fundo, fazendo-a soltar um
gemido bem mais alto que o tapa, coisa que ela geralmente não faz,
tampo sua boca com minha mão. Inclino-me sobre ela, para
sussurrar em seu ouvido.
— Você é uma vagabunda, filha da puta! Logo agora que está
indo embora, fica dando esses gemidos gostosos! Isso não se faz!
— Bato em sua bunda de novo, voltando a meter nela. Loren lambe
a minha mão, fazendo com que eu destampe sua boca.
— Foi você quem disse que ia me transformar em uma
vadiazinha.
— Loren, Loren, você vai precisar de pelo menos dez tubos
de pomada para assaduras, se continuar me provocando.
— Vamos ver então até onde eu aguento… — Seu quadril
vem para trás, provocando-me.
Deixo de lado o cuidado, o carinho, a delicadeza e foco-me
na fome que estamos um do outro.
Aperto sua cintura para não pressioná-la demais contra a
mesa, invisto meu quadril contra o dela, diversas vezes, aguentando
todas as suas reboladas e empurradas que dá em meu pau.
Minha fome dela é tão crua, que o instinto me toma, fazendo-
me sair completamente para então entrar com força em sua boceta
molhada, escorregadia, quente, receptiva.
O barulho do nosso embate libidinoso só não é maior que
seus gemidos, o que me obriga a pressionar minha mão grande
sobre sua boca de novo.
Olho ao meu redor, Loren quase de quatro sobre a mesa
repleta de fósseis e réplicas, o jaleco e vestidos embolados no
quadril, em volta os corredores de armários que guardam milhões
de anos de descobertas científicas…
É a realização de uma das minhas maiores fantasias sexuais!
Sinto a vagina de Loren me apertando, meu pau perde
espaço, minhas bolas se contraem, ela goza, gemendo contra a
mão que a cala, e não me seguro, puxo-a com força ao meu
encontro e gozo profundamente na sua boceta, em vários jatos
longos, restringindo seu quadril vigorosamente contra mim.
Escuto o barulho oco de algo caindo, mas a onda
orgasmática não permite que eu me mexa. Loren deita sobre seus
braços, com suspiros de satisfação, mostrando-me que foi bem
comida, sorrindo, olhando-me sobre os ombros.
— Foi uma ótima demonstração, mas para usar pomada
precisarei de mais umas três ou quatro dessas.
— Agora eu não tenho tempo, mas, mais tarde vai se
arrepender disso! — Saio dela, me deparando com algo que me
assusta — Merda!
— Eu sei, derrubamos um fóssil de milhões de anos…
— Derrubamos o fóssil? Puta que pariu! — Olho para o lado,
e vejo o crânio do crocodilo no chão.
— Não é por isso que está xingando?
— Agora é também. — Loren se levanta, abaixa o vestido e
me olha.
— O quê… — Ela olha para meu pau e entende.
— Isso nunca aconteceu, eu juro — olho para o que foi
preservativo um dia todo rasgado em volta do meu pau. —  Sei
colocar essa merda, como isso aconteceu? Estou limpo, você sabe
que estou em dia com os exames e não saio com ninguém desde
que praticamente nos conhecemos, e… — desato a falar, e me olha.
— Ei, está tudo bem. Meus exames estão em dia também, e
eu uso DIU. Relaxa — ela põe as mãos em meus ombros e os
massageia. — Não precisamos desesperar.
— Eu não estou, mas se quiser, posso comprar uma pílula do
dia seguinte, e…
— Nicolas, está tudo bem. Eu só usei isso uma vez na vida
quando decidi me separar, prefiro não tomar, não vai acontecer
nada. — Respiro fundo, e olho para o fóssil caído.
— Você — aponto o dedo para ela —,  Pãozinho de queijo,
deveria vir com um aviso de alto risco para a minha saúde mental —
retiro o que sobrou do preservativo em meu pau, e visto-me. — Pois
acaba com a minha sanidade.
— Digo o mesmo de você.
— Mas eu fui legal com você, te avisei que sou incrível —
pisco para ela. Ouço a porta abrir, e trato de calçar as luvas
rapidamente e volto com o fóssil para a mesa, conferindo se nada
foi danificado, suspiro aliviado quando vejo que não foi. — Nós
nunca vimos esse crânio, certo? — sussurro para ela.
— Nunca — ela diz sem voz.
— Ótimo! Mais duas horas aqui, e podemos ir para casa, usar
a banheira do meu quarto até que fique assada.
Nicolas Amaral
Eu pisquei, fui engolido pela vida adulta, e três semanas
foram cuspidas na minha cara.
Três maravilhosas semanas.
Levei Loren para uma visita técnica em uma caverna e a comi
sobre pinturas rupestres, fomos a jantares chiques e, em um deles,
o vinho corou deliciosamente suas bochechas, não aguentamos
esperar chegar em casa, transamos no acostamento da BR.
Loren, do nada, decidiu que ela queria programar algumas
coisas para fazermos, então acabamos em uma peça de teatro da
faculdade de artes de Ouro Preto, uma sessão de cinema em Belo
Horizonte e a única coisa que me lembro do filme é do gozo dela em
meus dedos, mas tenho quase certeza que isso não fazia parte do
roteiro, não o da Marvel, pelo menos.
Levei-a a um rodeio na cidade vizinha, ao Mercado Central
de Belo Horizonte, onde fizemos degustação de cachaça e queijos,
o que nos rendeu uma puta ressaca em um domingo de manhã.
Fomos a um motel, um beeeem chique, e Loren achou
revolucionário termos um lugar em que as pessoas vão para transar.
Afinal, o objetivo do motel para os estrangeiros não é esse. Sua
surpresa, e minha maior tentação, foi o espelho no teto. Decidi que
se tivéssemos mais tempo eu colocaria um na minha casa, só para
vê-la cavalgando em mim de novo.
Fizemos uma lista de todos os pontos turísticos que Ouro
Preto oferece, riscamos aqueles que ela já conhecia, e então
zeramos a lista. Conhecemos todas as igrejas faltantes, e pude ver
Loren resplandecida pelo ouro, na Matriz do Pilar, fomos a casa dos
Inconfidentes, a uma mina de extração de ouro, levei-a a um
ourives, e ela pôde acompanhar a criação de uma peça do início ao
fim. Fomos a todos os museus que faltavam, e Loren agora, quer
ser geóloga também.
Compartilhamos juntos todas as refeições possíveis, houve
dias em que conseguimos fazer as três principais juntos. Levei-a
para degustação de doces tradicionais mineiros no Mercado
Internacional de Lagoa Santa, a feira das maiores Cervejarias
Artesanais em Nova Lima. Assistimos juntos os voos inaugurais dos
pilotos no aeroporto particular, o nascer e o pôr do sol dos melhores
lugares, tanto em Ouro Preto quanto em Belo Horizonte.
Assistimos a um jogo de futebol, e reforcei que nunca iria a
perdoar por não me apresentar o marido da amiga, técnico do
Arsenal. Confesso não ser torcedor ou fã fervoroso dos
campeonatos europeus, mas conhecer o treinador de um time da
Champions League, é do caralho, quem não gostaria disso?
Mas para além de todos os programas que fizemos juntos,
nós confidenciamos mais de um para o outro, fossem trivialidades
ou assuntos importantes… Conheci mais de Loren em semanas, do
que conheci dos meus antigos affairs, poderia dizer, que até mesmo
de Quésia.
Nas últimas semanas, vivi sem reservas, sem medos, como
se eu pudesse ter disso tudo para sempre em minha vida.
E então estamos aqui, com as malas dela no carro, a
caminho do distrito de Macacos, para nossa última noite juntos.
— Ganhei também um livro de receitas da Flor, isso é fofo
demais! Não sei se vou achar todos os ingredientes em Londres,
mas tenho certeza de que a Oli pode me ajudar, o irmão dela
exporta alguns ingredientes daqui para o restaurante dele — Loren
vem citando animadamente os presentes que ela ganhou das
pessoas que ela criou laços durante esses meses. — O que é bom
para todos, pois estava mexida com a morte de sua soberana, a
Rainha Elizabeth II.
— Você vai pagar excesso de bagagem assim.
— Não me importo! É muito legal essa cultura de vocês se
presentearem assim! Na Inglaterra não fazemos isso. Ah! André me
deu um livro dele autografado e com dedicatória, sabia que ele tem
um diário da viagem ao Egito com detalhes antropológicos?
— Sim, eu já li. É bem legal.
— O pessoal no museu fez uma festa de despedida para
mim! Uma festa! Eu mal posso acreditar. — Sorrio da sua animação,
e beijo seus dedos.
— Eu também vou te dar uma despedida, uma bem
completa… Vou receber tudo isso de gratidão?
— Não sei… A Jamile me deu uma camiseta linda do museu,
o que você vai me dar?
— Porra! Minas Gerais criou um monstro — mordo o seu
mindinho —, tentarei superar tudo isso então. — Ela puxa seu cinto
e beija a minha bochecha sorrindo.
— Estou brincando, bobo! Você sabe! Tem certeza de que
pode tirar a noite de hoje e o sábado de folga? Não quero que fique
desempregado.
— Relaxa, Loren, eu alterei o cronograma de aulas, você
acha que meus alunos ficaram mal por terem uma aula gravada em
EAD de revisão na sexta à noite? A resposta é não. E sobre o
museu, sempre posso compensar com uma palestra ou workshop
em nome da instituição. Olha só, chegamos — aponto para o chalé
logo à frente.
— É um chalé de vidro?
— Sim, a realização do sonho de um biólogo é transar na
floresta, por favor não estrague a fantasia. — Loren ri, e balança a
cabeça desacreditada.
Pego-a no colo quando nos aproximamos da entrada e sou
agraciado com um gritinho dela.
— Nick, o que é isso? Me coloca no chão.
— Nada disso, você e eu, é o que tenho mais próximo de
uma relação em que me casaria, então essa é nossa lua de mel
barra despedida. Então, por favor, colabore, Pãozinho de queijo.
— Nicolas — seus braços se fecham em torno do meu
pescoço —, você é um ser humano incrível, sabia disso? — antes
que eu responda, ela prossegue — Se existe alguém que merece
um amor de livros, esse alguém é você. Me promete que não vai
afastar as pessoas e irá ter um final feliz?
— Felicidade é relativo, não vou te prometer quanto às
pessoas, mas procurarei ter um lugar feliz, mas saiba que ele pode
ser em uma caverna escavando fósseis até o fim da minha vida. —
Seu pequeno punho bate em meu peito, e ela solta um suspiro.
— Você não tem jeito.
— Tenho sim, e é você quem vai me dar um jeito, tenho
diversas perversidades para nós dois hoje.
Coloco-a no chão quando entramos, e pego nossas coisas no
carro.
O chalé é todo em vidro nas laterais e no chão da área de
banho, durante o dia é uma das visões mais paradisíacas que já vi.
O diferencial do lugar são as paredes maciças estarem restritas ao
sanitário, o restante é completamente aberto, do jeito que da porta,
consigo ver todo o ambiente. A cama é diretamente no chão, de
forma que nos sentimos abraçados pela lareira da sala. Como eu
pedi, consigo ver a banheira pronta, e o jantar servido sob tampas
de inox na mesa de centro da pseudossala.
— Banho primeiro? — pergunto abraçando-a por trás.

De banho tomado, juntinhos na banheira com direito a


massagem no micro pé da Pãozinho de queijo, enrolei-a no roupão
e dispensei as roupas, afinal vou tirá-las logo, logo.
Jantamos com Loren no meu colo, e estamos há quase duas
horas deitados no tapete felpudo aos pés da cama, nos beijando,
falando de tudo e nada ao mesmo tempo.
Onde aperto para congelar nossas vidas neste exato
momento?
— Muito, muito, muuuuito — ela me dá um selinho a cada
palavra dita — obrigada por me proporcionar isso, é a melhor
despedida que eu poderia ganhar. E olha que Emma me levou a um
clube de strep-tease. Vou sentir sua falta em Londres. — Mordo o
seu lábio inferior, fazendo-a reclamar.
— Não por isso. E já te falei, para resolvermos, é só você me
levar na mala. Mas você gosta de sofrer… Como você não mudou
de ideia nessas semanas, acho que merecemos. E me respeite, sou
melhor que gogoboys. Está me agradecendo cedo demais, nem
fomos para a melhor parte da lua de mel… — ela gargalha, e beija
meu peito.
— Você é muito bobo, Nicolas, meu Deus! — seu queixo
descansa em meu tórax, e ela me olha prestando a atenção em meu
rosto.
— Eu tenho uma charadinha para você… Qual é o presente
que devemos dar na lua de mel?
— Vou me arrepender disso… Eu não sei.
— O cuzinho… — Loren arregala os olhos, sua boca só não
se escancara, pois, está apoiada em mim.
— Nicolas… Eu acho que você é grande demais para
fazermos isso…
— Bem, estou falando do meu, mas se quiser me dar o seu,
não irei reclamar…
— Já fizemos isso…
— Não, não fizemos. Seu dedo em mim é uma delícia, por
favor faça sempre, mas, eu estava pensando em uma experiência
de pegging de verdade… Se quiser. Seus dedinhos foram sua
iniciação, como para  nos acostumarmos com tudo, pense no que
tivemos como uma missão de reconhecimento… Mas, meu sonho
mesmo, sempre foi que você me comesse, e aqui estamos… Você
pode piscar, Pãozinho de queijo — rio da cara de espanto dela.
— Você não pode sair disparando essas coisas para cima de
mim, e querer que eu fique normal!
— Mas sei que você não está normal, sua boceta
provavelmente está pingando, com desejo de me comer… —
deslizo a mão pela sua bunda por cima do roupão, quando alcanço
a beirada, adentro-o, sinto sua pele se arrepiar, coloco minha mão
entre suas pernas, deslizando meus dedos sobre seus lábios ainda
fechados, constato o que eu já sabia, Loren está pingando. Estamos
nesses amassinhos há algum tempo, minha ereção já foi ao
máximo, e baixou um pouco, mas desde o banho, só quero comê-la.
— Você nunca decepciona, meu amor.
— Nicolas…
— Sei reconhecer a luxúria em seu olhar, Loren… Desde a
primeira vez que eu falei sobre isso, seu interesse foi instantâneo. E
depois, vi uma pesquisa em seu computador… Andou fazendo o
dever de casa? — Sua pele aquecida, cora, ela me olha assustada.
Continuo deslizando meu indicador por sua fenda, subindo e
descendo delicadamente. — Eu fiquei bastante animado quando,
por acaso, lendo uma das versões do seu artigo, movi o cursor, e
abriu em uma página sobre isso… Foi logo depois da nossa primeira
vez. Eu estava aguardando ansiosamente quando íamos falar
sobre, mas você parece ter esquecido ou desistido.
— Desistido não — responde prontamente.
— Interessante… Você teria coragem de ir embora sem me
comer? Isso chega a ser um pecado. — Loren baixa o rosto,
deixando-me com a visão dos cabelos acobreados. Aperto meu
dedo, inserindo-o entre os lábios, deslizando com mais velocidade.
— Hmm, entendi, você ficou envergonhada de pedir isso — ela
concorda —, mas ainda bem que eu sou o sem vergonha aqui.
Achei que estava fazendo um bom trabalho com você… Vejo que
terei que passar minhas férias de fim de ano na Inglaterra para
continuarmos com meu trabalho.
— Talvez seu presente de natal seja uma passagem…
— Vou contar com isso — pressiono o seu clitóris, fazendo-a
gemer —, sabe qual a sua sorte?
— Qual?
— Que estou louco para fazermos isso juntos. Te falei que
essa prática tem a ver com troca, com segurança, e não existe
pessoa que, na vida, eu mais confiaria entregar meu prazer se não
você… Por isso comprei uma coisinha para nós. — Tiro o dedo dela,
e o chupo, saboreando-a. — Já volto.
Deixo-a deitada no tapete, ainda corada, a respiração um
pouco acelerada, e os olhos aveludados me seguindo.
Vou até a minha mochila e pego o que eu preciso.
— Alguém já te apresentou uma cinta, fora a internet? —
pergunto quando me sento entre suas pernas. Loren levanta a
cabeça e me olha.
— Não…
— Pois eu comprei para nós — ergo a cinta para que veja.
Loren se senta, interessada — essa é uma dupla, tem a parte que
você me fode e se fode. Esse pequeno dildo estimula seu clitóris. —
Entrego a cinta para que Loren se familiarize com ela. — Eu queria
te treinar, até usarmos uma dessa, que fosse dupla para você, e
uma para mim… — suspiro sonhador com a imagem que se forma
em minha mente. — Talvez eu realmente apareça no Natal… — Ela
concorda sem me olhar, suas mãos e olhos curiosos fitam e
acariciam a cinta. — Comprei laranja para combinar com seus
cabelos… Então, o quê você me diz? Sim ou…
— Sim! — Loren não permite que eu termine.
— É isso que eu amo em você. Venha, vou te ajudar a vesti-
la. — Puxo-a pelos braços e faço-a ficar de pé em minha frente,
desamarro o roupão, deliciosamente Loren o faz deslizar pelo corpo
esguio. — Coloca essa perna no meu ombro — ela faz o que eu
peço.
— Mas, para…— ela se cala quando aproximo minha cabeça
e começo a chupá-la.
Loren segura em meus cabelos, e esfrega-se em minha cara.
Aproveito beijando-a intimamente, coloco seu clitóris entre meus
dentes delicadamente, e surro-o com minha língua. Com a mão
livre, penetro-a, espalhando sua lubrificação. Quando percebo-a
lubrificada o bastante, paro de chupá-la.
— Pronto, só precisamos que fique molhada, não queremos
lubrificante em você, depois que você me comer, eu vou te chupar
gostoso, e tomar seu gozo.
— Merda, Nick, primeiro me faz gozar.
— Ninguém aqui está com pressa. Venha, passe a perna —
abro a faixa para que ela passe uma perna, depois a outra, subo a
cinta, ajustando-a nas coxas dela — está muito apertado?
— Não, está firme.
— Ótimo, abra as pernas para receber o dildo — ela segue a
instrução, deslizo o dildo entre seus lábios, o lubrificando. Loren
prende as unhas em meus ombros e geme ao contato do consolo
em seu clitóris pulsante e desejoso. — Você é tão receptiva e isso
me enlouquece — puxo sua cintura para frente, e ajusto a cinta
nela, fechando a última fivela. — Afaste-se um pouco, deixe-me vê-
la.
Loren se afasta, e é a porra do paraíso.
Sua luxúria e poder exalando é a imagem mais comível da
vida.
Meu pau se contrai e expele uma gotinha de pré-semên.
— Como se sente?
— Ansiosa e nervosa.
— Vamos acabar com isso então. Venha cá, me come,
Pãozinho de queijo.  — Loren se ajoelha, e engatinha para mim,
com os seios pequenos se balançando levemente em minha
direção.  — Você não precisa ficar nervosa.
— Eu nunca fiz isso, nem sei por onde começar…
— Eu já te ensinei várias coisas, vou ensinar isso também.
Não tem o que temer, é sexo e consensual. Nosso objetivo aqui é
termos prazer. É uma relação sexual normal, querida, só invertemos
a penetração, por enquanto. Sei que fez suas pesquisas, mas
lembre-se de me lubrificar antes de entrar, faça com carinho e está
tudo certo. Como você me quer? De quatro? De lado? Por cima?
Por baixo? Você quem manda.
— Estou aceitando sugestões…
— Para uma primeira vez, seria melhor comigo deitado, e
você por cima, ambos de frente. Assim conseguiremos me
masturbar. — Vejo-a ponderar, em seguida concordar. Tiro o roupão,
e deixo que ela veja-me inteiramente, quanto estou duro para ela.
Beijo-a, como gostamos, molhado, vagaroso, com bastante
língua e barulhinhos. Ponho-a entre minhas pernas, entrego-lhe o
tubo de lubrificante.
Loren empurra-me delicadamente pelos ombros, começa a
descer com seus beijos, lambendo minha clavícula, passando para
meu peito, onde ela circula a língua em meu mamilo, mordiscando-o
em seguida.
Seus lábios úmidos passeiam em meu umbigo, chegando no
meu pau, Loren o ignora, acaricia minha virilha, por cima da
tatuagem, ela chupa a pele, causando-me um espasmo de forma
que meu pau encoste em seu rosto delicado.
Sua mão passa a acariciar minhas bolas, deslizando pelo
períneo, voltando aos testículos. Loren começa a dar atenção a
eles, primeiro um, depois o outro, e então os dois estão em sua
boca. A língua atrevida circula-os, arrepiando todos os pelos do meu
corpo.
— Porra, Loren, mais… — maldosamente ela me olha, e
nega-se. Seus beijos delicados são direcionados ao meu períneo,
onde ela mordisca — Caralho, use a língua — suplico.
Loren assopra a região, em seguida sua língua delicada
lambe-me inteiramente, parando em meu ânus, onde circula-o e
sem pressa o acaricia.
— Merda, vou gozar assim — puxo seu cabelo. — Não
queremos desse jeito, lembra-se? — Um sorriso maldoso toma sua
face.
— Nick, sou eu quem estou ditando as regras aqui, não
percebeu? Deite-se e aproveite — Loren abaixa, e toma todo meu
pau em sua boca.
Vejo estrelas de olhos fechados, tomado pelo tesão e o
prazer que ela me proporciona, aprecio as sensações causadas por
Loren em meu corpo aquecido.
Sinto o gel lubrificante gelado em meu cu, molhando-me, e
isso faz com que eu me erga nos braços, pois quero vê-la tomada
inteiramente de luxúria quando me penetrar.
Concentrada, Loren espalha bastante lubrificante por todo o
dildo da cinta, olhando-me profundamente, primeiro acaricia-me,
como a ensinei fazer, delicadamente ela coloca um dedo, depois o
outro, indo e vindo com maestria e cuidado.
Meu pau se ergue completamente em sua direção, com o
tesão descabido que Loren me proporciona, começo a me tocar,
olhando-a tão linda, desconfio que não é mais a gravidade que me
mantém aqui, mas sim ela.
Loren retira os seus dedos de mim, lubrifica mais o dildo,
posiciona a cinta, e começa a me penetrar. Junto a isso, suas mãos
tomam o lugar da minha, masturbando-me.
— Caralho, Loren, mais — peço quando sinto-a inteiramente
dentro de mim, tocando o ponto que eleva meu prazer ao auge.
Seus olhos transparecem o nervosismo, por isso envolvo sua mão
na minha, acariciando-me — Pãozinho de queijo, está um delícia,
sinta como as veias no meu pau estão pulsantes, olha como ele
está babando…  Está tudo certinho, agora precisa se mexer, é fácil
como cavalgar em mim, e você faz isso muito bem.
Loren assente e começa a arremeter, no início devagar e
tímida, me seguro demais para não inverter nossas posições e
sentar nela, tamanho é o meu desejo, porém conforme ela vai sendo
estimulada, seu próprio tesão direciona suas investidas que passam
a ser ritmadas, com avidez e precisão. Gemendo deliciosamente
alto, como vem sendo durante nossas fodas.
— Puta que pariu, Loren! — Aperto sua mão no meu pau,
subindo e descendo com mais rapidez.
— Tira a mão —  empurra-me, e dita sozinha, como ela quer.
O polegar desliza em minha cabecinha, lubrificando-me,
quente, pegajoso, acariciando meu prepúcio enquanto maceta em
meu cu, sem nenhum melindre, rápido, forte, com fome, como eu
queria.
Sem ter onde me segurar, agarro o tapete sob mim, e pela
primeira vez, abstenho-me de qualquer controle e concentração
durante o sexo, preocupo-me em sentir o que ela pode me
proporcionar.
Loren rebola como eu faço nela, sai quase que
completamente e retorna, em um vai e vem cadenciado, em um
padrão que ela criou para nós. Empurra até o fim, me comendo com
investidas curtinhas, tocando minha próstata em uma sequência
alucinante, sem nunca deixar de tocar-me.
Percebo que ela está próxima ao orgasmo, pois os olhos
aveludados reviram-se, a velocidade de seu toque aumenta,
percebo-a se esfregando mais na cinta, seus seios corados e
salpicados de sardas, se balançam mais conforme sua velocidade
aumenta, os mamilos tencionados denunciam seu prazer, enchem
minha boca d’água, com sede de tocá-los com minha língua, um
filete de suor desce entre os peitos, sua respiração errante faz com
que seu abdômen ondule deliciosamente, a mão que não me
punheta, aperta minha coxa com força, afundando as unhas curtas
em mim.
Não tenho força ou raciocínio para avisá-la que vou gozar.
A rapidez do calor que vem do meu âmago, estimulado por
Loren, arrepia minha bolas e as contai deliciosamente,  meu pau
pulsa fortemente, expele um longo e alto jato de porra, que continua
saindo, pois Loren não para com a punheta e arremetidas.
— Por favor — suplico — eu não aguento mais gozar.
Vagarosamente ela vai parando os estímulos, deitando-se
sobre mim.
— Você é a melhor coisa que me aconteceu na vida, Loren.
Loren Thompson
Leve como o bater das asas de borboletas, sinto a carícia de
Nicolas em minha cintura, os beijos delicados em minha nuca quase
me fazem ronronar como um gatinho manhoso. 
— Acho que viciei em seu cheiro, e agora? Vou te colocar
num potinho, Pãozinho de queijo, e guardá-la perto do meu pequeno
coração.
— Você não está me vendo reclamar.
Sinto-me ninada com o subir e descer do seu peito, a
respiração tranquila dele me aninha e acalma, mesmo que por
dentro eu esteja gritando.
Nicolas pode não saber, mas ele me deu uma experiência
inexplicável.
Jamais senti as sensações da noite passada em toda minha
vida.
Um extremo poder, que nunca imaginei que tivesse, um ápice
sexual tão elevado, que pelo resto da noite, eu só consegui tomar
banho, porque ele me ajudou, e acredito que, antes mesmo de
deitar-me na cama, já tinha sucumbido ao sono.
Como irei acordar amanhã, ou depois na Inglaterra, sem
essas carícias, as pernas grandes me envolvendo, o peso do seu
membro em minhas costas?
— Você está muito cansada ainda? — ele pergunta
mordiscando minha orelha.
— Depende… O que você tem em mente?
— Quero chupa-la uma última vez. Já que ontem eu acabei
com você, e nem pude cumprir minha promessa de depois. — Sinto
minha nuca arrepiar e gemo baixinho. — O que me diz? Hein? —
seu nariz traça uma linha de carinho ao longo dos meus ombros, e
respiro fundo.
— Você já devia estar com a boca em mim… — antes que eu
pense, Nicolas está sobre mim, fazendo cócegas. — Nick, Nick,
para — gargalho e perco as forças rindo. — Parei, eu juro. — Suas
mãos prendem as minhas acima da minha cabeça.
— Você está muito abusada, mulher! Isso que dá eu te mimar
demais. — Sua boca desce diretamente para os meus seios, que
tem pequenas marcas da nossa maratona mais recente de
perversão.
Nicolas mordisca o mamilo, para então sugá-lo. Sua mão
com toque leve, acaricia todo meu outro seio, passeando
vagarosamente pela parte de baixo dele.
Cedo demais, ele me abandona e vai em busca do seu lugar
preferido em meu corpo.
Sua língua endurecida traça um “oito” em mim, primeiro
lambendo em volta do clitóris, passando pelo meio, circula a entrada
de minha boceta e volta ao clitóris. É uma deliciosa tortura que me
faz abrir mais as pernas, fazendo-o se aproximar mais para então
lamber do meu ânus ao monte púbico, espalhando toda minha
lubrificação.
— Nick, por favor!
— Só vou atender, porque é o último pedido, mimada como
você está, merecia ser chupada lentamente a porra do dia inteiro
— E onde isso seria castigo? — quando pergunto, ele morde
meus lábios, fazendo-me elevar o quadril em sua direção.
— Abusada! — Sua língua volta a deslizar entre minha fenda,
enlouquecendo-me e incendiando.
Delicadamente ele coloca cada um de meus pés em seus
ombros largos, eleva meu quadril e volta a lamber-me de uma
extremidade a outra, enquanto eu me desfaço sob sua língua
maldosa. Não satisfeito, Nicolas introduz seu polegar em minha
boceta, e começa a esfregar um lugar que só ele conhece, sei disso
porque o procurei algumas vezes depois que me acariciou a
primeira vez, e não achei.
Nicolas circula o local, apertando-o para trás, em seguida seu
indicador pressiona meu ânus sem entrar, e esfrega os dedos
juntos, um para cima e um para baixo, lento, e então rápido,
voltando a ficar devagar. Tudo isso quando sua língua açoita-me 
sem cuidado nenhum, enviando uma onda de prazer crescente que
começa em meus pés apoiados nele, vem subindo pelas minhas
pernas e se acumula em meu clitóris, onde me desfaço em um
prazer pungente, tão forte que fazem minhas pernas tremerem em
volta de Nicolas, que carinhosamente tira suas mãos de mim, e
passa a acariciar minhas coxas, estica-as até que eu pare de
tremer.
— Pronto, pronto, gatinha… — ele beija meu abdômen, e
deita sua cabeça ali — já passou.
— Que pena — suspiro, acariciando os cabelos ondulados
dele. 
— Pena? Por quê?
— Por um momento, pensei que fosse… Você sabe… —
sinto minhas bochechas arderem calorosamente.
— Não… Eu não sei… Pensou que eu fosse o quê?
— Nicolas…
— Hmm, pensou que eu ia comer sua bunda? — assinto,
vendo o sorriso canalha abrir em seu rosto — E você quer que eu
faça isso? —concordo — Loren, você chegou aqui tão santinha,
estou devolvendo uma vagabunda para o Reino Unido.
— NICOLAS! Meu Deus! Isso é coisa de se falar?
— Não estou mentindo. Ontem você pareceu bem assustada
quando pensou que eu estava sugerindo isso, o que mudou?
— Nada mudou, eu me excitei do mesmo jeito, fiquei um
pouco apreensiva, ainda estou, na verdade, não preciso fazer uma
dissertação sobre o seu… tamanho, você sabe que é grande. Mas,
estou disposta a tentar.
— Uai, Loren, as pessoas costumam dizer: Se Deus fez, é
porque cabe. Eu não acredito muito nessas coisas, mas
anatomicamente falando, o músculo está aí para relaxar, então…
Fica de quatro para mim, querida. — Nicolas se estica na cama, em
seguida joga um preservativo e o lubrificante ao meu lado. — Vamos
Loren, seja forte e corajosa — cita uma das frases de Cinderela, o
último filme que assistimos juntos.
Nicolas me vira na cama, e antes que eu pense, ele mesmo
ergue meu quadril, desferindo um tapa em minha nádega. Sinto o
arder se espalhar em meu corpo, deixando-me mais molhada, e
eriçando os meus pelos.
Como ele gosta, primeiro me lambe inteira, demorando no
orifício, tremelicando sua língua ali, para então, com o dedo
lubrificado começar a acariciar-me, sinto lambuzando-me inteira.
Grande como é, Nicolas aproveita todo o seu tamanho,
esticando-se sobre mim, sua mão livre acaricia meus seios, sua
boca morde meus ombros, minha coluna, às vezes sinto chupões
nas minhas costelas, quando percebo, ele já tem dois dedos dentro
de mim, massageando-me em pontos opostos.
— Mais, Nick, por favor!
— Você acaba com toda a diversão, Pãozinho de queijo. —
Nicolas morde meu pescoço, em seguida ouço o barulho do
preservativo sendo aberto. Sinto-o derramar mais lubrificante entre
minhas nádegas, e sem demora, sinto-o bem maior e robusto, do
que seus dedos, encostando em mim, prestes a entrar. — Você é a
minha maior tentação, Loren, torná-la minha foi meu objetivo desde
quando você me olhou e perguntou a minha idade — ele sussurra
em meu ouvido —, mas depois disso, minha segunda maior fantasia
era você dentro de mim.. E então você volta a me surpreender ao
me pedir para comer seu cu, e vou fazer isso tão gostoso, bem
devagarinho, indo até o fundo, e eu espero que aproveite que não
temos vizinhos, e grite bastante. — Sem esperar uma resposta
minha, sua mão segura em meu pescoço e me vira para ele,
tomando minha boca na sua.
Nicolas é muito intenso, e dado a toques. O tempo todo que
estamos juntos, exceto nas universidades, está me tocando,
acariciando, foi com ele que descobri que gosto disso. E não seria
diferente em nossos momentos íntimos. Nessas horas, ele parece
ter mais de duas mãos, pois sinto-o me tocando em todos os
lugares ao mesmo tempo, chega a ser surreal de bom.
Suas mãos se  estendem sobre as minhas e  esticam meus
braços, fazendo-me deitar, nos colocando de lado.
— Vou te comer de ladinho, vai ser mais gostoso — com um
braço, Nicolas apoia minha cabeça, com a outra mão, ele me toca
no meio das pernas, acariciando-me, espalhando a lubrificação,
subindo e descendo, depois circulando.
Sua pélvis esfrega-se em mim no ritmo do seu toque, a barba
rala esfrega em meu pescoço, vez ou outra, sinto beijos e lambidas,
percebo-o dentro de mim quando ele começa a arremeter
delicadamente, em um ritmo diferente das nossas outras vezes, mas
igual quando me sinto preenchida demais.
Suas estocadas tornam-se mais frequentes quando começo a
ondular meu quadril com o dele, gemo alto, recebendo uma mordida
na orelha e um gemido de volta. Sinto-o tocando bem fundo, mas
meu prazer se concentra na entrada do ânus, ela pulsa engolindo-o,
sedento por mais.
— Nick, a entrada — digo entre resfolegar da minha voz.
— Meu Pãozinho de queijo gosta aqui? — ele recua, fazendo
só  sua cabecinha entrar e sair. Elevando meu prazer, quando o
prepúcio dilatado rompe a entrada.
— Isso, assim… — Um tapa estala na  lateral de minha coxa.
— Geme mais alto, minha vadia tem que gritar enquanto eu
como o cuzinho — suas sacanagens sempre elevam meu prazer, a
ponto dos meus mamilos ficarem túrgidos.
Faço o que ele pede e sou agraciada com pequenos
beliscões em meu clitóris, Nicolas volta a se acomodar inteiramente,
e desta vez sem delicadeza suas arremetidas são curtas e rápidas.
Não sei como consegue, mas Nicolas mete seu polegar em
mim, e esfrega o seu pau através da minha vagina, e se antes eu
estava apertada, agora não existe comparação de como me sinto.
O orgasmo começa sem que eu perceba, imersa na onda de
prazer que jamais experimentei antes, gozo, molhando toda minha
coxa e a mão de Nicolas, que parece mais estimulado por isso.
Sinto-me anestesiada e ao mesmo tempo eufórica, quero
pedir que ele pare, pois a onda de prazer eleva-me ao
desconhecido, mas quero que continue para saber onde
chegaremos.
Minhas pernas tremem mais uma vez, e desacreditada gozo
novamente, gemendo como ele pediu, fechando-me completamente
em volta do seu dedo, Nicolas para de arremeter em minha boceta,
mas segue em busca de seu prazer em meu ânus, ou como ele
mesmo gosta de falar, cu.
Sua mão me aperta ferreamente na cintura, sua respiração
acelera, e é sua vez de gemer ruidosamente, anunciando seu
próprio orgasmo.
Sou presa em seus braços, junto ao seu quadril. A única
certeza é do hematoma que terei amanhã.
E claro que este, possivelmente, é um dos melhores
orgasmos que já tive, e terei na vida.
— Você está vivo? — repito a pergunta que ele sempre me
faz quando acaba comigo, minha garganta arranha um pouco, e
talvez eu tenha gritado mesmo.
— Não tenho certeza — sua voz sai rouca e baixa, estremece
meu coração. — A única certeza de que tenho agora é que você me
fodeu completamente, Loren, para todo o resto do mundo, e é
injusto você ir embora.

— Ansiosa para chegar em casa? — sua pergunta faz com


que eu retorne para o presente, e esqueça meus devaneios
recentes.
— Um pouco… Ainda não estou acreditando que você fez
isso — digo para Nicolas enquanto estamos sentados em uma
cafeteria do aeroporto.
— Já passamos dessa fase, por que eu não faria isso?
— Nicolas, passagens aéreas são caras para você
simplesmente pegar um voo de Minas Gerais para São Paulo só
para me fazer companhia. Depois você vai voltar para Minas e
chegará tarde demais.
— São pontos do cartão de crédito. De São Paulo para Minas
são cinquenta minutos de voo, e o meu avião sairá depois do seu,
às 22h30 — ele dá de ombros, como se isso não fosse muita coisa.
— Queria passar a tarde toda sozinha em um aeroporto deste
tamanho, até às 22h? Quer que eu vá embora? — Seu sorriso
debochado, que desde à tarde não está mais tão genuíno,  me leva
a sorrir para ele.
— Claro que não! E você deveria ter perguntado isso quando
anunciou às 15h que ficaria aqui comigo, não às 21h15 — olho meu
relógio e sei que está na hora de ir para minha fila de embarque,
afinal já ignorei três chamadas para ela — quando claramente eu
tenho que ir para o avião.
— Bem, a intenção era que você não recusasse. Por isso
estou fazendo agora — ele levanta e pega a minha mão na sua, e
minha bagagem pessoal na outra.
— Eu não faria isso.
— Não sei… Vai que…
— Nicolas, estou agora mesmo calculando se você caberia aí
dentro — aponto para a sua outra mão. Ele eleva minha mão até
sua boca, e beija o dorso, como fez muitas vezes durante esse
tempo.
— Bem, caberia meu pau, quer levar ele? — Nicolas morde o
lábio inferior, segurando a gargalhada que quer dar, provavelmente
advinda da minha expressão facial.
Nossa! Como eu sentirei falta disso.
— Você é terrível, Nicolas Amaral! — Ele me puxa em sua
direção, coloca minha mala no chão,  e então estamos frente a
frente.
— Mas foi isso que te conquistou! — Nicolas se curva sobre
mim, e fala baixinho — E o tamanho do pau, pode falar, Pãozinho de
queijo.
— Foi pelo pau — respondo no mesmo tom que ele, corando.
— Vagabunda safada — ele diz sem som, e toma a minha
boca na sua.
Pensei que a vida não acontecia como nos filmes, o momento
em que as personagens se beijam e o mundo em volta desaparece.
Mas é isso que sucede, toda a cacofonia do aeroporto desaparece,
qualquer cheiro, respiração e calor que não seja o do Nicolas não
existe.
Somos só nós e nossa entrega.
Nicolas e Loren.
O restante não existe, não até nossos lábios se descolarem.
— Você me disse algumas vezes que eu sou especial — ele
começa —, mas sei que só disse isso, porque não sabe o que
representa para mim, e a diferença que você fez nesses seis meses.
Até quando não estávamos juntos presencialmente, é como se de
alguma forma meu mundo te usasse como minha calibragem, pois
mesmo que não esperasse te ver ou te encontrar, é isso que
acontecia. Por isso posso dizer com propriedade, você, Loren Grace
Thompson é importante para mim, e especial de tal forma que ainda
não existem palavras o suficiente para descrevê-la. Então muito
obrigado pelos melhores seis meses da minha vida — sorri, agora
genuinamente, e só percebo que estou chorando quando seus
dedos secam as lágrimas que vêm descendo.
— Nicolas…
 
Atenção, senhores passageiros do voo BR5467, com destino a
Londres, Inglaterra, o portão de embarque fechará em quinze
minutos.
 
A torrente de lágrimas toma o controle de mim, e eu não
consigo segurá-las.
— Shiiiu — ele me embala —, não precisa falar nada, meu
amor, está tudo bem, eu entendo — delicadamente seus lábios
tocam meus cabelos. — Só achei que você deveria saber disso. E
os mineiros são educados, agradecemos por tudo. — Enquanto não
consigo falar, Nicolas acha um comentário espirituoso para fazer. —
Fique bem, e se lembre de mim. Pois lembrarei de você pelo tempo
que eu viver. Promessa de dedinho — ele levanta seu dedinho
esperando que enrosque o meu, e assim que eu faço, Nick me
conduz para a fila do portão de embarque de dedos dados. — Faça
uma boa viagem e, se lembrar, me avise quando chegar lá.
— Nicolas, eu… — respiro fundo, tentando organizar meus
pensamentos, seus olhos transbordam expectativas, não sei o
motivo, ele respira fundo, aperta meu dedinho no seu e morde o
lábio.
— Você…?
— Vou sentir sua falta, obrigada por tudo. — Seu sorriso vai
se findando aos poucos, e ele só assente.
— Eu também.
— Te aviso quando chegar.
— Até um dia, Pãozinho de queijo — ele dá um último beijo
em meu lábios. — Tenho que ir também ou perco meu voo.
Percebo que está na minha vez, e entrego à atendente meu
passaporte e passagem. Antes de entrar, olho uma última vez para
trás, e registro a imagem dele acanhado, com as mãos nos bolsos,
os cabelos bagunçados e um sorriso meigo.
Dou um tchauzinho para ele, recebendo em troca um aceno
de cabeça.
Loren Thompson
Eu estou chorando[42] há pelo menos uma hora, e três
pessoas, além da aeromoça, já vieram perguntar-me o que
aconteceu, se estou me sentindo bem, e até mesmo se estou de
luto, e talvez esse questionamento seja o mais plausível para o que
estou sentindo agora.
Estou de luto, por algo que morreu e eu nem percebi.
Foi o último beijo.
O último sorriso dele que recebi.
A última piada sacana que ele me contou.
O último momento juntos.
A última vez que transamos.
O último abraço que me envolveu inteira.
A última vez em que ele me chamou de Pãozinho de queijo.
Ninguém, nunca mais na minha existência, irá me chamar
assim, pois ninguém nunca verá sentindo nesse apelido.
Jamais uma pessoa irá me fazer corar, só pelo prazer de ver-
me vermelha. Ou então contará minhas sardas com beijos… Eu
poderia listar quaisquer coisas que fizemos juntos, mas não
adiantará, pois, a verdade esteve o tempo todo escancarada na
minha cara.
Nenhuma dessas pessoas fará nada disso, pois nenhuma
será Nicolas.
Chegar em Londres com o rosto inchado não é uma boa
opção, pois minhas amigas confirmaram hoje que estarão me
esperando no aeroporto e sinceramente não quero explicar toda
essa bagunça que me enfiei.
Sinto minha cabeça doer, e isso me faz lembrar que tenho
medicamentos em minha bolsa de mão, quem sabe eu ache o
calmante natural que Belle me deu um dia.
Peço licença ao passageiro do meu lado, levanto-me, pego a
mala e a apoio em meu colo quando sento.
Abro-a e me deparo com uma caixa com um laço vermelho
bonito, sem pensar duas vezes, abro o embrulho, esquecendo-me
da dor. A caligrafia bonita e inconfundível de Nicolas está no bilhete
abaixo do laço, com os dizeres: Para Loren.
“Oi, Pãozinho de queijo,
Bem, se está recebendo isso, significa que você foi mesmo embora
— eu sei, já sabíamos disso, mas não significa que me doa menos
te ver partir.
Eu sou péssimo com despedidas, então me perdoe por fazer dessa
forma, e não me ache covarde por fazer assim. Você entenderá —
pelo menos espero que sim — o motivo.
Loren, eu amo você.
Percebo hoje, neste exato momento em que você dorme —
acabada, depois da melhor experiência sexual da minha vida —,
que o que sinto por você é sim amor, verdadeiro e genuíno, calmo e
real, como deve ser.
E é uma merda gigante que eu só perceba isso agora, ou talvez
não.
Percebo que amar requer sacrifícios, e o maior sacrifício que irei
fazer na vida é conduzi-la a fila de embarque, na — então — certeza
de que vivemos um amor de inverno. —  Let it go, Loren.
Pois até em ser clichê, você tem que ser perfeita.
Não seria você a mulher que eu amaria verdadeiramente se fosse
de outra forma.
Eu me odeio neste exato momento por deixá-la ir, mas entendo que
se a amo de verdade, não seria de outra forma.
Você se anulou demais nessa vida, perdeu chances e momentos
por outra pessoa, seria injusto pedir que fique, pois eu amo você.
Quero que conquiste tudo aquilo que almeja, seja imensamente
feliz, pois você merece.
Obrigado por me fazer entender o que é o amor de verdade.
Para sempre seu,
Nicolas.”
Se eu já estava chorando antes, agora era só ladeira abaixo.
Merda, Nicolas!
Dobro o bilhete molhado com as minhas lágrimas, e guardo-o
na mala para não correr o risco de perdê-lo.
Abro a caixa e me deparo com um papel retangular
brilhoso…

 
Sorrio ao ver a sua assinatura, e um lugar para eu assinar.
Um post-it está sob a linha que deverei rubricar, escrito:
Parabéns, Pãozinho de queijo, você está formada na escola Nicolas
de idiomas.
Quando tiro o certificado, o livro que ele me emprestou e
pediu muito cuidado está ali, O Lorde que Eu Abandonei. Abro-o e
na capa mais um recado: Não sei se você sabe, mas por acaso
pegou esse livro emprestado, e é meu romance de época preferido.
Primeiro porque envolve um cara santo e uma moça extremamente
pecadora, quer enredo mais delicioso que esse? É o auge da
perversão! Segundo, mas talvez seja complemento do primeiro, é
um romance de época com BDSM, é sensacional! Como ninguém
pensou nisso antes? Terceiro, você consegue compreender que
Alice e Henry são completamente opostos, e é isso que nós somos?
Ah, e espero que não se importe, mas tornei-o único para você,
assim, quando ler, saberá exatamente o que eu sinto ao lê-lo.
Abro na primeira página do livro e um post-it azul marca a
descrição dos olhos de Alice, a personagem principal, feita por
Henry — “Olhos de pomba” — e a observação de Nicolas: Tão
brega, mas tão único. Tal qual Pãozinho de queijo. Folheio o livro e
ele está todo assim, com observações, alguns adesivos, como no
capítulo em que eles ficam presos na neve, vários floquinhos de
neve enfeitam a página. Às vezes surgem aesthetics[43] que
remetem à cena, presos com um grampo minúsculo, como quando
os trechos descrevem vestimentas, objetos ou lugares. As cenas
eróticas vêm acompanhadas de adesivos com carinhas safadas,
onde ele não gosta das atitudes das personagens, vem com
carinhas bravas, é encantador o tamanho da sua criatividade.
Tiro o livro da caixa, e sou recebida por uma pequena
caixinha, e antes de abri-la o último recado: Para você entender a
forma que eu te enxergo.
Com as mãos tremendo mais do que o normal, abro-a,
deparando-me com um chaveiro que se parece com um livro,
destaco o botão, e afundo-me no mar de lágrimas, quase que
literalmente.
Impressas em formato polaroid, minifotografias fazem um
álbum de fotos. Minhas, na cachoeira em seu aniversário, no
museu, no Palácio da Liberdade, distraída, sorrindo, concentrada…
Minhas lágrimas impedem que eu veja com clareza todas.
Respiro fundo, sem me importar que soluce copiosamente.
Deparo-me com uma camisa branca sua, a mesma que dormi
em algumas noites, um bilhetinho anexado nela, diz que é para eu
dormir com o seu cheiro, e me sentir em casa na Inglaterra.
E no fundo, impressa no mesmo papel bonito do certificado, a
última peça da caixa.
Pego-a e percebo que é o desenho de uma cladogênese. O
título é o que me chama a atenção: Teoria da Seleção do amor, por
Nicolas Amaral.
Baseada no esboço de Charles Darwin, cada ramificação tem
uma informação que me faz sorrir: Ter uma decepção amorosa,
Frequentar The Jugle, Fazer sexo casual são os primeiros ramos,
ele faz uma marcação importante, e nela escreveu: Buscar uma
estranha no aeroporto, e depois mais tópicos: Salvar a vida dela de
aranhas, Ajudá-la a escolher biquini, Transar com ela, Levá-la ao
aeroporto e Se despedir.
Por que você fez isso comigo, Nicolas?

Longo, de longe é a melhor definição para esse voo.


Eu desisti, ou fui obrigada a isso, de chegar bem aparentada
no  momento que encontrei a caixa em minha mala.
Estou arrastando toda a minha bagagem pelo aeroporto
quando as vejo paradas: Olívia, Belle e Emma.
Emma tem um olho roxo, o braço fechado em uma tipóia.
O quê? Como isso aconteceu?
Todas sorriem, Belle quica sem sair do lugar, Olívia mantém a
postura de dona do mundo, e Emma acena com o braço bom, como
se eu não as tivesse visto.
Antes que eu pergunte do que se trata isso, elas me tomam
em um abraço coletivo, quando me aproximo.
— Você voltou!!!! Nem acredito!!!! — Belle me aperta ainda
mais.
— A casa estava vazia demais! — Emma beija meu rosto.
— Por que você está com a cara inchada? — Olívia, delicada
como sempre.
— Por que você está machucada, Emma? O que aconteceu
com seu braço? Vocês disseram que ia cuidar dela!
— E cuidamos! — Belle responde — Quer dizer, mais ou
menos, falamos que Oli sabia atirar sem matar, e foi isso que
aconteceu.
— Emma, o que você fez? Oli, você atirou na Emma?
— Eu lutei bravamente com uma máfia italiana! — Emma
responde orgulhosa. Céus!
— Você o quê? — quase grito a pergunta.
— Eu atirei nela só de raspão — Olívia responde como se
fosse comum atirar em amigas. — Ela não calava a boca enquanto
eu estava negociando com a máfia. Em minha defesa, quando atirei,
o braço já estava luxado.
— Meu Deus, como isso aconteceu? Por que você se
envolveu com a máfia, Emma? Como você conseguiu fazer isso em
seis meses que fiquei fora?
— Isso é passado, podemos focar no que a Oli te perguntou?
Você está péssima, prima.
— Eu acho que encontrei o amor da minha vida… — começo
a dizer, guiando-as para fora do aeroporto.

— … E então foi isso — estou sentada nas duas últimas


horas, resumindo seis meses vividos em horas de lembranças, no
sofá da casa de Emma, que um dia chamei de casa, mas não me
senti assim desde quando entrei aqui.
O típico cheiro de baunilha embrulhou-me o estômago.
Por que usamos esse cheiro aqui?
No Brasil, eu passei a adorar o cheiro de Eucalipto, pois
sempre que entrava na pousada ou no meu quarto era esse odor
que me tomava. E esse não me dá náuseas.
Entrei em meu quarto, e só fui recebida pelo frio outonal.
Eu odeio frio, por que não me mudo para um país tropical?
— Okay… Já que ninguém vai falar mais nada, eu vou —
Emma toma a frente — por que diabos você veio embora, Loren?
— Emma — Olívia a repreende com o olhar, e balança a
cabeça.
— Tudo bem, Oli, esperava que alguém perguntasse isso.
Nicolas, me escreveu uma carta de despedida e nela ele disse algo
que tocou-me profundamente. Eu já me anulei demais por outra
pessoa, estou no momento de ser a melhor versão de mim mesma,
então, por mais que doa e eu sofra, não posso deixar passar minha
oportunidade. Já perdi tempo demais.
— Mas… — Emma recomeça, mas, Belle a corta.
— Sabe o que eu e Aurora achamos disso tudo?
— Quem é Aurora? — Olívia questiona.
— Minha bebê, oras! — Ela põe a mão na barriga, e depois
bate na testa — Desculpa, gente! Não contei para vocês! É uma
menina! — a sala é tomada de “owns”.
— Não sabíamos que já era hora do sexo. Desculpe,
tínhamos programado uma comemoração — Emma lamenta-se por
nós.
— Mas não era, tecnicamente. Eu sou ansiosa, gente, fiz
uma sexagem fetal. Mas voltando ao importante, Aurora e eu
achamos, tia Lou, que se tiver que acontecer o universo dá um jeito.
— Sorrio e assinto para ela.
Minha vida agora é certada por uma amiga que acredita em
signos, uma que vive pelo prazer, um cara que não crê em
divindades e uma amiga que atira na outra.
— Podemos falar agora de como você, Olívia, deu um tiro na
Emma? E Belle, você não fez nada?
— Em minha defesa, elas trabalharam no sigilo.
— Eu preciso do meu emprego, tenho boletos… Já imaginou
o que Daniel Valentine faria comigo se soubesse que meu
namorado — OI? — Se envolveu em um esquema perigoso e eu
levei a esposa dele GRÁVIDA até mafiosos italianos?
— Namorado? — questino.
— Recente namorado, fui pedida antes de ontem, não
precisa surtar.
— Foi superromântico, na ambulância, com sangue, sutura,
médicos de plateia e tudo mais, um circo armado, o galpão ao fundo
até explodiu — Olívia debocha.
— Vocês podem contar logo? — indago nervosa.
— Foi assim, você se lembra do Heitor? Então…
Loren Thompson
— Srta. Thompson — sinto pequenos tapinhas em meu rosto
— Srta. Thompson, por favor, acorde!
Sinto algo frio em meus pulsos e um cheiro de álcool tomar
minha narina.
— Onde eu estou?
— Na enfermaria da Universidade de Oxford, sou a
enfermeira responsável, você pode me dizer o seu nome?
— Loren Thompson. Meus alunos, eu estava em um grupo de
estudo… — vasculho minha memória, e a única coisa que me
lembro era de desenhar o esquema de uma pirâmide egípcia no
quadro até uma forte náusea me consumir, seguida de uma tontura.
— Sim, foram eles que trouxeram a senhorita para cá. Pode
me informar seu endereço?
— 12 Powis St, Thamesmead West, Londres.
— A Srta. mora em um cassino? — Por que Emma fazia
essas coisas comigo? Todas às vezes tinha que explicar a mesma
coisa, chegava a ser constrangedor.
— Não, o apartamento é em cima.
— Bem, preciso de um contato da senhora, não posso te
liberar sozinha.
— Eu estou bem, ainda tenho cinco aulas hoje, então.
— Srta. Thompson, você desmaiou, não vai dar aula
nenhuma hoje. Vou dispensá-la, mas preciso que alguém venha até
aqui.
— Enfermeira — olho o crachá — Quentin, eu faço todo o
meu percurso de ônibus e metrô, podemos dispensar isso? Tenho
trinta e seis anos.
— Mais um motivo que eu peça que alguém a busque.
Suspiro alto.
Emma e Belle estão em Milão, no desfile de inverno.
Só me sobra Olívia, e rezar para que ela não esteja
trabalhando.
Pego meu celular no casaco, busco o contato dela, e teclo
para ligar.
— Alô?
— Oli, desculpe incomodar, está podendo falar?
— Claro, estou aguardando as meninas saírem do balé,
acabei de pegar o Lucas no treino. Estou no plantão noturno hoje.
— Eu tive um pequeno incidente no trabalho, e a enfermeira
— olho pra a moça com desgosto — não quer me liberar, sem
alguém vir me buscar, como se eu tivesse na pré-escola. Emma e
Belle estão na Itália.
— O que aconteceu?
— Só um desmaio, não almocei hoje, só tomei o café da
manhã.
— Já falei, essas coisas de comer feijão, linguiça e legumes
de manhã é nojento e estranho. Por isso vocês ingleses passam
mal. Envia o endereço.

Duas horas.
Esse é o tempo que Oli demora para me resgatar, mesmo
que eu tenha pedido a enfermeira que me liberasse logo, pois não
tinham mais nenhum sinal de náusea ou tontura.
Durante a viagem de volta sinto um pequeno refluxo, mas o
seguro fortemente.
Sou distraída pelas crianças que vão no banco de trás
conversando entre elas. Enquanto Lucas conta que fez três gols, um
para cada irmã e um para a mãe, as irmãs contam para ele sobre o
dia delas, eu acho isso superfofo.
Minha cabeça dói um pouco, e julgo ser pela enfermeira que
me estressou o tempo todo.
— Está entregue! — Oli desliga o carro e sorri.
— Muito obrigada, sério! Eu estava a ponto de sacudir a
enfermeira.
— Hmm, um pouco agressiva pelos seus padrões — penso
nessa fala e percebo que, sim, não é algo que eu tipicamente
comentaria ou faria.
— Você quer subir? — pergunto quando solto o cinto.
— Quero sim — ela se estica, abre o porta luvas e deixa em
meu colo uma sacola. — Abra. Acho que você vai precisar que
alguém te dê um copo d’água.
Abro o pequeno embrulho, e tem dois testes de gravidez
dentro.
— Para quê isso?
— Para você fazer. Náusea, tontura, má alimentação, só
sente sono, agora desmaios e agressividade. Sabe quem estava se
sentindo assim? A Belle, e ela está grávida.
— Não, isso é porque voltei do Brasil há uma semana, não
me adaptei ainda, frio, fuso horário, você sabe como é… Sem contar
que uso DIU, e usamos… você sabe. — Olho para as crianças no
banco traseiro. — Não existe essa possibilidade.
— Então não faz mal descartarmos. Certo?
— Okay, vamos lá — assumo a coragem que não tenho e
descemos do carro.
Maria e Sophia colocam Lucas entre elas e o seguram pela
mão para atravessarmos. Olívia os conduz segurando nas mãos de
Maria até entramos, onde ela pede que as crianças não mexam em
nada e sentem-se porque não vão demorar.
— Lou, já acabou? — É a quarta vez que Oli bate na porta.
— Eu não estou conseguindo fazer xixi! — grito para ela de
dentro da porta, já ficando estressada. Isso deve ser a TPM,
certeza!
Que dia eu menstruei, hein?
— Bebe água!
— Eu já bebi os três copos que você me deu.
— Liga a torneira, sempre ajuda!
— Estou me sentindo quando a minha mãe me levava para
exames de rotina — ligo a torneira reclamando.
— Pois se o universo conspirou, como diz a Belle — ela
gargalha do outro lado da porta —, logo você saberá dar essa
entonação de comando.
— Não tem graça! — Sinto uma micro vontade de fazer xixi,
sento-me no sanitário novamente e forço a bexiga. Um mísero
copinho é tudo o que sai, mas tem que servir.
— E aí?
— Calma, estou mergulhando o palitinho — visto-me e abro a
porta. — Pronto, na embalagem diz cinco minutos. Mas você gastou
suas libras à toa. — Oli entra no banheiro e senta-se sobre a pia
enquanto me sento na tampa do vaso.
— Não tem problema, eu ganho bem — ela dá de ombros,
olhando no celular.
Se Nicolas estivesse aqui, me compararia ao Burrinho do
Shrek, quando eles estão indo a Tão Tão Distante, pois a cada dez
segundos, eu pergunto se já deu tempo, o que me faz calar é Olívia
com seu olhar mordaz.
— Você não deveria estar ansiosa. Disse agora a pouco que
é impossível.
— Oli, se isso aconteceu, você sabe que o pai está do outro
lado do oceano, certo?
— Arrã, por quê?
— Ele tem vinte e cinco anos!
— Arrã, por quê?
— Ele é quase doze anos mais novo!
— Arrã, por quê?
— Para! Você está parecendo o Olaf! — Let it go, Loren!
Péssima hora para fazer piada na minha cabeça, Nicolas!
Olívia gargalha e balança as pernas despreocupadamente.
— Você sabia que duas a cada mil mulheres engravidam
usando DIU? Li isso na internet, enquanto você estava se forçando
a fazer xixi.
— Você não está ajudando.
— Só significa que se você for uma delas, só existe mais uma
— ela ergue os braços em uma falsa comoção — eeeeeeeeh.
— Olívia! É uma criança!
— Eu sei, tenho três! Você não disse que iria tentar em
janeiro?
— Estamos em setembro, tenho um título para obter.
— E você vai, Lou, não pira. Estou tentando te ajudar, mas
meu arsenal de desculpas e motivação estão quase no fim. Olha —
ela desce na pia e se ajoelha entre minhas pernas. — Eu entendo
que está assustada, de verdade, e seja lá qual for a solução que
queira nesse momento, vou estar aqui, e as meninas também. Mas
se você queria ter um filho, ele só deu uma antecipada, de uns
meses. Eu vi como você desceu daquele avião e, nessa semana,
diversas vezes te vi olhando o celular ou então distante demais da
conversa.
— Eu estou com saudade dele.
— Me surpreenderia se não estivesse, pelo que eu percebi
vocês se amam de verdade. Confio no seu julgamento, se ficou com
Nicolas durante todo o tempo, ele é especial, e é um ser humano
incrível. Ele não vai abandonar você ou o bebê.
— Mas eu não posso exigir nada dele! Ele é um menino
ainda, e…
— Loren, por favor, se faz sexo tem que saber que existe a
possibilidade de um bebê. Nicolas não é uma criança, tem vinte e
cinco anos, e pode muito bem assumir os atos dele. E se ele
abandonar vocês, estaremos aqui.
— Não acho que ele faria isso.
— Ótimo, evita de ganhar um tiro de mim.
— Você anda muito perigosa com sua arma. — Ela gargalha
e seu celular desperta, anunciando os cinco minutos.
Levantamos ao mesmo tempo, Olívia quase batendo em
mim, pois é alta, e encaramos os dois testes, ambos com dois
risquinhos.
 
Positivo.
 
— Agora entendo, literalmente, sobre as pessoas
engravidarem com uma gotinha.
— É, cada µL tem milhões de espermatozóides.
 
— Isso nunca aconteceu, eu juro — olho para o meio de suas
pernas e o preservativo está rasgado —, sei colocar essa merda,
como isso aconteceu? Estou limpo, você sabe que estou em dia
com os exames e não saio com ninguém desde que praticamente
nos conhecemos, e…
— Ei, está tudo bem. Meus exames estão em dia também, e
eu uso DIU. Relaxa. Não precisamos desesperar.
 
Um microlitro.
Um preservativo rasgado em dezenas de vezes que
transamos.
E agora tenho um mini de nós dois dentro de mim.
Não acredito nisso.
Não vou me perguntar como isso aconteceu.
Já sei a resposta.
Uma tarde, um museu, em nossa despedida adiantada.
Ou outro preservativo que tenha furado.
Existe essa possibilidade, certo?
Um bebê.
— Eu devo te dar os parabéns ou…
— Parabéns — digo decidida. Não existe possibilidade de eu
não ter esse bebê. Oli está certa, ele só foi um pouco apressado,
como o pai. Teria ele a cara do pai? Céus! Se for um menino e puxar
o Nicolas? Eu não tenho psicológico para dois Nicks na minha vida.
— Aih! — Oli, começa a pular no meio do banheiro — Vou ser
tia de novo! Nem acredito! Parabéns!!!! Quando vamos contar ao pai
bonitão?
 
— Sim. Me inscrevi para um programa de PhD na Alemanha,
eles têm um programa de genética avançada que pode me auxiliar a
continuar essa pesquisa no próximo ano. Se eu quiser aprofundar a
pesquisa, terei que ir atrás de recursos premium. Acho que aqui na
UFOP já tirei tudo que poderia.  Provavelmente eu irei ficar
enfurnado dentro de um laboratório, o que não gosto muito. Pipetas
e balanças de precisão. Mas, acho que seria um diferencial para
mim, profissionalmente falando.
 
— Eu não sei, Oli… Ele tem planos para o PhD, que envolve
um centro de pesquisa na Alemanha. E você mesma disse, eu
posso criar esse bebê sozinha,e …
— Amiga — ela me interrompe —, você pode, desde que o
pai diga que NÃO quer a criança, e você decida seguir com a
gestação sozinha. Mas pense, se fosse hipoteticamente possível
que Nicolas tivesse um filho seu, e não te contasse isso. Como você
se sentiria?  Ele pode nunca mais te perdoar, caso descubra um dia,
nem o bebê, quando for maior…
 
— Tudo bem, nada de namorar a Loren. Gosto de romances
sáficos e aquilianos também. Acho que é isso. Gosto de pouco
drama também. AMO livros com bebês. Menos quando as mulheres
fogem grávidas, isso não é legal. Descobriu sobre o bebê conte
sobre ele.
— Sério? Você disse que nunca se viu casando.
— Mas casar não tem nada a ver com bebês. Fazer bebê é
muito legal.
— Os livros que você lê tem muitas personagens fazendo…
bebês?
 
— É muita coisa para pensar, não é mesmo? — indago.
— Bastante, é uma vida.
É, Belle, o universo dá mesmo um jeito.
Nicolas Amaral
Um mês depois
 
— Levanta da porra da cama, Nicolas! — Um clarão quase
me cega, me obrigando a tapar os olhos com os braços. 
— Para de gritar caralho! — grito de volta e minha própria voz
ecoa em minha cabeça.
— Não dá! Alexa desliga a música! — a música para
instantaneamente.
— Vai se foder, Cadu! Deixa a música. Alexa, tocar “Te amo
demais" playlist Marília Mendonça.
— Tocar ou não a playlist? — Até a voz robótica da
inteligência zomba de nós dois. 
— Toca!
— Não toca! — Carlos Eduardo vai até o canto e desconecta
o modem da tomada. — Está deprimente, Nicolas, você ouvindo
essa música no repeat chorando como um bebezão. Cara, nem pela
Quésia você ficou assim.
— Eu NÃO AMAVA a Quésia! O que você está fazendo aqui?
— Pedi demissão. Dá para você tomar um banho e reagir?
Sério, cara, esse quarto está uma porcaria! Você vai ficar de
atestado mais quantos dias?
— Não te interessa, Carlos Eduardo!
— Terminou de escrever seu artigo?
— Não terminei, me deixa em paz! — Viro de costas,
cobrindo-me com o lençol.
— Não vou deixar porra nenhuma. Vamos fazer essa barba
porque você está horrível, tomar um banho, passar um desodorante,
e cortaremos esse cabelo, pelo amor de Deus!
— Eu não vou, porra.
— Beleza, aguarde! — Cadu sai do quarto me deixando na
santa paz.
Quando eu saí do céu direto ao inferno?
Há quinze dias.
Eu sabia que quando Loren chegasse na Inglaterra as coisas
seriam diferentes. A distância e o fuso horário atrapalhariam.
Não esperava viver um relacionamento à distância, nunca dei
credibilidade para esse tipo de relação, mas ela precisava sumir de
vez da minha vida?
Quando Darwin disse que “A sobrevivência de um organismo
depende da sobrevivência de um outro”, não era do jeito romântico,
era?
Porra, Pãozinho de queijo!
Ela me enviou uma mensagem horas depois de ter pousado.
Disse que estava tudo bem, e agradeceu pelos presentes.
Só isso.
Nenhum comentário sobre a declaração.
Let it go, Loren.
É da porra do meu pequeno coração que estamos falando!
Pensei ser o cansaço, os horários que ela precisaria
rapidamente se adaptar, cogitei até mesmo a readaptação da rotina,
mas uma semana depois, suas mensagens passaram a ser mais
frias e distantes.
Passei a ser visualizado e não respondido.
Patético, Nicolas.
Agora zombando de mim, em cima da minha escrivaninha,
está a carta de aceitação da minha inscrição para a Imperial College
London.
Será que eu fanfiquei, totalmente, essa história?
Não, a Pãozinho de queijo sentia algo por mim, tenho
certeza.
Talvez Loren não me ame, com todas as letras e tudo mais,
mas pelo menos uma faisquinha ela sentiu. 
Bem ao lado dessa carta, a aceitação para a Alemanha
brilha.
Na Alemanha, terei todo o brilho e injeção de ego em uma
carreira promissora, mas totalmente infeliz, já falei que odeio
pipetagem? Mas o glamour biotecnológico é muito maior do que ser
evolucionista.
Na Inglaterra, estarei na escola formadora de catorze prêmios
Nobels, uma pesquisa que me deixaria em minha zona de conforto,
e a Pãozinho de queijo, em tese.
E tenho que decidir logo, pois a inscrição da Alemanha vai
até hoje às 18h59min59 do meu horário local.
Estou protelando essa inscrição há duas semanas.
Eu AMO estudar, mas acho que estou cansado.
E meu currículo é muito bom.
A Imperial College London me ofereceu até mesmo um cargo
de professor assistente para a graduação, incluindo estadia por um
ano.
Claro que a carta de recomendação assinada por Bruno e a
parceria de André com um dos professores da instituição ajudaram.
Mas, sem meu currículo impecável do CNPq, o cargo de auxiliar não
viria junto.
Em qual eu seria mais feliz?
Já tinha descartado a Alemanha, mesmo que tenha sido mais
difícil de conseguir, afinal minha segunda língua é inglês.
Agora as coisas mudaram…
Mudaram bastante.
Eu sei quando sou rejeitado, e é isso que fui nos últimos
quinze dias.
Nicolas, nada te impede de ir para Inglaterra, você não
encontrará Loren se não procurá-la.
Mas irei procurá-la e caso eu a ache nos braços de algum
Sugar Daddy, vou pedir para ter os olhos arrancados.
Ela é minha Maria Mucilon.
Pensando assim acho que…
— Pode ligar,Terezinha! — Ergo a cabeça e vejo Cadu com
uma mangueira na mão.
— QUE PORRA É ESSA? — Grito quando um jato de água
molha a minha cara.
— Mangueira, conhece? Se não tomar banho por bem, vai
por mal. Então o que você prefere?
— Você molhou meu colchão idiota!
— Você me faz ter atitudes extremistas. Banho lá ou aqui,
decide.

— Por que somos amigos? — pergunto a Cadu, quando


estamos na mesa da grande sala de jantar da casa dos meus pais,
com sacolas pardas de fast-food espalhadas.
— Porque você precisa que alguém cuide do seu pequeno
coração, bebezão. — Faço dedo para ele, que devolve. — Acho que
uma ida a The Jungle e você esquece esse chá inglês que tomou.
— Por  favor, Cadu, não faça eu te meter a porrada. Não vou
comer ninguém. Eu amo a Loren.
— E não amava a Quésia?
— Dá para você parar de compará-las? Não existe ligação
que possamos minimamente confrontá-las. Quer ir à boate? Vai.
Mas me deixe em paz. Já levantei, tomei banho, estou comendo,
muito obrigado pelo cuidado. Agora pode ir.
— Ingrato.
— Você está sendo cuzão, então serei ingrato. O que
aconteceu?
— Nada.
— Você é heterotop, nas vestimentas, e tudo mais, porém
seu coração é de uma pessoa boa. Não vejo motivos para estar
sendo cuzão com a minha relação e de Loren, nem com Quésia,
que merecia, você foi.
— Minha vida virou de cabeça para baixo nesses últimos
meses. A Stella é insuportável, eu a odeio, e é recíproco. O salário
era perfeito, a fazenda grande, seria o paraíso se não fosse a dona.
— O que ela fez? Pensei que após a viagem ao Texas, esse
mês, vocês seriam mais sociáveis.
— Nasceu. E não existe a possibilidade dela ser sociável,
aquela mulher deve virar onça, como naquela novela, tenho certeza.
Não vamos gastar palavras com quem não merece. Preciso de
abrigo.
— A casa é sua —suspiro pesadamente — Tenho que voltar
para o trabalho, eu acho.
— Precisa mesmo, irei pedir dinheiro emprestado qualquer
dia. Acho que devíamos ir cortar o cabelo, o seu está horrível.
— Sábado, 14h, onde vamos achar um salão? Em nenhum
lugar, pare de se incomodar com meu cabelo, já tomei banho e fiz a
barba, está ótimo. Hoje é o último dia de inscrição para o projeto da
Alemanha — informo-o.
— Vamos preencher essa ficha, e depois você me ajudará a
achar uma casa e um trabalho.

— Não sei se eu quero enviar essa inscrição — olho Cadu


deitado em minha cama, e verbalizo meu anseio. Falta só clicar em
enviar.
— Nicolas, é a sua carreira.
— Mas estou satisfeito com ela, no momento eu já consegui
mais coisas que muitas pessoas irão demorar a vida toda para
alcançar, e talvez nem consigam. Sei lá… Venho há nove anos
pulando de sala de aula em sala de aula, ora como professor, ora
como aluno. Será sempre assim? Não terei mais nada de diferente
na vida?
— Você só tem vinte e cinco anos, cara, passe dois anos na
Alemanha, com festas típicas, canecas de cervejas de um litro, viva
a juventude, Nicolas. Isso é bem diferente. Depois passe mais dois
ou três anos em algum outro lugar.
— Eu posso fazer tudo isso com a Loren. Seria mais
prazeroso até…
— Meu Deus, Nick, ela nem te liga mais! — Como se fosse
invocado, meu celular toca ao meu lado, e o rosto sorridente de
Loren aparece na tela. — É ela? — eu concordo — você vai
atender?
— Óbvio — deslizo o dedo na tela, e sua carinha ansiosa me
saúda — Hey, você está viva, pensei que já tinha me esquecido.
— Se existe uma coisa que eu não fiz esse tempo todo foi te
esquecer, Nicolas. — Meu coração acelera e não sei por quê. Se é
pela sua fala ou por ouvir novamente sua voz.  — Estou te
atrapalhando? — onde já se viu ela pensar assim?
— Você jamais vai atrapalhar, Pãozinho de queijo.
— Eu sei, eu sei que fui uma filha da mãe essas duas últimas
semanas, mereço qualquer coisa que você queira falar para mim, de
verdade, entenderei caso queira me xingar, passar um sermão, está
tudo bem. Mas só peço que me escute, em primeiro lugar. Pois, há
dias eu estou tentando ter coragem para te ligar e falar isso — é
agora que ela diz que ama? — Nicolas, qual a probabilidade de uma
pessoa que usa DIU engravidar?
— Você me ligou para isso? Eu pensei que iríamos tirar o
elefante branco da minha declaração do nosso meio, se é isso que
vem te incomodando. Eu posso ser só seu amigo, sei que essa
distância nos desfavorece, mas…
— Nicolas, foco. Me responda. — Como vou focar? Eu disse
que a amava! Mais de uma vez, mais do que só com palavras. Será
que ela prefere realmente seguir a vida com um cara da sua idade?
Pior. Ela transou com alguém, que não sou eu, mesmo
depois do que lhe disse, e agora quer saber se pode engravidar?
NÃO! Minha Loren jamais faria isso.
Eu a conheço.
— Não sei, Loren, talvez algo entre 0,1 e 0,3? Por que isso
importa?
— Parabéns, somos o percentual do erro estatístico.
O quê?
Nicolas Amaral
Para todas aquelas pessoas que defendem que a terra é
plana: vão se foder!
Não existe a mínima possibilidade dela ser. Fonte: não
precisa.
Pois agora mesmo meu mundo deu uma volta completa, e
olha só, ele não gastou nem mesmo 24h para isso.
Deveríamos dar uma checada básica na velocidade, pois ela
está acelerada.
— Nicolas? Merda! Na minha cabeça isso pareceu
estupendo.
— Nós fizemos um bebê?
— Sim.
— Mesmo com você usando DIU?
— Exatamente, mas…
— MINHA PORRA É FORTE PARA UM CARALHO! CADU!
VOCÊ VAI SER TIO! 
Pulo na cama em cima de Carlos Eduardo, quase sufocando-
o, e até esqueço que ele estava me mandando para Alemanha com
um clique.
— Nicolas…? Nick…? NICOLAS! — pego meu celular caído
em minha cama, e tento regular minha respiração arfante — Está
tudo bem, aí?
— Mais do que bem! Nós vamos ter um bebezinho, Pãozinho
de queijo! Eu nem acredito!
— Você não está assustado?
— Pra caralho, mas aí eu penso que são 23 cromossomos
meus, e 23 seus, porra a gente fez ele dentro de um museu, e…
— Nicolas! Eu estou aqui ainda! — Cadu grunhe da cama.
— Carlos Eduardo, poderia me dar privacidade? É um
assunto de família.
— Eu não estou conseguindo me mexer, acho que estou em
estado de choque.
— Porra, Eduardo, eu quem sou o pai, relaxa. Só um minuto,
amor, vou mudar de quarto — digo olhando para a tela. — Respira,
Eduardo, por favor. Volto quando acabar essa conversa. —
Atravesso o corredor e entro no quarto de hóspedes. — Pronto,
podemos voltar a conversar. Por que você está vermelha? Você está
chorando? — ouço o fungado baixo dela, e eu só queria estar lá
para abraçá-la.
— Eu só choro, Nick, só faço isso agora. Por tudo! Até nos
anúncios de vendas de carros no youtube. — Tento segurar o riso,
mas isso só piora a situação e eu gargalho, imaginando-a sentada,
chorando ao ver os preços do minicooper. — Para de rir, Nicolas!
— Não estou rindo — engulo a risada, e tento desanuviar
minha mente da cena —, quando você descobriu?
— Não fui eu, foi a Oli. Uma semana depois que cheguei.
— Porra, Loren, já tem mais um mês que você sabe?
— Sim, me desculpe por não ter contado antes. Eu estava
tentando processar os sentimentos que sinto por você, e então…
— Um bebê — completo.
— Sim. E então eu fiquei presa no limbo de como te dar essa
notícia.
— Nós vamos ter esse bebê? — pergunto cauteloso, pois
talvez ela só tenha ligado para…
— Sim, Nicolas — respiro mais aliviado, e posso me dedicar
a termos “A CONVERSA”.
— E como você está se sentindo? Já foi consultar?
— Estou emotiva, com muita fome — imagino-a atacando a
geladeira de madrugada e a imagem aquece meu peito —, de
manhã sinto enjoo, essa parte é horrível, desmaiei uma vez, foi
quando Olívia me obrigou a fazer os testes. E sim, fui em uma
consulta, a médica me receitou diversas vitaminas, muitos exames e
o primeiro ultrassom é segunda às oito.
— Merda, eu não consigo chegar aí segunda, Loren!
— Você vai vir?
— Loren, você leu a carta? — devolvo a pergunta.
— Li e aliás eu quero muito, muito socar sua cara por me
fazer chorar treze horas direto.
— Vejo que ficou agressiva, devo me preocupar com isso?
Calma, não responde, me fala que você está assim na cama
também! — Loren ri, e morde o lábio.
— Ainda não testei isso — ela responde, e meu coração gela.
Como assim? AINDA não testou? Ela quer transar? Sei que
algumas mulheres ficam bastante dispostas nesse período, e … Sua
gargalhada enche o quarto —, você deveria ver a sua cara, nesse
exato momento. Está com ciúmes?
— Claro, você é uma grande gostosa — meu coração
mantém-se acelerado, e só quero sufocar o amargor que toma a
minha boca, mesmo que eu perceba seu ar zombeteiro. — Enfim,
não sei se acho passagem para chegar segunda às oito, mas é
quase que um grande não, e…
— Nicolas, eu estou te contando porque é seu direito saber, e
direito do bebê ter um pai, caso você queira. Não é minha intenção
anunciar uma gravidez e fazer uma reviravolta em sua vida… Eu sei
dos seus planos e…
— Sabe mesmo? E quais são?
— Tem o PhD na Alemanha e…
— E nada, Pãozinho de queijo. Você está errada em duas
coisas, a primeira: minha vida não virou de ponta cabeça por causa
da nossa gravidez, ela fez isso por sua causa. Foi você, Loren,
quem entrou e bagunçou tudo de uma forma tentadoramente
organizada, e a segunda coisa: eu te disse, enviei duas propostas
de pesquisa. E sabe para onde é a outra?
— Não.
— Imperial College London.
— E por que você não me contou?
— Não sabia o que nós viraríamos, Loren, e se você fugisse
correndo para as colinas?  Não sei o que eu represento para você!
Se fomos um lance de inverno? O que eu diria? Hey, não posso
viver sem você e me candidatei a uma das universidades mais
tradicionais no meio científico, que POR ACASO, fica no seu país —
desato a falar, sem dar espaço para ela. Talvez eu esteja um pouco
nervoso. Caralho. EU VOU SER PAI! — Se você não tivesse ido
embora antes, com certeza iria quando eu terminasse de falar, e
ainda arrumaria uma medida protetiva contra mim. Que louco faria
isso? Além dos loucos de amor, claro. Sei que sou louco por você,
mas quero tê-la em minha vida e não espantá-la. — Loren sorri,
fazendo minha garganta fechar.
— Achei que soubesse o que eu sinto por você…
— Não, eu não sei.
— Eu amo você, Nicolas. Achei que declarar meu choro por
treze horas direto já seria suficiente para você ter entendido. Para
alguém tão inteligente e de raciocínio rápido, você anda bem em
marcha lenta. — Meu coração parece que irá voar de tanto que
bate.
— Eu te amo e não me perdoaria se desperdiçasse a chance
de ser feliz ao seu lado e agora ao lado do nosso bebê. Entenda,
Pãozinho de queijo, eu iria atrás de você de qualquer jeito, essa
parte que divaguei sobre não ir é só minha insegurança falando,
agora só tenho um pretexto para adiantarmos isso. — Vejo-a secar
as lágrimas que escorrem, mesmo diante do seu sorriso. — Estou
morrendo de saudade, sabia? Quando eu te encontrar vou te beijar
tanto, mas tanto, que sua boca ficará dormente!
— É só isso que você vai fazer?
— Com certeza não. Vamos usar a pomada do nosso bebê
em você primeiro.
— Nicolas! Meu Deus! — ela gargalha, e balança a cabeça —
E agora? O que faremos?
— Minha pesquisa começa só em janeiro, era quando
pretendia ir. Consegui uma vaga de professor assistente que me dá
moradia no primeiro ano, e depois vejo como farei. Por enquanto eu
vou ficar em um hotel.
— Nick, você precisa do seu título do doutorado… Como
você virá agora?
— Merda! Merda! Merda! — Minha banca é dia onze de
novembro ainda.
— Olha só, acho que o mais lógico é você apresentar o seu
trabalho e depois vir. Não faz sentindo. Sem contar que você ainda
tem as universidades para dar aula, até dezembro.
— Não, eu não vou ficar aqui até dezembro. Sem chance. Eu
quero ir no ultrassom — gemo desesperado e frustrado. Ir e voltar
em três dias é uma realidade? Eu perderia somente as aulas de
segunda e manhã de terça…
— Estou vendo suas engrenagens girando dentro da sua
cabeça, mas a resposta é lógica, Nick.Não tem como — esfrego o
rosto estressado —, posso te ligar de vídeo e você assiste ao
exame. Serão quatro da manhã aí.
— Foda-se o horário. Você irá sozinha?
— Não, minha mãe está bastante animada em ter um neto e
tenho três amigas que estão muito eufóricas com a novidade… —
ela me observa, atenta pelo vídeo — Que cara é essa?
— Estou tentando achar uma solução, mas não tem! Essa
semana eu penso em algo. Vamos a outra parte, me passa os
dados da sua conta bancária.
— Para quê?
— Cobrir os gastos uai, dos medicamentos, consultas,
exames e qualquer coisa que você precise.
— Nicolas…
— Por favor, Loren, não vamos discutir isso, não é? Ser pai
não é fazer a criança, aparecer no aniversário e dia dos pais na
escola. Se você precisar de qualquer coisa, por menor que seja ou
que você julgue como inutilidade, quero saber.
— Você não existe, sabia?
— Existo e estou louco para estar bem colado a vocês.
Nicolas Amaral
— Nicolas, se você não ficar quieto, eu juro que vou te dopar
com tranquilizante de cavalo — Cadu sussurra pela quinta vez.
Trouxe-o para que assista minha defesa e leve o carro alugado para
a locadora depois que eu pegar o avião.
— Não tem como caralho, Theo já extrapolou o tempo dele
em quinze minutos, tem a Quésia na minha frente, se ela demorar
mais quinze, serão meia hora, e eu vou perder a porra do avião.
Frustração não engloba meu sentimento neste momento.
Foram os piores vinte e cinco dias da minha existência.
Nem um prisioneiro viu o tempo passar tão devagar na vida
quanto eu nesses dias.
Tive que resolver muitas coisas, demissão, passagem de
turmas, achar o caralho do passaporte, que por um momento achei
que o tinha enfiado no meio do meu cu, eu estava quase indo à
polícia federal implorar um novo, quando o achei na gaveta de
cuecas em minha casa em Belo Horizonte.
Ainda ontem tive que comprar roupas, no desespero, porque
de repente resolveu nevar em Londres, e Loren me avisou quase às
22h daqui, sorte que eu estava com as coisas no carro para vir para
Ouro Preto, implorei à lojista que me deixasse entrar, como se fosse
fácil achar roupas para neve no auge da primavera aqui.
Sem contar que ainda tinha que vender meu carro, em quinze
dias.
Quando anunciei minha saída, minhas turmas começaram a
fazer festas de despedidas para mim, desconcertando-me ao ponto
de eu não conseguir dar aulas depois. Não tinha noção nenhuma de
que eles realmente gostavam de mim.
E como as notícias correm rápido, de repente meu celular
travou de tantas mensagens perguntando para onde eu iria, com
quem e alguns nudes.
Sério, gente, dois anos[44] e ainda estão nessa?
Passei o fim de semana inteiro fazendo algo que deveria ter
sido prioridade, mas eu estava distraído demais com Loren, dando
unfollow e bloqueando pessoas — leia-se: mulheres — nas redes
sociais.
— Mas se você ficar agitado, pode errar tudo e não adquirir o
título e aí é: Adeus, Londres.
— Adeus, Londres é o caralho, minha mulher e meu filho ou
filha estão lá! Eu não aguento mais ficar aqui. Longe deles. Vou
embora, nem que seja para lavar banheiro lá. Não existe essa
possibilidade de eu ficar aqui, Cadu.
— Relaxa.
— Você está falando isso, porque não é você que assistiu ao
ultrassom do seu bebê às quatro da manhã por uma ligação de
vídeo e…
— Tem razão, eu assisti do seu. Já se esqueceu que você me
acordou, chorando, para ver?
— Eu estava emocionado, cara. Você sabe o que é gostar de
alguém e essa pessoa ficar longe? Você n…
— Eu sei, Nicolas.
— Uai, sabe? Como eu não estou sabendo disso?
— Não importa, continua o que estava falando. — Olho-o
desconfiado.
— Não quer falar, não fala. Enfim, você não sabe o que é
ficar batendo punheta para uma tela, nem quando eu era
adolescente fiz tanto isso! — Loren grávida está em um estado
superexcitado e, ter Emma transando no quarto ao lado sem
nenhum pudor, de acordo com a Pãozinho de queijo, deixava-a
extremamente excitada, e aí as chamadas de vídeo aconteciam,
torturando minha mão noite após noite.
— Detalhes demais, cara.
— Agora você tem pudores? — Olho no celular, vinte
minutos, puta que pariu. — Eu vou pedir a Quésia para trocar
comigo.
— O quê?
— É uma ótima ideia. Não posso me dar ao luxo de perder
mais tempo. — Cutuco Quésia que está lendo seu próprio artigo,
imagino, e espero ela se virar para mim. — Oi, Quésia, tudo bom?
Então, preciso de um favor.
— Achei que não conversássemos mais.
— De fato não, mas preciso apresentar no seu lugar, daqui
até o aeroporto é longe, e nessa demora vou perder meu voo..
— Você está indo atrás da inglesa?
— E te interessa? — ela suspira.
— Eu estou assumindo suas turmas aqui, você deveria ser
mais grato.
— É quase final de período, as provas finais já estão
elaboradas, e faltam no máximo três matérias para acabar com a
grade.
— Eu sei que fui uma filha da puta com você, e entendo que
talvez não me perdoe nunca, talvez eu mesma não me perdoe, mas
esse é o meu pedido de desculpas, você pode apresentar na minha
vez. — Uma salva de palmas aclamam Theo, que finalmente
terminou sua apresentação e está assinando sua aprovação.
— Obrigado. Você foi uma filha da puta em caps lock, mas
não te odeio tanto quanto antes, e nem te desejo o mal. Espero que
você tenha aprendido que imagem é o que menos importa em uma
pessoa. Eu diria que fico te devendo uma, mas não é o caso. Seja
feliz, Quésia. — Levanto-me e vou até a frente da sala conectando o
meu computador e posicionando a apresentação.
— Nicolas, é a vez da Quésia — Bruno diz da bancada.
Desde a graduação, Bruno sempre foi um professor que não nos
deu abertura de definir nossos avaliadores, ele costuma dizer que
pode causar parcialidade. E as bancas avaliadoras dos alunos dele,
sempre são as mesmas, pois ele só orienta pessoas dentro, e
exclusivamente, do seu nicho de Biologia Evolutiva.
— Prezados, boa tarde, sei que a aluna Quésia deveria se
apresentar, mas eu estou em cima do horário para um voo
importante, então ela gentilmente me cedeu sua vez, espero que
não haja problemas. — Os componentes da banca avaliadora
continuam com as caras de nada. — Bem, então, ótimo, vamos
começar. Boa tarde, novamente, eu sou Nicolas Oliveira Amaral, e
esta pesquisa é para fim de obtenção de título como Doutor em
Biologia Evolutiva… — começo as pompas iniciais para
apresentação e desato a falar.
Quando estou no meio da apresentação, meus pais surgem
na sala, com Igor, a noiva e a bebê a tira colo.
O que eles estão fazendo aqui?
A volta deles seria somente no natal.
Meeeeeerda, não avisei que eles seriam avós de novo, e
nem que eu estava de mudança para o outro lado do oceano.
Eu ia ligar para eles, quando chegasse na Inglaterra. Charles
Darwin disse uma vez que “o homem que tem coragem de
desperdiçar uma hora do seu tempo, não descobriu o valor da vida”
e no caso o que eu menos tive por esses dias foi tempo.
Porra, péssima hora para surpresas.
— … dessa forma, concluo que ambos os trabalhos
analisados têm diversos pontos a serem discutidos, e destaco a
necessidade do desenvolvimento de uma nova metodologia
analítica para que possamos através da engenharia genética
estabelecer biomarcadores específicos que identifiquem tais
alterações genotípicas para compararmos as expressões fenotípicas
nos indivíduos que possuem tais genes. Obrigado. — Ouço as
palmas do auditório e disfarçadamente olho meu relógio que
anuncia pelo aplicativo de trânsito meu horário de saída em vinte
minutos para chegar a tempo no aeroporto.
— Nicolas… — doutora Ruth, que me deu aula na graduação
e está na banca avaliadora, começa a falar e eu só penso no aviso
do aplicativo. — Que trabalho fenomenal! Eu não acreditei quando li
o título, mas assim que vi seu nome no artigo, minha supresa
desapareceu. Eu gostaria de fazer umas perguntas…
— Rutinha — a senhora se derretia quando eu a chamava
assim —, eu estou superatrasado para pegar o avião, vocês podem
só discutir e me dar a nota? Quaisquer dúvidas e sugestões deixo à
disposição meu número de telefone pessoal e e-mail que consta na
cópia do artigo de vocês. — Bruno fecha a cara e passa a morder a
ponta do óculos.
A bancada me olha torto pela falta de educação, mas passam
suas notas ao Bruno, que faz a média e se levanta para anunciar.
— Declaro a todos presentes que o doutorando obteve uma
nota final de oito pontos, pois se negou a responder
presencialmente a bancada — ele frisa. Mas neste exato momento
eu estou: pique foda-se. Oito ou dez me garantem o título de
qualquer forma — e dessa forma foram descontados dois pontos.
Mas independente deles, você, Nicolas Oliveira Amaral, acaba de
obter o título de Doutor em Biologia Evolutiva pela Universidade
Federal de Ouro Preto. Por favor, me acompanhe para a assinatura
de obtenção de título. — Vou até ele, e mal escuto suas instruções
de rubricas, só faço a mesma coisa em todas as páginas. — A
documentação de título será enviada por correios, e o diploma
também, assim que ficar pronto — ele diz quando termino. Saímos
do púlpito e ele para ao meu lado onde e me posicionei para
apresentação. — Com vocês, Doutor Nicolas Oliveira Amaral. —
Uma nova salva de palmas toma conta do ambiente, sorrio e sem
demora pego meu computador, abrindo espaço para Quésia que
tentará obter o título de mestre.
Subo as escadas correndo, meus familiares e Cadu me
aguardam do lado de fora.
— Mãe, pai! — abraço-os juntos — Eu não sabia que viriam.
— Tentamos fazer uma surpresa, Igor e Madison vieram para
o fim de ano! — Minha mãe me explica.
— E aí, cara? — abraço meu irmão, que tenho menos
intimidade do que Cadu. Observo a bebezinha dormindo e penso
que logo serei eu segurando um pacotinho desses — Olá, prazer —
cumprimento sua noiva, e faço carinho na bebê. — Então, gente,
muito legal que vocês vieram, de verdade, obrigado, mas é que eu
já estava de saída — esclareço.
— Como assim, filho? — meu pai questiona. — Acabamos de
voltar de uma viagem dos Estados Unidos  e você está indo
embora?
— Então, gente — mordo meu lábio —, vocês vão ser avós
de novo e no caso minha namorada é inglesa, consegui uma vaga
no programa de PhD lá, e estou indo. Esse é um resumo, mas juro
que conto tudo quando chegar em Londres. Eu juro que ia ligar, mas
esperava vocês só em dezembro. Tentarei vir no Natal, juro, gente.
Beijos, amo vocês! — Beijo todos os rostos. Sequer ouvi a voz do
meu irmão ou da noiva, mas eu tinha um avião para pegar.
Cancela os vinte cinco dias de espera.
É a porra do voo que deveria durar treze horas — pois paguei
um rim em passagem direta —, dura quinze horas e é a maior
imprenssão temporal que eu tenho.
Os aviões não deveriam ser mais estáveis?
Acabei de conhecer a neve, e não gostei. Sério! Duas horas
de atraso?
Parece que décadas separam Loren e eu, tamanha é minha
ansiedade.
Mesmo que agora sejam alguns metros.
Muitos metros.
Loren combinou de me pegar no aeroporto, mesmo eu
dizendo que não precisava e achava perigoso que ela dirigisse com
a nevasca. Disse que me aguardaria em sua cafeteria preferida em
frente aos painéis de espera.
Baixar o mapa do aeroporto foi inútil, pois o trem é enorme.
Tudo parece demorar.
A mala demora, as pessoas me param para informações, e
só as ignoro.
Eu só quero segurá-la em meu colo, e conversar com meu
bebê presencialmente, e não pelo celular encostado na barriga,
ainda lisa, dela.
Um suspiro de alívio me toma inteiro, quando avisto a
fachada da cafeteria.
Sinto-me suar, mesmo que esteja nevando lá fora.
Não demoro a achá-la, seus cabelos inconfundíveis são
como meu guia. Loren está sacudindo as pernas ansiosas, vejo-a
conferindo o celular, e então mando uma mensagem de aúdio.
— Oi, meu Pãozinho de queijo, eu jurava que era impossível
você ficar mais bonita do que o dia que te conheci, mas… porra,
Loren, você está gostosa pra cacete! Depois que você corar, como
sei que fará, tem como vir aqui me dar um abraço e um beijo? Eu
estou morrendo de saudades de vocês — envio-o, olhando
fascinado sua rapidez em escutá-lo, e então seus olhos aveludados
me procuram.
Loren não parece acreditar que eu estou aqui, que sou real.
Por um momento quero me beliscar e saber se é um sonho,
mas posso senti-la tão minha, sei que o sabor doce que se espalha
em minha boca agora, é o efeito Loren, pois ela é a única que
conseguiu penetrar-me tão profundamente que até mesmo seu
gosto posso sentir, só de olhá-la.
Percebendo sua falta de ação, gargalho e me aproximo.
Sem aviso prévio ou palavras de cumprimento, tomo seus
lábios frios pelo inverno nos meus, beijando-a com toda a saudade
que eu senti nesse tempo.
Quando o ar nos falta, solto-a, ajoelho-me e beijo sua barriga
inexistente, escondida debaixo de todas as camadas de roupas.
— Ei, bebê, o papai chegou! Eu não sei como será daqui
para frente, mas me esforçarei ao máximo para ser o melhor pai do
mundo para você, e o melhor homem para sua mãe, para sempre.
Se esse momento pudesse ser palatável, teria o melhor gosto
do mundo, afinal…
Tem sabor de lar.
Finalmente.
Felicidade.
E eles foram felizes enquanto viveram….
Nicolas Amaral
Três anos depois
— Tenho algo chocante para contar — Loren observa a cama
uma última vez, onde Ethan dorme tranquilamente há alguns
minutos,  me pega pela mão, puxando-me para fora, resgatando
uma das primeiras brincadeiras que fizemos juntos — eu transei
com um cara onze anos, seis meses e vinte dias mais novo! — Ela
cobre a boca com a mão, simulando choque.
— Uau, você realmente se superou! Não lembro-me de
nenhum feito meu, que supere isso. Mandou bem, Pãozinho de
queijo. — Levanto a mão para que ela bata na minha.
— E piora! — esfrego as mãos uma na outra e aguardo seu
golpe de misericórdia. — Pratico pegging nele às vezes, e gosto
bastante, principalmente da cinta de dupla penetração — ela diz
sussurrado.
— Uau, você é uma vadiazinha safada.
— Tivemos dois filhos. E agora ele diz que é para sempre, e
não quer abrir espaço para outros caras… — fecho a cara e paro o
meio do corredor.
— Isso não tem a menor graça, Pãozinho de queijo! — ela
segura a gargalhada e volta a me rebocar. — Eu sou o décimo
terceiro sem abertura para existir ou cogitar o décimo quarto.
— Eu estou brincando, meu amor — ela para diante a porta e
beija-me calmamente. — Não existe nada que eu queira mais no
mundo do que você. Quer dizer, você tem que me dividir com mais
dois homens, mas acho que não se importa… — Loren abre a porta
e entramos juntos.
— Nem um pouco! — passo a mão na cabecinha do nosso
bebê e sorrio. — De todos os meus feitos, dos já conquistados e dos
futuros, Ethan e Noah sempre serão minhas obras-primas e, se eu
posso me orgulhar disso, é porque você é minha musa inspiradora e
o forninho também — olho para ela que sorri entre lágrimas. —
Podemos fazer outro desses? — pego o pacotinho azul embrulhado
demais, pois o inverno Londrino está cruel.
— Acho que dois já é o suficiente, Nick. — Ela me abraça
ficando na ponta dos pés para observar Noah em meus braços. — E
deveríamos pensar nisso após o resguardo. Me deixe pegá-lo.
— Não, só mais um pouquinho — cheiro a pequena cabeça
acobreada e sou invadido com o melhor perfume do mundo. Só eu
que sou viciado em cheirinho de bebê?
— Ele precisa mamar, e você está sendo egoísta!
— Não estou não.
— Nick, seus pais vieram do Brasil conhecer Ethan, e você
monopolizou o recém-nascido. Não fará isso de novo, certo? Minhas
amigas ficavam loucas para que você fosse trabalhar para elas me
visitarem e poder pegá-lo. Você tem que deixar que as pessoas
segurem o Noah, não me envergonhe de novo.
— Eu estou seguindo meus instintos biológicos, estou
cuidando da minha prole — passo o dedo no pequeno nariz de
Noah, e ele boceja, abrindo os olhos preguiçosamente.
— Então seja um animal racional e me dê o bebê, preciso
alimentá-lo.
— Hey, carinha, pisca irresistível para sua mamãe e a
convença a deixá-lo mais um pouquinho com o papai. — Como se
conseguisse me compreender, tal qual fez seu irmão, ainda na
maternidade para as enfermeiras, Noah pisca um olhinho para a
mãe, que suspira rendida.
— Céus, eu estou perdida com vocês! — Ela pega o bebê em
meu colo, e senta-se na cadeira de amamentação no canto comigo
à tiracolo.
Não existe, no mundo inteiro, qualquer coisa que eu mais
goste de fazer do que vê-la amamentar.
Ficamos rendidos por minutos a fio vendo Noah mamar.
Loren perdida nos próprio pensamentos, enquanto eu
massageio seus ombros permitindo que um filme passe pela minha
cabeça.
Minha chegada em Londres, sob uma nevasca pouco vista
nos últimos anos, Loren disse que eu poderia ficar em seu
apartamento com Emma, mas me conhecendo, não sentiria-me
confortável. Já tinha feito reserva em um albergue, o que me
arrependi profundamente na primeira noite. Tirando os quase três
anos na pousada, o resto da vida dividi casa com outras pessoas,
percebi meu cansaço e falta de pertencimento rapidamente,
principalmente quando o frio mal me deixou dormir. Então logo
aluguei um apartamento, e fui mobiliando aos poucos, sempre com
a ajuda de Loren, pois sonhava com o dia que ela e eu moraríamos
juntos.
A única coisa que eu mais queria, era que ela viesse morar
comigo. Sempre deixei claro isso, mas a decisão era dela. Então
quando chegou o quinto mês de gestação, Loren percebeu que não
fazia sentido todo o nosso trajeto, fosse no carro dela ou de metrô,
para as consultas pré-natais ou para nos vermos aos fins de
semana. Busquei-a no apartamento que ela dividia com Emma, e as
duas se abraçaram e choraram por horas. No fim, foi algo positivo
não morar sobre um cassino, ainda mais que Ethan tinha o sono
leve demais. 
Naquele mesmo ano, antes da evolução da gravidez atingir
um momento que Loren não poderia viajar, levei-a para passar o
Natal com minha família, e apresentá-la formalmente. Era o mínimo
depois de sair às pressas do país.
Seus pais, Jack e Rosie, sim, como Titanic, já me amavam,
logo com Dona Maria Luiza e seu Márcio Antônio, meus pais, não foi
diferente. Eles pegavam as noras, levando-as para comprar coisas
para os netos, e só chegavam tarde da noite durante nosso tempo
em Minas Gerais.
Mas nossa passagem por ali foi rápida, no início de janeiro
veio a defesa de Loren em seu mestrado, na qual ela foi brilhante,
como eu já imaginava, e trouxe para nossa parede no escritório seu
diploma de Oxford.
Minha entrada na Imperial College London foi uma das
experiências mais do caralho da minha vida, equivalente ao episódio
de Arqueiro Verde, que mostra a Felicity no MIT. Mas, entrando ali,
assumindo meu papel e fazendo a minha pesquisa sobre povos
originários, percebi uma inversão de valores naturais das minhas
prioridades. Eu amaria a ciência sem pestanejar, sou apaixonado
por ensinar, por novas descobertas, a pesquisa científica e o meio
acadêmico sempre serão parte de quem fui, sou, ou serei, porém
Loren, Ethan e Noah virão em primeiro lugar sempre.
E o engraçado foi que tomei atitudes elevando essa
importância sem saber, como quando praticamente larguei a minha
banca de defesa na UFOP, e meu foco era só o voo para São Paulo,
e depois Londres. Percebi isso, de forma consciente, durante uma
reunião da instituição que recebi a ligação de Loren que sua bolsa
tinha estourado, em nossa primeira gestação. Não houve
pensamento por minha parte, deixei-os falando sozinhos e saí.
A gestação por inteiro de Loren foi tranquila de certa forma,
me preocupei no início pois a médica disse que o bebê seria
gestado e o DIU teria que ficar dentro dela. Ela disse que não
precisávamos nos preocupar, pois aconteceram vários casos assim,
e nada de anormal era acarretado por isso. Loren tinha uma ótima
saúde, e tudo estava dentro do esperado.
Os nossos partos, esses sim, se tornaram a melhor
experiência da minha vida. Perdia para qualquer outro momento já
vivido. Qualquer conquista era rebaixada quando comparada a eles,
em seguida, vinha nosso contrato — é meio óbvio que nós não nos
casaríamos com pompas e parafernalhas, nenhuma cerimônia ou
documento conseguiria expressar ou minimamente simbolizar o que
nós temos um pelo outro.
Tinha se passado poucas horas do nascimento de Ethan,
Loren o amamentava pela primeira vez, quando abordei o assunto.
— Sabe, Pãozinho de queijo, talvez devêssemos… Sei lá,
firmar um contrato de união estável, ou seja lá qual for o nome que
vocês usam aqui. Obviamente meu nome estará na certidão do
Ethan, mas será importante ele ter dupla nacionalidade, caso queira
um dia. Sem contar que quando perguntarem o que você é minha,
eu direi que é minha — Loren sorri cansada e suspira.
— Contanto que você seja meu, não vejo problema nisso. E
de toda forma, tem razão, devemos oficializar judicialmente nossa
união, quando passar o resguardo será nossa prioridade.
Loren e eu cogitamos ter um outro bebê quando Ethan fez
um aninho, ela optou por não deixar um espaço cronológico muito
grande de um filho para o outro, conversamos sobre e nos
empenhamos bastante em fazê-lo, e por uns três meses nada
aconteceu.
Quando ela chegou em casa pálida e chorando, pensei que
tinha sido reprovada na matéria do seu doutorado, ou algo do tipo.
Deixei de lado as provas que eu corrigia na mesa de jantar com
Ethan, no colo — que se parecia muito mais comigo do que com a
mãe, fazendo-a falar sempre que era a incubadora —, para ampará-
la, mas perdi o discernimento quando me contou.
Rimos dias a fio disso, pois não esperávamos Ethan e lidei
superbem, não desmaiei ou algo do tipo, mas perder a força das
pernas por um bebê que planejamos, foi realmente engraçado.
E aqui estamos nós, com mais um pacotinho nos braços,
usando um macacão de dinossauro com capuz de escamas, ruivo
como a mãe, mamando como se não tivesse feito isso há pouco
tempo.
É incrível que aos vinte oito anos já posso dizer que minha
vida está completa e feliz. Tenho o emprego dos sonhos, agora em
uma única instituição, a do momento é em Oxford, com baixa carga
horária, pois minha família é minha prioridade. Loren terminará o
doutorado em breve, e com certeza permanecerá dando aulas, na
mesma instituição que se formará e eu trabalho, afinal minha mulher
é foda pra caralho. Sempre teremos um ao outro, criaremos nossos
filhos juntos, e ambos somos realizados em todos os âmbitos das
nossas vidas.
Obviamente nem tudo será maravilhoso e milimetricamente
divino, pois somos pessoas em constante evolução. Às vezes
existirá uma toalha em cima da cama, ou então a TPM dela, mas
seremos perfeitos em nossas imperfeições humanas.
E eu só queria falar para o Nicolas de dezenove anos, se é
que existe a tal da relatividade temporal em que o passado,
presente e futuro coexistem, que a gente conseguiu, cara.
Não da forma que nós imaginamos, não conquistando o
prêmio Nobel ou qualquer outro, isso perdeu o sentido, não é um
sucesso medido em horas-aula… Mas nossa vida é maravilhosa, e
você vai ficar bem, só precisa acreditar.
Uma mulher feita sob medida para você virá de longe, vocês
irão suturar as feridas um do outro, serão tão felizes que tatuam a
cladogênese da Seleção do Amor em seus antebraços, e essa
felicidade se transbordará em dois seres tão perfeitos, que irão
duvidar às vezes que foram vocês que fizeram.
Depois de muito divagar, terá a certeza de que sim saíram de
vocês, e só o amor poderia ser responsável por algo tão perfeito.
— Sabe, Loren, por um tempo eu pensei que não era apto a
ter o que temos agora. Não existia abertura em mim para deixar
alguém entrar. Mas agora percebo que não precisava me abrir para
ninguém, a pessoa certa acharia uma brecha. E nada me deixa mais
extasiado que seja você o alguém que me tomou por inteiro.
“Londres, 11 de abril de 2027,
Caro Dr. Nicolas Amaral,
Como vai você?
Talvez você não saiba — afinal, não é a datação de um fóssil
de milhares de anos—, mas há exatos cinco anos, eu me encontrei
com um completo estranho em um lugar que jamais cogitei em pisar.
Me senti completamente avulsa dentro do seu carro a
caminho de Ouro Preto, e também uma sem educação! Você foi
gentil e cordial quando nos encontramos, e eu mal olhei em seu
rosto. O seu jeito expansivo me levava a retrair-me. Depois de
despejar em mim sua eloquente educação, saber se eu estava bem
alocada e se preocupar se eu tinha dinheiro — hahaha, foi muito
fofo — você se despediu no hall daquela pousada e então não te vi
por uns dias.
Foi estranho te reencontrar naquele museu, não havia
cogitado que você iria até lá, nem mesmo como visitante, acredita?
Agora olhando-o correndo pelo Hyde Park com nossos filhos,
sorrio me lembrando desses nossos momentos em um tempo não
muito distante.
Quando aproximei-me naquela visita guiada, você abriu um
sorriso fácil — eu nunca pensei nas coisas que ele escondia —, um
tempo depois me chamou na frente daquela turma, que hoje deve
estar na graduação, e me usou como sua modelo para uma
explicação que seus guiados não estavam conseguindo visualizar.
Nunca te contei isso, mas meu coração disparou naquele
momento, eu corei não por vergonha, estranhamente meu pelos se
eriçaram, e diversos pensamentos sobre um possível beijo entre nós
me ocorreu.
Por questões óbvias, hoje não posso dizer que aqueles foram
os melhores meses da minha vida, mas foram o pontapé inicial para
algo que nem eu mesma sabia que seria possível, ou que desejava
tanto, o que temos hoje, em um futuro próximo ou distante.
Ainda me lembro do nosso primeiro beijo, sinto o gosto de
pasta de dente vindo da sua boca naquela noite, acho que bem no
fundo, eu sabia que não estava com febre, mas você sempre foi
melhor em expor seus sentimentos do que eu.
Penso que todas as coisas aconteceram comigo e lembro de
como às vezes, perguntava-me internamente o por quê de minha
vida ser da forma que era. Hoje entendo que você é a minha
bússola, e até você chegar, realmente eu não tinha direcionamento.
Jamais imaginei-me tendo uma relação sexual em um clube
de swing, essa é uma das muitas coisas que claramente só você
sabe fazer. 
Em algum momento dos meus devaneios íntimos, pensei que
quando chegasse a Inglaterra, eu gostaria de ter um cara como
você… Mas então, quando eu tive a noção do que você era para
mim, só pensei que de nada adiantaria a pessoa se parecer com
você. Deveria ser você, pois és único em tudo que se propõe fazer.
É incrível como todas as noites nos deitamos, e de repente
estamos perdidos um nos braços do outro. Seja para termos uma
transa memorável com suas peripécias sexuais, para fazermos
amor calmamente, ou talvez para trocarmos beijos longos,
molhados e barulhentos. Ainda existem aqueles dias em que
estamos tão cansados, que só nos abraçamos e adormecemos.
Independente de como será nossa noite, todas elas me marcam de
alguma forma.
Acho que nem toda a celulose do mundo seria suficiente para
descrever como você é perfeito para mim, e de como eu sou uma
mulher completa ao seu lado.
Você ainda me enlouquece quando deixa a toalha na cama
ou quando coloca todos os tipos de animais nas mãos de Ethan e
Noah, justificando-se que criança precisa de imunidade, sério,
Nicolas?
Poderia citar mais uma três ou quatro coisas que me irritam,
mas o caso é que para cada uma, você faz no mínimo um milhão de
coisas que fazem eu te amar mais a cada dia.
Quando entrei naquele avião em dez de setembro de 2022, e
li sua carta, não era uma questão de se, mas sim de quando eu iria
até o Brasil para ficar com você.
Então, como você foi projetado para ser tão meu, que deixou-
me marcada para sempre como sua.
Por isso hoje eu agradeço pela sua vida, por existir.
Minha mente gritava loucamente quando aceitei morarmos
juntos, e na época o guarda-roupas era tão pequeno, você teve que
tirar suas roupas para eu guardar as minhas. Calmamente suas
palavras para mim foram: “Gata, não preciso de muito, só um
espaço para minhas canecas no armário da cozinha, uma caneta
vermelha para corrigir provas e um lugar para me sentar, nem de
roupas eu preciso, posso circular livremente pelado sem me
incomodar”.
Você tem o coração mais lindo do planeta e minha certeza de
que você é a minha pessoa no mundo só aumenta quando
claramente vejo-o impresso em nossos filhos, seja na aparência,
seja nos trejeitos.
Sem mais delongas, pois já vejo Noah abrir boca e Ethan
sentado — cansados de se esbaldarem em mais uma tarde em
família —, você está juntando as coisas para irmos embora, eu
gostaria de deixar documentado, se possível, o quanto te amo e o
quão maravilhoso você é.  — Como você fez para mim quando
voltei para cá, e eu guardo debaixo de sete chaves.
Meia década com você, só faz com que eu queira toda a vida
ao seu lado, seja longa, seja curta.
Obrigada por existir, amar-me e me dar motivos para encher-
me de uma felicidade, até então, desconhecida por mim.
Com amor,
e para sempre sua,
Loren Grace Thompson.”
São tempos difíceis para essa voz que fala em 2022.
Dias a fio eu olho esse arquivo completo, faço uma alteração de
uma coisinha aqui,
outra ali… Mas cheguei no ponto que me nego a lê-lo, pois meu
coração se aquece nas mesmas partes, e eu choro nas mesmas
também.
O fato é que Nicolas e Loren me salvaram.
Salvaram-me quando quebrei e costuraram os pedaços.
Terminei esse livro aos prantos, pois sou uma ariana nutella, chorei
na reunião de betagem, chorei com o parecer da leitura crítica, e
ainda não sei como será quando a revisora me der seu parecer,
mas, acho que o resultado não será diferente.
Como disse nas notas iniciais, esse é um livro diferente.
Não porque eu quis, pois amo uma boa trama policial, investigação
e thriller,
mas, porque Nick e a Pãozinho de queijo quiseram. Acho que eles
nasceram para me mostrar, por mais clichê que seja, que o amor
cura. Se não tudo, uma grande parte.
Obrigada! Só eu e vocês, Nicolas e Loren, sabemos o quanto foram
essenciais para mim nesses meses.
Dito isso, preciso agradecer a todos que trabalharam conosco para
fazer isso acontecer.
Jamile, Adriana, Daniela e Thalita, meus dias foram muito mais
divertidos com os comentários de vocês pedindo um Nicolas.
Camila, lembra-se como eu tinha receio de conversar com você?
Hahaha, obrigada por seus posicionamentos, colocações e áudios
podcasts.
Miriã, sei que às vezes pareço o batman por trabalhar só de
madrugada, mas não me abandone, prometo tentar melhorar no
próximo livro, e obrigada por me atender, mesmo que seja às 23h.
Minha designer de capa maravilhosa, que pega as minhas ideias
confusas e as transforma na obra de arte que chamo de capa,
obrigada.
Aos leitores, que chegaram quando tudo isso era mato, e aos que
chegaram agora, muitíssimo obrigada! Saibam que estou sempre à
disposição, seja no Whatsapp ou Instagram.
Irmão, sei que você talvez não verá isso, sabemos que seus hobbys
não inclui leitura, mas você me inspirou na criação da personagem
mais marcante que eu escrevi até agora, o Nicolas.
Ademais, minhas amigas que sempre estão comigo a cada
lançamento, meu esposo que todos os dias me mostra o quão
importante é o altruísmo, e minha pequena família, se hoje esses
livros existem é porque aprendi desde a infância o significado de
amar, então obrigada. Amo vocês.
S. Evans é o pseudônimo da autora, natural de Belo Horizonte/MG,
que reside atualmente na região metropolitana da capital. S. tem
vinte e sete anos, é casada e mãe de pet.
Sua formação acadêmica é em Ciências Biológicas, porém sua
carreira profissional é voltada para a área comercial do varejo.
Sua carreira na escrita começou ainda na adolescência, aos
quatorze anos, porém retomou-a aos vinte e cinco, após oito anos
sendo somente bookstan.
Atualmente ela divide sua vida entre a escrita independente e o
mercado de trabalho.
Suas obras independentes já estiveram em primeiro lugar de vendas
em suas categorias na Amazon, e ela coleciona mais de 2,5M de
páginas lidas na plataforma.
Você consegue saber mais sobre ela em suas redes sociais.
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Outras obras disponíveis na Amazon e Kindle Unlimited:
Valentine’s : A história de Belle e Daniel
Reset: A história de Olívia e Steven
Contos Eróticos S Universe: Uma coletânea de todos os casais
O Primeiro Natal dos Brown’s: Um conto sobre o felizes para
sempre de Olívia Brown
Natal Nas Alturas: Um esquenta para 2023.
 
 
Prólogo
Itaúna, Minas Gerais, novembro de 2022. 
Abro a porta de seu escritório, no mesmo rompante que
entrei nessa mansão, pouco me importando se estou molhando a
porra do carpete importado, ou se a madeira será danificada por
estar encharcado da chuva que me acompanhou de Belo Horizonte
até aqui.
Stella está trabalhando, a essa hora, como sempre faz, ela se
assusta, pois, nesse horário e com o aguaceiro, todos os
empregados já estão recolhidos. Quando percebe que sou eu, veste
sua carapuça antiCarlos Eduardo, somado a isso, tem sua melhor
roupa de desdenho. 
O caralho da camisola longa de seda rosa, com um robe da
mesma cor por cima, em que eu consigo ver os bicos dos seios da
diaba túrgidos e o colo arrepiado. 
— Carlos, diria que é um prazer, ou simplesmente boa noite,
mas já passamos dessa fase. São quase onze da noite, o que
diabos você faz aqui a essa hora? A contabilidade não entrou em
contato com você?
— Eu não estou aqui por isso. Vim resolver uma situação
entre nós dois, que já posterguei muito.
— Bom, não tenho mais nada para tratar com você … se não
está aqui pela demissão, então neste momento está invadindo a
minha propriedade, posso chamar a polícia e… — Ergo o envelope
timbrado e lacrado pelo laboratório de análise,  coloco-o em sua
mesa. 
— Este envelope contém um teste de DNA que eu fiz com o
Henrique. — Vejo-a prender a respiração e olhar-me de boca aberta.
— Estou aqui humildemente, Stella, te dando o benefício da dúvida.
Você tem duas opções: a primeira: me conta a verdade e eu não
abro o envelope, nós dois nos sentaremos e conversaremos como
dois adultos que somos; ou a segunda opção: abro esse envelope e
dependendo do resultado, nós dois iremos à justiça e resolveremos
isso perante um Juiz. — Vejo-a respirar com mais rapidez, ela
engole em seco, e teimosa como é, ergue o pescoço esguio, me
olhando profundamente, fazendo que mais uma vez eu me perca
nesse mar de chocolate que são seus olhos. 
— O que me garante que você ainda não abriu esse
envelope e está aqui  para me chantagear? — Ela se levanta da
cadeira e circula a mesa.
— Não preciso do seu dinheiro, Stella, ao contrário de você,
não priorizo o valor da conta bancária, não dou valor à classe social
ou a nenhum outro status. 
— Não ligo para isso que você está dizendo, ligo para
caráter, e está aí uma coisa que você NÃO TEM, Carlos Eduardo —
altera o tom da voz, e faço o mesmo. Ela já gritou muito comigo
quando pagava meu salário, calei-me, mas agora não. 
Cada vez mais, minha desconfiança só se confirma. Eu não
acredito nisso. 
Porra, eu posso ter um filho.
— Você não liga mesmo para isso, Stella? Não foi isso que
aconteceu dez anos atrás! Como você diz que não tenho caráter?
Como tem coragem de me acusar disso? Se esqueceu como eu
sou? Caralho… já deveria ter aprendido isso, porra.
— Você não me dá o benefício da dúvida para eu saber nada
sobre quem é! 
— Puta que pariu, Stella! Você não vê o que está na sua
frente? Quando cheguei aqui, eu tinha cinco anos, e desde lá é só
você, Diaba, que toma conta da minha cabeça, e isso é ridículo,
porque logo vou fazer trinta anos, caralho. Você foi meu primeiro
tudo, Stella. Meu primeiro beijo, minha primeira mulher… Meu
primeiro e único amor, sempre foi e sempre será você. É por isso
que estou te pedindo, me fale a verdade, não deixe que um pedaço
de papel me conte algo tão importante.
— O que isso vai mudar na sua vida, Carlos Eduardo? 
— Depende, Stella, isso não é sobre mim, é sobre você.
Porque independente desse resultado, amo o Henrique, sendo ele
biologicamente ou não meu filho. E eu amo você. O que mais
preciso fazer para que entenda isso? — Ela me olha pelo que se
parecem horas, e a única coisa que muda em suas feições é uma
lágrima que escorre por cada olho. Pego o envelope para abri-lo,
mas suas mãos frias e trêmulas cobrem as minhas. 
— Por favor — diz tão baixo, que mal reconheço-a —, não
abra esse envelope, eu vou te contar…
 
[1]
Instituto de Ciências Biológicas.
[2]
Universidade Federal de Ouro Preto.
[3]
Uai é uma interjeição usada pelos mineiros que pode significar: espanto, dúvida ou
surpresa. Existem duas teorias que sustentam a utilização da interjeição: 1ª sigla usada
entre os inconfidentes, como uma senha, e antes de ser dita deveria ser dadas três batidas
na porta. De acordo com essa teoria, a sigla significa União, Amor e Independência. Já a 2ª
sustenta que a sigla é advinda do termo em inglês “why”, devido a convivência com os
imigrantes ingleses da época. 
[4]
Trabalho de Conclusão de Curso.
[5]
Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. As pessoas geralmente chamam a
cidade pela sigla, mas a entonação regional faz soar como “Beagá”.
[6]
Ciência de classificação dos seres vivos.
[7]
Nesse contexto, quer dizer que quando ele é a “sobra” fica esperando outras pessoas
para formar um novo time e entrar quando a partida que está acontecendo acabar.
[8]
Aeroporto internacional.
[9]
Junto com Steven Brown, são as personagens principais do enredo Reset, livro único
disponível na Amazon e Kindle Unlimited.
[10]
Junto com Daniel Valentine, são as personagens principais do enredo Valentine’s, livro
único, disponível na Amazon e Kindle Unlimited.
[11]
Peter W Lund, naturalista britânico que viveu em MG, e contribuiu para os estudos
científicos com suas pesquisas e classificação de novas espécimes.
[12]
Os textos em negrito são representações dos diálogos em inglês.
[13]
Eu não sei.
[14]
Orientadora.
[15]
Ler a minha tese.
[16]
Por quê?
[17]
Superfácil
[18]
Formigueiro.
[19]
Abreviação de Senhor.
[20]
Registro do médico veterinário.
[21]
Referência a Harry Potter. O principal vilão, Lord Voldemort, fez um feitiço que dividia a
alma dele em pedaços, e esses pedaços chamam-se horcruxes.
[22]
Nome popular para a Candidíase Oral, uma infecção fúngica.
[23]
Chupe meu…
[24]
Homólogo a histeria.
[25]
Uma aranha, puta que pariu.
[26]
Tinha uma aranha em mim.
[27]
Unidade de Pronto Atendimento.
[28]
Eu estava no acervo…
[29]
Conselho Regional de Biologia do quarto distrito, que abrange o estado de  Minas
Gerais.
[30]
Características morfológicas (formas e estruturas) e fisiológicas (funcionamento)
observáveis em um organismo/indivíduo.
[31]
Conjunto de genes de um indivíduo/organismo.
[32]
É um jogo, no qual as pessoas são as peças, e geralmente ficam emaranhadas, pois, a
cada rodada, um membro seu, braço ou perna, tocam um lugar diferente no tabuleiro.
[33]
Fetiche sexual, que consiste em o parceiro urinar um sobre o outro, ou até mesmo
assistir o outro urinando.
[34]
A autora sugere ler a cena ao som da música ambiente.
[35]
Nesse contexto, ele refere-se a englobar.
[36]
Jogo eletrônico de RPG que é desenvolvido por Hidetaka Miyazaki e o escritor
romancista de fantasia George R R Martin.
[37]
Terceiro volume dos spin off da série Off Campus, Elle Kennedy.
[38]
The Flash.
[39]
São como tradicionais pregadores de madeira, porém um dos  cabos é mais extenso. É
usada  geralmente para manusear tubos de ensaios para aquecimentos no bico de
Bunsen, o cabo maior evita possíveis queimaduras.
[40]
A unidade que ele está usando mede o volume, é possível fazê-lo através de uma
pipeta, lê-se microlitro, e é representada como apresenta-se no texto. Cada 1µL equivale à
milionésima parte de 1 Litro ou também a 1mm³.
[41]
Centro de Treinamento, o esposo dela é treinador de futebol do Arsenal.
[42]
A autora recomenda ler esse trecho ouvindo Enchanted, Taylor Swift, para melhorar sua
experiência.
[43]
Em tradução livre: estética. Na informalidade, bookstans usam o termo quando usam
imagens/ formas/ vídeos que representam algo ou alguém, mas não é uma representação
real.
[44]
Referência a um meme na internet.

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