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Teoria das Finanças 1 Notas de Aula

Teoria das Finanças I – Graduação – 1/2019


Notas de Aula 8 – Hipótese de Mercados Eficientes (HME)
Prof. José Guilherme de Lara Resende
Departamento de Economia, Universidade de Brası́lia

1 Mercados Eficientes
A leitura recomendada para a matéria desta nota de aula é Elton, Gruber, Brown, and Goetz-
mann (2003), cap. 17 (Mercados Eficientes), Bodie, Kane, and Marcus (2013), cap. 11 ( The
Efficient Market Hypothesis), e os artigos citados ao longo desta nota de aula.

1.1 Hipótese de Mercados Eficientes


A hipótese de mercados eficientes (efficient market hypothesis, EMH – Samuelson (1965), Fama
(1970)) postula que os preços dos ativos financeiros refletem integralmente todas as informações
disponı́veis sobre esses ativos.

Mais precisamente, existem três formas da hipótese de mercados eficientes (Roberts (n.d.)):

• Forma Fraca: toda informação contida nos preços passados está refletida nos preços
correntes, ou seja, ε é imprevisı́vel, dada toda infomação passada de preços e volume de
transações. Isso implica que análises técnicas, padrões sazonais, estratégias de momento,
etc, não devem levar a um retorno anormal.

• Forma Semiforte: toda informação pública está refletida nos preços correntes, ou seja, ε
é imprevisı́vel, dada toda informação passada publicamente disponı́vel. Isso implica que
além das análises acima, análises de fundamentos (verificar dados contábeis, qualidade do
gerenciamento, linha de produtos, projetos futuros, etc) não levam a retornos anormais.
Logo, um gerente de um fundo de investimento não irá ter desempenho acima do mercado,
a não ser que assuma mais risco do que o mercado apresenta.

• Forma Forte: toda informação, pública ou não, está refletida nos preços correntes. Isso
implica que mesmo com informação privilegiada (insider trading, etc), não seria possı́vel
obter retornos anormais. Esta versão da hipótese de EMH é difı́cil de testar, mas é
consenso que os mercados não são eficientes nesse sentido (nos EUA, a Security Exchange
Committee (SEC) e no Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), têm como
uma de suas funções impedir e punir casos de insider trading, que supostamente geram
prejuı́zos para a sociedade – Bhattacharya and Daouk (2002) investigam o custo de insider
trading no mundo).

Consequência da hipótese de eficiência: não é possı́vel sistematicamente “bater” o mercado, ou


seja, obter retornos acima do retorno do mercado de modo regular. Alguns mercados podem
ser eficientes e outros não. A hipótese de mercados eficientes pode, a princı́pio, ser testada.
Usualmente, o teste é feito para a forma fraca ou para a forma semiforte da hipótese.

Os testes da hipótese de mercados eficientes assumem que os retornos dos ativos são deter-
minados por algum modelo, tal como o CAPM. Logo, esses testes são testes conjuntos, tanto
da hipótese de eficiência de mercado quanto do modelo usado para determinar os retornos
esperados de equilı́brio.

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Existem diversos testes possı́veis, e a rejeição do teste deve ser vista com cautela, pois diversos
problemas podem ocorrer. Os testes dependem da forma que queremos testar. Um mercado é
eficiente se os preços dos ativos refletem todas as informações disponı́veis. Um dos problemas
de testes da EMH é que todo teste deve assumir um modelo de equilı́brio que define qual seria
o preço ou retorno “normal ” do ativo. Logo, a rejeição da hipótese pode tanto significar que o
mercado é ineficiente ou que o modelo usado é incorreto.
Se o objetivo é testar a forma fraca, então o conjunto de informação relevante são os preços
passados. Basicamente, isso significa que a melhor previsão do preço futuro é o preço atual (o
caso de um martingale). Em um dos primeiros estudos a examinar se preços continham algum
padrão de previsibilidade, Kendall (1953) analisou séries de preços semanais e encontrou que
esses preços evoluiam de maneira aleatória, mas que a variância empı́rica dependia do tempo.
Este resultado foi com o tempo interpretado como caracterı́stica de um mercado eficiente, em
que toda informação passada que poderia ser utilizada para prever preços já estaria incorporada
neles.
Como os preços já incorporam toda informação passada, apenas informação nova pode alterá-
los. Como informação nova é imprevisı́vel, então preços são imprevisı́veis. O conceito de
martingale, descrito abaixo, captura essa ideia.
Existem diversas formas de testar a forma fraca, que tentam verificar se a variância do erro é
uma função linear do tempo, o que ocorrerá se a série de preços for um passeio aleatório. Esses
testes são chamados testes de razão de variância (Lo and MacKinlay (1988) e Cochrane (1988)
foram os primeiros autores a usarem essa metodologia).
Vamos descrever os conceitos discutidos acima formalmente. Dizemos que os preços de um
ativo são um martingale se:
Et (pt+1 ) = E(pt+1 | pt , pt−1 , . . . ) = pt ,
ou
Et (pt+1 − pt | pt , pt−1 , . . . ) = 0 .

O conceito de martingale é ligado à noção de jogo justo, ou seja, caso os preços formem um
martingale, então a melhor previsão do preço amanhã é o preço hoje.
A hipótese de preços formarem um martingale foi associada à versão fraca de eficiência de
mercado. Porém, ela não é nem necessária nem suficiente para argumentarmos que os preços
são determinados usando toda informação disponı́vel. Lucas (1978) mostra que se os retornos
são ajustados pelo risco, então a propriedade de martingale será válida.
Podemos escrever pt+1 = p1 + εt+1 , onde Et (εt+1 ) = 0. Se assumirmos que Vart (εt+1 ) é uma
constante, então dizemos que os preços do ativo seguem um passeio alelatório (random walk ).
Se permitimos um “drift”, dizemos que os preços seguem um passeio aleatório com drift. A
noção de passeio aleatório também é relacionada à eficiência de mercado. Preços de ações
(ou mais comumente, o ln dos preços, para evitarmos preços negativos caso modelemos ε com
distribuição normal) devem seguir um passeio aleatório, possivelmente com um drift:
Et (pt+1 ) = µ + pt
ou
pt+1 = µ + pt + εt
Isto implica que:
E0 (pt ) = p0 + µt
e
Var(pt ) = σ 2 t de modo que lim Var(pt ) = ∞.
t→∞

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A equação (1.1) pode ser reescrita como:


rt+1 = Et (rt+1 ) + εt

Podemos obter modelos diferentes de passeio aleatório, dependendo das restrições que impuser-
mos sobre o termo erro. Campbell, Lo, and Mackinlay (1997) definem três versões, em ordem
de generalidade:
1. RW1 : εt ∼ IID(0, σ 2 ).
2. RW2 : εt são independentes mas não identicamente distribuı́dos.
3. RW3 : εt são não correlacionados, mas podem ser dependentes e não identicamente dis-
tribuı́dos.

Podemos interpretar essas equações como:


• Preços refletem toda informação disponı́vel.
• Preços reagem a novas informações instantaneamente: pt = Et (pt+1 ) − µ.
• No free lunch: altos retornos só podem ser obtidos ou i) tomando maior risco, ii) pela
aquisição de informação não amplamente disponı́vel e com custo, para explorar oportu-
nidades de arbitragem (ou, ex post, por mera sorte, obviamente).

Uma adaptação da EMH foi proposta por Grossman and Stiglitz (1980): os preços dos ativos
refletem toda informação até que os custos marginais de obtenção de informação e negociação
não superem o seu benefı́cio marginal. Mais ainda, Grossman and Stiglitz (1980) argumentam
que um mercado inteiramente eficiente é impossı́vel de existir, pois isto implicaria a inexistência
de ganhos em obter informação. Além disso, mercados distintos podem ter diferentes graus de
eficiência, refletindo o quão grande e organizado o mercado é.

1.2 Consequências
Se os mercados financeiros forem eficientes, então as consequências para administração ativa
de carteiras são:
• Uma estratégia de administração ativa de carteira baseada em informação pública não
geraria retorno esperado maior do que uma estratégia passiva, na média.
• Uma estratégia de administração ativa de carteira baseada em informação pública, mas
com custo de obtenção, geraria um retorno esperado maior do que uma estratégia passiva,
maior apenas por um montante suficiente para compensar o administrador pelos custos
de obtenção e processamento da informação.
• Oportunidades de arbitragem são exploradas rapidamente, pois não permanecerão por
muito tempo no mercado.

Então, análises técnicas de mercado, que consistem em usar dados passados sobre os ativos
financeiros para encontrar padrões ou anomalias que possam gerar estratégias de investimento
lucrativas, não deve gerar retornos anormais.

Os dados de retorno costumam mostrar tendência de “momento” para prazos curtos e tendência
de “reversão” para prazos longos. Mas se a forma fraca da hipótese de eficiência de mercado
for válida, então a análise técnica será irrelevante.

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A hipótese de eficiência de mercado não diz que:

• os preços não são causados por coisa alguma;

• os investidores são tolos ou não sabem operar no mercado;

• todos os ativos financeiros têm o mesmo retorno esperado;

• os investidores devem “jogar dardos ao acaso” para escolher sua carteira;

• não há tendência de crescimento dos preços das ações.

A hipótese de eficiência de mercado diz que:

• os preços refletem valores intrı́nsecos;

• os administradores financeiros não são capazes de se antecipar ao mercado na venda de


ações e obrigações;

• as vendas de ações e obrigações não resultam em queda de preços;

• não é possı́vel manipular dados contábeis.

1.3 Evidência Empı́rica


Atualmente, é consenso de retornos que ações e bônus americanos possuem um componente
previsı́vel, mas não o suficiente para levar a estratégias lucrativas de arbitragem.

A evidência empı́rica para cada uma das formas, no mercado americano, é:

• forma fraca: aceita, com algumas ressalvas. Existem tendências nos retornos espera-
dos que parecem contradizer a forma fraca. Porém essas tendências não parecem ser
lucrativas.

• semi-forte: aceita, também com ressalvas. Mercado parece reagir rapidamente a novas
informações, incorporando essas informações rapidamente nos preços.

• forte: difı́cil de testar. Não é aceita em geral: informação privilegiada resulta em possi-
bilidade real de ganhos.

Porque tanta resistência em aceitar que mercados são eficientes?

• concepção leiga do que significa mercado eficiente.

• “moda” de dizer que mercados são irracionais.

• atual crise financeira.

• ilusões de ótica no comportamento de retornos.

• existem evidências em contrário (sazonalidade, anomalias, previsão de retornos).

• os testes da hipótese são imperfeitos.

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Referências
Bhattacharya, U., & Daouk, H. (2002). The world price of insider trading. Journal of Finance,
57:1 , 75-108.
Bodie, Z., Kane, A., & Marcus, A. (2013). Investiments (10th edition). McGraw Hill-Artmed.
Campbell, J. Y., Lo, A. W., & Mackinlay, A. C. (1997). The econometrics of financial markets.
Princeton University Press.
Cochrane, J. H. (1988). How big is the random walk in gnp? Journal of Political Economy,
96 , 893-920.
Elton, E., Gruber, M., Brown, S., & Goetzmann, W. (2003). Moderna teoria de carteiras e
análise de investimentos. Editora Atlas.
Fama, E. F. (1970). Efficient capital markets: a review of of theory and empirical work.
Journal of Finance, 25:2 , 383-417.
Grossman, S., & Stiglitz, J. (1980). On the impossibility of informationally efficient markets.
American Economic Review , 70 , 393-408.
Kendall, M. G. (1953). The analysis of economic time series, part i: prices. Journal of the
Royal Statistical Society, 116:1 , 11-34.
Lo, A. W., & MacKinlay, A. C. (1988). Stock market prices do not follow random walks:
evidence from a simple specification test. Review of Financial Studies, 1:1 , 41-66.
Lucas, R. (1978). Asset prices in an exchange economy. Econometrica, 46 , 1429-1446.
Roberts, H. (n.d.). Statistical versus clinical prediction of the stock market.
Samuelson, P. A. (1965). Proof that properly anticipated prices fluctuate randomly. Industrial
Management Review , 6 , 41-49.

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