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Victor Brunatto (2019)

Sobre a Liberdade (J.S. Mill)

1. Considerações Gerais

Trata-se da clássica defesa do princípio da liberdade do pensar e discutir,


argumentando que o único fim para o qual a humanidade está garantida, individual ou
coletivamente, em interferir com a liberdade de ação de qualquer um dos seus, é o da
auto-proteção (self-protection). O objetivo do ensaio é, portanto, o da importância, para
o homem e para a sociedade, de uma larga variedade de espécies de caráter, e de
conceder total liberdade para a natureza humana expandir-se em inumeráveis e
conflitantes direções. Essa celebração de individualidade e desdenho pela conformidade
percorre toda essa obra. Mill rejeita tentativas, tanto através de coerção legal ou social,
de coagir as opiniões e comportamentos dos indivíduos. Ele argumenta que o único
tempo em que a coerção é aceitável seria quando o comportamento de um indivíduo
ofende outros – de outro modo, a sociedade deve tratar diversidade com pleno respeito.
Mill justifica o valor da liberdade por meio de uma abordagem Utilitarista. Tenta
demonstrar os efeitos positivos da liberdade de todos e da sociedade como um todo. Em
particular. Mill relaciona liberdade com a habilidade para progredir e evitar estagnação
social. Liberdade de opinião é valiosa, então, por dois principais motivos. Primeiro, que
a opinião impopular pode estar certa (may be right). Segundo, se a opinião é errada
(wrong), refutá-la irá permitir às pessoas melhor entender suas próprias opiniões.
Liberdade de agir é desejável por razões paralelas. O não-conformismo pode
estar correto (correct), ou ela pode ter um modo de vida (way of life) que melhor
satisfaz suas necessidades, se não a de alguns outros. Adicionalmente, esses não-
conformismos desafiam a complacência social e protegem a sociedade da estagnação.
O argumento de Mill procede em cinco capítulos. No primeiro, ele fornece uma
breve visão geral acerca do significado de liberdade; também introduz os argumentos
básicos em favor de se respeitá-la, ao grau que não afete nenhuns outros. No segundo
capítulo, detalha o porquê do valor da liberdade de opinar e agir. Essa obra foi criticada
por tratar demasiada vagamente sobre os limites da liberdade e por pôr muita ênfase no
individual, não fazendo úteis distinções dentre ações que causem prejuízo a somente um
si mesmo ou ações que o causem a outros. Assim sendo, o texto proporciona uma defesa
apaixonada à defesa do não-conformismo como positivo para a sociedade e igualmente
apaixonada lembrança que nenhum pode estar completamente certo que seu modo de
vida é o melhor ou único de se viver.

Capítulo I (Introdução)

Mill começa delimitando o escopo de sua dissertação à Liberdade Civil ou


Social. Irá olhar para quais tipos de poder a sociedade pode legitimamente exercer sobre
o individual. Prevê que a questão irá ser de importância crescente pois alguns homens
entraram em um estágio mais civilizado de desenvolvimento, que apresenta “novas
condições” sob as quais problemas de liberdade individual devam ser endereçadas.
Mill então torna a uma visão geral do desenvolvimento do conceito de liberdade.
Na Grécia antiga, Roma e Inglaterra, liberdade implicava “proteção contra a tirania dos
governantes políticos,’ e governantes e governados eram frequentemente pensados
como uma relação de antagonismo necessário. O líder não governava pela vontade de
seu povo, mas enquanto seu poder fosse visto como necessário, isso era também
considerado perigoso. Patriotas tentaram limitar a vontade do líder de dois modos: 1)
Eles ganharam imunidades chamadas “liberdades ou direitos políticos.” O líder era
pensado como tendo o dever de respeitar aquelas imunidades, e haveria um direito de
rebelião caso fossem infringidos. 2) Limites constitucionais desenvolveram-se, sob o
que a comunidade ou seus representativos ganharam algum poder de consentir sobre
importantes atos de governança.
Aponta-se que eventualmente homens progrediram a um tal ponto em que eles
gostariam que seus líderes fossem seus servos, e para refletir seus interesses e vontade.
Pensou-se que não era necessário limitar esse novo tipo do governante, pois ele era
responsável pelo povo, e não havia medo de que o povo tiranizasse a si mesmo.
Entretanto, quando uma atual República Democrática se desenvolveu (Os E.U.A.), deu-
se conta de que o povo não governa a si mesmo. De outro modo, o povo com poder
exerce-o sobre outrem destituídos de poder. Em particular, a maioria pode
conscientemente tentar oprimir a minoria. Esse conceito de tirania da maioria tornou-se
aceito pela maioria dos pensadores. Mill, entretanto, argumenta que a sociedade também
pode tiranizar sem usar de meios políticos. Ao contrário, o poder da opinião pública
pode ser mais sufocante para a individualidade e mais dissidente do que qualquer lei
poderia o ser. Após, ele escreve que deve haver proteção para o povo contra as opiniões
públicas prevalecentes, e a tendência da sociedade de impor seus valores sobre os
outros.
A questão, então, como Mill a vê, é quando e como limitar a oscilação da
opinião pública sobre independência individual. Houve pouquíssimo consenso dentre
nações sobre a resposta a essa questão, e pessoas tendem a ser muito complacentes
sobre seus próprios costumes no líder com o dissenso. Pessoas tendem a crer que tendo
fortes emoções em um assunto as faz ter mais razões para aquela crença desnecessária,
falhando em se dar conta de que sem razões, suas crenças são meras preferências,
frequentemente refletindo auto-interesse. Mais além, nas ocasiões em que individuais
questionam a imposição da opinião pública em padrões sociais, eles estão geralmente
questionando se as preferencias da sociedade devem ser impostas a outros. Mill também
nota que na Inglaterra não há princípio reconhecido pelo que se julgue interferência
legislativa na conduta privada.
Depois de postos os problemas principais, Mill volta ao que ele chama de
“objeto de sua dissertação.” Escreve que ele irá argumentar que o único tempo em que
individuais ou sociedade como um todo pode intervir na liberdade individual é a auto-
proteção. Mill assevera que o argumento de que uma certa lei ou opinião pública seja
para o bem ou bem-estar de um individual não é suficiente para que se justifique a lei ou
opinião pública como uma força coercitiva; coerção de muitos perante um individual é
somente aceitável quando um individual represente uma ameaça aos outros. Está bem
argumentar com alguém sobre suas ações, mas não o obrigar. “Sobre si mesmo, sobre
seu próprio corpo e mente, o individual é soberano.”
Mill nota que o direito de liberdade não se aplica a crianças ou sociedades
“retrógradas” (backward societies). Somente quando as pessoas são capazes de aprender
com a discussão que a liberdade é válida; doutro modo, o povo deve ser cuidado. Mill
também nota que ele não está a justificar a reivindicação de liberdade como um direito
abstrato. Pelo contrário, está a fundamentando em sua utilidade, nos permanentes
interesses da humanidade. Escreve que se uma pessoa cause prejuízo a outrem, ativa ou
omissivamente, é apropridado à sociedade condenar aquela legalmente ou por meio de
desaprovação geral. Individuais podem até mesmo ser compelidos a fazer o bem a
outrem, como salvar a vida de alguém, pois fazer de outro modo causaria mal a outra
pessoa. Em contraste, a sociedade somente tem um interesse indireto no que uma pessoa
faz a si mesmo ou a outras pessoas de livre consentimento.
Mill divide a apropriada esfera da liberdade humana em três categorias,
afirmando que qualquer sociedade livre deve as respeitá-las todas. Primeiro, há o
domínio da consciência, e liberdade de pensar e opinar individuais. Segundo, há o
planejar a própria vida, e a liberdade de gostos e perseguições (pursuits). Terceiro, há a
liberdade de se unir com outros consentindo individuais (consenting indivudals) para
qualquer propósito que não causem prejuízo a outros. Essas liberdades refletem a ideia
de que a verdadeira liberdade significa um perseguir seu próprio bem de sua própria
maneira enquanto isso não previna outros de fazerem o mesmo. Essas idades
contradizem diretamente a crescente tendência da sociedade a demandar conformismo,
e, a menos que convicções morais tornem contra essa tendência, essa demanda por
conformidade somente irá aumentar.

Capítulo II (Da Liberdade de Pensar e Discutir)

No segundo capítulo, Mill volta-se ao problema de se as pessoas, por meio de


seu governo ou de si mesmas, deveriam ser permitidas coagir ou limitar a expressão de
opinião de alguma outra. Ele enfaticamente diz que tais ações são ilegítimas. Mesmo se
apenas uma pessoa possui uma opinião particular, à humanidade não seria justificável
silenciá-la. Silenciar essas opiniões é errado pois rouba “a raça humana, sua posteridade
e até mesmo a geração existente.” Em particular, rouba-se aqueles que discordam
daquelas opiniões silenciadas.
Volta-se, depois, às razões pelas quais a humanidade é lesada pelo silenciar de
opiniões. Seu primeiro argumento é de que a opinião suprimida possa ser verdadeira.
Ele escreve que, sendo os seres-humanas não infalíveis, eles não têm autoridade para
decidir um problema em nome de todos, e manter outros de virem com seus próprios
juízos. Asserta que a razão pela qual a liberdade de opinião é tão frequentemente em
perigo é a de que na prática as pessoas tendem a estar seguras de sua própria certeza, e
excluindo aquilo, na infaliabilidade do mundo que eles vêm a ter contato. Tal confiança
não é justificável e todas as pessoas são lesadas no silenciar de potenciais ideias
verdadeiras.
Depois de apresentar esse primeiro argumento, passa a olhar a possíveis críticas
de seu raciocínio e respondê-las.
Primeiro, há a crítica de que ainda que muitas pessoas estejam erradas, elas
ainda têm o dever de agir em sua própria “consciente convicção.” Quando pessoas tem
certeza de estarem certas, elas seriam covardes se não agissem nessa crença e permitir
que doutrinas exprimirem que estariam lesando a humanidade. Para isso, Mill responde
que o único caminho pelo que uma pessoa pode estar segura de que está correta é o em
que há completa liberdade para contradizer e desprovar suas crenças. Homens tem a
capacidade de corrigir seus erros, mas apenas por meio da experiencia e discussão. O
julgamento humano é só valioso se as pessoas permanecerem abertas ao criticismo
(criticismo). Então, a única vez em que uma pessoa pode estar correta é se ela está
constantemente aberta às opiniões diferentes; deve haver um convite permanente para
que se desprovem suas crenças.
Segundo, há a crítica de que os governantes tem um dever de manter algumas
crenças importantes ao bem-estar da sociedade. Apenas homens “maus” tentariam as
debilitar. Mill responde que esse argumento ainda permanece em uma assunção de
infalibilidade – a utilidade de uma opinião é ainda algo a se debater, e requer discussão.
Além disso, a verdade de uma crença é fundamental para saber se é ela desejável nela se
acredita.
Mill observa que a assunção de infalibilidade acerca de alguma questão implica
que não apenas se sinta muito seguro sobre uma crença, mas também que se inclua a
tentativa de decidi-la para outras pessoas. É em sufocantes opiniões divergentes em
nome de um bem social que alguns dos mais temíveis erros na história da humanidade
foram cometidos. Escreve sobre Sócrates e Jesus Cristo, duas ilustres figuras na história,
que foram postas à morte por blasfemarem em razão de suas crenças terem sido radicais
para seu tempo. Mill então considera se a sociedade deve ser capaz de censurar uma
opinião que rejeita uma crença moral comum ou a existência de Deus e um estado de
coisas futuro. Ele dá o exemplo do Imperador Marco Aurélio, um home justo a amável
que condenou o cristianismo, falhando em ver seus valores para a sociedade. Ele
argumenta que se se pode aceitar a legitimidade de punir opiniões irreligiosas, deve-se
também aceitar que se tenha sentido como Marco Aurélio fez, que o Cristianismo era
perigoso, justificar-se-ia no punir do Cristianismo.
Terceiro, Mill considera as críticas de que verdade pode ser justificavelmente
perseguida, pois perseguir é algo que verdade tem de enfrentar e isso sempre irá
permanecer. Responde que tal sentimento é duramente injusto para com aqueles que são
realmente perseguidos por sustentarem ideias verdadeiras. Ao se descobrir algo
verdadeiro, aquelas pessoas realizaram um grande serviço à humanidade. Suportar a
perseguição dessas pessoas sugere que suas contribuições não estão realmente sendo
valorizadas. Mill também sustenta que é errado assumir que “verdade sempre triunfa
sobre perseguição.” Pode levar séculos para a verdade re-emergir depois de ser
suprimida. Por exemplo, A Reforma da Igreja Cátolica foi posta abaixo vinte vezes
antes que Martin Luther restasse bem-sucedido. È mera sentimentalidade pensar que
verdade é mais forte que erro, ainda que verdade tenda a ser redescoberta na passagem
do tempo se extinguida.
Quarto, Mill responde ao possível argumento contra si de que vez que não mais
pomos dissidentes à morte, opiniões verdadeiras não mais serão extintas. Replica que a
acusação (persecution) penal à opiniões ainda é significante na sociedade, por exemplo
no caso de blasfêmia ou ateísmo. Não há garantia, dada a opinião pública geral, de que
mais formas extermas de acusação penal não irão re-emergir. Em adição, continua a
haver intolerancia social do dissidente. Argumenta Mill que a intolerancia da sociedade
leva as pessoas a esconder seus pontos-de-vista e sufoca intelectualismo e pensar
independentes. Sufocar a liberdade de pensar lesa a verdade, não importando se um
exemplo particular de pensamento livre leva a conclusões falsas.
Depois de explicar como opiniões populares podem ser falsas, Mill faz três
argumentos adicionais em favor da liberdade de opinar.
Seu segundo argumento (depois do argumento discutido na última seção, de que
a opinião popular possa ser falsa), é de que até mesmo se a opinião popular é
verdadeira, se não for debatida se tornará “dogma morto.” Se verdade é simplesmente
posta como um pré-conceito, então as pessoas não irão completamente a compreender e
não irão entender como refutar objeções a ela. O desacordo, ainda que falso, mantém
viva a verdade contra a qual discorda.
Mill então volta-se a duas potenciais críticas ao seu argumento.
Primeiro, poderia ser dito que às pessoas devem ser ensinados os fundamentos
de suas opiniões, e, assim o sendo, elas não iriam meramente ostentar pré-juízos, mas
realmente entender as bases das suas opiniões. Mill replica que em casos em que
opiniões divergentes são possíveis, entender a verdade requer afastar argumentos ao
contrário. Se uma pessoa não consegue refutar objeções, então não pode devidamente
ser dita como entendedora de sua opinião. Logo após, ele deve escutar aquelas objeções
de pessoas que realmente acreditam nelas, pois são somente elas que podem mostrar a
força total dos argumentos. Responder a objeções é tão importante que se não existirem
dissidentes, é necessário que se os imagine, e que se venha com os argumentos mais
persuasivos que eles poderiam fazer.
Uma segunda crítica pode ser a de que não é necessário à humanidade em geral
ser familiar com objeções potenciais às suas crenças, mas somente aos filósofos e
teólogos estarem assim conscientes. Mill responde que essa objeções não enfrequecem
seu argumento para o livre discutir, pois aos dissidentes ainda deve ser dada voz com a
qual objetem das opiniões. Mais além, enquanto na Igreja Catolica há uma distinção
clara entre pessoas comuns e intelectuais, em países Protestantes, como a Inglaterra,
cada pessoa é considerada responsável pelas suas escolhas, Ainda, em tempos
modernos, é praticamente impossível manter das pessoas comuns escritos só acessíveis
aos intelectuais.
Mill então apresenta um terceiro argumento para o valor da liberdade de pensar e
discutir. Ele escreve que se uma opinião verdadeira não é debatida, o sentido dessa
opinião perder-se-á. Isso pode ser visto na história das crenças ética e religiosa – quando
eles param de ser desafiados, eles perdem sua “força de viver.” Mill diz que o
Cristianismo encara uma situação tal qual que a crença das pessoas não se reflete em
suas condutas. Como um resultado, pessoas não entendem verdadeiramente as doutrinas
que ostentam firmemente, e esse mal-entendido leva a sérios erros. Mill fornece uma
possível crítica a esse ponto-de-vista. Ele escreve que poder-se-ia perguntar se é
essencial ao “verdadeiro saber” que alguns segurem opiniões errôneas; responde que
haver um número crescente de opiniões incontestadas é tanto “inevitável quanto
indispensável” no processo de melhoria humano. Entretanto, isso não significa que a
perda do debate não seja uma desvantagem, e ele encoraja professores a tentar
compensar a perda do dissenso.
Volta-se, após, a um quarto argumento para a liberdade de opinar. Escreve que
em casos de doutrinas conflitantes, talvez o mais comum caso seja o de que ao invés de
uma ser verdadeira, a outra, falsa, a verdade está em algum lugar dentre elas. Progresso
normalmente somente subtitui uma verdade parcial por outra, a mais nova verdade mais
adequada às necessidades da época. Dissidente ou heréticas opiniões comumente
refletem as verdades parciais não reconhecidas na opinião popular e são valiosas para
que se traga atenção a um “fragmento de sabedoria.” Esse fato pode ser visto na
politica, em que opiniões divergentes mantêm-se ponderadas. Em qualquer questão
aberta, o lado menos popular ao tempo é o lado que deve ser mais encorajado. Esse lado
reflete interesses que estão sendo negligenciados.
Mill então olha a crítica desse quarto argumento. Diz que pode ser debatido que
alguns princípios, como os do Cristianismo, são totalmente verdadeiros e. se alguém
discordar, estará completamente errado. Responde Mill que assim dizendo que de
muitos modos a moralidade cristã é “incompleta e parcial,” e que algumas das ideias
éticas mais importantes derivaram de fontes Greco-romanas. Ele argumenta que Cristo
ele mesmo entendia sua mensagem como incompleta e que seria um erro rejeitar
suplementos seculares à moralidade cristã. Mais basicamente, a imperfeição humana
implica que a diversidade de opinião seria requerida para entender a verdade.
Depois de uma olhada nesses quatro argumentos para liberdade, Mill
brevemente aborda o argumento de que a livre expressão deve ser permitida, mas
apenas se conjugada à “discussão justa.” Ele diz que tal padrão seria muito difícil de se
sustentar por uma perspectiva prática. Mill pustula que seria preferível apenas serem
dissidents aqueles que gozassem de um alto padrão de conduta. Ultimamente, não é o
local do Direito restringir a discussão desse modo; opinião pública deve olhar para os
casos individuais e segurar ambos os lados em um mesmo padrão.

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